A GOVERNANÇA CORPORATIVA NO ENSINO SUPERIOR PRIVADO COM FINS LUCRATIVOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA NO PERÍODO DE 2007 A 2018.

CORPORATE GOVERNANCE IN PRIVATE FOR-PROFIT HIGHER EDUCATION: A LITERATURE REVIEW FROM 2007 TO 2018

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.8349305


Pania Pires dos Santos e Silva[1]
Fabíola Bouth Grello Kato[2]
Maria Caroline Cavalcante dos Santos[3]
Ana Paula Batista da Silva Brito[4]
Nonato Sousa Gonçalves[5]
Antônio Soares Junior[6]


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as produções acadêmicas por meio de uma revisão de literatura sobre a adoção do modelo de Governança Corporativa pelas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas com fins lucrativos, entre o período de 2007 a 2018. A metodologia adotada neste artigo está baseada na pesquisa bibliográfica a partir do levantamento de teses e dissertações coletadas no banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os resultados apontam a necessidade urgente de fomentar as discussões acerca da Governança Corporativa nas IES privadas com fins lucrativos, visto que são poucas as publicações sobre o tema.

Palavras-chave: Revisão da Literatura, Governança Corporativa, Ensino Superior Privado.

Abstract

This article aims to analyze academic productions through a literature review on the adoption of the Corporate Governance model by private for-profit Higher Education Institutions (HEIs), between the period 2007 to 2018. The methodology adopted in this article it is based on bibliographical research based on a survey of theses and dissertations collected in the database of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES). The results point to the urgent need to encourage discussions about Corporate Governance in private for-profit HEIs, since there are few publications on the subject.

Keywords: Review of Literature. Corporate Governance. Private Higher Education.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é fruto da revisão de literatura de uma dissertação[7] de mestrado desenvolvida no âmbito da Linha de Pesquisa em Políticas Públicas Educacionais do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED), da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ressaltamos que o estudo faz parte dos projetos de pesquisa Financeirização e expansão do Ensino Superior privado-mercantil no Brasil, e a Governança Corporativa no Ensino Superior privado-mercantil: um estudo de caso da Universidade da Amazônia (UNAMA)[8], que visam investigar as implicações da abertura de capital de empresas educacionais e os efeitos da nova configuração do ensino superior brasileiro privado-mercantil.

A expansão do ensino superior privado-mercantil faz parte de um movimento contínuo que se iniciou desde a reforma universitária de 1968, passou pela explosão das matrículas na década de 1970, pelo refluxo do setor nos anos de 1980 e pela retomada, a partir da segunda metade dos anos de 1990, em decorrência do projeto de gestão adotado pelos governos brasileiros de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002) e seus sucessores do Partido dos Trabalhadores (2003-2016) (Fonseca, 1992).

Em 1980, conforme dados do Mapa do Ensino Superior privado de 2008, o Brasil já contava, em sua estrutura, com 882 Instituições de Ensino Superior (IES). Desse total, 200 (22,68%) eram públicas e 682 (77,32%) eram privadas. Já no último Censo da Educação Superior, publicado em 2020, verifica-se que existem, no Brasil, 2.457 IES, dentre as quais, 304 (12,37%) são públicas e 2.153 (87,63%) são privadas (BRASIL, 2020b).

Conforme afirma Carvalho (2013), na época da Ditadura Militar (1964-1985), o setor privado era composto majoritariamente de IES confessionais e comunitárias (sem fins lucrativos), e não havia precedente jurídico para a existência de empresas educacionais (Carvalho, 2013). Entretanto, de acordo com Corbucci, Kubota e Meira (2016a), após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/1996 (Brasil, 1996) –, entende-se que, a partir de então, especialmente no período dos anos 2000, houve uma sustentação da maior parte das ações de Estado que não apenas incentivou, mas também subsidiou o desenvolvimento de empresas educacionais no país, direta e indiretamente.

Nesse sentido, Amaral (2003) ressalta que, antes mesmo da Constituição Federal, em seu art. 206, inciso “III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino” (Brasil, 1988a), já existia um leque diversificado no ensino superior no Brasil. Contudo, a diversificação foi acentuada após a LDB, a qual prevê, em seu art. 45, que “A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” (Brasil, 1996).

A partir da discussão, podemos destacar as práticas de governança corporativa que se inseriram no campo educacional doravante a reforma operada por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) (Brasil, 1995) e já citava a LDB (Brasil, 1996), ao regulamentar o mercado educacional por “instituições com fins lucrativos” (Santos, 2012).

A Governança pode ser entendida a partir de variadas abordagens teórico-metodológicas, contudo, para os fins deste texto, consideramos uma forma de gestão permeada de conceitos e estratégias neoliberais, os quais influenciam o direcionamento das políticas públicas para Educação Superior. Educação e Governança são termos que representam a relação entre tendências contemporâneas no direcionamento das políticas públicas educacionais (Ball, 2014).

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) conceitua a Governança Corporativa como um “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas” (IBGC, 2022).

Com a adoção da Governança Corporativa, as organizações esperam passar uma maior segurança aos investidores das respectivas ações. O monitoramento se dá a partir do controle, da visibilidade aos acionistas de todas as ações administrativas (transparência) e dos investimentos de mercado que a empresa pretende fazer, bem como a partir do controle do investimento, quanto à oferta de um retorno positivo conforme as expectativas. Essas ações de transparência se dão por meio das auditorias (internas e externas) e dos relatórios divulgados pelas empresas aos acionistas. São ações intrínsecas à GC (Polizel; Steinberg, 2013).

Diante disso, o presente artigo tem por objetivo geral analisar as produções acadêmicas por meio da revisão da literatura sobre a Governança Corporativa em IES privadas com fins lucrativos no período de 2007 a 2018. Os anos de 2007 a 2018 justifica-se por ser o recorte temporal da dissertação mencionada anteriormente.

Ressaltamos que a revisão da literatura é fundamental para análise das produções científicas relacionadas aos diversos temas da atualidade, seja na educação, economia e dentre outros, assim como deixa em evidencia a quantidade de estudos sobre a temática e a necessidade de continuidade de investigação. (MAINARDES, 2006).

2 METODOLOGIA

Para produção deste artigo adotamos a metodologia de pesquisa bibliográfica, e conforme Gil (2008), por pesquisa bibliográfica entende-se a leitura, a análise e a interpretação de material impresso. Entre eles podemos citar livros, documentos mimeografados ou fotocopiados, periódicos, imagens, manuscritos, mapas, entre outros.

A busca pelas produções ocorreu pelo banco de dados de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), com o intuito de identificar as lacunas que precisam ser preenchidas para a produção do conhecimento sobre o objeto. Dessa forma, realizamos a revisão de literatura com base nos referidos bancos[9] sobre: “Governança Corporativa e “Ensino Superior privado”.

Neste caso, especificamos que, no catálogo da CAPES, os refinamentos se deram por meio da área de conhecimento, Ciências Humanas em geral[10], e por meio da área de concentração: Educação, Políticas Públicas, Gestão, e Avaliação do Ensino Superior. Ao total, foram encontrados 15.374 resultados. No segundo filtro, consideramos somente trabalhos com o recorte temporal de 2007 a 2020, o que totalizou 430 estudos desse total.  Após um refinamento por título, restaram 18 trabalhos e, somente após a leitura do resumo desses trabalhos, selecionamos 7 pesquisas que tratam especificamente das mudanças nas instituições decorrentes das alterações na forma de gestão ocorridas em instituições de Ensino Superior privado-mercantil a partir da adoção da Governança Corporativa, sendo: 3 Dissertações e 4 Teses.

Na base de dados da BDTD, os refinamentos são menos restritos, limitando-se ao período e ao tipo de pesquisa, bem como a termos pesquisados usando os mesmos descritores da CAPES. Destacamos que o total dos resultados encontrados foi de 924 trabalhos. A partir do recorte temporal entre 2007 e 2018, restaram 320 trabalhos e a partir da leitura dos títulos, selecionamos 35 em que constavam as categorias Governança Corporativa e Ensino Superior. Após eliminar alguns trabalhos já coletados anteriormente no banco de dados da CAPES e as demais leituras dos resumos, ao final, foram selecionados 5 textos.

No catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e na BDTD, foi encontrada uma somatória de 12 trabalhos, sendo 6 Dissertações de Mestrado e 6 Teses de Doutorado. Nessa etapa da seleção, consideramos os estudos que abordaram questões pertinentes às alterações decorrentes da adoção do modelo de Governança Corporativa em instituições de Ensino Superior privado-mercantil.

A seguir, a partir do mapeamento dessa produção acadêmica acerca da Governança Corporativa no Ensino Superior privado-mercantil, buscamos extrair as principais inquietações dos pesquisadores sobre as categorias centrais.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

É importante destacar que nos anos de 2009, de 2010 a 2013, e em 2018, encontramos um trabalho em cada ano. Em 2014, encontramos 2 trabalhos e, em 2016, 4 trabalhos, totalizando 12 trabalhos. Dentre as 12 produções, observamos uma baixa densidade discursiva sobre a Governança Corporativa e as repercussões na Educação Superior. O assunto vem reestruturando e reorganizando os parâmetros de gestão das instituições de Ensino Superior privado-mercantil, que, atualmente, representa 88,2% dessas instituições, entre universidades, centros de ensino e, principalmente, faculdades (BRASIL, 2018). Essas instituições são responsáveis por 77,46% das 6.724.339 matrículas dos cursos de Graduação no país (BRASIL, 2020b).

Quanto às categorias priorizadas pelos pesquisadores, constatamos que 8 dos 12 trabalhos apresentam a categoria Governança explícita em seus títulos. Contudo, após uma análise individual das produções, foi possível verificar que, mesmo não sendo apresentada a categoria no título, os autores assumem a Governança como uma das categorias centrais. As outras categorias encontradas nas pesquisas foram: Educação Superior privada, boas práticas de governança, bem comum global, educação transnacional, FIES, rede de governança, fundo público, financeirização, entre outras. No Quadro 1, a seguir, apresentamos a seleção dos trabalhos.

Quadro 1 – Relação de trabalhos selecionados para revisão de literatura nas bases de dados CAPES e BDTD

 AutorTítuloNível/Ano/ InstituiçãoÁrea do conhecimentoBase de Dados
01Ana Cláudia RossettoGovernança Corporativa em Instituições de Ensino Superior Particular: um estudo das instituições que abriram seu capital na Bovespa e aderiram às boas práticas de Governança CorporativaDissertação / 2009 / PUC-SPCiências ContábeisCAPES
02Roberto Antônio RennerGovernança Corporativa em mantenedoras de Instituições de Ensino Superior privadoDissertação / 2010 / UNISSINOS- RSCiências ContábeisBDTD
03          Andréa Araújo do Vale“As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora”: a trajetória da Estácio de Sá da filantropia ao mercado financeiroTese / 2011 / UERJ-RJPolíticas Públicas e Formação HumanaCAPES
04Aline Veiga dos SantosA governança da Educação Superior privada: sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docenteDissertação / 2012 / UCBEducaçãoCAPES
05Ivan Barreto de Lima RochaAs dificuldades de implantação de práticas de Governança Corporativa em ONGsDissertação / 2013 / UFPE-PEAdministraçãoBDTD
06Antônio Martinho Pereira de SouzaGovernança Corporativa e performance em Instituições de Ensino Superior: um estudo multicasos em empresas negociadas na BM&FBovespaDissertação / 2014 / FNH-BHAdministraçãoCAPES
07Charlini Contarato SebimA intensificação do trabalho docente no processo de financeirização da Educação Superior: o caso da Kroton no Estado do Espírito SantoTese / 2014 / UFES-ESEducaçãoBDTD
08João Ribeiro dos Santos FilhoFinanciamento da Educação Superior privado-mercantil: incentivos públicos e financeirização de grupos educacionaisTese / 2016 / UFPA-PAEducaçãoCAPES    
09André Luiz Nascimento VilelaGovernança Corporativa em uma Instituição de Ensino Superior privada: um estudo de casoDissertação / 2016 / UFF-RJSistemas de GestãoBDTD
10Fabio Luciano Oliveira CostaFinanceirização do capital no Ensino Superior privado com fins lucrativos no Brasil (2007-2012)Tese / 2016 / USP-SPEducaçãoBDTD
11Natan Ben-Hur BragaPor uma regulação e governança transnacional da Educação Superior: um bem comum globalTese / 2016 / UNIVALI-SCDireitoCAPES
12Aline Veiga dos SantosA hegemonia do capital na rede de governança do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)Tese / 2018 / UCBEducaçãoCAPES
Fonte: elaboração própria (2021).

A escolha dos textos a serem utilizados na pesquisa se deu da seguinte maneira: após as leituras das Teses e Dissertações dos autores levantados, optamos por escolher os materiais que mais se aproximavam do objeto da investigação. Depois disso, selecionamos seis trabalhos, quais sejam: as Dissertações de Rossetto (2009) e Souza (2014); a Tese de Vale (2011); as Dissertações de Renner (2010) e Vilela (2016); e a Tese de Santos (2018).

As Dissertações de Rossetto (2009) e Souza (2014) apresentam a Governança Corporativa como uma categoria central. Contudo, conforme o desenvolvimento dos trabalhos, é possível compreender que a lógica defendida pelos autores é a da racionalidade e da necessidade de implementação da Governança Corporativa como possibilidade de sucesso financeiro, captação de recursos e longevidade das instituições que atuam no Ensino Superior privado e que aderem às boas práticas de governança. Em termos metodológicos, são pesquisas descritivas, de abordagem qualitativa, recorrendo ao método do estudo multicasos.

Rossetto (2009) apresenta como pontos positivos de seu trabalho algumas estratégias de sucesso financeiro alcançadas por instituições como Estácio[11] e Kroton. Souza (2014), além das instituições investigadas por Rossetto (2009), apresenta dados financeiros da empresa “Ser Educacional”, nessa mesma perspectiva de defesa da Governança Corporativa.

Destacamos, ainda, que Rossetto (2009) e Souza (2014) não ultrapassam as estratégias de expansão financeira das empresas de Ensino Superior privado, apresentando uma lacuna quanto à preocupação com a qualidade da educação ofertada. Essa pesquisa se ocupa, na maior parte, da apresentação de análises da Governança Coorporativa atrelada a resultados de expansão, e não tem nenhuma preocupação com o fato de essas empresas atuarem em um setor social específico, que é o setor educacional, nem em avaliar como a adoção desse modelo de gestão altera toda a perspectiva política, organizacional e pedagógica das instituições.

A autora Vale (2011), em sua Tese de Doutorado, tem como objetivo apresentar e examinar a expansão da Educação Superior privada no Brasil a partir da trajetória da instituição de Ensino Superior Estácio de Sá. As metodologias adotadas foram a pesquisa bibliográfica e as análises documentais. Na conclusão, Vale (2011) expressa que o plano inicial da pesquisa era investigar as consequências da gestão para o trabalho docente, entretanto, no decorrer da investigação, a autora sentiu a necessidade de enveredar pelos problemas das políticas educacionais que permeiam o campo educacional no país, todos pautados pela lógica do capital financeiro.

É importante ressaltar que a hipótese central da autora Vale (2011, p. 9) é a de que “este setor educacional tem se tornado, progressiva, mas firmemente, um importante espaço de acumulação capitalista, embora com diferentes faces desde os anos 1970 até os dias atuais”. Esse trabalho se tornou o mais relevante para nossa pesquisa, pois Vale (2011) apresenta historicamente as metamorfoses por que passou a Estácio como empresa, sempre atendendo à organização jurídica de sua época, chegando até a Estácio/YDUQS Participações S.A. financeirizada, em 2010.

Embora a Tese de Vale (2011) tenha seu limite histórico por se tratar de pesquisa já produzida há uma década, esse trabalho nos estimulou a retomar este objeto e empresa em particular pelo fato de a Estácio/YDUQS Participações S.A. ser uma das quatro empresas educacionais com ações na Bolsa de Valores e a segunda em número de matrículas, com muitas estratégias para expansão da companhia. Destacamos que, na construção desta pesquisa, enveredamos na busca da continuidade aos achados tão oportunos à época da Tese de Andréa Vale e que, hoje, tornam-se mais necessários ainda de serem lidos e continuados, uma vez que a Governança Corporativa está delineando alterações de gestão institucional contínuas, e que isso reflete no modo de ensino.

Frisamos que os fatos apresentados pela autora no decorrer do recorte temporal de sua Tese não tiveram como objetivo principal a mudança no modelo de gestão (da filantropia para a governança), tornando-se esta um problema secundário da investigação.

O foco principal do trabalho de Vale (2011) está na apresentação das materialidades que levam às políticas públicas educacionais estabelecidas pelo Estado como política de favorecimento aos oligopólios educacionais, por meio de financiamentos e utilização do fundo público, assim como as principais estratégias relacionadas com a exploração e a intensificação do trabalho docente nesse tipo de instituição educacional.

A autora ratifica que o avanço do capital na exploração do trabalhador docente despreza a natureza do trabalho pedagógico e as implicações políticas, sociais e éticas envolvidas nessa atividade, ao intensificar e precarizar as condições de trabalho.

As Dissertações de Renner (2010) e Vilela (2016) têm como objetivo investigar as práticas de Governança Corporativa em mantenedoras de instituições de Ensino Superior privadas. As pesquisas são quantitativas e descritivas, não ultrapassando os limites dessa metodologia de pesquisa, tanto que, em ambas, uma das preocupações centrais dos autores é demonstrar o cumprimento das regras estabelecidas pelo IBGC no âmbito das instituições que aderiram à Governança Corporativa, não apresentando nenhuma análise quanto à qualidade e à preocupação com os serviços educacionais. A principal expectativa dos autores é com o atendimento às normas e aos princípios impostos pelas boas práticas de governança como principal ferramenta de longevidade das empresas.

É importante ressaltar que, apesar de ambos os autores trabalharem com a categoria da Governança Corporativa de forma central, Renner (2010), por exemplo, limita-se a analisar a estrutura de organização dos conselhos e a reestruturação dessa organização diante das práticas de Governança Corporativa. Vilela (2016), assim como Renner (2010), defende a implantação da Governança Corporativa como forma de sobrevivência das instituições de Ensino Superior privadas no país.

Ressaltamos que, em alguns momentos, esse último autor apresenta críticas aos pesquisadores da área da Educação, como, por exemplo, ao professor Sguissardi (2008), que, em suas pesquisas, posiciona-se criticamente em relação ao grau de mercantilização do ensino oferecido, à não interferência do Estado na atuação pedagógica dos cursos de Graduação e à falta de regulação sobre a participação das instituições de Ensino Superior privadas. Porém, não ultrapassa a citação, o que não proporciona uma materialidade histórica dos fatos.

Vilela (2016, p. 16) afirma que:

Tal questão se revela ainda mais importante porque o mercado brasileiro de ensino superior passa por mudanças, como fusões e aquisições entre as instituições de ensino superior privadas, entrada de grupos internacionais, escassez dos recursos financeiros, diminuição pela procura por cursos superiores e o aumento da competição dentro deste mercado.

Assim, reafirma a Governança como uma saída para as empresas educacionais se manterem vivas no mercado. Em Santos (2012, 2018), uma das categorias centrais apresentadas é a Governança Corporativa. Em sua Dissertação, a ênfase é para as consequências da expansão do Ensino Superior privado-mercantil (via Governança) para o trabalho docente. A Tese de Santos (2018), intitulada A hegemonia do capital na rede de governança do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), tendo como categoria principal o financiamento estudantil, pautou-se na argumentação de que esse programa se desenvolveu como política mercadológica, consolidadora dos conglomerados e indutora da privatização e da financeirização do Ensino Superior.

Para Santos (2018), o objetivo principal da política de expansão via financiamento público consolida a reafirmação do discurso da promoção da democratização do acesso e da garantia de permanência no Ensino Superior ao beneficiar estudantes desfavorecidos economicamente por meio de um programa federal dessa monta, como é o caso do FIES. Contudo, ressalta que o investimento de fundo público, ao fortalecer o setor privado por meio de uma rede de governança, contribuiu fortemente para a transferência de um direito social para a esfera do setor privado.

Nessa esteira, o capital fortalece sua hegemonia e avança na busca de mais lucro e de novos nichos de mercado. Por fim, a pesquisadora enfatiza a carência nos escritos que tratam das alterações institucionais por meio da adoção de Governança Corporativa, especificamente em IES privado-mercantis, consideradas, pela autora, como um campo em disputa ideológica e política.

Podemos afirmar que, dentre os estudos encontrados, além da Tese de Vale (2011), o trabalho produzido por Santos (2018) é um dos que mais se aproxima do nosso objeto de estudo, pois sua Tese de Doutorado apresenta entre os resultados uma rede de governança que permeia a Educação Superior privada. A rede de governança se torna grande indutora da hegemonia dos grupos privados de educação, entretanto, a ênfase em seu estudo é para a utilização de fundos públicos, como o FIES, para financiar o Ensino Superior nas IES privadas com fins lucrativos.

Este levantamento é importante para demonstrar que estamos caminhando para a estruturação na produção de conhecimento em Políticas Públicas para a Educação Superior com foco nas atividades dessas empresas que se estruturam a partir dessa configuração, obedecendo à exigência do mercado de ações.

É válido destacar que a adoção do modelo de gestão da Governança Corporativa por empresas com oferta no Ensino Superior privado com fins lucrativos constitui-se numa primeira etapa, sendo uma das exigências para que as empresas possam operar na Bolsa de Valores. Nesse sentido, pontuamos que a Estácio/YDUQS Participações S.A., anteriormente à sua abertura de capital, já adotara a Governança Corporativa como um dos instrumentos de reestruturação da companhia, mas, apenas em 2007, passou a ofertar suas ações no mercado financeiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção da Governança Corporativa é uma das etapas das alterações da fisionomia do setor privado, principalmente, o setor lucrativo. Este passa a ser orientado ao longo dos anos, combinando intenso processo de aquisições e fusões de instituições já reconhecidas no mercado, privilegiando IES organizadas, como universidades, por possuírem a prerrogativa de criar cursos menos onerosos e de extingui-los à sua própria vontade, e, sobretudo, pelos incentivos legais realizados pelo Estado brasileiro por meio das políticas de financiamento estudantil, como o FIES, e de incentivos fiscais, como o ProUni.

Assim, notamos que a precarização do trabalho docente bem como as mudanças no modelo de gestão para Governança Corporativa passa a limitar a autonomia de professores para que sejam atendidas a lógica do ensino privado. A busca desenfreada por lucros refere-se a fase inicial do movimento de financeirização, no qual destaca-se a produção, que tende a ser intensificada e ao passo que se tornam inaptos formas anteriores que vislumbravam uma autonomia e participação nos processos de gestão por parte de alunos e docentes.

Portanto, existe uma necessidade de aprofundar as pesquisas a respeito da financeirização, da oligopolização, da mercantilização e sobre o modelo de Governança Corporativa cada vez mais presente nas empresas educacionais, pois são provenientes das mudanças ocorridas nas últimas décadas, as quais seguem a lógica capitalista/empresarial de extração financeira. Trata-se de uma dinâmica em que os interesses dos donos das instituições, dos acionistas, dos investidores da Bolsa de Valores, estão acima dos interesses dos demais sujeitos das IES, ou seja, atende-se não a uma lógica produtiva orientada pelo capital produtivo, mas à lógica da especulação (presente no mercado de capitais).

REFERÊNCIAS

AMARAL, N. C. Financiamento da Educação Superior: Estado X mercado. São Paulo: Cortez; Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003.

BRAGA, N. B. Por uma regulação e governança transnacional da Educação Superior: um bem comum global. 2016. Tese (Doutorado em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2016.

BRASIL. Câmara da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, DF: Presidência da República, 1995. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-dareforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf. Acesso em: 14 out. 2019. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 set. 2022.   

BRASIL. Decreto nº 5.493, de 18 de julho de 2005. Regulamenta o disposto na Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Brasília, DF: Presidência da República, 2005a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5493.htm. Acesso em: 17 set. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Educação Superior – Graduação. Sinopse estatística da Educação Superior 2020. Brasília, DF: MEC/INEP, 2020b. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acessoa-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-superior-graduacao. Acesso em: 11 set. 2022.

CAPES. Catálogo de teses e dissertações. Disponível em: http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Acesso em 20 jul. 2021.

CARVALHO, C. H. A. A mercantilização da Educação Superior brasileira e as estratégias de mercado das instituições lucrativas. Revista Brasileira de Educação, v. 18, n. 54, p. 761801, jul./set. 2013. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S141324782013000300013&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 2 jul. 2019.

COSTA, Fábio Luciano Oliveira. Financeirização do capital no ensino superior privado com fins lucrativos no Brasil (2007-2012). 2016. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

FONSECA, D. M. O pensamento privatista em educação. 1. ed. Campinas: Papirus, 1992.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MAINARDES, Jefferson. Organização da escolaridade em ciclos no Brasil: revisão da literatura e perspectivas para a pesquisa. Educação e Pesquisa, v. 32, p. 11-30, 2006.

RENNER, R. A. Governança Corporativa em mantenedoras de Instituições de Ensino Superior privado. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2010.

ROCHA, I. B. L. As dificuldades de implantação de práticas de Governança Corporativa em ONGs. 2013. Dissertação (Mestrado em Administração) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

ROSSETTO, A. C. Governança Corporativa em Instituições de Ensino Superior particular: um estudo das instituições que abriram seu capital na Bovespa e aderiram às boas práticas de Governança Corporativa. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

SANTOS, A. V. A hegemonia do capital na rede de governança do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). 2018. Tese (Doutorado em Educação) – Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação, Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2018. 

SANTOS, A. V. A governança da Educação Superior privada: sobre implicações da formação dos oligopólios no trabalho docente. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2012. 

SOUZA, A. M. P. Governança Corporativa e performance em Instituições de Ensino Superior: um estudo multicasos em empresas negociadas na BM&F BOVESPA. 2014. Dissertação (Mestrado em Administração) – Centro Universitário Unihorizontes, Belo Horizonte, 2014.

SANTOS FILHO, João Ribeiro dos. Financiamento da educação superior privado-mercantil: incentivos públicos e financeirização de grupos educacionais. 2016. Tese (Doutorado em Educação) – Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.

SEBIM, Charlini Contarato. A intensificação do trabalho docente no processo de financeirização da educação superior: o caso da Kroton no Estado do Espírito Santo. 2014. 201 f. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014.

VALE, A. A. “As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora”: a trajetória da Estácio de Sá da filantropia ao mercado financeiro. 2011. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

VILELA, A. L. N. Governança Corporativa em uma Instituição de Ensino Superior privada: um estudo de caso. 2016. Dissertação (Mestrado em Sistemas de Gestão) – Escola de Engenharia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.


[1] Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (PPGED-UFPA). E-mail: paniapires@gmail.com

[2] Professora de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (PPGED-UFPA). E-mail:  fabiola_kato@hotmail.com

[3] Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (PPGED-UFPA). E-mail: carollcavalcante98@gmail.com

[4] Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (PPGED-UFPA). E-mail:  anapaula.pbs@hotmail.com

[5] Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Pará (PPGG-UEPA). E-mail: nonato@uepa.br 

[6] Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Pará. E-mail: psi.antoniojr@gmail.com


[7] SILVA, Pania Pires dos Santos e. A governança corporativa no ensino superior com fins lucrativos: o modelo institucional da Estácio Participações S/A (YDUQS) no período de 2007 a 2020. 164f. 2023. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2022.
[8] Essa pesquisa foi ampliada posteriormente para “Financeirização da educação superior privado-mercantil, modelo de governança corporativa e os efeitos para o trabalho docente no Pará”, financiada pelo edital universal e coordenada pela professora Fabíola Kato até fevereiro de 2023.
[9] Catálogo de tese e dissertações da Capes e BNdt
[10] Como se observa nas produções encontradas na base de dados da CAPES, não limitamos a busca apenas a trabalhos da área da Educação, o que nos proporcionou uma melhor compreensão da visão científica dos demais campos acadêmicos das Ciências Humanas em geral sobre esse modelo de gestão.
[11]Mantivemos o nome “Estácio” na análise dos trabalhos referentes à revisão de literatura