A EJA NO CAMPO: RESISTÊNCIA NO CENÁRIO POLÍTICO, SOCIAL E EDUCACIONAL

EJA IN THE FIELD: RESISTANCE IN THE POLITICAL, SOCIAL AND EDUCATIONAL SCENARIO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7579616


Lívia Barbosa Pacheco Souza1
Michel da Costa2
Ivana dos Santos Ribeiro3
Marcela Mary José da Silva4
Lucas Coelho dos Santos5
Alderise Pereira da Silva Quixabeira6
Maria Cristina dos Santos Louzada7
Mauricio Aires Viera8
Ruhena Kelber Abrão Ferreira9


Resumo

O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa a qual é aborda a temática da escolarização de jovens e adultos e as lutas dos mesmos na busca pelo conhecimento no espaço de vivências e experiências em que estão inseridos, o campo. O objetivo foi identificar o processo histórico no processo de escolarização desses jovens e adultos e o processo de aquilombamento de resistência no cenário político. Atrelado a isso, foi necessário conhecer o historicismo da educação no Brasil Colônia, a evolução de projetos ligados à causa dos povos do campo na busca pela educação enquanto uma forma de libertação coletiva e contextualizar os desafios e perspectivas que o cenário político e social trouxe.

Palavras-Chave: EJA. Quilombismo. Brasil Colônia.

Abstract

The present work is a qualitative research which addresses the theme of schooling of young people and adults and their struggles in the search for knowledge in the space of experiences in which they are inserted, the field. The objective was to identify the historical process in the schooling process of these young people and adults and the process of resistance gathering in the political scene. Linked to this, it was necessary to know the historicism of education in Colonial Brazil, the evolution of projects linked to the cause of rural people in the search for education as a form of collective liberation and contextualize the challenges and perspectives that the political and social scenario brought.

Keywords: EJA. Quilombism. Colony Brazil.

Introdução

A educação é de suma importância para os seres humanos. Ela é tida como uma forma de se apropriar da cultura, do que já vem sendo trazido pela história e um meio de sobrevivência (ABRÃO, DEL PINO, 2016). Gadotti (2000) menciona que a educação é mesmo o maior dos poderes do homem sobre o homem, mas quando pensamos no homem do Campo, dos povos Ribeirinhos, nos Quilombos… muitas vezes, o conhecimento formal, advindo da escola acaba por encontrar barreiras.

Nos últimos cinco anos, vivenciamos um silenciamento das Políticas Públicas e programas de formação continuada direcionadas a Educação de Jovens e Adultos. Inegavelmente a EJA, no Brasil, continua sendo vista como menos importância em relação às outras modalidades e etapas de ensino (ABRÃO, NOLETO, 2018).

No Período Imperial acontece uma significativa preocupação com institualização da escola no Brasil para a instrução de jovens e adultos das camadas consideradas mais baixas, com o objetivo de civilização desse conjunto, especialmente os da cidade. Pela primeira metade do século XX acontece uma grande preocupação com o nível em que se encontrava o analfabetismo de 80% no Brasil (ABRÃO, SANTOS, 2018).

Iniciativas foram tomadas, porém, existia sempre o conflito entre as camadas mais pobres com a elite. Por este motivo, a alfabetização se faz tão importante ao indivíduo, pela necessária consciência de seus direitos que são rompidos pela ausência do conhecimento. Na década de 90 foi garantida a Educação de Adultos. No entanto, o governo se destituiu a garantia desta modalidade de ensino, assim os estados e municípios, para poderem garantir este direito do cidadão a educação, abrangem seus programas de educação de adultos. A educação Básica é essencial para o crescimento de qualquer ser humano (RAMOS, 2012).

No entanto, nos últimos anos, diversos sujeitos têm direcionado suas pesquisas para a Educação de Jovens e Adultos e as especificidades do/no Campo. Movimentos oriundos principalmente da década de 60, a qual teve como maior precursor Paulo Freire que direcionou diversas lutas em prol de uma educação emancipatória (RAMOS, 2012). Logo, o Patrono da educação brasileira sugere uma pedagogia que contemple as verdadeiras necessidades de aprendizagem dos educandos adultos, como também de movimentos que ocorreram na época em que o Brasil foi “descoberto”, momento no qual a exploração, violência e genocídio eram encobertos pelas falsas ideias vindas da educação catequizadora dos padres jesuítas era posta em prática (SOARES, PEDROSSO, 2016) .

O espaço geografico “campo” acaba tendo uma ligação muito forte com o passado histórico do Brasil Colônia em que a educação tinha o papel de colonizar as mentes, de genocidar as culturas de exterminar os saberes que os indígenas e negros possuíam antes dos portugueses iniciarem os processos de exploração (PAIVA, 1984). Essa educação era passada por meio dos jesuítas, ou seja, era uma educação catequizada de subalternização e domínio, pois a implementação de costumes, cultura, política, do Ocidente-Europeu, com o apoio da Coroa Portuguesa, visava a implementação da pedagogia da repetição, memorização e provas periódicas.  O aluno, a essa época, era considerado tábula rasa, isto é, sem nenhum conhecimento próprio e por isso deveria ser subordinado a tudo que o professor mandasse (GROSFOGUEL, 2007).

        Em diálogo com Abdias Nascimento e Paulo Freire, podemos comparar a EJA no campo como uma forma de aquilombamento, já que o sentido do formato desta é emancipatório, pautado na formação crítica, de resistência na educação desse público que faz parte da geografia do campo e que também é uma comunidade de saberes e tradições que buscar lutar contra as desigualdades perante aos povos marginalizados (PAIVA, 1984; RIBEIRO, 2015).

Destarte, há uma ligação entre a EJA no campo e o aquilombamento, pois ambos passam a operar em comunidade e para a comunidade, uma vez que todos os fatores e elementos básicos são de propriedade e uso coletivo, caracterizando-se como uma sociedade criativa. Nesse sentido, a educação, nesta comunidade, se torna uma forma de libertação humana que o cidadão desfruta como um direito e não como uma obrigação social, utilizando o diálogo, o pensamento crítico, construindo teorias para desconstrução dos estereótipos em relação ao campo e aos moradores. (NASCIMENTO, 2021; FREIRE, 1999).

Os caminhos da Educação de Jovens e Adultos: trajetória histórica, saberes e o Campo em contexto.

Não é novidade estudos e trabalhos no mundo universitário sobre a EJA, porém muitos pesquisadores têm voltado seus olhares para o engajamento desse formato educacional em áreas diferentes dos centros urbanos, o campo é um deles. Antes de iniciar discorrendo sobre esse espaço geográfico é importante ressaltar o sentido da existência da EJA. Nos achados científicos de Lopes (2007), os processos educativos referentes à educação de jovens e adultos são produtos reagentes dos movimentos populares de cunho social e cultural. Muitos oriundos da década de 60, em que Paulo Freire era o grande militante e lutava por uma educação emancipatória e profissional.

Em suas pesquisas, Freire sugere uma pedagogia que contemple as verdadeiras necessidades de aprendizagem dos educandos adultos, como também de movimentos que ocorreram na época em que o Brasil foi “achado”. Momento este no qual a exploração, violência e genocídio eram encobertos pelas falsas ideias vindas da educação catequizadora dos padres jesuítas que era posta em prática. (RIBEIRO, 2015)

A Educação de Jovens e Adultos já existia no Brasil Colônia, porém não com esse nome nem com o sentido que esta, hoje, possui. O formato dessa educação era de catequização, pois, sabe-se que já no período colonial os religiosos exerciam sua ação educativa missionária, utilizando livros religiosos e cânticos para que esse conhecimento religioso fosse cultivado na memória auditiva das comunidades indígenas e africanas (PAIVA, 1984).

Se pensarmos em uma linha do tempo desse processo de escolarização por meio dos jesuítas podemos mencionar que Alfabetização pela fé, no Brasil Colônia (1549), foi realizada pelos primeiros jesuítas que chegaram ao Brasil. E época, o ensino era feito em casas de taipas anexas às aldeias e com alguma liberdade poética poderiam ser consideradas como as primeiras escolas (RIBEIRO, 2015). Crianças, jovens e adultos aprendiam a língua portuguesa ou espanhola – havia jesuítas espanhóis – profissões e operações mentais básicas, o teatro, o canto e outras atividades lúdicas eram usados para catequizar e também para ensinar (LOPES, 2005).

Grande parte dos estudos envolvendo a EJA é advinda das análises documentais. Diversos autores descrevem essa educação na Colônia como sendo um investimento que dava muito gastos, pois era preciso conseguir remédios, alimentos e vestimentas para os indígenas (DE OLIVEIRA, 2020). Depois de um determinado tempo, os jesuítas assumem e unificam a educação religiosa com uma educação ocidental de implementação de costumes, cultura, política do Ocidente-Europeu com o apoio da Coroa Portuguesa e abrem o primeiro colégio na Bahia, em 1564, e recebem órfãos portugueses e filhos da elite colonial, em regime de internato (TAVARES, 2018).

O processo histórico da EJA não é uma história recente, é um processo que decorre desde o período colonial do Brasil, que ocorria juntamente com a educação e catequese das crianças indígenas, sendo assim realizada com indígenas adultos e por parte dos jesuítas que aprendeu a língua desse grupo para catequizá-los e educá-los (RAMOS, 2010). As turmas eram separadas por gênero (homens/mulheres), a prioridade era dada para as crianças que eram treinadas e que seriam a nova geração católica e assim seriam agentes multiplicadores diante de seu grupo (ARROYO, 2005).

De fato, esse cenário de escolarização forçada praticada pelos jesuítas era uma forma de também implementar as raízes ocidentais nos territórios brasileiros. Ancorados em Oliveira (2020), mesmo visando mudanças e estabelecimento de políticas educacionais não houve êxito, uma vez que a criação de uma rede de ensino pública que abrangesse a todos era, à época, impraticável. A partir da necessidade da nação brasileira, aos poucos, foi se instaurando em nossa sociedade um modelo de educação um pouco menos excludente. Nesse período não se tinha a preocupação com a educação de jovens e adultos, nem ao menos um estudo teórico ou prático dessa para uma possível educação (TAVARES, 2018). 

Cabe ressaltar que a Educação de Jovens e Adultos, no Brasil, surgiu enquanto uma alternativa à qualificação de mão de obra, com vistas ao atendimento da demanda industrial, no qual a sua principal função era a de formar indivíduos que agissem como “máquinas”, sem nenhum senso crítico (GROSFOGUEL, 2007). Nesse período, a única proposta de educação que formasse cidadãos críticos foi desenvolvida pelo educador Paulo Freire, que foi dilacerada pelo regime militar. Inúmeros programas de EJA, após a experiência freiriana foram desenvolvidos, mas não eram valorizados por parte dos governantes, pois a estes importava a formação de mão de obra e não o conhecimento e senso crítico (RIBEIRO, 2015).

         Mesmo com o cenário turbulento pelos militares, Paulo Freire, defendia que a educação, para os jovens e adultos, deveria corresponder a formação plena, denominada por ele de ,preparação para a vida, com formação de valores, atrelados a uma proposta política de uma pedagogia libertadora, fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária (DE OLIVEIRA, 2018). O educador se preocupava com a formação crítica dos educandos, sendo assim, a base da sua metodologia era o diálogo.

            Paulo Freire, desconfigurava assim métodos de subalternização como era utilizado no Movimento Brasileiro de Alfabetização- MOBRAL, a qual tinha por principal pretensão formar sujeitos aptos a consumir e adaptados às novas formas de produção. A metodologia do MOBRAIL utilizava cartazes, fichas, família silábica, porém não o diálogo. Nesse sentido, pode-se inferir que o diálogo e sua ausência no deslocavam muitos jovens e adultos para a educação freiriana, que tinha por principal característica o diálogo, a formação crítica do aluno, pois este, aprendia a ler e escrever, ficando apto de uma visão de mundo crítica e interventora (FREIRE, 1999; ABRÃO, SANTOS, 2018).

           Freire enxergava a educação não como um processo de transmitir conhecimento em um formato hierarquizado do professor para com o aluno, ao passo que também não definia o aluno como sendo um papel em branco. Pelo contrário, ele defendeu a educação como um processo libertador e criador de mentes críticas e políticas capazes de interpretar as questões sociais (RIBEIRO, 2015).

Logo, a educação de jovens e adultos é um direito garantido por lei, considerando as experiências não-formais do sujeito, que inclui, no currículo, vivências e práticas, de forma a permitir a interação e o diálogo entre os educandos (ABRÃO, NOLETO, 2018). A partir de idealizações de movimentos sociais e das falas de militantes, o que se entendia por educação de jovens e adultos vai se movendo e transformando da realidade à sensibilidade e a competência científica dos educadores e educadoras (GADOTTI, 2003).

         É importante trazer, mesmo de forma breve, um pouco desse historicismo antes e pós-EJA e, principalmente, a partir das falas freirianas porque ele é considerado o precursor da educação de jovens e adultos que defende que o conhecimento por meio da educação é um instrumento do homem sobre o mundo e que todas as ações produzem mudanças, não sendo um ato neutro, mas sim, um ato de educar e politizar (GADOTTI, 2003).

Nesse interim a EJA, percorreu muitos caminhos e que definiram diferentes perspectivas, como salienta Soares et al, (2006) ao dizer que a EJA, até os anos 40, era uma extensão da educação formal, de forma compensatória e complementar e que nos anos 50, era vista como educação de base, como desenvolvimento comunitário. Ao passo que nos anos 60 passou a ser encarada, como educação libertadora, conscientizadora, bem como educação funcional, aquela que prepara mão-de-obra produtiva.

         Seguindo a história, a implantação do Ensino Supletivo, em 1971, reforça a ideia de que a estrutura da EJA deve começar a depender de políticas públicas que assegurem condições de sua oferta e assim passa a ser considerada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 5692/71, onde uma de suas finalidades, entendida, a EJA como Ensino Supletivo, é “suprir, a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria;” (LDBEN, 1971).

Sendo parte do contexto desta Lei, a expansão da EJA para os vários espaços sociais (urbano e rural) Ramofly (2017, p. 212) descreve que:

Na atual conjuntura, os movimentos sociais defendem que o campo é mais que uma concentração espacial geográfica. É o cenário de uma série de lutas e embates políticos. É ponto de partida para uma série de reflexões sociais. É espaço culturalmente próprio, detentor de tradições, místicas e costumes singulares. O homem e a mulher do campo, nesse contexto, são sujeitos historicamente construídos a partir de determinadas sínteses sociais, específicas e com dimensões diferenciadas em relação aos grandes centros urbanos. Assumir essa premissa pressupõe corroborar com a afirmação da inadequação e insuficiência da extensão da escola urbana para o campo.

      Para Arroyo e Fernandes (1999), destacam o movimento da Construção das Articulações Nacionais pela Educação Básica do Campo- CANEBC. Os autores enfatizaram que o termo “campo” é uma nomenclatura que foi proclamada pelos vários movimentos sociais, isso significa que surge de uma conjuntura de lutas e reivindicações e por isso deve ser adotada pelas instituições governamentais, sendo engajada nas políticas públicas no campo da educação. De fato, percebemos que historicamente o conceito de educação escolar no meio rural sempre esteve vinculada à educação no campo, que para Santos (2017, p. 212) “descontextualizada, elitista e oferecida para uma minoria da população brasileira”.

        Assim ele afirma que, essa associação entre a educação rural com o campo serve para refletir uma compreensão sob o conceito por meio do olhar “politicamente referendado na busca pelos direitos sociais e nas questões que envolvem a defesa da educação politécnica (CALDART, 2015), a agroecologia (GOHN, 2001), agricultura orgânica, reforma agrária, soberania alimentar, entre outros aspectos. Esses são fatores indispensáveis na concretização de projetos político-pedagógicos que busquem encarar a realidade e atender as necessidades das populações do campo (SANTOS, 2017, p. 215)

A EJA no Campo é uma forma de Aquilombamento

A Educação de Jovens e Adultos passou, de fato, a se vestir em um formato que realmente assumisse um papel libertador de diálogo para a formação de jovens e adultos e assim romper a educação tradicionalista de subalternização, elitizada e de hierarquia trazidas pelos colonizadores e transmitidas por meio dos jesuítas. Partindo dessa ideia ela faz parte desse historicismo e depois de muitas lutas e reivindicações, se tornou Lei e obrigação do Estado em colocar a educação como direito de todos, assim também como devendo essa educação está presente em todo território nacional, isso inclui o “campo” (GROSFOGUEL, 2007).

Para Santos (2017, p. 12), “na atual conjuntura, os movimentos sociais defendem que o campo é mais que uma concentração espacial geográfica”. Logo, é o cenário de uma série de lutas e embates políticos, sendo considerado um ponto de partida para uma série de reflexões sociais. O Autor ainda segue mencionando que “é um espaço culturalmente próprio, detentor de tradições, espiritualidades ancestrais e costumes singulares”. Assim, entendemos que tanto o homem quanto a mulher do campo, nesse contexto, são sujeitos historicamente construídos a partir de determinadas sínteses sociais, específicas e com dimensões diferenciadas em relação aos grandes centros urbanos. Assumir essa premissa pressupõe corroborar com a afirmação da inadequação e insuficiência da extensão da escola urbana para o campo (SANTOS, 2017).

        Ao mesmo tempo em que o campo é considerado um espaço de lutas, resistências, reflexões sociais, tradições, costumes e espiritualidades ancestrais, essa categoria é criada para associar certa inferioridade entre o campo e os centros urbanos. Tal associação não fica distante quando o debate sobre a periferia e zonas elitizadas dentro dos centros urbanos, e, neste caso, a discussão racial não ficar de fora, pois a periferia de forma generis é associada ao lugar do negro. Assim como os imaginários que colocam os moradores do campo sob categorias como: caipiras, preguiçosos, que falam cantando, que parecem com animais entre outros. É importante a fala de Santos (2017, p. 216), quando o autor nos ensina a ver o campo de forma diferente, afirmando que:  

Esse campo é repleto de possibilidades políticas, formação crítica, resistência, mística, identidades, histórias e produção das condições de existência social. Cabe, portanto, à educação do campo, o papel de fomentar reflexões que acumulem forças e produção de saberes que contribuam para negar e desconstruir o imaginário coletivo acerca da visão hierárquica que há entre campo e cidade. Essas ações podem ajudar na superação da visão tradicional do imaginário social do jeca-tatu e do campo como espaço atrasado e pouco desenvolvido (SANTOS, 2017, p. 216)

       Sendo assim, a EJA no campo se veste no verdadeiro sentido para que ela foi criada, pois possibilita condições emancipatórias, formação crítica, de resistência na educação desse público que faz parte da geografia do campo. Em relação a essa educação do campo e seu público-alvo os pesquisadores Rodrigues, Bonfim (2017, p. 1374) em seus achados científicos descrevem que, “a educação do campo é uma modalidade de ensino que tem como objetivo a educação de crianças, jovens e adultos que vivem no campo”. Portanto, é considerada como uma política pública, que visa possibilitar o acesso ao direito à educação de milhares de pessoas que vivem fora do meio urbano e que precisam ter esse direito garantido nas mesmas proporções em que é garantido para a população urbana.

A educação no campo está vinculada aos movimentos sociais, primeiro por esse campo ser terra que para alguns povos são consideradas fonte de vida, pois, é um lugar onde plantam alimentos e criam animais que garantem seu sustento e o da comunidade, assim como também fazem circular o capital, assim como essa terra é sinônimo de trabalho (BENJAMIN & CALDART, 1999). Segundo o campo é considerado terra de riqueza e poder, esse está associado à propriedade elevado o status social de poder econômico ao seu dono. (CASSAROTTI, 2014).

Já em um Terceiro, essa relação entre a terra, o poder e A apropriação dela a torna um espaço de conflito entre o Estado, os latifundiários, os fazendeiros, ou seja, muitos se declarando os donos dessa terra e assim tira o direito daquele que mora naquele campo. (KOLLING et al, 1999). Com milhões de trabalhadores rurais sem lote de terra para si e suas famílias, essas pessoas lutam por uma reforma agrária que lhes assegure o direito à propriedade da terra. Esse movimento no Brasil é denominado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST (KOLLING et al, 1999)

             São estes processos que tornam a EJA como um movimento de aquilombamento, para os autoress Ariadini Dócio, Natalino Filho (2019) em seu artigo “University extension is an act of gather in quilombo in contemporay times”. Os mesmos afirmam que a EJA no campo é uma educação quilombola que deve ser discutida e analisada como tal porque, apesar do Brasil ser uma nação muito jovem, sua construção é composta de um legado de exploração e subalternização aos interesses dos países centrais ou do primeiro mundo. 

Assim resultou em ciclos produtivos do capital nacional em diálogo com a burguesia internacional e foi dessa forma que o Brasil Colônia financiou o genocídio indígena e africano em nome do desenvolvimento do capital mercantil e do pacto colonial durante o império Europeu (ARIADINI & FILHO, 2019). O quilombo não significa lugar de escravo fugido e sim uma reunião fraterna e livre, com muita solidariedade, convivência e comunhão existencial. Devemos gritar repetidamente que a sociedade quilombola representa uma etapa no progresso humano e sociopolítico em termos de igualitarismo econômico, demonstrando esse fato estão os precedentes históricos conhecidos confirmam esta colocação (NASCIMENTO, 2021). 

         Para Nascimento (2021), o sentido da expressão quilombismo tem sido a adequação ao meio brasileiro que possui o mesmo sentido do comunitarismo ou ujamaaísmo na tradição africana. Em tal sistema, as relações de produção diferem basicamente daquelas prevalecentes na economia espoliativa do trabalho, chamada capitalismo, fundada na razão do lucro a qualquer custo, em que o homem branco domina e explora. Partindo destes pressupostos e nesse compasso e ritmo, podemos considerar que o aquilombamento se conjuga aos mecanismos operativos, articulando os diversos níveis da vida coletiva cuja dialética interação propõe e assegura a realização completa do ser humano, que neste caso específico que estamos tratando seria a EJA no campo (TAVARES, 2008).

        Operando em comunidade e para a comunidade em que todos os fatores e elementos básicos são de propriedade e uso coletivo, caracterizando-se como uma sociedade criativa, no qual o trabalho não se define como uma forma de castigo, opressão ou exploração (RIBEIRO, 2015). Logo, a educação nesta comunidade se torna uma forma de libertação humana que o cidadão desfruta como um direito e não como uma obrigação social. Ela então liberta da exploração e do jugo embrutecedor da produção tecno-capitalista, a desgraça do trabalhador deixará de ser o sustentáculo de uma sociedade burguesa parasitária que se regozija no ócio de seus jogos e futilidades (NASCIMENTO, 2021).

Nesse sentido, acreditamos que a EJA no campo fortalece o aquilombamento e também mantém o patrimônio de prática quilombista, por meio da educação em diálogo e crítica, pois:

Cumpre aos negros atuais manter e ampliar a cultura afro-brasileira de resistência ao genocídio e de afirmação da sua verdade. Um método de análise, compreensão e definição de uma experiência concreta, o quilombismo expressa a ciência do sangue escravo, do suor que este derramou enquanto pés e mãos edificadores da economia deste país. Um futuro de melhor qualidade para a população afro-brasileira só poderá ocorrer pelo esforço enérgico de organização e mobilização coletiva, tanto da população negra como das inteligências e capacidades escolarizadas, para a enorme batalha no front da criação teórico-científica (NASCIMENTO, 2021, p. 09).

     A partir dessa educação libertadora e emancipatória, possamos criar teorias científicas que sejam fundidas nas práticas históricas que contribuam para a salvação da comunidade negra, a qual vem sendo exterminada pelas violências do Estado, seja pela matança direta da fome, miscigenação compulsória ou até mesmo pela assimilação do negro aos padrões e ideais ilusórios do lucro ocidental. Abdias assim reitera que “não permitamos que a derrocada desse mundo racista, individualista e inimigo da felicidade humana afete a existência futura daqueles que efetiva e plenamente nunca a ele pertenceram: nós, negro-africanos, indios e afro-brasileiros (NASCIMENTO, 2021, p. 03).

Desafios e perspectivas da EJA no campo: somos semetes de lutas e rsistencias para dar frutos em formato de educação emancipatória

Podemos analisar como o maior desafio é justamente fazer jus de uma educação emancipatória em um espaço que é marginalizado e colocado em posição de inferioridade e de subdesenvolvimento. Por isso dizer que o desafio da EJA enquanto um paradigma libertador e de descolonizar as mentes dos próprios moradores do campo para acreditar do seu próprio potencial, sendo que essa tarefa não é nada fácil. Segundo Tavares (2018), a EJA no campo, encara esse desafio através de superar a ideia do dito “atraso”, justificado na condição daqueles que estavam no senso numérico como analfabeto, por não saber ler nem escrever. Essa estatística adotava a concepção de “educação tradicional”, sem levar em conta as experiências de vida dos trabalhadores desse espaço chamado campo, isso aconteceu por haver interesse político de erradicar um dos males do subdesenvolvimento, mas não com o objetivo de superar os problemas sociais e econômicos da sociedade brasileira e sim de colocar a margem aqueles que não se encaixava na categoria “desenvolvido” (DE OLIVEIRA, 2020)

Além do desafio de reverter os imaginários ideológicos sobre essa população do campo e de descolonizar as mentes destas pessoas sobre seus próprios paradigmas de vivências, o educador também tem que enfrentar o desafio de encarar o Estado com suas políticas de exclusões sociais. Soares e Pedroso (2016) destacam a militância de Paulo Freire como sendo uma ação de encorajamento motivacional. Para nós educadores para a superação destes e de qualquer outro desafio, seja no campo ou no meio urbano,

Os movimentos populares, em meados do século XX, também dedicaram atenção à educação de adultos. Paulo Freire é um dos educadores que desenvolveu uma educação de educação com o objetivo de dar outra intencionalidade à educação e a EJA. Sendo assim, a EJA deve ter práticas de socialização no seu formato pedagógico e deve ter um olhar especial, diferenciado, trabalhando a desigualdade social, investigando como é a realidade de cada aluno e a partir da constatação criar estratégias que colaborem para que possamos conviver com uma sociedade mais justa e digna (RUHENA, DE JESUS, 2016). Estes fatos nos direcionam a respeitar o passado histórico das lutas por educação que, neste caso, estas estão voltadas ao campo.

A articulação por uma educação do campo nasce como resultado de uma caminhada que se iniciou em julho de 1997, quando Movimento dos trabalhadores Rurais sem-terra (MST) realiza o I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária (I ENERA), em parceria com organizações como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a Confederação Nacional dos Bispos (CNBB) e a Universidade de Brasília (UNB). A conferência contou também com a participação de sujeitos de escolas do campo, de ONGs, de sindicatos, associações e de outras entidades que tinham vinculação com o trabalho de educação e o compromisso com esta construção (BRASIL, 2016).

Assim, vale a pena lembrar que, esse longo processo de aceitação desse formato educacional para as pessoas que vivem no campo, foi árduo e cansativo. Este se transformou em força para que nós educadores entendamos a nossa função em sala de aula da EJA, principalmente no campo.

 Benjamin (1999) sinaliza a respeito das consequências que estes atos proporcionaram para a sociedade. Dessa forma consideramos que somos sementes plantadas que devem dar muitos frutos. Estes serão disseminados, pelos cadernos escritos, os resultados das discussões, os resultados das discussões travadas, o debate se multiplica pelos estados e municípios gerando cada vez mais a necessidade de pensar, com mais responsabilidade, as especificidades existentes no campo, com o doce do saber do olhar crítico da sociedade

Para os movimentos sociais, o terreno da educação do campo é o espaço de vida, não somente de produção e geração de lucro. É espaço de formação e subjetivação de seres humanos que fazem parte do meio ambiente, e que nesse espaço compartilham da produção, em prol da vida e de sua continuidade, como afirma A educação “bancária” em cuja prática se dá a inconciliação educador-educando, rechaça este companheirismo, isto é, na inclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um que fazer permanente. (FREIRE, 2018, p.62)

       Incorporando esses ideais freirianos, nossa perspectiva enquanto educadores, pensadores, pesquisadores, professores é permitir de forma permanente, na razão da inclusão dos homens e do dever da realidade e ter em mente e levar para a prática o objetivo da Educação de Jovens e Adultos, de que ela não deve ser útil apenas para certificação e uma forma de treinamento para o mercado de trabalho (RIBEIRO, 2015).

Essa educação deve oferecer formação profissional continuada no sentido de local de fala. Devendo ter significação maior e possibilitar uma formação geral do indivíduo, dando a ele o direito de entender e intervir na sociedade na qual está inserido, o direito de tornar-se cidadão (ABRÃO, NOLETO, 2018). Deve também possibilitar o desenvolvimento de talentos. Para Freire (2018), esta é uma das funções da educação dirigida a jovens e adultos, os humanizando-os e tornando-se livres.

        Dessa forma, devemos aproveitar o viés da modernidade em relação ao formato da EJA, para construir novos caminhos para a educação no campo direcionada aos jovens e adultos. Essa educação, para ser eficaz nesse espaço, é necessário ter uma nova visão do educar saindo dos moldes do tradicionalismo, e assim, sempre colocando como prioridade as especificidades dos estudantes no espaço geográfico que é o campo. Assim, esse novo modelo de educação toma a forma de valorização do conhecimento cultural característico da realidade do campo e articula os eixos do currículo ao contexto de agricultura familiar, economia solidária, cooperativismo e sustentabilidade (GADOTTI, 2000).

Considerações Finais

Diante dos diálogos expostos no decorrer do texto, podemos concluir que a Educação de Jovens e Adultos no campo é fruto, principalmente, das conquistas vindas a partir de gritos e protestos dos movimentos sociais. Tais movimentos que defenderam e lutaram por uma educação que estivesse de acordo com os interesses e necessidades da população que habitava esse espaço geográfico.

Essa educação seria um novo caminho, que significaria construir e defender, de forma positiva, a identidade das pessoas do campo, se livrando de imaginários sociais como pessoas atrasadas e submissas aos que vivem no meio urbano. Portanto, a EJA no campo surge, também, como forma de valorização desse espaço que é marginalizado por não estar nos centros urbanos.

Cabe a ressalva que esse Campo tem uma ligação muito forte com o passado histórico do Brasil Colônia, em que a educação tinha o papel de colonizar as mentes, de genocidar as culturas, de exterminar os saberes que os indígenas e negros possuíam antes dos portugueses iniciarem o processo de exploração.

        Sendo assim, a EJA no campo se veste no verdadeiro sentido de quilombismo pelo sentido em que esse formato foi criado sob condições emancipatórias, formação crítica, de resistência na educação desse público que faz parte da geografia do campo. Portanto, é considerada como uma política pública, que visa possibilitar o acesso ao direito à educação de milhares de pessoas que vivem fora do meio urbano e que precisam ter esse direito garantido nas mesmas proporções em que é garantido para a população urbana.

A EJA no campo é aquilombamento operando em comunidade e para a comunidade em que todos os fatores e elementos básicos são de propriedade e uso coletivo, caracterizando-se como uma sociedade criativa, no qual o trabalho não se define como uma forma de castigo, opressão ou exploração. Logo, a educação nesta comunidade se torna uma forma de libertação humana que o cidadão desfruta como um direito e não como uma obrigação social.

Referências

ABRÃO, Kelber Ruhena; DEL PINO, José Cláudio. Cognição e aprendizagem no espaço da tecnologia. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, p. 1776-1798, 2016.

ABRAO, Kelber Ruhena; NOLETO, Rosimara Cunha. ENSINO DA ARTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Humanidades & Inovação, v. 5, n. 6, p. 184-203, 2018.

ABRÃO, Ruhena Kelber; SANTOS, Silvania Corsino. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: ALGUNS ESTUDOS SOBRE O LÚDICO NO ENSINO DA MATEMÁTICA. Revista Uniabeu, v. 11, n. 27, 2018.

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 1Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

 2Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES.    

3Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita – UNESP.    

4Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB.    

5Universidade Federal do Tocantins – UFT.    

6Universidade Federal do Tocantins – UFT.     

7Universidade Federal de Pelotas – UFPel.     

8Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. 

9Universidade Federal do Tocantins – UFT.