A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR: A ESCOLA COMUM INCLUSIVA

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/os102411201014


Autora: Kátia Viana Lima Diniz, katiavianadiniz@diogo-trajano
Coautores: Adrícia Nogueira dos Santos, adricianogueira32@diogo-trajano
Aristóteles Lima da Silva, telleslima@yahoo.com.br


RESUMO

O profissional de apoio a inclusão escolar e a temática deste artigo. Seu objetivo e retomar e analisar a caracterização desse profissional com base nas orientações governamentais e nos documentos legais emanados logo após a publicação da Politica Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, a fim de compreender o que se espera desse agente e de sua formação no contexto da Educação Especial inclusiva delineado pela citada politica. O presente Artigo tem como finalidade precípua a análise do tema “A escola comum inclusiva: diversidade e inclusão de alunos público alvo da educação especial”, com ênfase na inclusão escolar de alunos com deficiência. Tal abordagem é, de fato, importante para a realidade contemporânea, especialmente por representar hoje uma questão que demanda maior atenção, dada a necessidade de se atender à diversidade em todas as suas formas, o que compreende os alunos com deficiência e sua inserção na dinâmica escolar do país. Nesse sentido, a reflexão inicial reside na forma que as escolas têm trabalhado a inclusão desse público, considerando que o ambiente escolar no Brasil carece não só de melhorias em sua estrutura física, mas funcional, para promover um atendimento diferenciado a alunos nessa condição. O acolhimento às pessoas com deficiência, portanto, requer que a escola se torne efetivamente uma Instituição completa, com profissionais preparados para receber todos os alunos independentes de sua condição especial. A efetividade de se atender à diversidade nas escolas e de preparar os atores que ali atuam não só representa um avanço na realidade social do país, mas a observância da igualdade e da dignidade do ser humano.

Palavras-Chave: Inclusão. Diversidade. Contexto Escolar

INTRODUÇÃO

A escola, enquanto principal instituição de construção do conhecimento tem sido confrontada com o desafio de tornar-se “inclusiva”. Implícita está, portanto, a constatação de que ela ainda tem uma prática que exclui, aparta e discrimina. Falar em inclusão nos remete às discussões sobre o direito à igualdade e o direito à diferença. As sociedades são, por mais homogêneas que tentem aparentar, multiculturais em sua essência. Não há país ou grupo social no qual todos os indivíduos sejam ou hajam da mesma forma, ou que professem a mesma fé, ou tenham as mesmas aspirações. Tanto nas suas ações cotidianas em busca da sobrevivência, como nas interpretações simbólicas da existência, os seres humanos são absolutamente únicos. Um grupo se constrói por uma necessidade histórica de estar junto aos outros. O humano é gregário por natureza, o “ser social” tão aclamado. Mas o fato de estar inserido numa sociedade não significa abrir mão da individualidade. Ao contrário, só há sentido em estar num grupo na medida em que se preserva o espaço único de cada um de seus componentes. A necessidade de liberdade também é da natureza do humano. Ser livre para se apresentar em suas características mais particulares, em seu modo próprio de ver e pensar o mundo, com suas totalidades e limitações, dono e senhor de suas idiossincrasias. Incluir, portanto, não significa homogeneizar, mas, ao contrário, dar espaço para a expressão das diferenças. Uma diferença que se mostra não como desigualdade, mas como afirmação contundente do princípio de que todos são iguais no universo dos direitos humanos, da liberdade de expressão, da sobrevivência com dignidade e das oportunidades. Este é o princípio sob o qual a escola deve guiar-se. Esta é a direção a ser apontada, buscada e desejada. Não se trata de uma questão secundária: todo o mais será uma consequência de como o sistema educacional lida com esta ideia. A água só moverá o moinho se o canal que a transporta estiver na direção correta. Mas, metáforas à parte, o grande desafio está em como implementar este princípio, pois não há grandes divergências quanto ao desejo de que o fazer pedagógico seja inclusivo. Pode até parecer um tanto óbvio, como se educação e inclusão fossem partes naturais de um único conjunto indissolúvel. Basta, porém, um olhar mais atento para o dia-a-dia das instituições educacionais e o óbvio encontra suas fissuras e brechas. A contradição e a discórdia se instalam. Surgem as limitações. Parece que as ideias são quase impossíveis de converterem-se em realidade.

DESENVOLVIMENTO

ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS DA INCLUSÃO.

A escola reflete a sociedade e, tanto os professores como os alunos, trazem para dentro dela todas as suas contradições. Nosso modelo econômico capitalista é, por natureza, excludente e concentrador. A disputa pelo máximo lucro é a força principal que o move. E no Brasil, devido às suas características históricas peculiares, esta disputa assume uma dimensão quase grotesca: uma minoria abocanha a maior parte da renda e da propriedade, enquanto a grande maioria da população tem que sobreviver com uma renda salarial aviltante e um trabalho preconizado. A Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área de necessidades educativas especiais alerta que “uma alta percentagem de deficiência constitui resultado direto da falta de informação, pobreza e baixos padrões de saúde” (BRASIL, 1994, p.46). E os meios de comunicação, altamente oligopolizados e ideologizados, cuja propriedade pertence à classe social que se beneficia deste sistema, tratam de evitar qualquer discussão que denuncie este estado de coisas. O próprio sistema escolar é claramente apartado e desigual. De um lado, escolas privadas de altíssima qualidade acessíveis apenas para a elite, formam esta mesma elite para continuar reproduzindo a desigualdade. De outro, escolas públicas com nível muito inferior, preconizadas, com professores mal remunerados e que tratam muito mais para formar mão-de-obra para o mercado de trabalho do que cidadãos críticos e conscientes. Este é o universo no qual a escola está inserida. E as diferenças não são somente econômicas e de classe social. Elas se apresentam também de outras formas: diferenças físicas, de idade, socioculturais e níveis de aprendizagem. São muitos elementos e características, transitórios ou permanentes, a exigir políticas educacionais, saberes pedagógico e currículos específicos e flexíveis. Nas últimas três décadas o Brasil tem sido palco de uma discussão teórica que se refletiu na aprovação de uma legislação voltada para a educação inclusiva, tendo como foco principal os alunos designados como aqueles com necessidades educacionais especiais. Destaca-se aqui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996 e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, ambas afinadas tanto aos princípios da Constituição Brasileira de 1988, quanto a documentos internacionais como a Declaração de Jomtien sobre a Educação para Todos, de 1990 e a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área de Necessidades Educativas Especiais, de 1994. A ideia principal é a de que a escola, baseada em valores como liberdade, tolerância, deveria:

(…) acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas (…). Deveria incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados (BRASIL, 1994, p.6)

Importante destacar, a educação inclusiva, embora trate prioritariamente de crianças, não se refere somente a elas, mas de todos, jovens e adultos. Pela histórica prática de exclusão, em nosso país temos um grande contingente de jovens e adultos analfabetos ou analfabetos funcionais que demandam oportunidade de reinserção na escola. E este segmento também exige uma atenção especial, dadas as suas características específicas, principalmente por já se encontrarem, em sua maioria, inseridos no mercado de trabalho e a muito ausentes do sistema escolar ou mesmo, sem nunca tê-la frequentado. A política de inclusão escolar traz também em seu bojo a necessidade de atendimento diferenciado para determinados tipos de alunos. É o que se convencionou chamar de educação especial ou atendimento educacional especializado na educação regular ou, também denominada de pedagogia diferenciada ou poderia ser chama ainda, de o especial da educação, para suprir a especificidade de determinados grupos. A composição destes grupos se expandido à medida que o conceito de educação inclusiva foi se firmando, a princípio se referia apenas aos alunos com alguma deficiência depois passou também a agrupar aqueles com dificuldades acentuadas de aprendizagem não vinculadas a causas orgânicas, mas a questões socioeconômicas e culturais. O Ministério da Educação, através das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, esclarece que:

Tradicionalmente, a educação especial tem sido concebida apenas ao atendimento de alunos que apresentam deficiências (mental, visual, auditiva, físico-motoras e múltiplas); condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/superlotação. Hoje (…) a ação da educação especial amplia-se, passando a abranger (…) dificuldades de aprendizagem relacionadas à (…) dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento (…) como (…) a dislexia e disfunções correlatas; problemas de atenção, perceptivos, emocionais, de memória, cognitivos, psicolinguística, psicomotores, de comportamento; e ainda fatores ecológicos e socioeconômicos, como as privações de caráter sociocultural e nutricional (BRASIL, 2001,p.43-44).

Dentre o universo de alunos a necessitar de um atendimento especializado, destacam-se as seguintes especificidades: superlotação, condutas típicas (fobias, alheamentos, agressividade, isolamento, irritação, dispersão, etc.), deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência física, deficiência intelectual e deficiência múltipla. Como se vê, são muitas as diferenças e grande a diversidade. Algumas técnicas, procedimentos e metodologias poderão ser aplicados de forma genérica, mas será igualmente necessária uma atenção específica e individualizada. A educação inclusiva e o atendimento das especificidades dos alunos permeiam todos os níveis de ensino da Educação Infantil ao Ensino Superior, contemplando a educação de jovens e adultos, o ensino profissionalizante e de grupos étnicos como quilombolas e indígenas.

É fundamental que a educação inclusiva tenha um caráter interativo e transversal, que esteja focado na resposta educacional e não na deficiência ou outra condição de desvantagem, mais fundada na perspectiva social que limita ou o impede de ter as mesmas oportunidades de desenvolvimento pessoal, desvinculando-se a idéia de que a incapacidade esta sempre no sujeito e nunca em seu entorno. E preciso considerar que o entorno social é que é responsável por fazer com que a pessoa seja mais ou menos deficiente e capaz (AINSCOW, 2001). A educação inclusiva se impõe diante do fracasso escolar e exige da escola uma postura pedagógica fundada no respeito às diferenças sociais, culturais econômicas e pessoais e cobra da escola respostas educacionais através de currículos flexíveis adaptados e emprego de recursos didáticos tecnológicos que favoreçam e potencializem o aprender e, professores bem instrumentalizados para mediar a aprendizagem. A proposta de educação inclusiva efetiva-se prioritariamente através de turmas mistas, na qual todos os alunos, com ou sem necessidades especiais, devem estar inseridos em uma mesma turma. Integração esta, pilar central deste novo modelo de educação é ao mesmo tempo, o cerne das principais polêmicas, dificuldades e resistência para sua implantação. Parece difícil compreender que a escola deve ser igual para todos e diferente para cada um.

O Ministério da Educação conceitua Educação Especial como:
Modalidade da educação escolar; processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns (…) em todas as etapas e modalidades da educação (BRASIL, 2001, p.39).

Ainda com relação à implantação e implementação dos serviços de educação especial, as diretrizes no MEC preveem o atendimento prioritário na rede regular de ensino, através da organização de classes comuns e de serviços de apoio pedagógico especializado, as classes especiais são admitidas apenas em caráter extraordinário e transitório, devido ao seu caráter segregado, contraria os princípios da educação inclusiva. Ressalta-se a necessidade de que os alunos sejam distribuídos pelas diversas classes comuns do seu respectivo ano escolar. Como se percebe, é uma proposta radicalmente oposta à concepção de turmas homogêneas, a velha pratica de segregar os alunos “diferentes” e encaminhá-los a escolas especializadas ou mesmo no contexto da escola regular em salas especiais longe do convívio com seus pares ditos “normais”.

Esta postura resulta, muitas vezes, de uma total insensibilidade, mas também de uma resistência muito forte ao contato diário e intenso entre crianças com e sem deficiências, até porque os alunos com deficiência têm limitações físicas, sensoriais ou intelectuais significativas por definição e necessitam de instrumentos e apoios que os demais alunos não necessitam. Só que esses apoios podem perfeitamente ocorrer de maneira concomitante com o acesso à escola comum, de várias formas. O que não pode é se admitir a educação especial, totalmente substitutiva do ensino comum, como sistema de ensino à parte, pois isso resultaria no exercício de ‘direitos separados’ (…). Fora isso, a falta desse contato diário e intenso gera um prejuízo para todas as crianças, com e sem deficiência. (BRASIL, 2006, p. 55).

A escola é um espaço social com regras de comportamento definidas e cabe a ela fazer compreender que a diversidade é constituinte da condição humana, aceitação e compreensão de que o outro é extensão do eu. A convivência respeitosa entre os diferentes desestimula atitudes de preconceito, racismos e promove o sentido de pertença de todos.

A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA INCLUSIVA

A possibilidade de transformação da rotina linear e repetitiva estabelecida no cotidiano escolar, só é possível com um engajamento dos sujeitos sociais que dele participam. Esse engajamento, construído sobre a consciência da responsabilidade ética2 com o outro, faz com que esses sujeitos sociais rompam a passividade e a repetição, revelando-se como sujeitos.

que não se deixam intoxicar por esse cotidiano […] que o rompem ou o suspendem, concentrando todas as suas forças em atividades que [os] elevem deste mesmo cotidiano e lhes permitam a sensação e a consciência do ser homem total, em plena relação com o humano e a humanidade de seu tempo. (NETTO; FALCÃO, 1987, p. 22)

Assim, por mais que as políticas públicas tentem gerir o cotidiano da escola com “imposições” e determinações, cuja pauta seja a inclusão das pessoas com deficiência, tais políticas não produzem a repercussão desejada na escola se os sujeitos que dela fazem parte não estiverem engajados e comprometidos com o desenvolvimento de uma práxis social voltada para a transformação da cultura escolar e materialização de uma política inclusiva.

O mais provável é que essa imposição gere resistências, permitindo a criação de uma cultura da tolerância da pessoa com deficiência, no interior da escola, sem contudo que esta assuma a responsabilidade pelo desenvolvimento escolar desses alunos; é preciso ressaltar que temos nas mudanças legais um impacto reduzido na materialização do direito à educação para as pessoas com deficiência. (FERREIRA; FERREIRA, 2004, p. 35)

Portanto, os sujeitos sociais que vivenciam a realidade da prática da exclusão e discriminação que permeia o cotidiano escolar não podem esperar que políticas e programas governamentais, por si só, mudem a escola. Essa atribuição do poder de transformação a outros sujeitos que estão alheios a realidade escolar, coloca os sujeitos sociais da escola (professores, gestores, funcionários, estudantes e familiares) numa posição de passividade e desresponsabilizarão. Cabe, então, aqui conceituar práxis social, entendida neste trabalho como uma prática política, de natureza social, teoricamente embasada, voltada para transformação do mundo e do próprio homem, bem como para libertação da opressão vivida por grupos excluídos. Assim, a práxis social.

supõe um processo de reflexão/ação em espiral e, sobretudo, supõe uma atividade humana que se despojou da consciência comum, da prática utilitária, espontaneísta, e galgou um nível superior de consciência, que se expressa em ação criadora, transformadora, realizante (produtiva) e gratificante […]. A práxis social não é jamais um ato do ser singular e isolado. Ela é a expressão do sujeito coletivo […]. (NETTO; FALCÃO, 1987, p. 58-59)

Diante desse conceito, entende-se que a prática pedagógica, desenvolvida pelo docente no âmbito da sala de aula, é por sua natureza uma práxis social, portanto, um ato reflexivo, consciente e criativo, no dizer do educador Paulo Freire (1921-1997), um ato político.

De igual modo, a prática de gestão empreendida pelos diretores e coordenadores pedagógicos, também são também por natureza práxis social e, portanto, devem estar voltadas para a transformação da escola em direção a uma proposta que efetivamente garanta a inclusão, entendida como acesso ao ensino regular com possibilidade assegurada de participação, | 18 − PRÁTICAS DE INCLUSÃO ESCOLAR aprendizagem e continuidade dos estudos nos níveis mais elevados do ensino. (BRASIL, 2008)

Por outro lado, os funcionários da escola, engajados nos diversos tipos de serviços que permeiam o contexto escolar, também podem desenvolver uma práxis social inclusiva quando rompem com a cultura excludente que direciona as atitudes da maioria da população numa sociedade segregadora e preconceituosa, como a sociedade capitalista que valoriza o resultado da produção e não o sujeito que produz. Esse rompimento promoverá a possibilidade de ações educativas inclusivas nos diversos espaços da escola, a exemplo do refeitório, do pátio de entrada e saída, da biblioteca, do laboratório de informática, da quadra de esporte etc. Desse modo, a práxis social dos sujeitos que compõe a escola trará subsídios para que se rompa a mediocridade que respalda as ações pedagógicas que culminam na repetência e na evasão e que se amparam no discurso da não aprendizagem e da impossibilidade de se trabalhar com a diversidade. Tais ações excludentes podem ser entendidas, com as devidas proporções de relação, como alienadas, pois são resultados de um trabalhador que atua na educação, mas que se desvincula/separa do resultado do seu trabalho, não se reconhecendo mais no que “produz”. O “produto” do seu trabalho passa, então, a ser alheio à sua vontade e não se constitui resultado do seu esforço. Essa alienação do professor que ensina do “produto” do seu trabalho, a aprendizagem, faz com que o mesmo não se sinta visceralmente comprometido com o resultado do seu esforço produtivo no processo de ensinar.

Apenas o rompimento dessa alienação poderá transformar “a cotidianidade em atividade criadora superior” (NETTO; FALCÃO, 1987, p. 41), suprimindo a opressão e a exclusão. O rompimento dessa alienação imposta pela rotina cotidiana é determinado, porém, pelo grau de consciência dos sujeitos da escola construído a partir de um processo formativo, pela clareza da visão de mundo que os orienta, pela leitura crítica do contexto escolar onde estão situados e pela própria realidade do contexto escolar. A escola, como lócus da trama da exclusão, constitui-se, portanto, como lugar privilegiado da ação dos sujeitos sociais como mediadores da práxis social. A escola e a própria sala de aula constituem-se, assim, em espaços onde a contribuição dos profissionais da educação melhor será sentida no sentido de transformação da educação. Os profissionais da educação podem, então, atuar como mediadores privilegiados da relação entre aqueles considerados pela escola como “diferentes” e a cultura escolar, tendo em vista que podem romper com a cultura dominante contribuindo para construir uma contracultura, isto é uma nova cultura, baseada em novos princípios e valores, a exemplo do respeito, equidade, solidariedade e cooperação. Essa mediação constitui-se, assim, parte essencial da práxis social, pois os profissionais engajados, de modo consciente e no exercício da sua cidadania, movimentam-se na contramão do status quo, atuando contra a exclusão e construindo processos de inclusão na escola. Entende-se, portanto, a práxis social como um ato consciente de exercício de cidadania, pois é a consciência cidadã que conduz o homem à emancipação, fazendo-o sujeito de transformação da sua história, do seu cotidiano e da sociedade. “É através do exercício da cidadania que se há de medir a nossa inserção na sociedade […]. A cidadania se constrói enquanto processo no cotidiano; é na luta pela melhoria das condições de vida […] que se começa a fazer cidadania”. (GOMES, 1999, p. 14) Desse modo, no contexto escolar, o professor que assume o seu lugar como mediador da práxis social desenvolve uma ação pedagógica que tem como base as necessidades e especificidades de todos os estudantes, em especial daqueles com deficiência, buscando o máximo de desenvolvimento de cada um.

[…] a postura política do educador se corporifica no momento em que ele seriamente planeja e depois executa o seu programa de ensino. Esse trabalho, por sua vez, exige um compromisso de reflexão sobre a prática pedagógica concreta e sobre o social onde essa prática se insere – a quem, como e por que o educador está servindo no seu contexto direto de ação (sala de aula, escola e comunidade). (SILVA, 1991, p. 42)

Por sua vez, o gestor que também se torna mediador da práxis social busca articulares os diversos atores da escola na construção de uma cultura escolar inclusiva, a começar pelo envolvimento de todos na elaboração do Projeto Político Pedagógico da escola. Assim também acontece com os funcionários que atuam no espaço escolar, quando os mesmos assumem sua condição de potencializadores de ações educacionais inclusivas e não de reprodutores de uma linguagem ou de uma cultura excludente. Esses profissionais podem atuar orientando os estudantes com relação ao respeito com as diferenças, ao desenvolvimento de atitudes de cooperação e solidariedade, bem como da atenção e cuidado com a linguagem e rótulos que são disseminados no interior da escola com relação aos estudantes com deficiência. Atuar numa perspectiva de práxis social, sem cair na alienação, exige, portanto, de todos os profissionais da educação, estratégias de leitura crítica da realidade e do cotidiano da escola, pois ao compreenderem criticamente o funcionamento da instituição escolar, podem criar condições para sua transformação. Essas condições serão criadas através de ações de interferência na cultura excludente que permeia esse cotidiano, introduzindo, assim, uma ação revolucionária que suprima a opressão e a desigualdade e que crie oportunidades efetivas de acolhimento e aprendizagem para todos. Observa-se que diante dessa compreensão, a inclusão escolar não terá modelos ou padrões, resultantes de determinações de instâncias superiores de gestão educacional, a serem seguidos por todas as escolas. Porém, a história da inclusão, implementada em cada escola, será flexível, pois construída para a realidade de cada unidade escolar pelos sujeitos sociais que dela fazem parte, guiada apenas por princípios de equidade e respeito às diferenças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final dessas reflexões é esclarecer que a defesa de uma prática social empreendida pelos sujeitos que compõem a realidade da escola como forma de propiciar a construção de uma proposta verdadeiramente inclusiva, não é, de maneira alguma, uma forma de eximir o Estado de sua responsabilidade de prestar à sociedade os serviços necessários à construção da inclusão. Ao contrário, entendemos que a educação é direito de todo cidadão e, portanto, defendemos que é dever do Estado assegurar meios e recursos para o desenvolvimento da proposta de educação especial na perspectiva inclusiva. Dentre estes meios está a garantia do processo formativo (inicial e continuado) dos professores e demais profissionais da educação para o incremento de uma práxis social inclusiva no contexto de cada unidade escolar, assegurando, assim, uma educação de qualidade para todos. Em todo o texto, defendemos que essa práxis social inclusiva é responsabilidade de todos os sujeitos envolvidos na escola e não apenas do professor, pois não se constrói uma contracultura apenas com a participação de docentes. Assim, gestores, bibliotecários, técnicos em administração, merendeiras, porteiros, faxineiros, dentre outros, todos devem ser convocados a pensar a operacionalização de políticas inclusivas no ambiente escolar. Assumir essa práxis social inclusiva requer que os profissionais da educação se compreendam como “intelectuais orgânicos”3, na concepção gramsciana, isto é, profissionais organicamente comprometidos com a mudança social do espaço em que atuam. Somente essa ação transformadora empreendida pelos sujeitos sociais que compõem a escola, fará com que esta deixe de ser um instrumento de reprodução e manutenção do status quo e passe a ser um lugar de transformação social e de empoderamento dos, até então, excluídos. Por outro lado, reconhecemos que essa práxis social inclusiva requer, além do processo de formação continuada dos profissionais da educação, que sejam revistas às condições para a produção do ensino no contexto escolar. Isso significa repensar, dentre outras coisas: a quantidade de estudantes por sala; a estrutura física e os mobiliários das escolas; a carga horária do professor, que não raro, precisa assumir cinco turmas, com 40 alunos cada, para cumprimento de sua carga horária de trabalho; os materiais didáticos disponibilizados; a efetivação e otimização dos momentos remunerados de atividade pedagógica complementar para planejamento coletivo de aulas que, efetivamente, mobilizem os estudantes para a aprendizagem, independente de sua condição física, cognitiva ou sensorial; a necessidade de outros espaços de aprendizagem no contexto da escola, que não exclusivamente o espaço da sala de aula (biblioteca, laboratório de informática, quadra de esporte, refeitório etc.). Vê-se, portanto, que não é possível se falar de políticas e práticas de inclusão sem se falar na luta pela transformação da situação educacional brasileira, sendo que essa luta deve travada em dois espaços, tanto com o Estado e gestores da política educacional quanto no espaço da escola e da sala de aula.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  • BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: UNESCO, 1994;
  • BRASIL. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 2001.
  • MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Construir a Escola das diferenças: caminhando nas pistas da inclusão. In: O Desafio das Diferenças nas Escolas. Boletim 21. MEC, 2006.
  • NETTO, J. P.; FALCÃO, M. do C. Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: Cortez, 1987.
  • FERREIRA, M. C. C.; FERREIRA, J. R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas pedagógicas. In: GÓES. M. C. R.; LAPLANE, A. L. F. de. Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.
  • BRASIL. Ministério de Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008.