A EDUCAÇÃO DOMÉSTICA EM SERGIPE (1850 – 1930)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7641592


Maria José Torres Lima


O presente artigo1 tem como tema a educação doméstica presente nos oitocentos e início dos novecentos nas províncias brasileiras, com interesse especial na província de Sergipe. A princípio, essa modalidade de educação pode ser definida por se realizar no interior da casa do mestre ou da família do estudante, cujo professor, preceptor ou explicador oferecem seu serviço de ensinar a quem dispuser de proventos para adquiri-lo. Ao contrário do que se imagina, a educação doméstica não ocorreu de modo informal e independente da inspeção estatal, pois sua oferta aos moradores das capitais e das cidades interioranas, especialmente o ensino das primeiras letras, era uma realidade para qual o estado brasileiro não podia fazer vistas grossas e se eximir de seu papel de supervisor no assunto de educação (FARIA FILHO, 2005). Também não se tratava de uma educação que desprezava os avanços da pedagogia moderna que descentralizava o ensino da figura do professor para as capacidades naturais do educando, pelo método simultâneo e lancasteriano2.

Para Siqueira (2006), as novas tendências de ensino estabelecidos no século XIX, adequavam-se bastante ao exercício das aulas particulares que, funcionavam sob a égide das propriedades rurais com padres ensinando aos filhos de fazendeiros e agregados, ou ainda, ocorriam na casa do professor e até na moradia do aluno. “Isso acontecia pois o padrão escolar conhecido hoje “ainda não estava rigidamente internalizado e qualquer um que dominasse os rudimentos da escrita, da leitura e do cálculo não se sentiria constrangido em transmiti-los em ambientes domésticos, privados (SIQUEIRA, 2006, p. 26)”.

Por outro lado, na obra referência sobre a educação doméstica de Vasconcelos (2005) as fontes históricas dão conta de que os professores além de apresentarem suas credenciais para exercer o ensino, também demonstravam domínio sobre o corpo de conhecimentos da nova pedagogia. Do mesmo modo, as fontes históricas também apontam para a intenção de demonstrar conhecimentos atualizados da pedagogia moderna pelos professores que se ofereciam a ensinar nas casas. Portanto, estamos diante de um tema que exige cuidadosos cruzamento de fontes históricas para melhor precisar seu objeto, pois seus sinais deixaram indícios fortes de sua presença no Brasil Imperial e início da Primeira República, mas, ao mesmo tempo, importantes lacunas para uma precisão conceitual em seu modus operandi na formação dos pequenos estudantes.

Como bem nos lembra Warde (2002) “o tema não traz de presente o objeto”, portanto, esclarecemos que o nosso objeto de estudo é a oferta de ensino anunciadas por professores e professoras nos jornais do Estado de Sergipe, cujo local de ensino era a sua própria casa ou a da família do estudante, ao longo do período de 1853 a 1930. Precisar, definir e, sobretudo, conceituar esse objeto de estudo exige aglutinar as fontes históricas da educação de Sergipe e do Brasil para operar uma definição, a princípio, por exclusão. Ou seja, primeiro desbastar a floresta para dizer o que essa modalidade de educação não foi para, então, nos aproximar de sua natureza, qualidade e significado para uma sociedade que contava com incipiente oferta de escolas criadas, organizadas, legalizadas, subvencionadas e inspecionadas pelo poder estatal.

Assim procedendo, é possível entender que a oferta de ensino que acontecia no seio familiar não fora as cadeiras isoladas, conforme aponta o estudo de Pinheiro (2002), pois, após a reforma pombalina, a unidade de aulas régias no sistema colonial foi substituído por cadeiras dispersas ou aulas isoladas, algumas nos centros urbanos e outras mais no interior. Com um requerimento de empregabilidade em mãos e posse de documento comprobatório de aprovação em concurso público para o magistério, qualquer pessoa podia abrir uma cadeira isolada pública, sob a fiscalização de um Diretor de Estudos (PINHEIRO, 2002).

Também não foram os grupos escolares cuja origem data do final do século XIX2, projetados exclusivamente para abrigar o novo modelo escolar republicano, adquirindo características urbanas nos centros das principais cidades do estado. Programados para receber muitos alunos, muitos professores e muitas classes, sob a base de uma estrutura organizacional de métodos de ensino, composição de materiais e disciplinas. Tudo sob  as ordens de funcionários públicos, membros do corpo escolar: diretor da instituição escolar, inspetores, e diretor da instrução pública (AZEVEDO, 2009).

A oferta de ensino que acontecia nas casas do mestre ou da família do aluno era uma realidade prevista na legislação provincial datada no ano de 1853 sujeita à inspeção da Instrução Pública e do Governo (SERGIPE, 1853a). Desde de já, não se trata de educação informal, pois a casa do mestre ou do pai de família estava sob a égide do poder provincial. Mais que isso, no conjunto da legislação encontramos a permissão de professores públicos receberem estudantes em suas casas e receberem pelos serviços de alimentação e hospedagem, porém não ensiná-los. Encontrou-se também a permissão para “senhoras que se encontram no seio de suas famílias” ensinar as primeiras letras para crianças em sua própria casa, assim como a permissão de lecionar em função de seus “místeris individuais” (SERGIPE, 1853b e 1870).

Ao observar os jornais sergipanos do período Imperial e do início da República, encontramos anúncios de professores e professoras oferecendo-se para lecionar na casa de algum aluno ou mesmo, apresentando seus serviços de mestre em sua própria moradia. Vasconcelos (2005, p.15) denomina essa modalidade como educação doméstica, pois trata-se do ensino que ocorre na casa do aprendiz ou do mestre, sob a vigilância e responsabilidade dos pais. Podendo haver uma variação que corresponde aos professores particulares, os preceptores e as aulas particulares. Esse conceito é bastante importante para os nossos estudos e, de forma geral, nos permite afirmar que essa educação doméstica esteve presente nos oitocentos sergipanos, mas ele ainda não nos é suficiente, pois, ao cruzarmos nossas fontes, jornais e legislação, a educação que ocorria nas casas sergipanas também estavam contempladas legalmente pelo poder público e sujeitas, inclusive, à prestação de informação estatística e de desempenho dos aprendizes (SERGIPE, 1875).

Portanto, entendemos a oferta de ensino por professores e professoras para lecionarem nas casas do aprendiz ou nas suas próprias, como uma educação formal, sem exigência de concurso público, de cunho particular e não acomodada nas classes isoladas, nem nas escolas tais como, paulatinamente, passou a ser a prática mais recomendada para ensinar as crianças e jovens. Por outro lado, entendemos que a estrutura física e organizacional dos diferentes estabelecimentos de instrução determinavam o seu modo de ser ofertado, conduzido e de definições de responsabilização e hierarquização devidas e distintas. 

Para efeito de utilização de uma nomenclatura mais adequada nos apropriaremos dos conceitos de Vasconcelos (2005, p.15) de educação doméstica, educação na casa e aulas particulares, sem, com isso, cometer o descuido de colocar sob essas categorias as escolas estatais que, por improviso, funcionaram em prédios destinados à moradia.

Na crença de termos conseguido delimitar nosso objeto de estudo, cabe levantar questões que permitam a investigação sobre a educação doméstica no estado de Sergipe no final do século XIX e início do século XX: de acordo com os anúncios publicados nos jornais locais, quais tipos de ensino eram oferecidos? Para quais etapas de ensino? Quais disciplinas? Quais as qualificações profissionais que os professores(as) que ofertavam seus serviços de ensinar em casa, anunciavam nas páginas de jornais?

Esta prática foi bastante comum em todo território brasileiro no período Imperial e início da República, quando ainda não existia um sistema de escolas organizado, subsidiado e fiscalizado pelo Estado brasileiro (de forma consistente) e, deste modo, a população mais abastada recorria aos mestres que ofereciam o ensino das primeiras letras em sua própria residência (BRETAS, 2015).

Conforme Vasconcelos (2004), a prática da educação doméstica foi perdendo sua força e desapareceu por completo na então capital do Império, Rio de Janeiro, quando a inicial ação da política educacional começou a defender a instrução pública através da construção de uma rede de grupo escolares, com forte apelo e convencimento da população de que este sistema seria a melhor maneira de educar os filhos das elites locais.

Porém, no estado de Sergipe, ainda hoje, esta prática convive com o sistema público e privado de ensino, resistindo ao tempo e à própria estrutura de educação escolar. Basta a criança ingressar nos anos iniciais do Ensino Fundamental que logo começará a frequentar a banca mais próxima de sua residência que sustentará em sua fachada uma simples placa com os dizeres “Ensina-se banca”. Uma prática tão comum, tão presente no cotidiano das crianças e de suas famílias, tão incorporada no inconsciente da população que pouco, ou nada, chamou atenção dos historiadores da educação local como um objeto de estudo a ser desvendado pela pesquisa histórica, para conhecer suas ofertas, suas formas e seus professores.

Sem arriscar uma leitura anacrônica da história da educação de Sergipe, não estamos tentando dizer que a educação doméstica dos oitocentos seja uma continuidade linear das “bancas” atuais, apenas identificando que a educação doméstica ainda é uma realidade significativa no cotidiano de vários professores e professoras e de crianças e jovens que, concomitantemente, frequentam as salas de aula das redes públicas e particulares consolidadas em todas as cidades sergipanas. 

Nossa análise também se esforçará em contextualizar a oferta da educação doméstica na realidade sócio-político brasileira/sergipana do período delimitado, buscando interpretar como os avanços da modernização do Estado brasileiro e dos diferentes setores da sociedade impulsionaram ou atrasaram os processos educacionais. Para Bretas (2004), a educação formal é um importante elemento constitutivo e indicativo do desenvolvimento social, sendo assim, ao desvendar aspectos da oferta de educação doméstica, pretendemos, revelar em que medida a sociedade sergipana avançava na tessitura social para alcançar os patamares de civilidade ditados pelas sociedades mais avançadas, especialmente, as europeias que constituíam referências importantes para as leis de desenvolvimento sociocultural.

O período histórico delimitado, 1853 a 1930, deve-se ao nosso entendimento de que a partir da metade do Império até as primeiras décadas do período Republicano, o Brasil contava com frágeis iniciativas públicas de implantação de política educacional escolar e, consequentemente, com poucas escolas para atender a população de crianças e jovens que demandavam bancos escolares para a sua formação. Conforme Bretas (2014),

basta uma breve consulta no conjunto de obras que têm discutido a constituição histórica dos grupos escolares em diversos estados brasileiros, para constatar as disparidades existentes entre os estados, a ausência de uma política robusta para o atendimento educacional da população e, principalmente, a ausência da defesa da escolaridade como um direito social (AZEVEDO e STAMATTO, 2012; CHAMON, 2008; NOGUEIRA, 2012; PERES, 2002; PINHEIRO,
2002; VAGO, 2002; SOUZA, 2009).

O período, assim delimitado, contribuiu para a identificação da oferta de ensino anunciada por professores e professoras através dos periódicos locais, para atuarem como mestres nas suas residências ou nas residências das famílias que assim desejarem.

Para interpretar o objeto de estudo que nos dispusemos a evidenciar a partir das fontes históricas disponíveis, nos apropriamos das interpretações clássicas da tradição acadêmica brasileira que procura desvendar os processos que levaram o país a se alinhar aos padrões econômicos e sociais dos países europeus que, por seu nível de desenvolvimento, configurava-se como referência aos países em desenvolvimento. A partir da leitura das obras de Faoro (2013); Holanda (1995); Mota (1984); Fernandes (1964); Carvalho (1990); entre outros. Desse acúmulo teórico é possível afirmar que há um terreno comum entre eles, pois…

[…] pode-se evidenciar a primeira ideia convergente, segundo a qual há um descompasso entre as visões e valores próprios da modernidade, de influência europeia e, posteriormente, americana, e da constituição de uma infraestrutura necessária para dar suporte social ao seu assento (BRETAS, 2014, p.18)

Ou seja, apesar das políticas públicas do Império e da Primeira República mirar seu desenvolvimento em países avançados, as elites dirigentes não se comprometem em infraestrutura necessárias para acompanhar a ideia de desenvolvimento. Deste modo, ainda que a educação escolar venha, aos poucos, ocupando as pautas nacionais e locais não fora acompanhada de estruturas físicas, legais e de recursos humanos capazes de efetivar os padrões de modernização capitaneados pela elite nacional. Nossa hipótese, é que a oferta de iniciativa individual de professores e professoras nas residências (suas ou das famílias de seus pequenos estudantes), ocupou a importante e demorada ausência de criação de escolas para a população brasileira e, especialmente, para a sergipana.

Deste modo, a educação doméstica foi um caminho possível e viável para as famílias e para os governos locais manterem minimamente o atendimento ao ensino das primeiras letras para as crianças e adolescentes. Portanto, o período assim delimitado, justifica-se tanto em termos de organização da pesquisa como, principalmente, por ser uma fase de maior concentração e consolidação da educação doméstica ofertada e praticada em Sergipe. 

A análise documental e bibliográfica tem destaque neste estudo e compreende a investigação dos documentos oficiais (nacionais e sergipanas), bibliográficos e jornalísticos disponíveis nos acervos do Conselho Estadual de Educação – CEE/SE, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGSE, e o Arquivo Público do Estado de Sergipe. Pois, entende-se que esses acervos guardam fontes documentais importantes no que diz respeito a memória das bancas de ensino.

Sobretudo os jornais sergipanos tais como: A Cruzada (1922-1930); A Notícia (1896-1897); Jornal do Aracaju (1871-1875); O Horizonte (1885-1886); O Republicano (1890); O Clarim (1890); O Porvir (1900); Gazeta de Sergipe (1890-1930); Correio de Aracaju (1906-1930); Diário da Manhã (1911-1922). Neles foi possível identificar indícios da prática da educação doméstica no estado, pois, sob forma de oferta de ensino em casa, anúncios eram alocados nas páginas dos impressos, destinando-se ao público em geral. Pessoas consideradas “habilitadas” para lecionar e professores, expunham o desejo de dar aulas particulares em sua própria moradia ou na do aluno, e ainda, pais, contratando mestres para instruir seus filhos em seu domicílio. Apesar de não haver uma seção padrão para este tipo de exposição, a maioria constava em uma página (normalmente a última), destinada exclusivamente para anunciantes de todo o tipo (comércio, mudança de endereço, parcerias entre lojas e pessoas, etc.).

Aqueles que anunciavam costumavam designar as disciplinas a serem lecionadas, ou se fosse o caso, mencionavam o ensino da instrução primária. A maioria discorria sobre seus louros, especialidades, experiências e, quase sempre, acerca da formação moral que possuía, questão principal a ser analisada pelos contratantes.

Os periódicos constituíram-se uma forma de comunicação importante na descoberta de características da educação doméstica no estado, bem como da sociedade sergipana, pois se consolidaram como um instrumento dinâmico de informações e, dos modos de ser e estar da sociedade.

A partir das questões elaboradas nesta pesquisa foi possível organizar o montante dos documentos e buscar informações para as possíveis respostas, assim, a orientação teórico-metodológica aqui assumida supõe que as perguntas e a abordagem do conhecimento que permitem o desvendamento dos fatos históricos registrados pelos documentos, desvendam a realidade ímpar do objeto estudado. 

Por isso, para a coleta das fontes documentais tornou-se necessário a utilização de instrumentos, como: fichas catalográficas, máquina fotográfica e computador.

Os instrumentos utilizados na realização da pesquisa contribuíram significativamente para o entendimento das partes unidas em um todo, que, juntas desenvolveram aparatos intermináveis de história educacional da sociedade analisada.

O trabalho realizado na triangulação de dados provenientes desta pesquisa, proporcionaram-nos momentos de incansáveis reflexões e auto avaliação. Afinal, lidar com uma fonte extensa de conteúdo exige do pesquisador um olhar seletivo e crítico quase que todo o tempo. Não se pode deixar nada escapar dos planos traçados em volta do objeto estudado, e, consequentemente não podemos nos perder em meio a enorme gama de informações que a fonte jornalística é capaz de transmitir.

Dessa forma, a análise múltipla advinda da utilização das fontes periódicas históricas, tende a desenvolver por si mesma, diversas problematizações do passado e, orientar realidades do presente. Para nós, a investigação de anúncios de educação doméstica, tornou-se uma árdua tarefa de constante busca por significações e parâmetros camuflados por trás das ofertas de ensino pelos mestres da casa, pois, ao mesmo tempo em que impunha questões sociais e educacionais diversas, também apresentava pontos político-econômicos diversos.

A conjugação dos dados qualitativos permitiram a catalogação das fontes documentais e tornaram aparente as hipóteses estabelecidas nesta pesquisa. Neste movimento de busca, análise, reflexão, reunião dos dados e escrita, foi possível situar os elementos aqui expostos não somente em uma época e em um tempo, mas, transformá- los em subsídios de colaboração na composição da História da Educação brasileira.

O montante de documentos oficiais investigados nessa pesquisa, demonstraram indicadores de informações governamentais sobre o contexto estudado, “todavia, não podem ser considerados como fontes totalmente fidedignas de leitura da realidade e, sim, como registros, por vezes, manipulados, daquilo que se desejava mostrar (VASCONCELOS, 2005, p.17)”.

Desenvolver um texto dissertativo a partir de fontes constituídas por opiniões e pensamentos de uma época, de uma sociedade, requer de nós pesquisadores uma auto imposição disciplinar e atenção, para olhar por diversos vieses os aspectos desvendados, e ainda, conseguir discernir pontos que foram […]

[…] negligenciados e pouco perceptíveis em pesquisas baseadas unicamente em documentos oficiais. Além disso, ao analisar a educação doméstica, deve-se levar em conta aspectos sociais, políticos e econômicos articulados entre si, que só se fazem presentes no cotidiano retratado nas obras literárias relativas ao tempo histórico enfocado (VASCONCELOS, 2005, p. 20).

Para Wheling (2004), a atual conjectura do país é fruto da imposição do modelo de modernização europeu e norte-americano em nossa cultura. Já Carvalho (2012), a modernização no Brasil nunca chegou. Para explicar essa afirmação esse mesmo autor expõe as diferenças de denominação entre os termos moderno, modernidade e modernização. De acordo com Habermas (2000), essa diferenciação de nomenclatura, existe devido a passagem de uma época para outra, ou seja, cada conceito pertence a um período vivido, ou não, por uma sociedade. Mota (1984), discorre acerca das questões socioeconômicas provenientes do processo de modernização de um povo, para ele, somente esse aspecto poderá afirmar se houve uma evolução neste sentido. Para Fernandes (1964) e Holanda (1995), as tentativas de inserção do Brasil na era moderna, ao ser copiada de outros países, geraram um descompasso cultural, social e político grave. Dessa forma, assim como Wheling(2004), eles defendem que as amarras que nos une aos estrangeiros, é o que impede o país de modernizar-se efetivamente.

Na busca por fontes que nos direcionassem ao assunto tratado neste artigo, deparamo-nos com a pouca existência de trabalhos voltados especificamente para educação doméstica sergipana. Mesmo em âmbito nacional, as pesquisas por este tema não foram satisfatórias, pois, como já foi dito anteriormente, é um estudo pouco realizado no Brasil.

A primeira fonte que tivemos  contato foi a obra de Maria Celi Vasconcelos (2005), A casa e seus mestres. A educação no Brasil de oitocentos, um livro que fala sobre a educação doméstica na província do Rio de Janeiro no século XIX. A autora utiliza de fontes documentais (jornais, relatórios, cartas, etc.), para descrever essa prática, e demonstra através dessa análise, o quanto o ensino da casa contribuiu para a instrução da população residente na então capital do país.

A escrita do texto da referida autora, norteou-nos durante todo o processo de construção deste artigo. Através do trabalho apresentado por ela, conseguimos direcionar o nosso próprio estudo, entendê-lo melhor e, sobretudo, definir o foco a ser seguido. Partimos então do princípio de que:

no Brasil, até o início do século XX, a educação doméstica era uma prática comum nas elites, constatada nos documentos pesquisados, não só para a formação elementar, ou seja, para o ensino da leitura, escrita e contas, mas também para o ensino dos conhecimentos, que eram considerados fundamentais à época, e para a continuidade da formação de jovens, principalmente as meninas, que elaboravam ou aprimoravam sua educação na Casa. Os meninos, por sua vez, na maioria das vezes, iniciavam sua educação no âmbito doméstico e, posteriormente, eram encaminhados para uma das instituições escolares existentes: particulares, religiosas ou oficiais, onde concluíam a formação secundária. Havia, entretanto, como demonstram as fontes, a possibilidade do inverso, principalmente no caso das meninas, que, após a conclusão da formação elementar em uma instituição escolar, complementavam sua educação na Casa, através das diferentes formas de educação doméstica (VASCONCELOS, 2004, p.41).

Ainda em domínio nacional, fizemos uma busca por dissertações, artigos e livros relacionados à educação doméstica. Conseguimos identificar principalmente, trabalhos que discorrem sobre a instrução no Brasil Império e na Primeira República. Esses, foram essenciais no entendimento do contexto educacional e social no qual o país estava inserido na época citada.

Na obra de Accácio (2005), Os anos 1920 e os novos caminhos da educação, observamos o início das mudanças no ensino numa conformação em que os movimentos em prol da melhoria da educação acentuavam-se. Nesse período, a educação doméstica já havia declinado em todo o território nacional e, já não estava entre os debates acerca da escolarização. A escola pública igualitária, havia sufocado as iniciativas do ensino da casa, e os espaços de educação que estavam sendo criados para tal fim acabavam por deslumbrar a sociedade.

Oliveira e Silva (2017), e na obra O entusiasmo pela educação na Primeira República: uma perspectiva de progresso político-social no Brasil, também mostra que no início da República, a educação sofre transformações que definirão ao longo de muitas décadas mais, a escola no país.

A referência nacional de grupos escolares que utilizamos, foi Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba, Pinheiro (2002). Esse autor, ao fazer uma trajetória da escolarização neste estado e, trazendo também a configuração social que determinou as mudanças por ele citadas, despontaram para nós, a possibilidade de unir a vertente histórica com a social, e através destas desenvolver um trabalho educacional majoritariamente analítico.

Os autores Vidal e Faria Filho (2005), ao escreverem Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil, permitiram que compreendêssemos mais como funcionava a escola primária na época do Império.

Em Vilela (2000), O mestre-escola e a professora, trouxeram-nos referências factuais acerca da educação doméstica, e escolar, no que concerne às relações entre professor e aluno no espaço de instrução. Percebemos que enquanto no ensino da casa, o envolvimento de ambos muitas vezes misturava-se ao ambiente familiar, no espaço voltado para a educação pública, a formalidade era mais evidente.

Albuquerque (2013), Entre cartas e memórias: preceptoras europeias no Brasil do século XII, é uma referência sergipana. O autor é o pioneiro da educação doméstica no estado, sua obra (dissertação e livro), aborda a trajetória de uma preceptora alemã contratada para a educação da casa na província sergipana. Apesar de o texto ser retratado em forma de diário, e a especificidade desse tema ser voltado mais à vida pessoal da protagonista, é possível acomodar o estilo de vida local e pensamentos da estrangeira diante da realidade da preceptoria.

Nela é possível vislumbrar os momentos em que a educação doméstica mistura-se com a vida pessoal de seus envolvidos, retratando assim, o cotidiano de alguém que se propõe a cuidar/educar suas pupilas.

Ainda na bibliografia sergipana, Amorim (2012), e a Configuração do trabalho docente e a instrução primária em Sergipe no século XIX (1827-1880), permitiu-nos apreciar rastros do ensino da casa em seus primórdios no estado. Tratando da configuração educacional primária na então província, pudemos perceber em relatórios, legislação, termos de visita, mensagens presidenciais, etc. Um pouco de como acontecia a instrução sergipana nesse período, e assim, conseguimos moldar a estratégia documental a seguir.

Azevedo (2010), Rodrigues Dória, Carlos Silveira e a reforma de implantação dos grupos escolares em Sergipe, é a principal obra da educação sergipana voltada para a implantação dos grupos escolares no estado. Da criação à afirmação desses novos modelos escolares de instrução pública, podemos pôr em destaque o novo pensamento educacional da Primeira República e, concentrar a educação doméstica na direção em que ela tomava nesta época: declinava sob seu formato original, mas adquiria uma nova roupagem calcada na informalidade. Molde que conhecemos na atualidade.

O livro de Maria Thétis Nunes (1984), História da educação em Sergipe, é primordial na elaboração de qualquer trabalho de educação no estado. Ao realizar um apanhado de diferentes períodos da educação, economia e sociedade sergipana, Nunes descreve e expõe estatisticamente e empiricamente a escolarização da população. As pesquisas realizadas por esta autora para a elaboração de seu estudo, também foram fundamentais para que conhecêssemos obras de autoria local que tratassem do ensino em Sergipe.

A obra de Oliveira (2016), Ensino primário em Sergipe na Primeira República, é um artigo que discute o funcionamento do ensino elementar no estado no início do Brasil republicano. Ele nos ajudou a compreender mais o funcionamento do educação primária sergipana, e assim, situar o nosso objeto no novo contexto ao qual estava inserido, ao perceber que as práticas educativas do período imperial haviam sido deixadas de lado apenas visivelmente, já que a precariedade das escolas públicas permanecia a mesma.

Santos (2011), ao registrar a A mulher de posses e a instrução elementar na Capitania de Sergipe Del Rey nos anos setecentos e Santos (2013), ao escrever a Elite letrada e ofício docente em Sergipe no século XIX, permitiram-nos formar um breve curso da origem da educação doméstica em Sergipe, e, verificar a concretude da existência dessa prática de ensino ainda no século XVIII e posteriormente no XIX. Além disso, estabelecemos a instrução particular e pública em momentos distintos porém, repletos de detalhes educacionais que fomentaram a pesquisa e ajudaram a construir algumas memórias desse exercício.

A autora Silva (2013), brindou-nos em A elite setecentista instruída em Sergipe Del Rey (1725-1800), com um arsenal de informações acerca da população letrada na província do século XVIII, que pudemos desenvolver o caminho percorrido pela educação doméstica no estado. Situamos as práticas de ensino da classe mais favorecida da sociedade entre os pioneiros do ensino da casa, já que esse estudo nos fez perceber o quanto ele foi essencial para construir a instrução da população sergipana.

Desse modo,nossas pesquisas,por enquanto revelam que a educação da casa do século XIX, agora, em meados do XXI, não mais é um instrumento de escolarização exclusivo das elites, o surgimento de inúmeros meios de ensino, fez declinar o prestígio dessa prática. Contudo, sua oferta e procura pareceu aumentar, e, apesar de não termos dados empíricos que comprovem essa afirmação, basta um passeio pelas ruas de Aracaju, e de seus municípios, ou uma conversa com os moradores dos bairros do estado, para notar que a ação educativa antes de cunho formal, pelo menos no que diz respeito à participação na legislação da Instrução Pública, agora age na informalidade, e nem sempre possui publicidade de seu funcionamento. Dessa forma, continua espalhando-se através do popular boca em boca, e, garantindo há mais de três séculos, a aprendizagem da sociedade sergipana.

REFERÊNCIAS 

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AZEVEDO, Crislane Barbosa de. Rodrigues Dória, Carlos Silveira e a reforma de implantação dos grupos escolares em Sergipe. Revista HISTEDBR [On-line] Campinas, n.37, p. 134-150, mar.2010 – ISSN: 1676-2584. Disponível em: < http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/37/art10_37.pdf>. Acesso em 21 de maio de 2017.

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FARIA FILHO, Luciano Mendes de & VIDAL, Diana Gonçalves. As lentes da história: Estudos de história e historiografia da educação no Brasil, Campinas, Autores Associados, 2005.

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1Este artigo é fruto da dissertação intitulada: ensina-se banca: a oferta de educação doméstica em Sergipe (1880-1930). Defendida no ano de 2018.

2Que consistia em um procedimento de ensino criado na França por Jean Batist de La Salle (1651-1719) (SIQUEIRA, 2006). Objetivando a minuciosa organização das escolas e um programa didático que previa leitura e escrita da língua materna, as quatro operações aritméticas e catecismo, acompanhado de uma formação técnico-científica de caráter profissional” (SIQUEIRA, 2006, p.21). A partir do método simultâneo surge o método lancasteriano ou mútuo, promovido por Joseph Lancaster (1778-1838), da seita dos Quakers, e a André Bell (1752-1832). Implantado no Brasil no século XX, tinha a seguinte metodologia: dividir os alunos por grupos ou classes e colocá-los à frente de monitores. O professor não se ocupa de outra coisa a não ser instruir e dirigir os monitores, passando assim a se colocar em lugar secundário no ensino […] (op.cit, 2006, .23).