THE TRADITIONAL CANOAGE ON THE RIVERSIDE OF ABAETETUBA-PA: A CRITICAL-SUPERIOR LOOK
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8265855
Rodrigo Ferreira de Almeida1
Giselle dos Santos Ribeiro2
Jefferson Felgueiras de Carvalho3
Manoel do Espirito Santo Silva Junior4
Marcos Renan Freitas de Oliveira 5
Samantha Castro Vieira de Souza 6
Thais de Oliveira Cardoso Brandão7
Alcicley Mendes Cardoso8
Resumo
O presente artigo tem como objetivo demonstrar como a abordagem pedagógica crítico-superadora pode contribuir para a preservação e a manutenção da cultura ribeirinha das ilhas da cidade de Abaetetuba-PA, concebendo a canoagem tradicional como elemento da cultura corporal. Apresenta-se uma proposta pedagógica que busca inserir esse desporto regional como componente curricular nas aulas de educação física das escolas locais. Para tal feito, realizou-se uma pesquisa bibliográfica do tipo revisão narrativa com base nas produções de Soares et al. (1992), Taffarel e Escobar (2009), Escobar (2005), Gasparin (2005), Malato (2009), entre outros. Constatou-se que é possível a inserção do conteúdo canoagem, proposto a partir da metodologia crítico-superadora, com a finalidade de promover a valorização desse patrimônio cultural nas escolas e na sociedade em geral, pois tal perspectiva possibilita, além da capacidade de socialização do conhecimento sistematizado acerca da canoagem tradicional, contribuir para a melhoria das questões sociais dos moradores ribeirinhos, problematizando-as, harmonizando o conhecimento científico com o conhecimento popular, e ressaltando, ainda, a importância da sua aplicabilidade para a valorização histórico-cultural das comunidades contextualizadas.
Palavras-chave: Canoagem tradicional. Cultura Corporal. Abordagem Crítico-Superadora.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a necessidade de valorização da canoagem tradicional, concebida, nesse contexto, como um elemento da cultura corporal, ressaltando sua possibilidade de inserção como componente curricular da Educação Física Escolar (EFE) das escolas ribeirinhas da cidade de Abaetetuba, Pará. O trato desse objeto de pesquisa baseia-se na perspectiva crítico-superadora, tendo sua fundamentação no entendimento de que os principais interesses e reflexos dos benefícios da valorização cultural se dão em relação à localidade contextualizada e à classe trabalhadora, a qual é evidenciada pela concepção destacada na pesquisa, no contexto da justiça social (Soares et al., 1992).
Emerge da convivência com alunos ribeirinhos do curso de Licenciatura em Educação Física Escolar da Faculdade de Educação e Tecnologia da Amazônia (FAM), cujo objetivo primordial, na região, é incentivar a pesquisa de forma mais pragmática possível, contextualizando a realidade sociocultural, por meio de apontamentos de possibilidades de soluções das problemáticas que influenciam diretamente na vida da comunidade local.
Assim, a aproximação com o objeto deste estudo surgiu da necessidade de mostrar a importância de manter o conhecimento acerca da canoagem tradicional, que representa uma das peculiaridades das identidades culturais ribeirinhas.
O objeto investigado possui como ponto de partida a redução substancial da canoagem tradicional nos rios de Abaetetuba-PA. Entende-se que isso é reflexo do avanço tecnológico e da industrialização, pelo aparecimento e avanço desordenado dos novos meios de transportes, como as rabetas e lanchas motorizadas, facilitando e tornando cada vez mais rápida a locomoção das pessoas. Assim, percebe-se que, no decorrer do tempo, vão ocorrendo transformações na vida da população ribeirinha, promovida por meio do avanço tecnológico.
Partindo desse contexto, a pesquisa justifica-se em virtude da reduzida produção literária acerca da canoagem tradicional, gerando a necessidade de estimular as discussões acadêmicas sobre a temática em nossa região e ampliar seus horizontes no país. Para tal feito, realizou-se consultas nos principais periódicos científicos da área, listados a partir do site da Biblioteca Setorial do Centro de Educação Física e Desportos. Foram consultadas 24 revistas a partir dos termos de busca: canoagem e canoagem tradicional.
O trabalho, portanto, visa apropriar-se da abordagem pedagógica crítico-superadora, para, por meio dela, poder analisar o problema e chegar a um resultado que possa trazer possibilidades ao trato da canoagem por meio da Educação Física Escolar, promovendo a valorização e apropriação da cultura regional.
A pesquisa em tela valeu-se de uma revisão bibliográfica do tipo narrativa, utilizando-se de materiais já publicados pela comunidade científica, entres eles livros que foram base das abordagens discutidas na pesquisa, artigos e teses (Gil, 2010).
A abordagem de pesquisa será predominante qualitativa, “porque há uma relação entre o mundo real e o indivíduo” (Caneppele, 2012, p. 29). Analisou-se a produção existente em torno de duas perspectivas: a) as formas como as abordagens pedagógicas da Educação Física fazem a discussão da cultura e sua valorização, tendo como prerrogativa o aprofundamento na perspectiva crítico-superadora; para tanto, estudamos alguns livros clássicos da Educação Física, dentre eles o Coletivo de Autores (1992) e a produção da Linha de Estudo e Pesquisa em Educação Física Esporte e Lazer (LEPEL); b) a produção existente em torno da Canoagem Tradicional, e, nesse sentido, superar as buscas nos periódicos científicos abarcando, também, teses e dissertações existentes, bem como as matérias de jornais regionais que abordam a temática. Nesse aspecto, cabe um destaque à produção do professor Evaldo José Ferreira Ribeiro Malato, pioneiro na discussão da canoagem tradicional no Estado do Pará, por meio da qual selecionamos as demais referências.
Este estudo está organizado, em primeira instância, com uma breve discussão sobre as abordagens pedagógicas da Educação Física e um aprofundamento na abordagem crítico-superadora, mostrando o porquê da sua escolha para a construção do trabalho proposto. Em seguida, são apresentadas as produções de Soares et al. (1992), Taffarel e Escobar (2009), Abaetetuba (2015), Malato (2009), entre outros, que discorrem sobre a abordagem crítico-superadora e a canoagem tradicional, analisando as diversas formas em que ela pode ser apontada como elemento da cultura corporal a ser trabalhada na escola. Finaliza-se com a apresentação de uma proposta pedagógica para a canoagem tradicional ser inserida como componente curricular das aulas de Educação Física, partindo da perspectiva crítico-superadora.
Logo, almeja-se realizar um fortalecimento da cultura da canoagem tradicional nas ilhas abaetetubenses, por meio do reconhecimento dessa modalidade como elemento da cultura corporal, refletindo a necessidade da sua inserção nas aulas de educação física com o suporte das abordagens educacionais desse campo de estudo. O reconhecimento da cultura da canoagem tradicional contribuirá para a valorização das verdadeiras vontades da classe trabalhadora dessa região, impedindo as omissões de representatividade na educação física escolar.
2. ABORDAGENS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A CONCEPÇÃO DE CULTURA
Toda vez que se fala de cultura, realiza-se um referência à criação, o ser humano é repleto de produção ao longo da sua vida, constantemente ele está construindo cultura, ainda que seja simples essa criação, ele tem a capacidade de se encontrar com o conhecimento e aprimorar-se ao longo do tempo, esse é fator que o diferencia de outras espécies de animais. Nessas perspectivas, Soares et al. (1992, p. 40) ressaltam que:
[…] o homem não nasceu pulando, saltando, arremessando, balançando, jogando etc. Todas essas atividades corporais foram construídas em determinadas épocas históricas, como respostas a determinados estímulos, desafios e necessidades humanas.
Nesse sentido, é preciso compreender que a educação física é uma área do conhecimento responsável pela transmissão e manutenção da cultura corporal. A identidade cultural de um povo está enraizada em sua história e costumes, as suas particularidades são tidas como referências para diferenciar os patrimônios da cultura corporal de um determinada região, conferindo-lhes um sentimento de pertencimento e orgulho de suas histórias.
Segundo Suraya Darido (2012), as abordagens de maior relevância que buscam se contrapor às tendências tecnicistas da educação física são: humanista, fenomenológica, psicomotricidade, cultural, desenvolvimentista, interacionista-construtivista, crítico- superadora, sistêmica, crítico-emancipatória e os parâmetros curriculares nacionais.
Essas abordagens mencionadas têm em comum a contraposição com os modelos tradicionais de se trabalhar a Educação Física escolar e são resultados de mudanças de ideias no meio acadêmico, que ocorreram na redemocratização da política brasileira (Darido, 2012). Considera-se que tais abordagens possuem sua relevância social no processo pedagógico de ensino da Educação Física (EF), contudo, a presente pesquisa dará destaque para a abordagem crítico-superadora, por compreender a sua importância em proporcionar no contexto social atual reflexões que corroboram com os novos desafios da contemporaneidade, como no trecho que Soares et al. (1992) ressaltam que:
É preciso que cada educador tenha bem claro: qual o projeto de sociedade de homem que persegue? Quais os interesses de classe que defende? Quais os valores, a ética e moral que elege para consolidar através de sua prática? Como articula suas aulas com esse projeto maior de homem e de sociedade? (Soares et al., 1992, p. 27).
Nesse contexto, é importante compreender que nas regiões ribeirinhas de Abaetetuba, está presente a problemática da perda de costumes devido ao processo de modernização. Este estudo se coloca com o objetivo de evidenciar a importância do resgate desses costumes como forma de conhecimento e valorização dos conhecimentos da cultura corporal. Entre as abordagens consideradas por Darido (2012), existem diversas características que podem ser contextualizadas com a problemática desta pesquisa. Parte-se do exemplo da Construtivista, uma abordagem considerada por corroborar a respeito do universo cultural dos discentes (São Paulo, 1990). Contudo, ela possui uma lacuna ao não deixar evidente o tipo de conhecimento que deseja construir por meio das aulas da educação física escolar (Darido, 2012). Diante do desafio proposto nesta pesquisa, compreende-se que essa lacuna dificulta o processo de valorização sociocultural da canoagem tradicional ribeirinha.
Na abordagem Desenvolvimentista, a Educação Física organiza-se centrada no movimento, deixando em segundo plano a busca pelas soluções de problemáticas sociais (Darido, 2012). Por esse motivo, compreende-se que, apesar da sua relevância, ela não atende ao problema desta pesquisa.
Com relação à abordagem Sistêmica, destaca-se como principal característica o foco no ser social que está em constante processo de transformação, seja de adaptação e/ou de crescimento a patamares mais complexos, acompanhando a evolução da sociedade (Betti, 1996). Embora essa abordagem contribua para a compreensão do ser social como ser proativo, considera-se que, para o contexto da preservação da canoagem tradicional como patrimônio da cultura corporal, ela pode não se adequar aos aspectos culturais do objeto da pesquisa, na medida em que, ao deixar livre as práticas nas aulas de educação física, tende a não se preocupar em manter e valorizar as questões histórico-culturais das regiões onde será desenvolvido o método pedagógico.
Destaca-se que a vertente defendida pela abordagem Cultural tem uma certa aproximação com a defendida nesta pesquisa – que é da abordagem crítico-superadora – posto que a forma pedagógica de tratar a EF contribuiu para a valorização da cultura corporal. No entanto, essa abordagem tem limitações, uma delas tem relação com a temática sobre justiça social. Tal limitação impede a problematização e reflexão da valorização da cultura corporal da classe trabalhadora e das desigualdades entre as diferentes classes sociais, sendo esse um dos objetivos desta pesquisa, materializada pelos ribeirinhos e pelas bases culturais da prática da canoagem tradicional da região investigada. Nesse ponto de vista, Daólio (2012, p. 22) ressalta:
O inegável mérito da abordagem crítico-superadora foi o estabelecimento da cultura corporal como objeto de estudo da educação física. Assim, as várias manifestações corporais humanas, em vez de serem tomadas como conteúdos tradicionais estanques da área – ou, como vimos na abordagem desenvolvimentista, como estímulos, expressões ou auxílio para o desenvolvimento motor – devem ser vistas como construções históricas da humanidade.
Como exemplo, pode-se citar o movimento humano de lançar. A forma como esse movimento era realizado e a sua utilização pelos homens primitivos não foram repassadas de imediato por meio da evolução da espécie, passaram por aprimoramentos, processos de aprendizagens e estímulos (visuais e auditivos, por exemplo), a partir das experiências com outros indivíduos e o meio social em que estavam inseridos, a fim de se chegar ao conhecimento atualmente adquirido sobre o movimento do lançar.
Nesse contexto, Soares et al. (1992) adverte para o problema das teorizações abstratas, das práticas que terminam com as receitas prontas e que prometem grandes resultados. Este é o momento de propor elementos para uma Educação Física que possa reduzir e, talvez, acabar com situações impregnadas de preconceito e exclusão. Um caminho possível deve partir de uma contextualização/problematização do objeto de estudo dessa área de conhecimento e a sua relação com os sujeitos inseridos nesse meio, bem como a realidade em que vivem.
Monteiro (2013, p. 17) ressalta que “outro objetivo da Educação Física Escolar (EFE) é desenvolver a aprendizagem de gestos e movimentos fundamentais nas diferentes formas de atividades físicas e desportivas”. Partindo dessa compreensão, é importante destacar que os gestos e movimentos da prática da canoagem tradicional que ocorrem nas regiões ribeirinhas remetem ao contexto histórico das comunidades devido à sua relevância para o desenvolvimento sociocultural e econômico dessa região.
Outra abordagem citada por Suraya Darido (2003) é a Humanista, a qual se caracteriza pela sua contribuição para o processo de formação humana, com expressão na contraposição aos modelos tradicionais de se trabalhar a educação física escolar. Segundo Monteiro (2013, p. 27), “a abordagem Humanista fundamenta-se nos princípios filosóficos em torno do ser humano: identidade e valor, por exemplo, um crescimento voltado para crescer de dentro para fora”. A contribuição dessa abordagem guarda aproximação com o entendimento desta pesquisa e da forma como deve ocorrer o processo formativo nas aulas de EF, especialmente por compreender a complexidade da formação humana, que não ocorre apenas pela transmissão do conhecimento, mas com o propósito de humanização.
Freitas (2008) ressalta que a concepção Humanista faz uso do jogo, do esporte, da dança e da ginástica como ferramentas de formação integral dos alunos, e os resultados das práticas educacionais se justificam pelos objetivos estabelecidos.
Outra forma de metodologia aplicada à Educação Física Escolar é a abordagem Fenomenológica, a qual se assemelha à abordagem desenvolvimentista, por centralizar as práticas educacionais focando o movimento humano (Folle; Boscatto; Bianchi, 2008). Segundo os autores, “a Fenomenologia deve ser encarada como uma atitude de ver o mundo, na qual sujeito e objeto mantêm uma relação recíproca” (Ibid., p. 1).
Partindo da lógica fenomenológica, considera-se essa abordagem limitada por não considerar as práticas educacionais da EF como ferramentas de formação integral do aluno, desprezando a importância dos valores sociais e do resgate dos valores culturais inseridos nas experiências individuais e coletivas (Kunz, 2003). Nesse sentido, ela não contribui para os objetivos deste estudo, na medida em que busca resgatar a cultura corporal em benefício das camadas populares das regiões ribeirinhas.
Outra abordagem citada por Darido (2012) é a Crítica Emancipatória, que, de acordo com Kunz (2003), tem como objetivo realizar, por meio do ensino das práticas esportivas e sua transformação didático-pedagógica, a formação de jovens críticos e reflexivos, conhecedores e executores de direitos e deveres civis, e não apenas preparados para o mercado de trabalho com conhecimento técnico. Essa abordagem tem uma grande similaridade com a abordagem crítico-superadora, como poderá ser observado adiante, mas os aspectos relacionados ao resgate histórico no campo da EF não são valorizados como necessários ao ponto de atender às demandas desta pesquisa.
Na abordagem Psicomotora, também se destaca a formação integral dos alunos e as responsabilidades pedagógicas, que entendem a EFE como um meio para se alcançar outros fins educacionais (Parâmetros Curriculares Nacionais [PCNs], 1998), como um elemento de grande relevância. Porém, os aspectos socioculturais ficam aquém do que a pesquisa necessita para responder à problemática em questão. Segundo Monteiro (2013, p. 21), “é preciso lembrar que, no âmbito da Educação Física, a psicomotricidade influenciou a busca da formação integral, ao incluir as dimensões afetivas e cognitivas ao movimento humano”. Nesse sentido, considera-se que a importância dessa influência pode ser de extrema valia para esta pesquisa, se utilizada em conjunto com os elementos da abordagem crítico-superadora, especialmente com os alunos de menor faixa etária.
Considera-se que a relevância de se trabalhar a EFE, na perspectiva da abordagem crítico-superadora, dá-se pela possibilidade de preservar a cultura corporal das comunidades ribeirinhas por meio da seleção e problematização de conteúdo nas aulas. É preciso adequar os conteúdos à capacidade cognitiva e às pratica sociais dos alunos, valorizando o seu conhecimento e suas possibilidades na condição de sujeito histórico (Soares et al., 1992). Essa característica torna essa forma de trabalho bastante eficaz na realidade das comunidades ribeirinhas de Abaetetuba, devido à valorização do conhecimento dos alunos e do meio em que vivem. Diante desses aspectos, é possível a proposição de aulas voltadas para as suas atividades diárias, consequentemente valorizando sua cultura local, respeitando sua forma de pensar e ver a sua realidade.
Outro aspecto importante que ajuda a compreensão da contribuição da abordagem crítico-superadora na proposta da preservação cultural é um dos objetivos expressos por Soares et al. (1992), quando ressaltam que:
A expectativa da Educação Física escolar que tem como objetivo a reflexão sobre a cultura corporal, contribui para a afirmação dos interesses de classe das camadas populares, na medida em que desenvolvem uma reflexão pedagógica sobre os valores como solidariedade substituindo o individualismo, cooperação confrontando a disputa, distribuição em confronto com apropriação, sobretudo enfatizando a liberdade de expressão dos movimentos – a emancipação-, negando a dominação a submissão do homem pelo homem (p. 27).
É evidente que existem disputas de interesses sociais nas questões educacionais. Levando esse contexto para o aspecto político, pode-se observar a luta da classe trabalhadora por mais espaço e reconhecimento na sociedade, a exemplo do planejamento do currículo das escolas das regiões ribeirinhas, que não são contempladas com a prática da sua cultura local nas aulas de EFE em razão da predominância das práticas esportivas.
Nesse cenário, é preciso ressaltar a influência das propostas dos parâmetros para o planejamento curricular no campo da EFE, por meio dos chamados temas transversais, tais como: ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural (PCNs,1998). Todavia, é preciso considerar, no processo de planejamento, uma adequação em cada região, em que o conhecimento das problemáticas socioculturais e econômicas das localidades deveriam servir de base para o processo de ensino e aprendizagem. Nesse viés, Soares et al. (1992, p. 63) aponta que “a percepção do aluno deve ser orientada para um determinado conteúdo que lhe apresente a necessidade de solução de um problema nele implícito”. Logo, as aulas devem instigar a capacidade dos alunos para construir propostas a fim de superar os problemas relacionados tanto ao desenvolvimento motor quanto do seu dia a dia.
Sob essa lógica, a escola é reflexo do meio no qual está inserida, precisando representar os indivíduos que realmente constituem esse meio sociocultural, por intermédio da valorização dos alunos como sujeitos históricos que estão em constante processo de transformação. Sendo assim, considera-se que a abordagem crítico-superadora resgata essa valorização com eficácia e reflexão, como pode ser observado nas palavras de Soares et al. (1992):
A escola, na perspectiva de uma crítica superadora aqui defendida, deve fazer uma seleção dos conteúdos da Educação Física. Essa seleção e organização de conteúdos exige coerência com objetivo de promover a leitura da realidade. Para que isso ocorra, devemos analisar a origem do conteúdo e conhecer o que determinou a necessidade de seu ensino (p. 63).
Falar das necessidades de uma região é quase sinônimo do seu reconhecimento, pois não se conhece a necessidade de um lugar que não teve a oportunidade de ser desvendado. Dessa forma, a palavra chave para o desenvolvimento das propostas defendidas nesta pesquisa é a leitura da realidade, para que seja possível analisar e contextualizar os conteúdos, no intuito de sanar as possíveis problemáticas dos locais onde se está praticando a ação educadora.
3. CANOAGEM TRADICIONAL: A VALORIZAÇÃO DA CULTURA CORPORAL DO POVO RIBEIRINHO
Bem antes da colonização do Brasil, já existiam povos (Indígenas) que utilizavam a canoa feita de madeira. Desde o descobrimento do Brasil, quando os portugueses aportaram em Porto Seguro, já avistaram os povos originários em suas canoas de madeira construídas de tronco de árvores (Malato et al., 2017, p. 3). tem alguma citação direta aqui?
Desse modo, nasceu o vínculo dos povos originários com seu território, com a sua cultura e a sua história, construída pelos córregos de rios e pelas florestas. Com a utilização de canoas e remos de madeira, feitos de troncos de árvores naturais da mata, tem-se acesso à riqueza desses patrimônios que servem de inspiração para as gerações futuras.
Os povos indígenas utilizavam a canoa para as práticas essenciais do dia a dia, como pescar, caçar, transportar pessoas, alimentos, entre outros, tornando-se imprescindível, no decorrer do tempo, para o seu processo de sobrevivência no meio natural (Malato, 2009).
Conforme o autor, há registros sobre a utilização de canoas no século XVI, na América do Norte, como meio de transporte por via de rios e lagos, sendo muito utilizada pelos indígenas norte-americanos, esquimós e outros povos. Segundo Malato (2009), ainda no século XVI, houve registros de embarcações de tronco vazado, onde o canoísta ficava com as pernas flexionadas e utilizava o remo de pá única como meio de propulsão.
A história mostra que a origem das canoas ou caiaques está ligada aos esquimós, que fabricavam seus caiaques com ossos de baleia e pele de foca; o canoísta ficava posicionado com visão voltada à proa, utilizando um remo de duas pás, assim:
[…] o caiaque pode ser definido como o irmão caçula e ‘radical’ da velha canoa. Os termos ‘canoa’ e ‘caiaque’ são etimologicamente diferentes e designam embarcações distintas tanto na origem quanto na forma. O substantivo canoa tem origem caribenha (do aruaque) e o caiaque tem origem esquimó (kaiak) (Marchi; Mezzadri, 2003, p. 01)
A cidade de Abaetetuba, contextualizada na pesquisa, está localizada na microrregião de Cametá – no estado do Pará –, formada por dez municípios: Barcarena, Abaetetuba, Igarapé-Mirim, Limoeiro do Ajuru, Cametá, Mocajuba, Baião, Breu Branco, Tucuruí e Moju. De acordo com a projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), o município de Abaetetuba possui uma população estimada em torno de 153.380 habitantes. Entretanto, a área demográfica por km2 permaneceu inalterada. Esse aspecto aponta que, como território, a cidade possui as mesmas dimensões. E com relação à densidade demográfica (Hab./km2), ocorreu um aumento gradativo de ano a ano, fluxo resultante também da implantação do polo industrial, localizado na cidade de Barcarena (Abaetetuba, PME, 2015).
Esse município possui uma diversidade regional que se caracteriza por 72 ilhas, 36 ramais e 17 bairros, sendo aproximadamente um território 40% urbano e 60% rural. (Abaetetuba, PME, 2015). Nas estradas e ramais, o número de escolas é de 51; e nas ilhas, são 82; sendo apenas 40 escolas na cidade. Isso totaliza 173 unidades de ensino da rede municipal, ou seja, a maior quantidade de escolas se encontra nas ilhas ribeirinhas, o que demonstra a relevância de se olhar para essa população com mais atenção, conforme demonstra Gonçalves (2016, p. 15):
[…] elas são fatores fundamentais ao contexto estrutural do município, pois muitas das produções existentes como a pesca e a extração do açaí, são fornecidas pelas atividades exercidas historicamente pelos ribeirinhos, e que hoje são fomentos para a economia local.
Com uma cultura diversa, a cidade de Abaetetuba, décadas atrás, ficou conhecida popularmente como a “Terra da Cachaça”, por sua tradição histórica na produção de aguardente artesanal, e também como “Terra do Miriti”, devido ao aproveitamento racional da palmeira para inúmeros tipos de consumo da população, especialmente o artesanato. De modo geral, a cultura desse município pode ser descrita: o traço religioso do abaetetubense é tão marcante que, ao longo do ano, e, em todos os meses, registram-se muitas manifestações religiosas, tanto nas regiões do centro, quanto na região das ilhas, onde a simbologia da canoa é bastante presente no artesanato dos brinquedos de miriti que são comercializados principalmente nas festividades religiosas (Abaetetuba, 2015).
O meio ambiente e a natureza são objetos cotidianos de uma disputa travada pelos sujeitos de diferentes classes sociais. Em vista disso, a canoagem tradicional foi muito importante para o surgimento da cidade de Abaetetuba-PA, servindo como meio de transporte de materiais para a construção de casas, ruas, monumentos, entre outros, e principalmente para a locomoção da população, e continuará sendo para as futuras gerações.
Assinala-se que as canoas não serviam somente como meio de transporte, mas também como fonte de lazer que propiciou e propicia bem estar e qualidade de vida aos seus usuários, por trabalhar o movimento corporal, como: a coordenação motora, o equilíbrio, a noção de espaço, a força, a agilidade, entre outras, pelo fato de o ribeirinho vivenciar a canoagem tradicional no seu dia a dia, com a maioria tendo iniciado sua prática ainda na infância.
Dessa forma, a canoagem tradicional contribuiu para o desenvolvimento motor e o aprimoramento de habilidades motoras proporcionado por meio dos elementos da cultura corporal, a saber: o contato real com o material, a transformação do material em benefício próprio; a produção do homem com o material. Taffarel e Escobar (2009) completam:
[…] o homem realiza movimentos a partir de um propósito que lhe permite combiná-los pelo impulso do seu conhecimento e da sua afetividade, quer dizer, pela vontade de fazer aquilo, conduzindo à conclusão de que o movimento é a chave da vida e que há dentro de nosso corpo um movimento contínuo de todas as nossas manifestações vitais, enquanto no exterior, o movimento do homem é determinado pelos ensinamentos do passado, pelas circunstâncias ambientais e pelas exigências do momento (p. 1).
Nessa perspectiva, afirma-se a possibilidade de que o ribeirinho sempre se reinvente e evolua independentemente das circunstâncias. Desse modo, o ribeirinho natural de Abaetetuba utiliza o conhecimento que foi construído pelos antecessores da sua região (rios e florestas) e os ressignifica a partir das vivências e aprendizagens, experienciando o movimento de forma prazerosa e com o sentimento de pertencimento na hora de praticar a canoagem.
Cruz (2011) aponta a cultura corporal como um conceito que parte do materialismo, e não do idealismo, o qual se caracteriza pela fragmentação corpo – mente, trabalho manual e intelectual. O autor ressalta, ainda, que a compreensão da cultura corporal, a partir do termo corporeidade, retirado das obras traduzidas de Marx e Engels, expressa as relações corporais constantes entre o homem e a natureza de forma dialética: ambos em processo de construção e transformação.
Segundo o autor, as relações do corpo são amplamente discutidas no pós- modernismo, então, para que não se construa o entendimento de ser a linguagem o fundamento do ser social (como defendido pelo pós-modernismo), mas sim o trabalho, surge a necessidade de expor o materialismo histórico-dialético como uma “teoria do conhecimento que permite apreender a totalidade da realidade social” (Cruz, 2011, p. 2).
Por meio dessa teoria, podemos associar três fundamentos que caracterizam a canoagem como elemento da cultura corporal. O primeiro fundamento é o contato real com o material, a relação com as materialidades das coisas que podemos entender e como elas estarão ao nosso serviço. A canoa foi construída da relação homem e natureza (Taffarel; Escobar, 2009).
O homem, em contato com a natureza, percebeu, em determinado momento, que a madeira poderia ser utilizada para uma determinada finalidade (o transporte). Esse é um dos fundamentos que caracterizam a canoagem como elemento da cultura corporal, é a compressão materialista, homem e natureza, que formulou a possibilidade de o homem construir uma canoa.
O segundo fundamento é a transformação do material em benefício próprio, no momento que o homem se relaciona com a natureza e a transforma para a sua própria sobrevivência (Taffarel; Escobar, 2009). A primeira ação humana, o fundamento da existência, a capacidade de o homem trabalhar e adquirir os meios de sua subsistência e dos seus descendentes. Por meio do trabalho (modificar) o homem olha para a natureza e consegue, nessa relação, aprender com ela o que pode lhe favorecer para sua subsistência (Taffarel; Escobar, 2009).
O homem modifica a natureza a seu favor por meio da construção de um instrumento de trabalho, nesse contexto, a canoa se insere como um instrumento desse trabalho que, ao longo da história, torna-se um elemento da cultura, porque ela se tornou própria de uma determinada comunidade que utiliza esse meio de transporte. A canoagem é fruto do trabalho humano (a canoa), por isso ela se insere como elemento da cultura corporal.
O terceiro fundamento é a produção do homem com o material. A prática da canoagem é um elemento que foi construído historicamente pelo homem em tempo e espaço determinados, sendo produto dessa relação homem-natureza. Logo, a construção da canoagem – por ser fruto da produção do homem com a natureza e ser uma manifestação corporal que conseguiu ser contextualizada no sentido de ser esportivizado – também se caracteriza como elemento da cultura corporal. Isso porque, se não for interessante (fornecer lucros) para o capitalismo, não será massificada (Soares et al., 1992).
A canoagem tradicional é um elemento inicial para a sua transformação em esporte, esse processo é uma das características dos elementos da EF. Portanto, a canoagem tradicional deve ser trabalhada na EFE, pelo fato de ela ser um elemento da cultura corporal própria de uma determinada região. Por ser elemento dessa cultura, ela faz parte da EF, então, pode ser entendida como tal e trabalhada em sala de aula na sua plenitude total.
Por meio dos movimentos básicos utilizados na canoagem tradicional, como manipular o remo com as mãos, equilibrar-se dentro da canoa, flexibilizar o corpo em prol de uma estabilidade etc., todos esses movimentos corporais são frequentes em diversas atividades da cultura corporal e estão presentes nos esportes, nos jogos, nas lutas, entre outras.
A população ribeirinha tem, no seu cotidiano, o marco cultural, que gira em torno do seu meio social, que lhe afeta positiva e negativamente, sendo mal vista por pessoas que não residem na mesma localidade e bem quista pelo olhar apurado de alguns residentes da região. Conforme Souza Júnior (2011, p. 395), é necessário “[…] uma “nova antropologia” que colocasse como centro da questão ‘uma cultura corporal própria do povo brasileiro’”.
Nesse caso, a canoagem pode ser dotada de movimentos corporais que são legítimos dos praticantes dessa modalidade. Por isso, ressalta-se a necessidade de estudos específicos que demonstrem essa legitimidade, nomeada como cultura corporal própria do povo ribeirinho abaetetubense.
A identidade do povo ribeirinho deve ser mantida, devido à sua importância para o desenvolvimento corporal da criança que reside à margem dos rios, estabelecendo-se, desse modo, como um dos motivos para preservar e valorizar esse patrimônio cultural (Malato, 2009). Essa visão de pertencimento necessita estar presente dentro da Educação Física Escolar.
4. POSSIBILIDADES CRÍTICO-SUPERADORAS PARA A ABORDAGEM DA CANOAGEM TRADICIONAL NAS AULAS E EDUCAÇÃO FÍSICA
A proposta aqui apresentada é da organização do trabalho pedagógico, tendo como ponto central o trabalho voltado para a sociedade e um programa escolar voltado para o programa de vida de seus sujeitos (Taffarel; Teixeira; D’Agostini,2005). A organização que será descrita não pretende esgotar o assunto, apenas fornecer elementos que subsidiem a prática pedagógica com o trato da canoagem em uma perspectiva crítico-superadora. Portanto, só precisa ser analisada com atenção para que seja desenvolvida, em sua plenitude total, dentro da EFE, e utilizará de cinco momentos pedagógicos para trabalhar os ciclos de escolarização.
[…] os conteúdos de ensino são tratados simultaneamente, constituindo-se referências que vão se ampliando no pensamento do aluno de forma espiralada, desde o momento da constatação de um ou vários dados da realidade, até interpretá-los, compreendê-los e explicá-los (Soares et al.,1992, p. 23).
Por meio da Prática Social Inicial,o professor irá captar os elementos da realidade (Pina, 2008), aplicando questionários relacionados com os assuntos estudados, por exemplo: Qual é a prática que os alunos têm em relação a determinado conteúdo da cultura corporal? Eles já têm conhecimento? Qual conhecimento eles têm? Como eles desenvolvem esse conhecimento? É um conhecimento técnico ou teórico? Esse é o momento no qual o professor conhecerá a realidade dos alunos e aprenderá com ela.
4.1 Prática Social Inicial
O professor deve registrar, anotando ou gravando, tudo o que o aluno estará vivenciando na aula, porque esses arquivos servirão para sistematizar o trabalho a posteriori. Tudo que as crianças vão falando e demonstrando é de extrema valia, pois, em algum momento, o professor precisará dar um retorno (resposta) a eles.
Ao abordar o conteúdo canoagem tradicional, o professor pode utilizar mais de um dia para a prática social inicial. Ele apresenta aos alunos a canoa, o remo e a água, e pode ver o contato deles com essas matérias. Em outro momento, poderá conversar com eles sobre a canoagem: “vocês sabem como surgiu?”; “Quem foram os primeiros a utilizar a canoa?”; “Não sabem?”; “Qual relação vocês têm com a canoagem?”; “O que ela representa para vocês?”. Assim, ele terá como trabalhar de acordo com a demanda requisitada pela realidade social dos alunos.
Ao apresentar a canoa, tomará percepção da relação estabelecida entre sujeito-objeto: que cuidados têm ou não têm ao se aproximar da canoa, de que forma eles a adentram, se querem entrar pulando, ou de qualquer outro jeito; como eles se relacionam com a canoa e com o remo. Eles seguram o remo da forma correta? O peso do remo é adequado? Ou seja, qual a relação prática deles com a realidade? De tudo isso, deve-se tomar nota, a fim de que, sempre que for necessário, retomar com eles questões que vão sendo respondidas ao longo do processo ensino-aprendizagem.
4.2 Problematização
Segundo Saviani (2006), a problematização se resume em detectar questões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática, a partir da diagnose realizada na prática social inicial. Para o âmbito da canoagem tradicional, deve-se levantar perguntas como: por que surgiu a canoa? Quem usa a canoa? Vocês a veem sendo utilizada com frequência? Assim, colocar os alunos para pensar qual é a inserção da canoa na atualidade, a importância dela. Se ela tem uma importância, qual é?
Problematizar e, desse modo, colocar os alunos para problematizar também. Levantar questionamento diante deles, fazer com que reflitam sobre a importância da canoagem. Nesse viés, perguntar se sabem qual tipo de madeira seria melhor para construir uma canoa; se acreditam que é possível fazer uma canoa de qualquer material. Se sim, por quê? Se não, por quê? Dá para construí-las com plástico, sim ou não? Quais os custos para fazer uma determinada canoa, de um determinado material? A canoa de madeira pode ser usada para que? Qual é o formato do remo? Por que ele precisa de determinado formato?
4.3 Instrumentalização
Segundo Gasparin (2005), é na fase da instrumentalizaçãoque os alunos começam a aprender o que é a canoagem tradicional e a usar esse conhecimento (cultural) como uma ferramenta de transformação social. A instrumentalização é um momento teórico-prático que o professor poderá dividir em possibilidades pedagógicas a serem trabalhadas, em uma ou mais aulas, a depender do avanço dos alunos e do tempo pedagogicamente necessário para assimilação, de acordo com cada faixa etária e o nível de complexidade que se estabelece no processo de ensino-aprendizagem.
Nessa ótica, o professor vai ensinar os tipos de materiais que podem ser usados para fazer uma canoa, e por que um determinado material é mais importante ou mais benéfico em relação ao outro. Faz-se necessário observar que se instrumentaliza a partir do que foi instigado nos momentos iniciais.
4.4 Catarse
A catarse é um momento avaliativo no qual pode ser aplicada uma atividade, para que o professor possa perceber se, de fato, o conhecimento está sendo apreendido. A partir da perspectiva crítico-superadora, entende-se que as coisas não se dão de forma mecânica (Soares et al., 1992), mas em uma perspectiva de movimento. O professor vai percebendo se os discentes têm uma noção básica ou aprofundada. Se não estiverem demonstrando a apropriação desejada, pode ser o momento de repensar a instrumentalização, voltar a ela e desenvolver novas atividades teórico-práticas para fixação do conhecimento.
O conhecimento, para a cultura corporal, dá-se de forma dialética, espiralada, ou seja, não se resume ao professor ensinar um dia – na instrumentalização – e, depois, conferir se os alunos aprenderam ou não; isso não significa que o conhecimento está pronto e acabado. O docente pode retomar aquele conteúdo de uma nova forma, possibilitando ao aluno assimilar valores que estão em torno dessa aprendizagem (Soares et al., 1992).
4.5 Prática Social Final
De acordo com Gasparin (2005), a Prática Social Final é a nova forma na qual o aluno vai ver e abraçar as causas sociais, tendo em vista um olhar apurado sobre a sua realidade, o que ele precisa, as armas que estão ao seu favor e o que ele pode usar. Nesse quinto passo metodológico, o discente terá maior apropriação do conteúdo, assim, a discussão será mais avançada; ou seja, ele já terá um domínio sobre a sua realidade e saberá se posicionar perante a realidade imposta.
Nessa ocasião, o aluno já terá uma forma mais apurada da sua realidade, então cabe ao professor incentivar esse residente ribeirinho a buscar melhorias para sua comunidade e, ao mesmo tempo, contribuir para que esses conhecimentos não se dissipem. O professor utilizará argumentos críticos na hora de propor o conteúdo canoagem tradicional nas aulas de EFE.
Tudo o que foi proposto só será realizado visando à total segurança dos alunos. Eles utilizarão coletes no momento de realizar as atividades sobre canoagem. Inicialmente, os conteúdos serão realizados em solo e será repassado passo a passo; o professor poderá voltar com o mesmo conhecimento, de forma espiralada, ao início de partida, de acordo com o desenvolvimento e série de cada educando envolvido nesse processo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sua globalidade, a pesquisa considera que tem sido baixa a importância dada aos planejamentos educacionais nacionais para os conhecimentos da cultura corporal das localidades discutidas, onde as aulas de Educação Física desenvolvidas valorizam os patrimônios culturais de outras localidades. Isso reflete em um empobrecimento cultural e desvaloriza a identidade local, não permitindo aos jovens que conheçam sua própria história e seus patrimônios culturais.
No contexto do trabalho, foi realizado um aprofundamento nas principais abordagens pedagógicas, afunilando os conhecimentos de suas especificidades para tratar o assunto proposto. Justificou-se o viés da pesquisa centrada na abordagem crítico-superadora, na qual as problematizações encontradas são supridas no desenvolvimento didático-metodológico pelo qual essa perspectiva concebe a educação física escolar; com a necessidade de maior compreensão sobre o objeto principal da pesquisa, que é o povo ribeirinho. Foi trabalhado o contexto histórico, sociocultural, relacionando o empobrecimento da cultura corporal com a ausência da canoagem como parte curricular da educação física escolar local, considerando-a como elemento da cultura corporal, o que justifica sua presença como conteúdo primordial nas escolas ribeirinhas.
A iniciativa de responder às questões norteadoras, no decorrer da pesquisa, teve como principal dificuldade a falta de trabalhos científicos que discorram sobre o objeto de estudo. Isso reforça a importância deste artigo como estimulador para futuras pesquisas e, até mesmo, podendo ser estendida para estudo de lócus, importante para uma maior compreensão sobre o objeto. Nesse contexto, os principais resultados da revisão foram o aumento de estatísticas de acidentes devido ao uso irrestrito de canoas motorizadas; os ideais capitalistas, que estão causando a extinção da canoagem tradicional; a desvalorização do patrimônio cultural; e o não reconhecimento dessa modalidade de canoagem como elemento da cultura corporal e sua ausência nas aulas de educação física escolar das comunidades ribeirinhas da cidade de Abaetetuba-PA.
Outra consideração importante é que se consegue mostrar, por meio desse tema, caminhos que a EFE pode seguir rumo à plenitude dos seus ensinos, e que a canoagem tradicional pode ser trabalhada nas aula de EFE como elemento da cultura corporal, utilizando o conhecimento histórico-dialético para desenvolver um trabalho que possa formar cidadãos críticos, para lutar contra as amarras do capitalismo (Soares et al., 1992). Isso pode ser realizado ao se usar como ferramenta os próprios conhecimentos que estão presentes nessas comunidades.
Assim, a objetividade de preservação da canoagem tradicional e outras expressões culturais serão fortemente estimuladas, incentivando os futuros descendentes a executarem essas práticas corporais por muitas gerações; não deixando cair na obscuridade o maior tesouro dessas localidades. A “alma de homens fortes e valentes”, que é símbolo da cidade de Abaetetuba-PA, apenas sobrevive se for lembrada, e, para ser lembrada, precisa ser valorizada e materializada em ações como as que são propostas nesta pesquisa. “Sou canoeiro eu sou, vou descendo o rio a remar” (canoeiro Edilson Moreno).
REFERÊNCIAS
ABAETETUBA (Município). Lei nº 417/2015, de 24 de junho de 2015. Plano Municipal de Educação. Gabinete da Prefeitura, 2015.
BETTI, M. Por uma Teoria da Prática. Rio de Janeiro, 1996.
CANEPPELE, G. B. Sistema de custos e análise de preços para uma indústria de confecções. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Contábeis) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Três Passos, 2012.
CRUZ, A. C. S. O embate de projetos na formação de professores de educação física: além da dualidade licenciatura – bacharelado. Motrivivência, Florianópolis, ano XXIII, n. 36, p. 26-44, 2011.
DARIDO, S. C. Diferentes concepções sobre o papel da Educação Física na escola. Universidade Estadual de Paulista, 2012.
DARIDO, S. C. Educação física na escola: questões e reflexões. Araras, Gráfica e Editora Topázio. 2003.
FOLLE, A.; BOSCATTO, J. D.; BIANCHI, P.Educação Física e fenomenologia: aproximações e distanciamentos. Efdesporte, Revista digital, 2008. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd116/educacao-fisica-e-fenomenologia.htm.2008. Acesso em: 20 dez. 2018.
FREITAS, M. C. Abordagens pedagógicas no ensino da Educação Física pós década de 1970. Cadernos Temáticos, Paraná, Tapejara, 2008.
GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 3 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.
GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 2010.
GONÇALVES, A. da S. Território ribeirinho: um “mapeamento” das ações e representações no rio Tucumanduba em Abaetetuba-PA. Dissertação(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte.5. ed. Ijuí, RS: Unijuí, 2003.
MARCHI K. B.; MEZZADRI, F. M. História da Canoagem e do Rafting. Anais da ANPUH – XXII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – João Pessoa, 2003.
MALATO, E. J. F. R. A canoagem como manifestação esportiva de identidade cultural do estado do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciência da Motricidade Humana) – Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, 2009.
MALATO, E.; TORGANO, J. O. F.; COSTA, L.; BARCELLOS, V. R.; BORBA-PINHEIRO, C. J.; DANTAS, E. H. M. Detecção de Talentos de Canoagem em Populações Ribeirinhas: Legado dos Jogos Olímpicos Rio-2016. In: Investigación e Innovación en Piragüismo de Aguas Tranquilas. Barcelona: Sabir, 2017, p. 169-190. Unujuí, 2010.
MONTEIRO, F. de A. L. A Educação Física Escolar: abordagens pedagógicas e práticas de ensino sob a ótica dos professores e gestores educacionais na região ribeirinha de Porto Velho Rondônia. Monografia (Licenciatura em Educação Física) – Programa de Pró-licenciatura do Brasil, Porto Velho, 2013.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Educação Física. Brasília, 1998.
PINA, D. L. Pedagogia histórico-crítica e transmissão do conhecimento sistematizado sobre o esporte na educação física. Motrivivência, ano XX, n. 31, p. 115-131, dez. 2008.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 9 ed. Campinas: Autores Associados, 2006.
SOARES, C. L. et al. Metodologia do Ensino de Educação Física. Coletivo de autores,1992.
SOUZA JÚNIOR, M. Coletivo de autores: A cultura corporal em questão. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 2, p. 391-411, abr./jun. 2011.
TAFFAREL, C. N. Z.; ESCOBAR, M. O. Cultura corporal e os dualismos necessários à ordem do capital. Germinal, Londrina, n. 9, p. 1, nov. 2009. Disponível em:
http://www.uel.br/revistas/germinal/n9-112009.htm. Acesso em: 21 abr. 2023.
TAFFAREL, C. N. Z.; TEIXEIRA, D. R.; D’AGOSTINI, A. Cultura corporal e território: uma contribuição ao debate sobre reconceptualização curricular. Motrivivência, ano XVII, n. 25, p. 17- 35, dez. 2005.
1Prof. de Educação Física pela Faculdade de Educação e Tecnologia da Amazônia, campus Abaetetuba. E-mail: lmeirajr3637@alexandre
2 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará, campus Belém. E-mail: giribeiroef@alexandre
3 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará, campus Belém. E-mail: jeffelgueiras@chris
4Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: silvajuniormes@yahoo.com.br
5Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: marcosrenanef@yahoo.com
6 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará, campus Belém. E-mail: samantha-souza@hotmail.com
7Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: profthais.brandao@gmail.com
8Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: prof.alcicleycardoso@gmail.com