THE USE OF SONGS AS A TRANSDISCIPLINARY DIDACTIC RESOURCE
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11005165
Márcio Roberto Gonçalve Siqueira1
Orientador: Prof. Dr. Marcos Jacob Costa Cohen2
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo ressaltar o uso da canção como ferramenta pedagógica. Tratase de uma experiência transdisciplinar com alunos dos Ciclos I e II, que corresponde ao 4° e 5º anos do ensino fundamental, realizada na Escola Municipal Theodor Badotti, localizada no bairro do Tenoné, em Belém do Pará. A partir da abordagem de variados temas históricos, sociais e culturais, textos são produzidos pelos alunos e posteriormente são transformados em canções. O registro dessa produção é realizado em aplicativos que simulam estúdios de gravação e disponibilizado nas aulas de diversas disciplinas para ajudar no processo de ensino e aprendizagem. Ao final, espera-se averiguar um desempenho significativo dos alunos que têm a canção como parte do processo pedagógico, uma vez que ela facilita a ação transdisciplinar e criativa, e possibilita um maior envolvimento dos estudantes no debate de assuntos como bullying, ecologia e cultura da paz, entre outros, contribuindo para uma maior integração com a comunidade.
Palavras-chave: canção; transdisciplinaridade; ensino.
ABSTRACT
This work aims to highlight the use of song as a pedagogical tool. It involves a transdisciplinary experience with students from Cycles I and II, corresponding to the 4th and 5th grades of elementary school, conducted at Theodor Badotti Municipal School, located in the Tenoné neighborhood, in Belém do Pará, Brazil. Through addressing various historical, social, and cultural themes, texts are produced by the students and later transformed into songs. The recording of this production is carried out using applications that simulate recording studios and is made available in classes of various subjects to aid in the teaching and learning process. In the end, it is expected to verify a significant performance of students who have the song as part of the pedagogical process, as it facilitates transdisciplinary and creative action, and allows for greater student involvement in the discussion of issues such as bullying, ecology, and the culture of peace, among others, contributing to a greater integration with the community.
Keywords: song; transdisciplinarity; teaching.
1. INTRODUÇÃO
A música, seja qual for a modalidade, tem um papel fundamental para a integração das pessoas, principalmente crianças e adolescentes na vida escolar, pois traz benefícios sociais, cognitivos, intelectuais e culturais, contribuindo para uma formação mais abrangente. Nesse contexto, a criação de canções pode ser uma boa alternativa de atividade, facilitando a compreensão e o desenvolvimento da atenção e memória do estudante.
O presente trabalho busca abordar a criação de canções como prática para chegarmos a um resultado transdisciplinar, mostrando que ela pode religar a razão sensível, que é “aquela que está relacionada com a parte da compreensão, da intuição e das afecções, ou seja, está no âmbito da sensibilidade” (ARAÚJO, 2009. p. 200), com outros saberes, onde o educando participa da produção de músicas que tratam de assuntos como racismo, ecologia, paz, trabalho infantil e outros mais, os quais podem gerar reflexões e o entendimento relativos à sua realidade.
Com a canção, podemos desenvolver um pensamento mais complexo – que é a capacidade de interligar diferentes dimensões do real, sem reducionismos ou totalitarismos – e que possa provocar a reflexão, potencializando a formação do educando, visando alcançar uma educação transformadora e de qualidade. Conforme Morin (2000, p. 19), há a necessidade de reformar o pensamento para construirmos um futuro baseado no modo complexo de pensar, substituindo o pensamento linear e fragmentado, que é aquele que reduz o conhecimento em disciplinas mais específicas. Por isso, é importante buscarmos práticas pedagógicas que também exaltem a nossa musicalidade e a sua grande variedade de manifestações, pois neste momento de grandes mudanças pelo qual passamos, existe a necessidade de religar conhecimentos e saberes por meio da razão sensível, em que se deve valorizar aspectos da condição humana como o social, o cultural, o estético e o cognitivo. A canção surge, portanto, como uma prática que facilita o trabalho do educador, tornando as aulas mais criativas e despertando no discente um encantamento com o conhecimento conjunto. E hoje, o grande desafio da escola é o de propiciar um conhecimento mais amplo, que possa superar o individualismo, a indisciplina e a falta de empatia. De acordo com Pedroza (2012, p. 28), “é necessário reconhecer a própria experiência vivida em outros contextos sociais para a construção do conhecimento sobre as relações interpessoais”. Por isso, a canção pode ter um papel fundamental nesse contexto, criando perspectivas de uma sociedade mais humana e ética, dentro do conjunto sentir, pensar, agir, buscando alcançar uma educação de qualidade onde o discente possa ter consciência do seu valor, de valorizar o seu próximo e seu próprio mundo.
Para Suanno (2013, p. 7), “a didática transdisciplinar deve construir processos de ensino e de aprendizagem que tenham como ponto de partida o sujeito, construindo e acessando saberes, considerando a individualidade, a coletividade, a multirreferencialidade e a multidimensionalidade, atuando em conjunto e religando conceitos”. De acordo com a autora, é o sujeito complexo e multidimensional que constrói o conhecimento, levando em consideração sua realidade e percepções de mundo, dentro de uma relação dialógica. E a música pode intermediar esses processos juntamente com outros elementos didático- pedagógicos.
Atualmente, a canção é utilizada apenas como recurso para ajudar na memorização de fórmulas ou conceitos das disciplinas, ou para apresentações em datas comemorativas. Esse uso pontual da canção acaba corroborando para o ensino fragmentado e tradicional, que é a realidade da educação pública no Brasil, onde a separação em séries e em componentes curriculares, além de dividir, distancia os saberes científicos; “a crise em nosso sistema de ensino, pode ser percebida na frustração dos alunos, na ansiedade dos pais, na impotência dos mestres. A escola desperta pouco interesse pela ciência” (JAPIASSU, 1976, p. 52).
A proposta da pesquisa é trazer para as aulas de arte das turmas dos ciclos I e II, 4º e 5° anos, da Escola Municipal Theodor Badotti, localizada no bairro do Tenoné, em Belém, Pará, uma prática transdisciplinar onde a música, na forma de canção, através de processos de ensino, aprendizagem e criação, possa interagir com outras disciplinas e facilitar o entendimento de outros conteúdos, não só os do currículo escolar, mas também de outros saberes, como a cultura do local ou da região onde a escola está localizada e os costumes e as tradições da comunidade.
A escolha da canção, enquanto ferramenta transdisciplinar e objeto de estudo, foi realizada levando-se em consideração o fato dela ajudar a instigar e a engajar os alunos em sala de aula e fora dela. Por isso, ao se trabalhar numa pesquisa que visa levantar e debater problemas relativos à vivência social, econômica e cultural do educando, ela tem um grande potencial de facilitar o processo. Vygotsky (2003, p. 47) pontua que o ambiente externo interage e influencia diretamente a aprendizagem e desenvolvimento do indivíduo. Dessa maneira, a música que faz parte do meio cultural do educando pode ajudá-lo a entender melhor seu meio social.
Espera-se que esta pesquisa ajude a responder a inquietações que levaram à escolha desse tema: a) Até que ponto a criação de canções pode facilitar o aprendizado dentro de uma prática transdisciplinar? b) Como a linguagem musical pode desenvolver outras habilidades no educando? c) O resultado desse trabalho pode ser aplicado em outras escolas, mesmo elas tendo uma realidade diferente? d) Quais as melhores metodologias para esse tipo de prática? Diante do exposto, propomos discutir a canção como grande protagonista em um processo de ensino e aprendizagem, onde ela seja um elemento contagiante na transmissão de conhecimento. Além disso, este trabalho se propõe a apresentar como produto um songbook contendo canções produzidas em sala de aula com os alunos durante as aulas de arte.
2. TRANSDISCIPLINARIDADE
A transdisciplinaridade é um conceito complexo e multifacetado, cuja compreensão varia entre os diferentes campos do conhecimento. No contexto geral, refere-se a uma abordagem que vai além das disciplinas individuais e procura estabelecer um diálogo ou interação entre elas, a fim de criar uma compreensão mais holística de determinado tema ou problema. Em outras palavras, a transdisciplinaridade procura superar as fronteiras disciplinares, integrando diferentes disciplinas para oferecer uma perspectiva mais completa e coesa (NICOLESCU, 1999, p. 22).
O termo foi citado inicialmente por Jean Piaget no I Seminário Internacional sobre Pluri e Interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice, França, em 1970, quando propôs uma reflexão a respeito do tema. Anos depois, em 1994, a UNESCO lançou a Carta da Transdisciplinaridade, durante o Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, realizado em Arrábida, Portugal. Esse documento foi imprescindível para a definição do termo, pois discorre sobre questões que motivam o exercício da transdisciplinaridade e também sobre condições que caracterizam a abordagem.
Para Korte (2005):
Transdisciplinar é a metodologia pela qual, usando da inter, da multi e da pluridisciplinaridade, as informações e os resultados da combinação de informações e metodologias ultrapassa o campo próprio de cada disciplina, excede o quadro das abordagens metodológicas próprias de cada uma, e chega a conhecimentos que, por outros caminhos, jamais seriam reconhecidos como crenças verdadeiras e justificadas (KORTE, 2005, p. 28).
Essa visão dos valores de uma forma mais abrangente facilita a aquisição de saberes a partir da reflexão humana, tanto na escola como fora dela. A transdisciplinaridade traz elementos que facilitam o aprendizado para a construção de uma educação que busca o equilíbrio físico e emocional do aluno, dentro da sua realidade, para que possa exercer de forma plena sua cidadania.
Em 2015, a Finlândia foi o primeiro país a adotar a prática transdisciplinar em todas as escolas. Inicialmente houve uma certa aversão, mas com campanhas e até incentivos financeiros aos profissionais da educação por parte do governo, hoje, mais de 70% das escolas já oferecem o ensino transdisciplinar.
No Brasil, o precursor desse tema foi Hilton Japiassu (orientando de Georges Gusdorf), entre as décadas de 1960 e 1970, por meio de sua obra Interdisciplinaridade e Patologia do Saber (1976, p. 8). Posteriormente, vieram as contribuições de Ivani Fazenda, por meio de suas pesquisas e produções na área, em que afirmava que “haverá um novo ciclo da ciência quando razão e sentimento se harmonizarem” (2007, p. 17).
No contexto brasileiro, a transdisciplinaridade tem sido cada vez mais reconhecida e implementada em várias esferas, incluindo na educação, na pesquisa e na política. A história da transdisciplinaridade no Brasil é relativamente recente, no entanto, é um campo de estudo e prática em ascensão. Enquanto enfrenta desafios significativos, existem muitas oportunidades para progresso nessa direção, por meio do fortalecimento da pesquisa e prática transdisciplinares nas instituições de ensino e, bem como na política e prática públicas. O filósofo e educador Edgar Morin, embora francês, teve um papel significativo no pensamento transdisciplinar brasileiro. Ele defendeu uma abordagem educacional transdisciplinar, ressaltando a necessidade de ultrapassar as fronteiras disciplinares para enfrentar problemas complexos.
No que tange às instituições, a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Universidade de São Paulo (USP) estiveram à frente na promoção da pesquisa transdisciplinar no Brasil. Ambas têm incentivado a integração de disciplinas em suas pesquisas e currículos, com crescente número de cursos e programas que destacam a transdisciplinaridade. Apesar disso, muitos ainda são os desafios. O sistema educacional brasileiro, assim como em muitos outros países, é fortemente fragmentado. Ainda, a ausência de uma compreensão unificada do que é a transdisciplinaridade, pode limitar sua aplicação mais ampla (JAPIASSU, 1976, p. 31).
A prática transdisciplinar no Brasil tem grande potencial e pode contribuir para uma melhor compreensão e solução de problemas complexos, que exigem uma abordagem holística (MORIN, 2000, p. 85). Além disso, a transdisciplinaridade pode fomentar a inovação, estimulando o diálogo e a colaboração entre disciplinas diferentes.
A transdisciplinaridade é uma maneira de olhar, sem fragmentar, devolvendo a unidade que a disciplinaridade dividiu. Essa fragmentação está bem explicada quando Edgar Morin usa o exemplo de uma tapeçaria para falar sobre a complexidade do mundo (2007):
Tomemos uma tapeçaria contemporânea, ela comporta fios de linho, de seda, de algodão, de lã, de várias cores. Para conhecer esta tapeçaria, seria interessante conhecer as leis e os princípios relativos a cada um desses tipos de fio. Entretanto, a soma dos conhecimentos sobre cada um desses tipos de fio componentes da tapeçaria é insuficiente para se conhecer esta nova realidade que é o tecido, isto é, as qualidades e propriedades próprias desta textura, como, além disso, é incapaz de nos ajudar a conhecer a sua forma e configuração (MORIN, 2007, p. 85).
Assim como a tapeçaria, a realidade também é complexa para ser explicada por uma única perspectiva. De acordo com Nicolescu (1999, p. 16), a palavra “Trans” aponta para além das disciplinas, ultrapassando seus limites. A forma como o conhecimento é organizado chamase disciplina. Ela, enquanto palavra, dá uma ideia de seguimento de regras e, no que diz respeito às práticas pedagógicas, seria o caminho para o conhecimento. Cada disciplina tem seus conceitos e seus limites demarcados. A fragmentação do saber nos leva a entender a realidade de forma alienada, essa compartimentalização afeta a comunicação e as relações entre as pessoas e o mundo. Morin (2007, p. 14) chama a atenção para o problema da fragmentação como “uma inadequação ampla, profunda e grave”, trazendo elementos desconjuntados e compartimentados nas disciplinas. Atualmente, temos problemas transdisciplinares, mas não sabemos como lidar com eles, porque os fracionamos e vamos ficando incapazes de resolvêlos.
O exemplo da tapeçaria de Morin pode ser aplicado à educação, onde a separação caracteriza as diferenças. Transcender os limites fronteiriços das disciplinas é a grande pretensão da transdisciplinaridade. É ter uma visão de mundo maior. A transdisciplinaridade é um complemento da disciplinaridade e ambas apontam para um mesmo caminho: o conhecimento. Geralmente, a pluridisciplinaridade e a interdisciplinaridade são confundidas com a transdisciplinaridade, o que, segundo Nicolescu (2000, p. 15), é perigoso. As duas primeiras preocupam-se com fragmentos da realidade, enquanto a transdisciplinaridade prima pela ação de vários níveis de realidade ao mesmo tempo, podendo aprimorar e trazer benefícios, não só para o aluno, mas para todo um sistema de educação. A transdisciplinaridade proporciona a oportunidade de aprender todas as matérias em conjunto, trazendo benefícios, como a diversidade, e contextualizando o conhecimento, contribuindo com o desenvolvimento de competências e transformando a realidade do educando.
Além disso, o ensino transdisciplinar fornece aos alunos caminhos para explorar diferentes áreas do conhecimento e desenvolver habilidades como pensamento crítico, resolução de problemas e trabalho em equipe.
O início dessa nova maneira de ver e entender o mundo pode ter na criação de canções uma ferramenta potencializadora de práticas inter/transdisciplinares, capaz de proporcionar o relaxamento, mas também de estimular a aprendizagem, conectando saberes, conhecimentos e emoções. É possível articular conhecimentos e atitudes que venham transformar a rotina pedagógica de uma comunidade escolar, criando um processo comum, permanente e progressivo, onde várias formas de ensino podem ser aperfeiçoadas de acordo com as condições dos meios social, afetivo e ambiental.
A linguagem musical está relacionada com a melhoria do currículo escolar brasileiro, pois não é somente a união de sons e letras, ela é uma rica ferramenta que pode fazer a diferença nas escolas, facilitando a aprendizagem e trazendo de forma prazerosa benefícios para o corpo e mente, além de contribuir para a socialização e a transmissão de valores, pois está presente em vários grupos sociais dos quais o educando faz parte, sendo constante no seu cotidiano, proporcionando uma abordagem mais segura para produzir e dominar o conhecimento. Desse modo, a canção e a transdisciplinaridade são possíveis de serem trabalhadas em conjunto. Mas é necessário o envolvimento de todos.
Na transdisciplinaridade as coisas são vistas através e além dos saberes existentes, lidando com um emaranhado de informações, dentro de um pensamento complexo em diferentes realidades. E é nessa forma plural de compreender o conhecimento que a canção se encaixa perfeitamente, exercendo um papel de grande relevância para dar respostas aos métodos tradicionais já tão desgastados. No contexto transdisciplinar, as práticas musicais podem romper barreiras e quebrar paradigmas.
Na educação básica, a canção pode facilitar a interação do aluno com o conteúdo, dentro de um determinado contexto, promovendo satisfação nas experiências, de acordo com as condições atuais e históricas. Porém, é necessário que a escola aproxime a música de suas práticas pedagógicas, criando possibilidades efetivas e significativas no ensino e aprendizagem para que seja bem explorada e compreendida, procurando evitar que ela seja vista apenas como forma de entretenimento.
Vigotsky (2003, p. 47) pontua que o ambiente externo interage e influencia diretamente a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo. Dessa maneira, a música que faz parte do meio cultural do educando pode ajudá-lo a entender seu meio social. Brito (2003), em seus estudos, comenta que:
É difícil encontrar alguém que não se relacione com a música […]: escutando, cantando, dançando, tocando um instrumento, em diferentes momentos e por diversas razões […]. Surpreendemo-nos cantando aquela canção que parece ter “cola” e que não sai da nossa cabeça e não resistimos a, pelo menos, mexer os pés, reagindo a um ritmo envolvente (BRITO, 2003, p. 31).
Diante de todos esses benefícios, as escolas deveriam explorar mais essas facetas que a música proporciona, promovendo mais atividades, sejam inter ou transdisciplinares, permitindo que o estudante aumente suas perspectivas sobre a vida e possa interferir de maneira positiva na sociedade. A arte favorece a formação de um ser integral, estimulando a criação e a manifestação individual e coletiva de diferentes olhares sobre o mundo (FERREIRA, 2010, p.57).
Atualmente, a educação passa por um processo de transformação. Ocorre a busca por novos meios de ensino e aprendizagem que possam atingir bons resultados para formar cidadãos mais críticos, conscientes e com um melhor desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo. A mídia avança rapidamente e a educação tenta se adaptar à essa nova realidade. E a música, de acordo com a Lei nº 11.769, que estabelece o seu ensino de forma obrigatória, é uma dessas novas possibilidades, por ser um recurso de baixo custo e de fácil disponibilidade. Nesse contexto, a canção pode ser um meio facilitador, porque se relaciona com todos os meios sociais, o que é excelente para um bom desempenho das funções motoras e intelectuais. O aluno, numa perspectiva transdisciplinar, tem na canção uma ferramenta que pode auxiliálo no diagnóstico reflexivo sobre os mais variados assuntos que lhe são apresentados.
Inúmeras são as mudanças políticas, econômicas, culturais e sociais na atualidade. Há muita informação e a escola precisa se adaptar para motivar o discente a desenvolver seu senso crítico e reflexivo. Temos uma sociedade em constante transformação e é vital que se debata sobre problemas que permeiam a mesma, dentro dos aspectos das necessidades humanas mais básicas, como alimentação, cultura e lazer. Talvez, de início, não se alcance o resultado esperado, dependendo de como é feito o debate. No entanto, com a música, certamente o resultado poderá ser diferente, pois talvez o educando escute algo que ele goste e a letra da canção possa falar de uma problemática que ele vive, o que pode despertar as mais diversas sensações, facilitando a aprendizagem e instigando sua memória.
Muitos dos problemas atuais do mundo, como a fome, a miséria e a própria educação, são temas vividos pela maioria dos alunos do Brasil e de muitos países, mas esses temas são poucos debatidos, uma vez que as escolas geralmente os consideram assuntos muitos complexos. A canção, nesse contexto, facilita o entendimento de mundo do cidadão e das transformações na sua sociedade.
O capitalismo global tem produzido, cada vez mais, consequências desastrosas para o futuro do planeta. Nessa perspectiva, surgem esforços para fortalecer a educação ambiental, e a música tem sido usada como uma forte aliada. Ela pode nos alfabetizar ecologicamente para entendermos a necessidade de cuidarmos melhor da Terra. Ao trabalhar a questão ambiental, é necessário ouvir o que o aluno tem a dizer. É importante que ele se expresse, e isso pode ocorrer por meio da criação de composições individuais ou coletivas, que possam esclarecer, de forma mais fácil, um assunto tão complexo, num diálogo com a leitura e a escrita, explorando o mundo natural e social.
Na epistemologia da complexidade de Edgar Morin, a música pode contribuir para o entendimento dessa questão tão atual que é a ecologia (2007, p. 13), onde atitudes podem mudar a relação das pessoas com o planeta, mudando comportamentos e ressignificando a própria existência da humanidade, nesse diálogo historicamente destrutivo.
Há uma certa urgência na educação do Século XXI, pois estamos vivendo um processo de transição onde há a demanda por novas competências e habilidades, que exigem novas metodologias e um novo protagonismo do professor para entender o aluno dessa nova geração. Nesse contexto, a transdisciplinaridade pode ser o caminho mais curto. No entanto, é necessário que todos trabalhem em conjunto para que possamos dar respostas às problemáticas de hoje e que tenhamos um futuro em que os alunos possam desenvolver um conhecimento mais crítico e consciente como um todo.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
A canção, como uma expressão artística multifacetada, tem desempenhado um papel crucial na história da cultura humana. Ela transcende fronteiras e categorias convencionais, permeando diversas disciplinas e áreas do conhecimento, e, assim, assume a qualidade transdisciplinar que a torna um objeto de estudo intrigante.
A proposta desta pesquisa consiste em fazer uma reflexão complexa transdisciplinar, onde ela seja um instrumento de conscientização cultural, social e política, em diferentes contextos, contribuindo de maneira significativa para a aprendizagem.
Para embasar esta investigação, recorremos a uma série de teorias e conceitos que ajudaram a estabelecer as bases necessárias para uma análise aprofundada desse fenômeno, estabelecendo um diálogo, principalmente, sobre as aproximações teóricas das obras de Edgar Morin, Paulo Freire, além das contribuições de Lev Semenovich Vygotsky e Basarab Nicolescu sobre o tema e destacar também os trabalhos de outros importantes autores que reverberam nesta pesquisa
Para compreender a canção como um recurso transdisciplinar, é essencial explorar os princípios da transdisciplinaridade, conforme proposta por Basarab Nicolescu. A abordagem transdisciplinar reconhece a necessidade de transcender as barreiras disciplinares tradicionais e promover a integração de múltiplos campos de estudo, um conceito fundamental para a compreensão abrangente da canção e sua influência em áreas que abrangem desde a música até a literatura, sociologia, antropologia e psicologia. Dentro da obra de Basarab Nicolescu, a apreensão da realidade é influenciada pela percepção individual, uma vez que cada indivíduo detém níveis perceptivos que contribuem para um crescimento global que abrange a sua própria interpretação da realidade. A abordagem transdisciplinar reconhece que os limites que separam as várias esferas do conhecimento são ricos em informações e oportunidades para serem explorados, mantendo, no entanto, o devido respeito e rigor em relação às diferentes áreas do conhecimento. Essa abordagem se sustenta em três pilares essenciais: a existência de múltiplas instâncias de realidade, a apreensão da complexidade da realidade e a aceitação da lógica do terceiro elemento inclusivo (NICOLESCU, 1997, p. 5).
A canção é uma forma de expressão artística que une poesia, melodia e ritmo, abrangendo uma rica gama de elementos culturais e estilísticos. Em alguns casos é realizada em sua plenitude apenas pela voz, quando a mãe acalanta seu filho, produzindo sons com certo modo de emissão (canto) e intenção (fala) e usando os braços (movimento) para imprimir um balanço ao corpo da criança, embalando-a até adormecer. A contenção desses modos em um campo expressivo mínimo, representado pela Canção, serve à repetição contínua, e quase que hipnótica, de uma forma simples e curta que induz ao estado de sonolência (VAZ, 2007, p. 19).
A interseção entre música e literatura, inspirada em pensadores como Paulo Freire e Edgar Morin, por exemplo, permite explorar como a canção transcende as fronteiras entre essas disciplinas (GUIMARÃES, 2016, p. 305). Essa abordagem interdisciplinar não apenas enriquece nossa compreensão da canção, mas também ressoa com os princípios da educação transformadora e da complexidade, propostos por Freire e Morin, respectivamente. Percebe-se essa aproximação de ideias nas suas abordagens sobre as práticas educativas, onde se leva em consideração a ética, a dialética, o contexto local e global, a diversidade e a compreensão da complexidade do ser humano e sua condição.
A canção desempenha um papel crucial na educação e na promoção da aprendizagem interdisciplinar. Inspirados por teóricos como Lev Semenovich Vygotsky, reconhecemos que, por meio de abordagens pedagógicas inovadoras, a música e a canção podem ser usadas para ensinar uma variedade de conceitos em áreas como matemática, ciências e história (SOUSA e FÉLIX NETO, 2003, p. 69-82). Vygotsky destacou a importância da interação social e do ambiente cultural na aprendizagem, conceitos que se alinham com o papel da canção como uma ferramenta pedagógica e interdisciplinar na educação contemporânea (MARTINS, 1997, p. 116).
Vygotsky, ao apontar novas perspectivas sobre a análise e teorização do conhecimento, valoriza aquilo que se aprende no cotidiano e que promove a conscientização. Considera ainda o contexto social do indivíduo e defende que as funções psicológicas emergem de acordo com a participação do sujeito no processo social (MARQUES e MARQUES, 2006, p. 3; GEHLEN et al., 2008, p. 66).
A fundamentação teórica baseou-se também nos trabalhos de João Henrique Suanno (2013) e Marilza Suanno (2013 e 2014), sobre o pensamento complexo e a transdisciplinaridade. No que se refere ao Brasil, os trabalhos de Hilton Jupiassu (1976) e Ivani Fazenda (2007) também contribuíram para essa pesquisa. E sobre o ensino com música em sala de aula, os trabalhos de Maura Penna e Aurora Ferreira foram consultados, além de Vera Pessagno Bréscia (2011) e Teca Alencar de Brito (2003).
Enquanto instrumento didático-metodológico, a música constitui-se em uma útil ferramenta de apoio na exploração do saber e do (re)descobrir na prática criativa no âmbito da Educação Infantil, propondo uma relação direta com o lúdico e com o jogo, entre o brincar e o aprender, entre o docente e discente a fim de reinventar novas formas de trabalho docente que abarquem os sujeitos cognoscentes, transdisciplinarizando ações escolares por meio da ampliação da consciência, religando os saberes que possibilitarão o desenvolvimento integral da criança nesta modalidade de ensino (SUANNO, 2013, p. 29).
De acordo com Bréscia (2011, p. 86) “a função da música – tal como a da arte – repousa no sentido de proporcionar um tipo de autoexpressão livre”. De fato, tem ela sido denominada “disciplina de expressão”. Destarte, ela enriquece a vida da criança por meio das oportunidades que lhe oferece para participar dos sentimentos de outros e expressar seus sentimentos a outros, enquanto observa, ouve, executa e cria, de forma participativa, colaborativa, criativa e humana.
A canção, com sua riqueza artística e potencial de interconexão com diversas disciplinas, é um recurso transdisciplinar valioso que merece um exame mais profundo. O presente trabalho procurou investigar como a canção transcende as fronteiras disciplinares, influenciando a cultura, a sociedade e a educação de maneira significativa. Por meio da análise de teorias da transdisciplinaridade, da estrutura da canção, do contexto sociocultural e da educação, esperamos lançar luz sobre a riqueza e a importância desse fenômeno multifacetado.
4. O PROCESSO DE PRODUÇÃO DAS CANÇÕES
A pesquisa foi desenvolvida na Escola Municipal Theodor Badotti, localizada no bairro do Tenoné, em Belém, Pará. Por estar localizada na periferia, os estudantes da instituição sofrem, também, com todos os problemas comuns desse tipo de local, como saneamento precário, falta de segurança, dentre muitos outros. O trabalho foi desenvolvido com alunos do I e II ciclos de duas turmas do 4º e três do 5º ano do ensino fundamental. Cada turma dessas possui uma média de 28 alunos, uma professora regente, um professor de educação física, um de arte e um de leitura. Além desses professores, que participaram de uma forma mais direta, também houve a participação de duas coordenadoras pedagógicas, funcionários de apoio e pais ou responsáveis que contribuíram fazendo observações para a pesquisa e respondendo ao questionário. Essa escola foi escolhida pelo fato de ser relativamente pequena e possuir apenas dez turmas (cinco no turno da manhã e cinco à tarde), o que pode facilitar a pesquisa sobre a canção em uma prática transdisciplinar, onde o diálogo entre todos os envolvidos é fundamental.
No início do ano letivo, durante a fase de planejamento, foram traçados nossos planos de ação e os projetos nos quais iríamos trabalhar. Vale ressaltar que alguns temas já faziam parte do planejamento da escola há algum tempo e foram trabalhados durante o ano todo, não apenas nas datas estabelecidas, como o Meio Ambiente e a Consciência Negra.
Antes desses assuntos serem mostrados e debatidos com os educandos, os professores das turmas envolvidas na pesquisa se reuniam e acertavam como cada um trabalharia determinado conteúdo nas suas aulas. A meta era que em cada disciplina das turmas pesquisadas fosse possível trabalhar os temas propostos ao mesmo tempo, cada um dentro da sua especificidade, de uma forma mais global. A partir daí, o trabalho em sala de aula começava.
Durante as aulas, os professores abordaram vários assuntos de interesse histórico, social e cultural, previamente já planejados entre todos os discentes envolvidos. A partir dos debates, os alunos produziram textos com a professora regente e com o professor de leitura, que foram transformados em letras de músicas. Nas oficinas de composição feitas pelo professor de arte, primeiramente, os textos produzidos eram compartilhados e um deles era escolhido para fazer a canção, ou, como aconteceu algumas vezes, houve uma união de partes de vários escritos feitos pelos estudantes sobre o tema proposto. O processo para transformar uma redação em um texto rimado, consistia em o professor de arte pegar frases do que fora escolhido para virar canção, escrever no quadro da sala de aula e, a partir disso, instigar os alunos a opinarem com palavras que tivessem o mesmo fonema, mas que estivessem de acordo com o tema que estava sendo abordado e fizessem sentido para quem fosse ouvir a canção posteriormente. Nessa parte da composição de canções, os educandos contribuíam com palavras que rimassem, mas utilizavam o dicionário para pesquisar seu significado.
No processo de construção das canções, todos opinavam sobre qual a melhor forma de fazer a melodia, e as letras eram encaixadas nos mais diversos gêneros musicais, mas preferencialmente voltados para a questão regional. Essa atividade consistia em estimular os alunos a criar e cantar uma melodia que se adequasse à letra já pronta. Nessa etapa, o professor fez uso de um violão, um ukulele e alguns instrumentos de percussão, além do app Ebatuque. Depois das músicas prontas, ocorreu a fase dos ensaios e depois a gravação nas dependências da própria escola.
Todas as músicas foram gravadas em várias sessões na sala de informática, conforme iam ficando prontas. O equipamento utilizado foi um celular, um microfone, uma caixa amplificada pequena, dois fones de ouvido e alguns cabos.
Ocorreu, também, que determinada canção foi feita por uma turma, mas gravada por outra, por conta de que, uma vez pronta, a canção era compartilhada nas outras turmas envolvidas na pesquisa. Foram utilizados aplicativos, que podem ser baixados gratuitamente, como o Band Lab, que simulam estúdios de gravação no próprio celular. Como a Escola Municipal Theodor Badotti tem uma estrutura pequena e não possui uma sala apropriada onde pudessem ser feitas as aulas com os instrumentos de percussão, já que muitas canções produzidas foram feitas em ritmos como o carimbó e a toada de boi bumbá, foram também utilizados outros aplicativos que apresentam loops de percussão, como o E-batuque, que possui um grande número de ritmos brasileiros e alguns podem ser baixados sem precisar pagar. Apesar dos aplicativos utilizados nesta pesquisa serem baixados gratuitamente, ainda assim, ocorreram problemas, como a falta de celular e internet para os alunos. Essa dificuldade de acesso não chegou a comprometer tanto o trabalho, mas gerou algumas dificuldades.
Nas aulas de arte, que ocorriam uma vez por semana, com duração de 90 minutos, em dois horários, um deles era dedicado ao trabalho proposto, onde as atividades foram desenvolvidas também com audições, mostra de vídeos, leitura de textos, entre outras ações, com os temas abordados também nas outras disciplinas, como meio ambiente, respeito ao próximo, cultura da paz, entre outros, que faziam parte do cotidiano da comunidade escolar. Depois de gravado, esse material foi utilizado como ferramenta pedagógica na própria escola em outras séries. Algumas canções já foram cedidas para outras instituições de ensino e foram apresentadas em importantes eventos, como a Feira Pan Amazônica do Livro e Festa Literária de Belém – FLIBE, além de apresentações no bairro do Tenoné, onde fica localizada a escola.
A pesquisa utilizou um questionário qualitativo para o levantamento de dados, que contou com a participação de todos os envolvidos: estudantes, professores que participaram diretamente do trabalho e outros de outras séries da escola, e também de outras instituições, equipe técnica e de apoio, e pais ou responsáveis. Nele, foram feitas as seguintes perguntas:
1. Qual a sua ligação com a Escola Municipal Theodor Badotti?
( ) Professor(a)
( ) Professor(a) de outra escola
( ) Corpo técnico
( ) Apoio
( ) Pai, mãe ou responsável
2. A música (canção) facilitou, em algum momento, o aprendizado?
( ) Sim ( ) Não
3. Você percebeu alguma mudança nos estudantes?
( ) Sim ( ) Não
4. Essa prática ajudou em maior entrosamento daqueles que fazem parte da escola (estudantes, professores, demais funcionários e comunidade)?
( ) Sim ( ) Não
5. Houve uma maior interação entre escola e comunidade?
( ) Sim ( ) Não
6. A música (canção) facilita a abordagem de assuntos como racismo, bullying, meio ambiente, entre outros?
( ) Sim ( ) Não
7. Esse tipo de trabalho traz benefícios para os estudantes e a escola?
) Sim ( ) Não
8. Em um cenário de pós-pandemia, um trabalho que traz a música (canção) para facilitar a aprendizagem, pode contribuir para a autoestima dos estudantes?
( ) Sim ( ) Não
9. Das canções que foram trabalhadas, alguma te chamou a atenção em especial?
( ) Sim ( ) Não
10. Você gostou dos ritmos, como o carimbó, colocados nas músicas?
( ) Sim ( ) Não
5. RESULTADOS
A pesquisa qualitativa e quantitativa envolveu 170 pessoas, entre funcionários da E.M.E.F. Theodor Badotti (11 professores, 3 integrantes da equipe técnica e 5 funcionários da equipe de apoio), 46 pais ou responsáveis, 88 estudantes e 17 professores de outras instituições de ensino. Esses números fazem parte da primeira pergunta que indagou qual o tipo de ligação que o entrevistado tem com a Escola Theodor Badotti.
Na segunda questão foi perguntado se a música, em forma de canção, facilitou o aprendizado em algum momento. Como resposta, 167 pessoas disseram sim e 3 pessoas não, conforme mostra o gráfico abaixo:
Você percebeu alguma mudança nos estudantes? Foi a pergunta de número 3, onde 168 pessoas disseram sim e 2 pessoas responderam não:
Na quarta questão foi perguntado se esse tipo de prática facilitou o entrosamento entre estudantes, professores, demais funcionários e comunidade. O resultado foi 169 pessoas respondendo sim e apenas uma que respondeu não. Entre os professores a resposta positiva foi de 100%:
Houve uma maior interação entre escola e comunidade? Foi a quinta pergunta e as respostas atingiram a unanimidade:
Na sexta questão, foi perguntado se a música, em forma de canção, facilita a abordagem de assuntos como racismo, bullying, meio ambiente, entre outros. Como resultado 167 pessoas responderam sim e 3 disseram que não:
Esse tipo de trabalho traz benefícios para os estudantes e a escola? Foi a pergunta da sétima questão, onde 153 pessoas disseram sim e 17 responderam não:
A oitava pergunta indagou se em um cenário de pós-pandemia, um trabalho que traz a canção para facilitar a aprendizagem pode contribuir para a autoestima dos estudantes. E o resultado obtido foi 164 pessoas respondendo sim e 6 dizendo não. Mas entre os educadores a resposta positiva chegou a 99%:
Na questão de número 9 foi perguntado se das canções que foram compostas e trabalhadas, alguma chamou mais a atenção do entrevistado. O resultado foi de 100% de respostas afirmativas, sendo que as que mais chamaram a atenção dos entrevistados foram
Carimbó do Latão e Marchinha da Paz.
A última pergunta do questionário foi se o entrevistado havia gostado dos ritmos utilizados nas canções produzidas, como o carimbó e a toada de boi bumbá, por exemplo. O resultado foi que 139 pessoas disseram sim e 31 responderam não:
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apontam que a canção tem um grande potencial como ferramenta pedagógica numa prática transdisciplinaridade. Fica claro sua eficácia, como ela facilita a abordagem dos mais variados assuntos, numa busca pela conscientização crítica dos estudantes; além disso, ela proporciona uma maior aproximação entre escola e comunidade.
Diante do exposto, percebe-se um impacto positivo das canções produzidas na escola, o que faz com que elas ganhem maior visibilidade pelos excelentes resultados obtidos em vários aspectos. Nesse sentido, a canção pode ser uma boa alternativa de prática transdisciplinar, melhorando a psicomotricidade, a sociabilidade e a criatividade, apontando rumos que possam substituir a fragmentação curricular presente nas escolas atualmente.
Na bibliografia analisada, verificou-se propostas que apontam para a inclusão de canções na prática transdisciplinar, mas tudo ainda de maneira um pouco tímida. Não basta apenas colocar nas aulas canções que falem de determinados temas. Há que se fazer todo um trabalho de conhecimento, reflexão e conscientização, para que o educando se reconheça como membro de uma sociedade com sequelas sociais. É preciso mostrar o valor que ele tem, e a utilização cuidadosa e organizada de canções pode facilitar o entendimento de problemas que fazem parte dessa “herança” que está presente em seu cotidiano. Portanto, é totalmente possível trabalhar a transdisciplinaridade por meio da canção, desde que a escola esteja unida nesse desafio.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRITO, T. A. de: Música na educação infantil: proposta para a formação integral da criança. 2a edição, São Paulo: Petrópolis, 2003.
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. São Paulo: Cortez, 2007.
FERREIRA, A. Arte, escola e inclusão: atividades artísticas para trabalhar com diferentes grupos. Petrópolis: Vozes, 2010.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2019.
_________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31a edição. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
GEHLEN, S. T.; AUTH, M. A.; AULER, D. Contribuições de Freire e Vygotsky no contexto de propostas curriculares para a Educação em Ciências. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 7, n. 1, p. 63-85, 2008.
GUIMARÃES, M. O escambo de Gaspar: rap como narrativa das relações culturais urbanas. Proa: Revista de Antropologia e Arte, n. 6, 2016.
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e Patologia do Saber, Rio de Janeiro: Imago, 1976.
KORTE, G. A. transdisciplinaridade e a metodologia. In: II Congresso Mundial de Transdisciplinaridade. Vitória – ES, Setembro de 2005.
MARQUES, L. P.; MARQUES, C. A. Dialogando com Paulo Freire e Vygotsky sobre educação. Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), v. 29, 2006.
MARTINS, J. C. Vygotsky e o papel das interações sociais na sala de aula: reconhecer e desvendar o mundo. Série Ideias, v. 28, p. 111-122, 1997.
MORIN, E. Os setes saberes necessários para a educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 3a ed. 2007.
NICOLESCU, B. A evolução transdisciplinar da universidade, condição para o desenvolvimento sustentável. 1997.
NICOLESCU, B. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.
NICOLESCU, B. Um novo tipo de conhecimento: transdisciplinaridade. Educação e transdisciplinaridade, v. 1, n. 2, 2000.
PEDROZA, R. L. S. Relações interpessoais: abordagem psicológica. 4. ed. atual. e rev. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, Rede e-Tec, 2012.
PENNA, M. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2012.
SANTOS, V. F.; SUANNO, J. H. Educação Infantil, Música e Transdisciplinaridade – Tessituras Pertinentes na Contemporaneidade. Revista Interação Interdisciplinar, v. 4, n. 1, p. 36-48. Jan-Jun de 2020. UNIFIMES – Centro Universitário de Mineiros.
SOUSA, M. R.; FÉLIX NETO. A música como caminho para uma educação intercultural. Psicologia, educação e cultura, v. 7, n. 1, p. 69-82, 2003.
SUANNO, M. V. R. Didática e formação de professores: complexidade e transdisciplinaridade. Porto Alegre: Sulina, 2013.
VAZ, G. N. O campo da canção: um modelo sistêmico para escansões semióticas. Música e Mídia: novas abordagens sobre a canção, v. 1, 2007.
VYGOTSKY, L. S. A Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
8. ANEXO I – FOTOGRAFIAS
Processo de criação da canção Trabalho Infantil, na Escola Theodor Badotti.
Ensaio da canção Trabalho Infantil, com os alunos da Escola Municipal Theodor Badotti.
II Arrastão Cultural da Escola Theodor Badotti. Novembro de 2023.
II Arrastão Cultural da Escola Theodor Badotti. Novembro de 2023.
II Arrastão Cultural da Escola Theodor Badotti. Novembro de 2023.
II Arrastão Cultural da Escola Theodor Badotti. Novembro de 2023.
II Arrastão Cultural da Escola Theodor Badotti. Novembro de 2023.
9. ANEXO II – SONGBOOK
CANÇÕES DA ESCOLA
CARIMBÓ DA VACINA
Curupira fez o moonwalker para comemorar,
O saci chegou pulando, já foi bagunçando, querendo causar!
Até o boto, que não é bobo, veio de canoa
Para tomar vacina e ficar numa boa!
A Matinta Perêra chegou tão faceira de lá da cidade,
Mas ela foi a primeira porque é uma senhora e tem prioridade!
A galera que é lenda, então, nos ensina:
Tem que se proteger e o melhor remédio e tomar vacina!
Não dá pra levar a vida no improviso.
O lobisomem uivou pra você se ligar neste aviso:
Depois de imunizado, aquele cuidado continua,
Seja em manhã de sol, em tarde de chuva ou em noite de lua!
CARIMBÓ DO LATÃO
Separe o seu lixo, pois você é cidadão
Que respeita o ambiente e tem boa educação!
Se o lixo é de plástico, vai para o latão!
De que cor é o latão? Vermelho!
Se o lixo é de plástico o vermelho é o latão!
Mas se o lixo é de papel, jogar no chão vai ser cruel!
De que cor é o latão? Azul!
No norte ou no sul, o latão será azul!
Se o lixo é de vidro, não vá se machucar, use o latão verde para descartar.
De que cor é o latão? Verde!
Tem que ficar esperto, o latão verde é o certo!
Se o lixo é de metal, jogar no chão vai pegar mal!
De que cor é o latão? Amarelo!
É um ato bem singelo, o latão certo é o amarelo!
Vermelho, azul, verde e amarelo!
É separar o lixo, que o mundo fica belo!
CHUVA DA MANHÃ
Chove lá fora, nessa manhã preguiçosa,
Acordei com a murrinha manhosa.
Hoje eu não saio daqui.
Ai, que vontade de não fazer nada!
Hoje eu vou ficar na baladeira que amarrei na cumieira.
Eu não saio daqui.
Até o relógio hoje tá com preguiça.
Mamãe já falou que não tem brincadeira.
Lá fora a água, que cai da biqueira.
Eu não saio daqui.
Ê, que toró que chegou tão de repente!
Mas que coisa, né, parente?!
Eu não saio daqui.
Também, com esse clima, faz a festa o cupim.
Mamãe já chamou:
Vem tomar café, meu curumim.
HINO DA ESCOLA THEÓDOR BADOTTI
Minha escola tem um nome respeitável,
Onde reina o saber, a alegria
E o aprendizado formidável,
Que a torna fonte de cidadania.
Theódor Badotti,
Símbolo da perseverança,
Que nos deixa fortes
E com esperança.
Em um futuro promissor,
Com a certeza do conhecimento.
É a luz do meu caminho,
Incentivando o meu crescimento
Enraizada com firmeza, amor e fé,
Nobres ideais a pulsar do Tenoné!
O saber nos tornará mais fortes,
Somos Theódor Badotti.
Os que aqui passaram lembrarão
Dos mestres que ensinaram com dedicação,
Mostrando valores de verdade
E o caminho da dignidade.
NA PERIFERIA
Se todos somos iguais,
Então, cadê a paz?
Você fala do meu cabelo,
Do meu jeito,
Me faz perder a razão.
Você vira meu pesadelo
Com essas palavras de baixo calão.
Viver na periferia
É ter que aturar olhares.
É uma guerra fria
Que rola todo dia,
Invadindo os lares.
É um povo que luta,
Mas também tem que contar com a sorte.
As opções são poucas.
Muitos caminhos te levam à morte.
Assim é a vida na periferia,
Onde o medo é nosso companheiro.
Sobreviver é ousadia
E o cidadão é um guerreiro.
RAP DA DIVERSIDADE
De pele clara ou de qualquer cor,
Todo mundo é igual seja onde for.
Olho redondo, olho puxado,
Nariz pontudo ou arrebitado
Cabelo crespo, cabelo enrolado,
Cabelo liso ou até pintado.
Pode ser menino, pode ser menina,
Se não souber a gente ensina.
Pode ser bem jovem ou ter muita idade,
Nada é defeito,nem qualidade.
Tudo é humano, bem diferente,
De qualquer jeito, todos são gente.
Cada um na sua e não faz mal,
Diversidade é que é legal
RAP DO PRECONCEITO I
Tão jovem, tão pequeno, tão inocente.
Era uma criança, mas também era gente.
A maldade do mundo não a perdoou,
Sofreu com o pai que lhe abandonou.
Atenção da sua mãe também não existia,
Sofrimento presente no seu dia a dia,
Privado de tudo, sem ninguém pra conversar,
Solidão insistia em lhe acompanhar.
Depressão é tratada como mimimi, frescura, tolice, babaquice.
Ai de ti, meu irmão. Só sabe quem sofre.
Que mundo é esse, eu quero saber,
Onde as pessoas não se importam com você?
RAP DO PRECONCEITO II
O preconceito se entranhou na sociedade
Como um verme que contamina,
Esperando oportunidade
Pra fazer aquilo que se destina.
Julgar pela cor da pele,
Ou ser alto em demasia,
Estar acima do peso
E sofrer bullying todo dia.
Dizer que a menina calada é metida
Porque não quer falar com ninguém,
É mais fácil dar a primeira mordida
Do que perguntar o que ela tem.
Preconceito é contradição,
Nunca foi liberdade de expressão!
Preconceito é insegurança,
É crime, é ilegal.
Será que empatia só é bonita
Lá na rede social?
TRABALHO INFANTIL
Quando a criança trabalha,
Olha só o que acontece:
Sua vida se escangalha,
Ela até se entristece.
Não tem mais tempo pro estudo,
Já não pode mais brincar.
Olha só o absurdo:
Sua infância se acabar!
Não é pra capinar,
Reparar carro ou bicicleta,
Tem que estudar e brincar,
Fica aqui o nosso alerta!
Chutar bola, soltar pipa,
Jogar peteca,
Viver a infância é um direito,
Tá escrito lá no ECA.
Ela acaba rapidinho,
Então tem que aproveitar.
A menininha, o gitinho
Ainda não podem trabalhar!
VENTOS DA PAZ
Haverá um dia em que todos serão livres,
Pois já não terá nenhuma cadeia.
Haverá um dia em que a fome acabará
E quem não comer, estará de barriga cheia.
Haverá um dia em que não existirão mais
Cercas nos quintais, nem guerras contra a paz,
Todos serão livres e todos se unirão
Em um só país, em uma só nação.
Nessas palavras sonhadoras
Ninguém acredita, nem a mais otimista das pessoas, Mas por que falar de coisas ruins
E não falar das coisas boas?
Logo surgirá outro igual a mim,
Falando o que eu falei
Com todo o carinho,
Então não será mais o fim,
Pois eu não estarei mais sozinho.
Que soprem os Ventos da Paz!
Meus olhos cansaram de ver
A brutalidade feroz
De coisas que eu quero esquecer!
[1] Especialista em Arte na Educação, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará (UFPA), professor da Secretaria Municipal de Educação (SEMEC – Belém) e da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC – Pará).