A BIOGRAFIA HISTÓRICA: OPORTUNIDADE SOB A ÓTICA DAS NOVAS PLATAFORMAS DIGITAIS

THE HYSTORICAL BYOGRAPH : OPPORTUNITIES FROM THE PERSPECTIVE OF NEW DIGITAL PLATFORMS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7642772


Andrei Nasser Wichrestink¹
Cláudia Schemes²


RESUMO

O presente artigo apresenta como tema a biografia histórica na contemporaneidade da história digital: a busca ao passado sob a ótica dos novos recursos de armazenamento das memórias individuais. Apresentar como as novas tecnologias, a história digital, vem ao encontro de uma construção da história de vida e seu contexto. Tem como escopo apresentar como os novos meios e dispositivos de consulta já se tornaram uma realidade como forma de armazenar e contar “parte da vida” e como atualmente a história de vida está incrustada nestes mecanismos digitais. A análise traz autores que embasam o conhecimento na construção de biografia histórica num contexto das novas tecnologias digitais frente a coletas de dados com a profundidade da teoria do paradigma indiciário formulado por Carlo Ginzburg.  Através desse artigo, foi possível evidenciar condições possíveis e oportunas da coleta de matéria-prima para realização de biografias históricas utilizando as novas tecnologias a partir dos recursos oferecidos por plataformas digitais.

Palavras-Chave: Biografia. História digital. Memória.

Abstract

This article presents as its theme the historical biography in the contemporaneity of digital history: the search for the past from the perspective of new storage resources for individual memories. To present how new technologies, digital history, come together with a construction of the history of life and its context. Its scope is to present how the new means and devices for consultation have already become a reality as a way to store and tell “part of life” and how the history of life is currently embedded in these digital mechanisms. The analysis brings authors who base their knowledge on the construction of historical biography in a context of new digital technologies in the face of data collection with the depth of the theory of the evidential paradigm formulated by Carlo Ginzburg. Through this article, it was possible to highlight possible and opportune conditions for the collection of raw materials for the realization of historical biographies using new technologies from the resources offered by digital platforms.

Keywords: Biography. Digital history. Memory.

1 INTRODUÇÃO

O tema deste artigo compreende os significados, enunciações e dicotomias existentes, assim como as perspectivas dos discursos culturais, passíveis de observação nas relações diretamente relacionadas à biografia histórica, na contemporaneidade da história digital: a busca ao passado sob a ótica dos novos recursos de armazenamento das memórias individuais. O texto almeja um diálogo com os fundamentos que definem a memória de uma biografia histórica na era digital. Visa também apresentar como as novas tecnologias e a história digital, vem ao encontro de uma construção da história de vida e seu contexto. Justifica-se no intuito de apresentar e abordar os novos mecanismos em mídias digitais (plataformas), como meio de registro de processos culturais contemporâneos na web, bem como suas possibilidades e limites na construção da memória coletiva naquele ambiente, e dispositivos de consulta. A relevância e “realidade” destas ferramentas como forma de contar e conservar “partes da vida” de pessoas que na contemporaneidade têm nas mídias digitais uma fonte de armazenamento de memória da própria história de vida. O tema apresenta-se importante e contemporâneo visto que a inversão entre a privacidade e o compartilhamento atingem uma conjuntura “individual x social” complexa. Neste sentido, a problematização a ser analisada se fundamenta em quais os benefícios e as dificuldades que as plataformas digitais, assim como, as novas tecnologias, trouxeram aos pesquisadores e historiadores que utilizam métodos de coleta e análise de dados, na construção de biografias históricas; em que medida as memórias da história de vida, ou seja, a pesquisa histórica podem dialogar com as novas fontes digitais (plataformas digitais) na geração e orientação de dados destinados à realização de biografias históricas?

Considerando os aspectos justificados, o objetivo geral deste estudo é apresentar e analisar o vínculo e as contribuições que novas tecnologias digitais trazem na realização das biografias históricas, ou seja, na memória das trajetórias e histórias de vida. Pretende-se relatar os caminhos e conexões possíveis entre a produção da biografia histórica e as novas tecnologias digitais, assim como apresentar as principais contribuições e desafios da utilização de novas tecnologias digitais frente a coleta e análise de dados, segundo o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg.

Para efeito de organização, seccionamos este artigo de forma a apresentar  a biografia histórica e as plataformas digitais sob o foco de serem fontes de informações. A apresentação e caracterização de memórias e sua relação sob a visão do paradigma indiciário se tornam seminais como forma da busca de dados para pesquisa, relacionado a história de vida seguindo o entendimento e importância da respectiva análise.

Com a liberdade de fundamentar a necessidade de expandir o conceito da busca de fatos que apresentam a memória, sob o prisma de uma biografia histórica, a proposta aqui perfaz a leitura de uma visão ampla e também abstrata de como as novas mídias digitais se tornam fundamentais na criação e armazenamento da memória, matéria-prima para história, a fim de fornecer o conteúdo da cultura de uma determinada sociedade.

Por fim, para ilustrar a importância das plataformas digitais como fontes de informação e confirmação de dados obtidos na história oral, sob a ótica do paradigma indiciário, apresentaremos dados da imigração holandesa para o Rio Grande do Sul obtidos e complementados por fontes orais e documentos disponibilizados em formato digital na internet.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Estudos sobre o tema biografia histórica constituem-se em referências essenciais para este artigo e, portanto, começaremos uma sucinta análise teórica versando sobre eles.

A biografia tem um escopo básico de ser a história de um indivíduo redigida por outra pessoa. O impulso por seguir caminhos pessoais vem indicando um movimento mais acentuado nos últimos anos, quando uma pessoa retorna ao centro da história e deixa de ser uma sombra nesse caminho.

 “O velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta” (LE GOFF, 2012, p.15). Ou seja, a relação cultural e seus significados, num amplo campo que não se limita à linguagem, são analisadas de diferentes pontos referenciais de observação, espaço e tempo, passado e presente e, assim, seguindo um exercício de análise superficial como unidade da interação social.

Na procura da inserção do indivíduo ao seu contexto é que uma teia de informações pretende ser elaborada a partir de diversos pontos de pesquisa. Sendo assim, Schemes apresenta que: “uma biografia sempre é intermediada pelo pesquisador e pelo relato escrito que é elaborado a partir de documentos, de arquivos pessoais e de depoimentos de pessoas próximas do sujeito pesquisado, gerando um texto que sofre recortes, montagens e traduções de depoimentos orais para escritos” (SCHEMES, 2006, p.20).

A biografia histórica, segundo Schmidt (1996), como discurso historiográfico em seu conjunto, apresenta algumas diferenças em relação à narrativa literária, no caso, em relação ao romance biográfico. Muito ocorre porque o historiador tem um comprometimento com sujeitos históricos concretos, que existiram na realidade e que chegam até o presente através dos diversos meios de registros. Não é à toa que muitas biografias baseiam-se em pesquisas documentais intensivas, utilizando fontes como: um poema escrito, documentos oficiais, processos inquisitoriais, cartas, entre outros. Enfim, as biografias históricas têm, para além de suas qualidades estilísticas, um “tribunal de apelação” irrefutável: o passado e seus vestígios.

Outro ponto a ser observado é que no caso da análise de trabalhos a serem examinados, a narração não exclui a explicação. Pelo contrário, as narrativas histórico- biográficas contemporâneas não se esgotam nas singularidades individuais, mas servem para elucidar temas e problemas mais amplos (SCHMIDT, 1996).

Conforme apresentam Saraiva, Schemes e Araújo (2011), a palavra do historiador têm o poder de construir, por meio da memória, a identidade de um povo, não apenas de reis ou líderes, entenda-se também a construção individual, familiar, social de dominar a fugacidade do tempo, de representar e de preservar as vozes dos enunciados que são resgatados do esquecimento.

Este relato apresenta a recordação de que, durante determinado período, a história foi escrita e considerada importante e confiável, a partir do instante que relatasse as histórias de vida de personagens ilustres, responsáveis por acontecimentos já consagrados pela historiografia oficial. Tendo como base essa ideia, os sujeitos desconhecidos e anônimos não eram dignos de pesquisa e de atenção. Contudo, a curiosidade e disposição por trajetórias individuais tem-se realçado, tendo-se intensificado, quando o sujeito regressa ao centro da história e, assim, faz emergir por meio da força enunciadora da memória em um passado contextualizado e vivido (SARAIVA; SCHEMES; ARAÚJO, 2011). 

Le Goff (2012, p.147), corrobora com essa teoria quando acrescenta que “pertence à própria natureza da ciência histórica estar estritamente ligada à história vivida, do que faz parte”.

Neste sentido, toda a memória com mecanismos adequados desenvolvidos com o passar dos anos é passível de uma preservação e manutenção na história. A busca, a pesquisa e o estudo devem ser realizados com o fim de um ordenamento dos fatos ocorridos, permitindo à fidedignidade da história no seu espaço e tempo. Além disso, devem seguir um movimento próprio, a fim de manter as características da realidade e do momento vivido, servindo de alimento para o presente e para o futuro.

Nora (1993), apresenta a história como sendo uma reconstrução sempre turbulenta e incompleta daquilo que um dia já foi o presente, ou seja, uma representação do passado. Retrata a memória como um fenômeno sempre atual, uma conexão com a atualidade.

[…] mais material no vestígio, mais concreto no registro, mais visível na imagem. O movimento que começou com a escrita termina na alta fidelidade e na fita magnética. Menos a memória é vivida do interior, mais ela tem necessidade de suportes exteriores e de referências tangíveis de uma existência que só vive através delas. Daí a obsessão pelo arquivo que marca o contemporâneo e que afeta, ao mesmo tempo, a preservação integral de todo o presente e a preservação integral de todo o passado. O sentimento de um desaparecimento rápido e definitivo combina-se a preocupação com o exato significado do presente e com a incerteza do futuro para dar ao mais modesto dos vestígios, ao mais humilde testemunho a dignidade virtual do memorável (NORA, 1993, p.13).

Mudanças nas metodologias históricas sempre são acompanhadas de importantes transformações relacionadas à documentação. A contemporaneidade vive uma verdadeira revolução documental: as novas mídias digitais apresentadas com a criação dos computadores se tornam itens e utensílios obrigatórios do historiador (LE GOFF, 2012).

As novas tecnologias permitem que seus usuários voluntariamente e espontaneamente se façam produtores de memória, não somente pelos meios técnicos de produção e de conservação de que dispõem, mas pela obstinação em manter e conservar uma herança de informações. À medida em que desaparece a memória tradicional, cria-se uma necessidade de acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens e discursos. Fazem com que exista uma produção de informações que extravasam as formas tradicionais de memória e armazenamento. Assim, “o dever de memória faz de cada um o historiador de si mesmo”, como apresentado por NORA (1993, p.15).

A biografia histórica, quando devidamente conduzida, sob o aspecto interdisciplinar e metodológico da academia, nos permite lidar com fontes que estimulam memórias, que cobrem lacunas deixadas na história por positivismos sacramentados no tempo. É o que Carlo Ginzburg vem a corroborar com o foco nas minúcias, apresentado pelo paradigma indiciário.

Ginzburg (1989), com o paradigma indiciário apresentado na sua obra “Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história”, orienta um método de pesquisa cuja força está na observação das minúcias que podem ser reveladas a partir de observações e deduções sobre alguns aspectos investigativos. Trata-se de um método interdisciplinar que relaciona outros caminhos e domínios como: as artes figurativas de Giovanni Morelli, a psicanálise de Sigmund Freud e a literatura de Arthur Conan Doyle. Tal método tratou de problematizar o modelo interpretativo, apresentando uma analogia ao comparar a história aos fios de um tapete, tecida em um emaranhado denso e homogêneo. A lógica da arte é verificável percorrendo o tapete em várias direções.

Em todo caso, essas formas de saber eram mais ricas do que qualquer codificação escrita; não eram aprendidas nos livros mas a viva voz, pelos gestos, pelos olhares; fundavam-se sobre sutilezas certamente não formalizáveis, frequentemente nem sequer traduzíveis em nível verbal; constituíam o patrimônio, em parte unitário, em parte diversificado, de homens e mulheres pertencentes a todas as classes sociais (GINZBURG, 1989, p.167).

Em suma, Ginzburg (1989) propõe vincular um método de conhecimento cuja a ação está na observação do pormenor que pode ser reconhecido, mais do que apenas uma inferência sobre algum ponto de vista investigativo. O paradigma indiciário apresenta um método que vem a corroborar com o caminho a ser percorrido com o olhar apurado e sensível, no qual o perfil científico procura mais do que apenas coincidências biográficas.

No momento contemporâneo em que se destacam diversas possibilidades na obtenção e análises de dados pessoais, sociais e históricos relacionados e inseridos em novas fontes de mídias digitais surgem novos formatos, tanto nos indícios e fatos a serem analisados, quanto no armazenamento da memória.

Para Nora (1993, p.17), “o que nós chamamos de memória, é de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de lembrar”. Tal autor, estabelece o conceito de “lugar de memória” para designar monumentos, arquivos e pontos turísticos que passaram a ser supervalorizados pela sociedade em detrimento de uma memória contada com detalhes das lembranças e histórias de vida.

Podemos inferir que, atualmente, as plataformas digitais tornaram-se exemplos desses ‘locais de memória’, pois permitem, de qualquer parte do mundo, a consulta, o arquivamento, a divulgação da história e de novos lugares de memória. Dessa forma, os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos” (NORA, 1993, p.13). Esse conceito corrobora com o que Pollack (1989, p.4) chamou de “trabalho de constituição e de formalização das memórias”. Segundo o autor, para que nossa memória se beneficie da dos outros, não basta que ela nos traga apenas o testemunho, mas sim que encontre muitos pontos de convergência entre aquilo que queremos afirmar e as memórias de nossos testemunhos. Somente a partir do encontro dessas memórias compartilhadas e que dão certa identidade ao grupo se torna possível reconstruir o passado sobre uma base comum.

Fontes históricas sobre os mais variados temas e períodos estão hoje extensivamente disponíveis nas mídias e plataformas digitais, anotações são substituídas por câmeras digitais e scanners. Historiadores interagem em âmbito global entre si, com alunos e com o público em geral trocando e-mails, postando em redes sociais – algumas delas criadas especificamente para uso de acadêmicos – e realizando videoconferências. Neste contexto, a construção de sites e blogs, a divulgação de vídeos didáticos e podcasts passam a ser instrumentos cada vez mais relevantes de divulgação científica e de história pública (FORTES; ALVIM, 2020). É preciso considerar que a história digital “não é feita apenas pela utilização de novas ferramentas digitais que facilitam as velhas práticas”, mas que “trata-se também do desenvolvimento de uma relação estreita com as tecnologias suscetíveis em modificar os próprios parâmetros da pesquisa” (NOIRET, 2015, p.33).

Com esses instrumentos, pesquisadores passaram a poder explorar objetos de estudo que cobrem décadas ou mesmo séculos, relacionando-os sob diferentes tipos, formatos e suportes tais como imagens, vídeos, gráficos, diagramas e mapas. As muitas técnicas digitais atualmente disponíveis permitem também que informação ligada à micro-história esteja cada vez mais presente na investigação de problemáticas complexas (PUTNAM, 2016). Os pesquisadores buscam “identificar uniformidades e diferenças na experiência humana de forma a fazer comparações significativas no espaço e no tempo” (BOLDIZZONI, 2011). Tal tarefa pode ser facilitada pela digitalização e pelos novos formatos de bases de dados e plataformas digitais (MATEUS; VEIGA, 2020).

No que tange às implicações, ainda um tanto quanto nebulosas, do uso dos meios digitais e da internet para as modalidades possíveis de escrita da história, a maioria dos debates gira em torno da influência exercida pelos pressupostos da assim chamada “Web 2.0”, e englobariam “a transformação rumo à arquitetura hipertextual, a disponibilidade de fontes primárias e secundárias digitalizadas e a dimensão coletiva da produção histórica” (GALLINI; NOIRET, 2011, p.24).

O estudo enfoca a utilização cada vez mais comum de mídias e plataformas digitais como fontes documentais para a construção de biografias históricas, dentro de uma vertente chamada de história digital.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia adotada caracteriza-se pela abordagem qualitativa de natureza exploratória. Em relação aos objetivos classifica-se como uma pesquisa descritiva. Já em relação aos procedimentos metodológicos, classifica-se como bibliográfica e documental (PRODANOV; FREITAS, 2013).

Com o intuito de atender ao objetivo proposto neste estudo, ou seja, apresentar e analisar o vínculo e as contribuições que novas tecnologias digitais trazem na realização das biografias históricas, foram elencados dados bibliográficos extraídos de artigos, livros, teses e dissertações, encontrados em bases de dados tais como Periódicos Capes e Google Acadêmico, que atendam como descritores de busca os seguintes termos associados às categorias de análise: plataformas digitais, biografia histórica, história.

A fim de ilustrar a utilização e a importância das plataformas digitais como fontes de informação e confirmação de dados obtidos na história oral, sob a ótica do paradigma indiciário de Ginzburg, dados relacionados à da imigração holandesa para o Rio Grande do Sul obtidos por fontes orais (entrevistas)  foram confrontados e complementados com documentos disponibilizados no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) de forma online.

4 RESULTADOS E ANÁLISE

Os resultados e análises das memórias e fatos de vida documentados, oriundos das atuais tecnologias voltados à formação e representatividade da própria história, se tornam fundamentos oportunos no desenvolvimento e pesquisa voltadas à realização de biografias históricas.

A heterogeneidade dos dados passíveis de integrar um projeto no âmbito da história da construção exige um critério de seleção das fontes e uma ponderação de suas consequências no nível da análise.

Durante muito tempo, os historiadores pensaram que os verdadeiros documentos históricos eram os que esclareciam a parte da história dos homens de ser conservada, transmitida e estudada: a história dos grandes acontecimentos (vida dos grandes acontecimentos militares e diplomáticos, batalhas e tratados, a história política e institucional. A ideia de que o nascimento da história estava ligado ao aparecimento da escrita levava a privilegiar o documento escrito (LE GOFF, 2012, p.108).

Percebe-se que, com este pensamento, todos os momentos se tornam passíveis de estudos e registros, tudo é história. A cultura está presente ultrapassando gerações, utilizando-se de qualquer tipo de bem, seja material ou imaterial, que apresente de alguma forma a lembrança de um tempo vivido.

As atividades da nomeada “história pública digital” nos sites interativos da Web 2.0 favorecem um encontro direto com a história e as suas fontes. Nas exposições, nos museus e nos lugares “físicos” da memória, essas não se tornam interpretáveis para o grande público somente pela mediação dos historiadores, como também pelas mídias e plataformas digitais, interagindo diretamente com os indivíduos e seu passado (NOIRET, 2015).

As memórias de família, com materiais e fontes primárias antes descobertas em casa, podem ser hoje facilmente compartilhadas. Biografias podem, assim, escrever a história individual, que, por força das circunstâncias, carece de contextos narrativos e do necessário aprofundamento historiográfico. A atuação do pesquisador deve procurar garantir o devido distanciamento no confronto com o passado, além de gerenciar as coletas de documentos e informações, mediar, conectar comunidades e públicos diversos e encaminhar os novos conhecimentos sobre o passado por meio do potencial das tecnologias digitais.

A expansão na capacidade de processamento de dados e os avanços na computação gráfica tornaram mais fácil reproduzir as fontes históricas no ambiente computacional. Historiadores e historiadoras, dessa maneira, podem se esquivar da consideração a respeito da natureza diversa dos documentos que acessam online. E, do mesmo modo, quando abordam as fontes históricas online, são as questões da captura de informações, interrupção de sua volatilidade, além da atribuição de autenticidade, que se tornam suas preocupações.

Cabe ressaltar que, embora os acontecimentos já estejam estabelecidos no tempo e espaço históricos, cada pesquisador será conduzido a uma diferente leitura, a partir de suas vivências e contextos intelectuais do tempo presente, nos quais estão inseridos (DELGADO, 2010).

Quer se trate de documentos, conscientes ou inconscientes (traçados deixados pelos homens sem a mínima intenção de legar um testemunho à posteridade), as condições de produção do documento devem ser minuciosamente estudadas. O poder sobre a memória futura, o domínio de conservar, deve ser reconhecido e desmontado pelo pesquisador. O pesquisador deve ser capaz de avaliar a credibilidade do documento mas também desmistificá-lo (LE GOFF, 2012). “A crítica interna deve interpretar o significado dos documentos, avaliar a competência de seu autor, determinar sua sinceridade, medir a exatidão do documento, controlá-la através de outros testemunhos” (LE GOFF, 2012, p.112).

Para a compreensão da realidade, assim como a busca de dados seminais no caminho da imigração, Le Goff (2012, p.405) apresenta o instituto da memória individual como um campo importante na busca de lembranças para contar fatos e histórias: “A memória como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”.

O pensamento de Le Goff (2012) contribui para aprofundar a ideia de que a memória individual, acima de tudo é verdadeira. Aquilo que é contado ao entrevistador sobre os fatos, a partir das recordações do entrevistado parte de uma memória genuína. A realidade é que fica nebulosa, uma vez que os fatos contados muitas vezes podem ficar, segundo o paradoxo de memória e esquecimento, obscuros, necessitando de clarificações sob a observação de outros meios que auxiliem na construção histórica a partir do discurso apresentado.

Neste contexto. Ginzburg (1989) propõe vincular um método de conhecimento cuja a ação está na observação do pormenor que pode ser reconhecido, mais do que apenas uma inferência sobre algum ponto de vista investigativo. Sendo assim, o paradigma indiciário apresenta um método que vem a corroborar com o caminho a ser percorrido com o olhar apurado e sensível, no qual o perfil científico procura mais do que apenas coincidências biográficas.

Porém, ao registrar o passado de uma pessoa, também se preserva a memória do indivíduo inserido num coletivo, isto é, um ser singular que de alguma forma exerceu e contribuiu com sua atividade no ambiente social. Nesse contexto, Halbwachs (1990) estudou o conceito de memória coletiva. Para Halbwachs (1990, p.26), “nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós”.

A memória individual por si só já se torna um conceito sobre uma perspectiva da memória coletiva. O enfoque que sofre interferências a medida que as variáveis, de todos os tipos e lados, atuam sobre ela. Pode-se afirmar que é uma visão una mas que deste ponto de vista contam uma perspectiva da memória, um prisma da verdadeira história coletiva (HALBWACHS, 1990).

Sendo assim, a memória individual aproxima-se da memória histórica, já que o indivíduo quando busca acessar sua trajetória, busca nas reminiscências de terceiros, o entendimento do seu próprio passado. “Carrego comigo uma bagagem de lembranças históricas, que posso ampliar pela conversação ou pela leitura. Mas é uma memória emprestada e que não é minha” (HALBWACHS, 1990, p.54). De tal forma o autor defende que há dois tipos de memória: a autobiográfica e a histórica. A primeira se apoiaria na segunda, pois toda história de vida faz parte da história em geral. Mas a segunda seria, naturalmente, bem mais ampla do que a primeira (HALBWACHS, 1990, p.55).

Contribuindo com tal debate, Pollak (1992, p.203) sugere que os acontecimentos vividos, as pessoas e os lugares são os três elementos constitutivos da memória individual e coletiva. Além disso, ele expõe que a memória pode também prestigiar alguma lembrança em detrimento a outra. Ou seja, o que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização.

Cada vez mais temos necessidade de materializar nossas memórias em algum tipo de suporte. Esta prática se dá: primeiro pois é uma maneira da memória possuir forma e durabilidade que pode se tornar a própria história de quem a produziu; segundo porque a memória, quando materializada pode ser mostrada, compartilhada, com outras pessoas.

Se antes livros e documentos escritos eram os mais importantes suportes da memória e também do conhecimento, na contemporaneidade as plataformas digitais adquirem contorno semelhante. As plataformas digitais apresentam-se como uma categoria possível de fontes documentais para pesquisas históricas. Contudo, já na segunda década do século XXI, ainda são poucas as pesquisas históricas que utilizam a internet como fonte primária. Durante séculos, a historiografia baseou suas regras de validação de fontes e metodologia de análise em um suporte documental específico: o papel, o historiador deveria trabalhar, sobretudo, com documentos oficiais.

A discussão que se pretende instigar, deve considerar que as plataformas digitais não só facilitam o acesso à informação como também atuam na ressignificação das fronteiras de espaço e tempo. A informação disponível na web passa a ser acessível globalmente e os processos de busca podem ser acelerados e refinados. Conforme Canavilhas (2004), essa avalanche de informação representa uma “memória social, dinâmica, organizada e navegável”.

Joutard (2013) considera que as formas espontâneas de narração do passado nas plataformas digitais sejam apenas formas memoriais que nada tem a ver com a epistemologia da história por carecerem do distanciamento necessário à observação do fato histórico. A presença do passado nas plataformas digitais advêm da necessidade de reaproximar memórias tanto individuais quanto coletivas e comunitárias do passado local, regional e nacional em nossas sociedades globalizadas.

Já Geraldi (2010) descreve que um autor ao apresentar uma história, conta com um arcabouço de memórias e vivências que faz com que a história que é contada esteja aprofundada segundo os interesses daquele que a narra. Todos os fatos, leituras e análises “sempre” tem suas versões. É inescapável suprimir a opinião quando se pretende apenas descrever, até pela seleção lexical que nos acompanha.

Nessa perspectiva se percebe o desafio de discutir criticamente a produção dos diferentes discursos sobre o passado (sejam eles documentos, monumentos ou os mais diversos lugares de memória). Chartier (2002) corrobora com tal ideia quando afirma que há inúmeras possibilidades de leitura de um símbolo, afirmando que este nunca é “lido” de uma única maneira. Assim, na elaboração de biografias históricas, diferentes fontes podem interpretar fatos, documentos, fotografias e narrativas de maneira diversa.

A utilização de plataformas digitais configurou-se num movimento cultural tecnológico, evidenciando novas maneiras de trabalhar e se relacionar, como apontou Lévy (2010). Também trouxe a possibilidade de um novo espaço para a comunicação e expansão do conhecimento. Historiadores consideram tal movimento tecnológico não somente um novo paradigma historiográfico e um recente campo de estudo, mas também como uma nova metodologia para o exercício e prática dos historiadores no ciberespaço, que ao possibilitar uma ampla circulação e divulgação do conhecimento histórico, evidencia novas maneiras de diálogos entre a ciência histórica e a sociedade no tempo presente (LUCCHESI, 2014; CARVALHO, 2016).

Outro ponto a ser destacado baseia-se nas percepções do sociólogo Zygmunt Bauman acerca das relações virtuais. Segundo ele, “a internet ajuda a enfraquecer e tornar mais superficiais as relações laboriosamente construídas na vida real off-line;” (BAUMAN, 2011, p.34). Certamente as informações virtuais não substituem a presença física e impõem limites a inúmeras práticas, dentre elas, as interações em entrevistas para construção das biografias históricas. No entanto, se como afirmou Bauman, a pós-modernidade e sua liquidez caminhem em prol do afrouxamento e da plasticidade das relações humanas, quando em meio a um processo histórico em que a presença física é, em grande medida, impossibilitada, o virtual se constitui como elemento de aproximações e como um consolidador redes, contatos, narrativas e atividades.

Com o surgimento da Web 2.0, a história e a memória não se mantiveram mais como prerrogativas apenas da comunidade científica acadêmica. Por intermédio das práticas de escrita participativa ou mesmo diretamente, qualquer pessoa pode se dedicar à descrição e reconstrução do passado nas plataformas digitais. O recurso a uma espécie de saber comunitário, à participação pública na internet, vêm sendo nomeado de crowdsourcing.

Tal termoilustra as várias formas e os diversos tipos de conteúdos de trabalho colaborativo em que os saberes e fatos históricos fazem parte de uma gestão integrada dos conteúdos digitais por parte de quem tenha a possibilidade e o conhecimento para assim atuar. Observa-se assim o surgimento de uma narrativa histórica praticada de forma interativa por todos, e não mais limitada à atividade dos historiadores acadêmicos (NOIRET, 2015).

As memórias biográficas anteriormente obtidas através de documentos e fontes primárias descobertas em casa, podem hoje facilmente ser compartilhadas. Muitas vezes essas memórias narradas nas plataformas digitais carecem de contexto narrativo e do necessário aprofundamento historiográfico. Garantir o devido distanciamento no confronto com o passado, gerenciar essas coletas de documentos, mediar, conectar comunidades e públicos diversos, encaminhar novos conhecimentos sobre o passado por meio do potencial das plataformas digitais faz do pesquisador um intermediário necessário, a fim de enquadrar cientificamente o trabalho de coleta de documentos e gerir novos arquivos disponíveis nas plataformas digitais.

Uma vez que as entrevistas da história oral com o objetivo de construção de biografias históricas se constituem de relatos individuais acerca de um tema objeto de pesquisa possuem uma coerência de projeto, ou seja, uma estrutura bem definida e investigada entre entrevistador e entrevistado, as memórias obtidas nas plataformas digitais muitas vezes apresentam-se isoladas, fragmentadas, não reconduzidas a um tema que poderá se beneficiar da atividade interpretativa e crítica do historiador (LUCCHESI, 2014).

A fim de reagrupar as informações obtidas em torno a temas comuns, origem geográfica, grupo social ou idade, bem como criar arquivos confiáveis do ponto de vista de que a um projeto historiográfico, tem-se como alternativa a aplicação do paradigma indiciário de Ginzburg, em que se avalia as minúcias das informações encontradas.

Van Dijck (2007) observa que o “digital” intervém em nossas memórias pessoais já a partir do surgimento das máquinas digitais, uma vez que alteravam o modo pelo qual o indivíduo via seus arquivos e memórias pessoais, classificando, catalogando, selecionando e contextualizando seu passado em função de comunicá-lo a terceiros.

A partir de dados obtidos em entrevistas, sob a metodologia da história oral,  com familiares de imigrantes holandeses, obteve-se a informação de que tais imigrantes vieram para o Brasil de navio no ano de 1908. Já, em uma pesquisa no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN), observa-se que em 1908 há registros de três navios a vapor que partiram do porto de Amsterdã: Amstelland, Rynland e Zeeland. Estes navios realizaram a rota da Holanda para o Brasil, especificamente para o Rio de Janeiro, para a chamada Hospedaria da Ilha das Flores, quinze vezes nesse período.

As informações pesquisadas sobre os imigrantes que pisaram em solo brasileiro, mostram que eles são originários dos seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Hungria, Inglaterra, Itália, Japão, Polônia, Portugal, Rússia e Suíça.

Estas informações apresentam-se pertinentes, visto que, segundo os relatos verbais colhidos. Porém , tais relatos verbais não esclarecem com seus pormenores a data correspondente da viagem e chegada ao Brasil. No SIAN, há o registro do “Movimento do Navio Amstelland”, com procedência do porto de Amsterdã, com saída da Holanda no dia 8 de setembro e com data de entrada no Brasil em 1º de outubro de 1908, perfazendo um período de 23 dias de viagem.

Outros fatos narrados nas entrevistas foram confirmados e detalhados com minúcias nos registros e documentos de navegação, como as informações de que informam que o navio trazia 108 imigrantes subsidiados, sendo 38 de origem alemã, 36 russos e 34 de 6 diferentes famílias de holandeses. Também manifesta que “De toda essa gente parecem agricultores somente a famílias holandesas, as demais não teem geitos disso e de resto isso mesmo declaram”.

Essa atenção interativa que as plataformas digitais assumem em confronto com documentos e memórias “físicos” de nosso passado individual, permitiu o advento de formas de interação inovadoras entre as memórias individuais e coletivas, criando novas fontes digitais para a história oral, em especial as biografias históricas, apresentando novos contextos nos quais analisar as trajetórias de vida.

Utiliza-se atualmente as mídias e plataformas digitais para suprir para coletar as memórias dispersas no tempo e no espaço e os testemunhos de comunidades não presentes fisicamente. De fato, o digital permite superar as barreiras espaço temporais para conectar públicos e interlocutores “semelhantes”, favorecendo assim o transnacional, o global e a comparação das diversas realidades locais (NOIRET, 2015).

Tal teia gigantesca desfaz pontos fixos ou limites predeterminados para o tráfego de dados e imagens; não há centro nem periferia, e sim entrelaçamentos de percursos. As fronteiras entre quem emite e quem recebe podem tornar-se fluidas e instáveis. Os usuários têm a chance de atuar, simultaneamente, como produtores, emissores e receptores, dependendo de lastros culturais e habilidades técnicas. A colagem de interferências individuais põe em circulação ideias e conhecimentos, sem as noções de seleção e estratificação que condicionam os processos midiáticos (MORAES, 2007, p.2)

A história digital remodelou a biografia histórica e os instrumentos usados para o acesso à documentação, bem como para armazená-la e tratá-la. Porém, o uso crítico desses instrumentos é primordial para que as várias formas de narrações do passado, em formato digital, possam ser fidedignas na escrita e na reinterpretação dos fatos e documentos coletados através dessas novas práticas digitalizadas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo busca pensar a biografia histórica a partir das novas tecnologias fundamentadas sob o panorama das plataformas digitais. Tais tecnologias podem ser vistas como um incentivo a pensar a condição do ser, do indivíduo num panorama social e digital, que participa eminentemente na elaboração do encadeamento histórico.

O tema deste artigo compreende os significados, enunciações e dicotomias existentes, assim como as perspectivas dos discursos culturais, passíveis de observação nas relações diretamente relacionadas à biografia histórica, na contemporaneidade da história digital: a busca ao passado sob a ótica dos novos recursos de armazenamento das memórias individuais. O texto expressou um diálogo com os fundamentos que definem a memória de uma biografia histórica na era digital, bem como apresentou como essas novas tecnologias e a história digital, vem ao encontro de uma construção da história de vida e seu contexto.

A problematização a ser analisada aprofunda-se em como os pesquisadores em meio aos novos conceitos de preservação de conteúdo, sob o domínio das plataformas digitais, desenvolverão e fundamentarão consultas para o desenvolvimento de pesquisas para o fim de biografias históricas: em que medida as memórias da história de vida, ou seja, a pesquisa histórica podem dialogar com as novas fontes digitais (plataformas digitais) na geração e orientação de dados destinados à realização de biografias históricas?

Considerando os aspectos justificados, o objetivo geral deste estudo foi apresentar e analisar o vínculo e as contribuições que novas tecnologias digitais trazem na realização das biografias históricas, ou seja, na memória das trajetórias e histórias de vida. Relatar os caminhos e conexões possíveis entre a produção da biografia histórica e as novas tecnologias digitais, assim como apresentar as principais contribuições e desafios da utilização de novas tecnologias digitais frente a coleta e análise de dados, segundo o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg.

Com a necessidade de conservação das memórias como suporte para a história, as plataformas digitais apresentam-se como um meio, uma fonte documental, para pesquisas históricas.

Seja por meio digital ou não, o conceito de memória parte de uma premissa de que a verdade prevalece. Tudo o que é posto, a partir das memórias e recordações, é genuinamente verdadeiro. O pesquisador deve ter a audácia e o domínio de desmistificar sobre a memória futura, a credibilidade do documento seja de onde for, de onde prover, sendo de mídias digitais ou não. A interpretação e significado dos documentos assim como avaliar a competência de seu autor, determinar sua sinceridade, medir a exatidão do documento, controlar através de outros testemunhos, são sim atributos necessários do pesquisador.

Outra importante consideração é garantir o devido distanciamento no confronto com o passado. Gerenciar as coletas de documentos e informações, mediar, conectar comunidades e públicos diversos, encaminhar os novos conhecimentos sobre o passado por meio do potencial das tecnologias digitais com uma erudita visão técnica se tornam fundamentais.

Todos os momentos se tornam passíveis de estudos e registros, tudo é história. A cultura está presente ultrapassando gerações, utilizando-se de qualquer tipo memória, seja material ou imaterial, apresentando lembranças de um tempo vivido que sob as lentes do pesquisador devem serem apuradas.

O ciberespaço, as redes sociais e as plataformas digitais fazem parte do conjunto dessas novas ferramentas, que embora possuam seus problemas e limitações, ainda assim abrem um leque de novas possibilidades para a ciência histórica.

A história contada a partir da memória que foi documentada nas mídias digitais, hoje, é uma realidade. Esta nova forma de preservar memórias, mesmo sendo colocada a prova da verdade, é e deve ser continuamente estudada e contestada. A evolução dos meios de armazenar e relatar a memória e a história continuam em perene evolução. É neste viés que as novas ferramentas que surgem devem passar por críticas e crivos de especialistas para não nos deixarmos cair em falácias de preservar para futuras gerações aquilo que não é real.

Este artigo traz apenas um esboço preliminar, pois os conceitos abordados podem e devem ser explorados com maior complexidade e temporalidade, por toda e qualquer área do saber, já que são atuais e necessários em manifestações que abordem o tema proposto.

O caminho da memória permanecerá sempre aberto às novas e contemporâneas experiências. A história, em todos os sentidos e possibilidades, deve ser frequentemente interpelada de sua veracidade a fim de preservar os reais acontecimentos daquilo que foi realmente vivido. O futuro da humanidade depende do transporte das memórias do passado que na história encontra e permite a evolução.

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²Universidade FEEVALE, Programa de Pós-graduação em Processos e Manifestações Culturais, Novo Hamburgo, RS, Brasill