REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11211141
Ariana Monteiro Pacó1
Queren de Lima Castro2
Taysa Cavalcante Rodrigues3
Resumo
O presente artigo tem o objetivo explicitar a realidade do profissional assistente social atuando no âmbito sociojurídico, considerando o ponto de vista da sociedade em fazer julgamentos não fundamentados quanto às penitenciárias serem apenas “escolas do crime”, caracterizando o sistema penitenciário de Manaus – AM (Brasil), além dos ditos projetos ressocializadores, trazendo um foco principal para o programa “Trabalhando a Liberdade”, programa esse que visa a reintegração à sociedade através da laborterapia, além de destacar também o assistente social como um agente de ressocialização, segundo o estipulado na LEP, atuando junto à uma equipe multidisciplinar, e embasado no Código de Ética do Serviço Social. O artigo constitui-se em uma pesquisa bibliográfica e documental, elaborada a partir do interesse pela temática após experiência em campo de estágio. Durante o período de observação notou-se a importância da equipe de Serviço Social frente ao enfrentamento da expressão da questão social que se caracteriza pelo encarceramento, posto que, em situação de ergástulo apenas o direito à liberdade foi perdido.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social no sistema prisional; Ressocialização; Lei de Execução Penal.
Abstract.
The present article aims to elucidate the reality of the social worker operating in the socio-juridical sphere, considering society’s tendency to make unfounded judgments regarding prisons being mere “schools of crime,” characterizing the penitentiary system of Manaus – AM (Brazil), in addition to the so-called resocialization projects. It brings a primary focus to the “Working for Freedom” program, which aims at reintegrating individuals into society through occupational therapy, while also highlighting the social worker as a reintegration agent, as stipulated in the LEP, working alongside a multidisciplinary team and guided by the Code of Ethics of Social Work. This article constitutes a bibliographic and documentary research, developed from an interest in the subject after field internship experiences. During the observation period, the importance of the Social Work team was noted in addressing the expression of the social issue characterized by incarceration, as only the right to freedom is lost in situations of imprisonment.
KEY WORDS: Social work in the prison system; Resocialization; Criminal Execution Law
1. INTRODUÇÃO
Neste artigo será abordada a temática sobre o sistema penitenciário no estado do Amazonas, com foco nas unidades para apenados do sexo masculino. De acordo com o banco de dados do site World Prision Brief 4 (2022), da Universidade de Londres, o Brasil ocupa o 3° lugar no ranking de maior população carcerária mundial, com 650.822 presos. Ficando atrás apenas da China, que ocupa o 2º lugar e Estados Unidos da América, ocupando o 1º lugar.
O intuito desta pesquisa surge a partir das problemáticas vistas e vivenciadas pelas estagiárias de Serviço Social dentro da Unidade Prisional do Puraquequara, em Manaus – AM. Em lócus de estágio, foi observada a dinâmica de atuação das assistentes sociais na unidade, como funciona suas rotinas de atendimento individual aos ergastulados e com os familiares, além de conhecer a realidade do sistema carcerário e os desafios enfrentados pelos profissionais.
Deste modo, com base na experiência adquirida, notou-se o escasso conhecimento da sociedade acerca da temática, haja visto que, as penitenciárias são subjugadas somente como grades para reclusão temporária, além de serem entendidas como “escolas do crime”, de acordo com Souza (2014).
O objetivo geral desta pesquisa apresenta-se com a intencionalidade de desmistificar os serviços aplicados no espaço prisional e a relevância da ação dos/as assistentes sociais no cumprimento da Lei de Execução Penal (LEP). Quanto aos objetivos específicos, iremos contextualizar a execução das Unidades Prisionais a nível estadual e municipal; caracterizar os programas de ressocialização existentes nas Unidades Prisionais do Estado do Amazonas; pontuar de que forma o Serviço Social colabora na promoção da ressocialização dos apenados.
A elaboração deste artigo científico adota como método o materialismo dialético, abordagem marxista, que de acordo com Lakatos e Marconi (2003, p. 106) caracteriza-se na conduta “que penetra o mundo dos fenômenos através da sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade”.
Enquanto abordagem metodológica foi realizada pesquisa bibliográfica, utilizando-se de materiais já publicados anteriormente. Segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 183), essa modalidade de pesquisa tem a finalidade de “[…] colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto”. Também foi realizada uma pesquisa documental, que de acordo com Gil (2002, p. 51) caracteriza-se por “[…] materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa”. Neste estudo, a pesquisa documental foi elaborada com base em artigos já publicados, com extensa pesquisa, análise de dados e relatórios de segunda mão disponibilizados por fontes digitais pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (SISDEPEN).
No primeiro momento da pesquisa, será retratado sobre o contexto histórico dos primeiros atos punitivos até o encarceramento como conhecemos hoje e o trajeto do Serviço Social no sistema prisional, desde que o assistente social passou a atuar na esfera sociojurídica na década de 1940 até os dias atuais. Quanto à delimitação regional da pesquisa, terá seu enfoque na contextualização sobre o sistema penitenciário na cidade de Manaus – AM, caracterizando assim as unidades existentes na cidade e o público nela recluso.
Em um segundo momento será explanado quanto aos programas e projetos existentes nas unidades prisionais do Amazonas, voltados para a ressocialização e consequente remição de pena. Trazendo ênfase ao programa “trabalhando a liberdade”, tendo como principal função a redução de pena pelo trabalho, remuneração e fuga do ócio, além de ser apresentado como uma estratégia para diminuição dos altos índices de reincidência.
Na terceira parte será exposto sobre o assistente social como agente de ressocialização, especificando como funciona sua atuação dentro das unidades prisionais de acordo com o código de ética da profissão e a LEP, além de explicitar quais as demandas do dia a dia.
A relevância social deste artigo científico difunde-se como maneira de desvelar o real cerne do sistema carcerário no Amazonas, de acordo com Cid Filho (2021, l. 10), “[…] as políticas aplicadas aos internos não sejam efetivas, assim como a maioria das pessoas não conhecem ou sabem quantas unidades prisionais existem na cidade […]”, além de não compreenderem como de fato é a realidade dos espaços penais.
Por fim, quanto à relevância acadêmica, foi observado que este tema é pouco discutido entre os discentes de serviço social, então agregará na forma de ampliar os conhecimentos acerca de como o assistente social atua no âmbito prisional, haja vista que o referido assunto é mais comumente discutido nas áreas do Direito.
2. SERVIÇO SOCIAL NO SISTEMA PRISIONAL
O processo de atuação do Assistente Social no sistema prisional, vem do contexto histórico do Serviço Social no campo sociojurídico, de como foi a evolução dos atos punitivos para as pessoas que cometiam delitos, até concluir-se no fator aprisionar como penitência e de como surgiu a ideia de ressocialização como forma para coibição dos altos índices de criminalidade.
A priori, segundo as autoras Queiroga e Figueiredo (2023), aprisionar os indivíduos como forma de puni-los por seus atos, teve sua origem na Idade Média, mais especificamente na região da Europa. Anteriormente a este período histórico, a privação de liberdade já era um feito costumeiro dos povos antigos, como por exemplo, o que os povos egípcios faziam por volta de 1.700 a.C., os mesmos deixavam seus detentos reclusos em cativeiros e praticavam os mais diversos tipos de tortura realizados como forma de custódia, até a sentença ser decretada.
O cárcere na Idade Média (476 A.C e 1453) era usado como um local de custódia que mantinha os malfeitores como garantia no cumprimento das sanções, onde seriam submetidos aos castigos corporais e penas de morte, e não havia também um lugar semelhante a uma arquitetura penitenciária própria (Queiroga e Figueiredo, 2023, l. 5).
Após muitos anos seguidos de suplício como forma de punição, foi-se questionado qual a finalidade de tal barbárie. De acordo com análises de Bittencourt (2011, p. 60-61), a reforma dos atos punitivos até chegar na privação de liberdade, tiveram suas influências baseadas na religião, pois suas ideologias eram mais adequadas para “instruir e moralizar o delinquente” e o objetivo da privação de liberdade se deu pois “o isolamento favorece a reflexão e o arrependimento”.
Foucault (1987, p.15), relata como foi se extinguindo as formas cruéis de punição:
[…] o chicote ainda permanecia em alguns sistemas penais (Rússia, Inglaterra, Prússia). Mas, de modo geral, as práticas punitivas se tornaram pudicas. Não tocar mais no corpo, ou o mínimo possível, e para atingir nele algo que não é o corpo propriamente. Dir-se-á: a prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão de forçados, a interdição de domicílio, a deportação — que parte tão importante tiveram nos sistemas penais modernos.
Conforme Manganeli (2023), no Brasil, as primeiras casas de correção foram criadas no Rio de Janeiro, por volta de 1976 com a Carta Régia, os detentos eram privados de sua liberdade e tinham que realizar trabalhos braçais, como forma de punição, “o dia 6 de julho de 1850, aconteceu a inauguração desta que foi considerada a primeira prisão do Brasil” (Manganeli, 2023, p.11). Quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, as penitências ficavam à mercê das ordenações das Filipinas e até o século XIX, ainda não havia um Código Penal. O primeiro Código Penal foi criado em 1830, que vigorou até 1890, quando foi substituído pelo Código Penal Republicano.
O Código Penal Republicano, de 1890, foi uma tentativa de modernização e racionalização do sistema penal brasileiro. Ele introduziu novos princípios, como a igualdade perante a lei e a proporcionalidade das penas, e aboliu práticas de punição cruéis e desumanas, como a tortura e a pena de morte (exceto em casos de guerra) (Pontes, 2024, l. 2).
Com a criação e implementação da LEP, houve mudanças significativas nas formas do cumprimento de pena, não sendo mais somente o ato de punir, mas sim de buscar formas humanizadas de reintegração desses cidadãos à sociedade.
As instituições penais no Brasil colonial, assim como na América espanhola, existiam para punir e isolar […] Um novo código criminal e a legislação correspondente limitaram o poder arbitrário da polícia e tentaram implementar uma nova concepção de punição estatal que tinha por objetivo final a reintegração do criminoso recuperado à sociedade (Maia, 2017, p. 06).
O profissional assistente social começou a atuar na esfera sociojurídica na década de 1940, e passaram a atuar no setor de Juizado de Menores do Estado de São Paulo, atual Vara da Infância e Juventude (Iamamoto e Carvalho, 1991). Contudo, a atuação nos espaços penais surgiu apenas após a aprovação da LEP, Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, onde foram previstas as competências do assistente social nas unidades prisionais.
O Art. 22 da LEP diz que: “A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade” (Brasil, 1984). Vale pontuar que, ao tratar-se da fundamentação histórica do Serviço Social, sempre retornaremos ao pontapé que o Serviço Social iniciou sua profissão através da classe dominante, realizando apenas funções filantrópicas e somente após anos de lutas para a quebra de ruptura com o conservadorismo é que o assistente social pôde inserir-se nos mais diversos campos de atuação. Segundo Viana, Carneiro e Gonçalves (2015, l. 5):
[…] a intenção de ruptura, esta almejava romper totalmente com o Serviço Social tradicional, propunha uma quebra quer com seus procedimentos metodológicos, ideológicos e teóricos, com o seu conservadorismo, a tradição positivista.
No que se refere à contemporaneidade, o assistente social nos espaços penais encontra-se à serviço do Estado, com o dever de contribuir na ressocialização dos apenados. Como sabemos, sua atuação é regulamentada pelo Código de Ética, onde estão previstos artigos que dissertam sobre seus direitos e deveres enquanto profissional, além de dar ênfase às penalidades no caso de descumprimento deste. Tendo isso em vista, destacamos que um dos seus principais deveres profissionais, está na garantia e luta pela efetivação de direitos dos usuários com base nas legislações do país, e acima de tudo, a defesa intransigente dos direitos humanos.
Dentro deste contexto, os Assistentes Sociais que devem pautar sua atuação na defesa intransigente dos direitos humanos, a recusa do arbítrio e autoritarismo, assim como o posicionamento em favor da equidade e justiça social, conforme consta em nosso Código de Ética Profissional, pois o ambiente prisional deve oferecer ao apenados condições dignas de cumprimento da sentença e o Estado deve promover a reinserção social do apenado (Alves, Barroso e Cardoso, 2017, p. 91).
Ainda no contexto do atual cenário do sistema prisional, o profissional de Serviço Social depara-se com diversos desafios, inclusive para posicionar-se frente às gestões autoritárias, em benefício da efetivação de seu dever ético-político e para afixar a importância de sua atuação para os usuários encarcerados. Nesse sentido, ainda abordando na visão de Alves, Barroso e Cardoso (2017, p. 91):
[…] sabemos que o sistema penitenciário trata-se de uma instituição bastante conservadora e que busca atender aos interesses da burguesia, portanto ainda que os direitos estejam garantidos nas leis de nosso país, constantes são as violações dos direitos dos presos.
Com a recente pandemia da Covid-19, o Serviço Social nas Unidades Prisionais do Amazonas, passaram a realizar atividades apenas em prol de mutirões de ligação para os reeducandos que ali se encontravam, considerando a portaria interna de n° 112/2020 – GAB/SEC/SEAP, que instituiu em seu Art. 1° “Suspender as visitas e parlatórios em TODAS as unidades Prisionais subordinadas a esta SEAP […] visando a proteção dos Servidores, dos Reeducandos, dos Familiares e dos Visitantes […]”, e em seu art. 2° “Estabelecer a realização das visitas por meio de chamada de vídeo […]”. Apesar de ser um direito do reeducando, a categoria de profissionais encontrou-se entrelaçada à este serviço, tendo suas atividades apenas voltadas para realizar ligações e encontrando ainda dificuldades nos meios de comunicação para efetivar tal demanda.
Ainda sobre esse contexto, o Conselho Federal de Serviço Social – CFESS (2020), publicou uma entrevista realizada com a profissional Reijiane Cristine, com a temática “Coronavírus: e quem trabalha no Sistema Prisional?”, onde foi abordado acerca da atuação do assistente social em tempos pandêmicos, a entrevistada apontou que:
Os atendimentos da equipe técnica (assistentes sociais e psicólogos/as) são mais exigidos, pois precisam de notícias de familiares. As informações que chegam, nas unidades prisionais, é que muitas pessoas estão doentes, e outras foram a óbito, uma situação de guerra. As dificuldades de não ter uma comunicação eficaz (telefone, celular) prejudica ainda mais o nosso trabalho.
Com isso, os reeducandos que são de regime provisório, tendo sua estadia rotativa, procuram o serviço social apenas como um setor para fazer intermediação com seus familiares e amigos, e devido a alta demanda de atendimentos, o seu contato com o serviço torna-se limitado e demorado, pois todos os ergastulados devem ter atendimento, como já prevê o Decreto 11.843 de 2023, em seu art. 2°, “[…] após qualquer período de permanência no sistema penitenciário, mesmo em caráter provisório, necessite de atendimento no âmbito das políticas públicas, dos serviços sociais ou jurídicos, em decorrência de sua institucionalização”.
Concordamos com Santos (1987, apud Conceição, 2019 p. 63-64), quando retrata que:
A clientela, que sempre viu o Assistente Social como a pessoa que resolvia seus problemas e os de seus familiares, após ter satisfeito sua necessidade imediata, não mais procurava o serviço. Também não era mais procurado porque havia centenas de internos à espera de um atendimento.
Destarte com relação às retratações citadas nos parágrafos anteriores, fica ao ergastulado a dificuldade de reconhecer a importância do serviço social, como profissional viabilizador de direitos, sucedendo assim, um serviço mecânico e quantitativo.
2.1 O SISTEMA PRISIONAL DE MANAUS – AM
O sistema carcerário em Manaus – AM, segundo dados disponibilizados pela Secretaria de Políticas Penais (SENAPPEN5), atualmente conta com 6 (seis) unidades prisionais, sendo 1 (uma) unidade destinada à ergastulados que cumprem pena em regime fechado, 4 (quatro) que abarcam custodiados do regime provisório, e 1 (um) que atende as detentas do sexo feminino6, sendo para cumprimento de pena em regime fechado e para reclusão em regime provisório.
A capital amazonense teve sua primeira instituição penal em 1906, 78 anos antes da promulgação da Lei de Execução Penal (instituída em 1984), de acordo com registros da SEAP (2017), a Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa foi a primeira unidade prisional do Estado do Amazonas, tendo 111 anos de história e se tornando patrimônio histórico amazonense7, custodiava presos em regime fechado e provisório, tendo sua construção iniciada em 1904 e concluída em 1906, mesmo ano de seu tombamento histórico. Teve sua desativação concretizada em outubro de 2016, entretanto, no início de janeiro de 2017, precisou ser reativada para transferência imediata de presidiários ameaçados devido às rebeliões nas demais unidades prisionais da cidade.
A justificativa dada pelo secretário com mandado em 2017, Cleitman Coelho, para reativação dessa unidade prisional foi com foco na preservação da integridade física dos apenados, alegando que “uma das metas principais da secretaria era preservar a vida dos presos que foram transferidos de volta para o Centro de Manaus, buscando alternativas para que a desativação definitiva ocorresse.” (SEAP, 2017, l. 01).
Em 19858, foi criada a Casa do Albergado sendo uma unidade destinada para os presos em cumprimento de pena em regime aberto ou com liberdade limitada aos fins de semana. Segundo a fonte oficial da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (2002, p. 01), a casa do albergado “caracterizar-se-á pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga”.
Enquanto unidade para cumprimento de pena em regime fechado, o atual Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), foi inaugurado em 1982 como Colônia Agrícola Anísio Jobim (CAIAJ). No ano de 1999, passou por processos de reformulação para o modelo atual, para que pudesse agregar os ergastulados do referido regime penal (SEAP, c2012).
Enquanto unidade para presos em regime provisório9 de pena, o Instituto Penal Antônio Trindade, segundo o site da SEAP, foi inaugurado em 2006, com estrutura de segurança máxima com capacidade para 496 presidiários e foi construído com o intuito de amenizar a superlotação das duas únicas unidades existentes à época.
A Unidade Prisional do Puraqueaquara (UPP), foi inaugurada em 2002, é a única unidade da capital que fica localizada na zona leste da cidade, as demais ficam localizadas na BR 174 – Km 08. A UPP é uma unidade, oficialmente, de regime provisório, os sites oficiais da SEAP não abrangem muito quanto ao seu histórico de criação, tampouco quanto a sua capacidade para presidiários, entretanto de acordo com o 15° ciclo de dados estatísticos do SENAPPEN, o quantitativo com data de referência em 31/12/2023 era de 870 ergastulados, sendo estes, 529 em regime provisório e 341 em regime fechado.
Inaugurado em 2011, o Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM I), é uma unidade de regime provisório contando com 568 vagas, dispondo de detento à espera de julgamento.
Já o Centro de Detenção Provisório II (CDPM II), é a unidade mais recente construída da cidade, inaugurada em 2017, meses após a rebelião do dia 1° de janeiro daquele ano. De acordo com o site da SEAP, o CDPM II é uma unidade com novo modelo de gestão, possuindo espaço para tratamento de ergastulados com dependência química. A secretaria aponta que esta unidade dispõe de 571 vagas e o descreve como “[…] um presídio modelo de gestão, adotando procedimentos mais rígidos de triagem dos presos”. Além disso, a unidade possui uma estrutura diferente das demais” (SEAP, c2012).
Segundo dados do SISDEPEN, em 2023, o Brasil chegou ao marco de 650.822 pessoas em situação de privação de liberdade, somando com os ergastulados das unidades prisionais destinadas ao público feminino e masculino e cumprindo pena em regimes provisórios e fechados. Nos gráficos abaixo, serão apresentados comparativos do quantitativo de população carcerária na esfera estadual e municipal.
A seguir, é apresentado o gráfico que mostra a distribuição da população carcerária do Amazonas, nos presídios da capital e dos interiores. Ressalta-se que, no Estado, o número total é de 5.095 presos.
Fonte: Pacó e Castro, 2024.
O quantitativo de presos retratados no gráfico acima, elaborado pelas acadêmicas, é baseada nas estatísticas disponibilizadas pelo banco de dados do SISDEPEN, atualizado em 31/12/2023. Nos presídios de Manaus (capital), somam-se 4.440 reclusos, enquanto nas unidades prisionais do interior, o quantitativo é de 665 presos. Destaca-se que dos 61 municípios localizados no interior do Amazonas, apenas 07 (sete) possuem penitenciárias, sendo estas situadas em Coari, Humaitá, Itacoatiara, Maués, Parintins, Tabatinga e Tefé. Observa-se que uma quantidade significativa da população carcerária está concentrada na capital, resultando na superlotação dos presídios e por consequência, nas condições precárias e desumanas fornecidas aos reeducandos que ali se encontram.
Fonte: Pacó e Castro, 2024.
O segundo gráfico dispõe do quantitativo de ergastulados em cumprimento de pena em regimes provisório e fechado na cidade Manaus e interiores do Estado. O quantitativo quase equipara-se quando colocamos os números lado a lado, entretanto, é possível notar que a parte representada em azul escuro, corresponde aos presídios localizados nos municípios do interior, e que uma grande parte dos presos do interior estão em institutos penais de regime provisório, enquanto na capital a maioria dos reeducandos cumprem pena em regime fechado. Ou seja, parte dos presos do interior ainda estão aguardando sentença de pena.
3. PROJETOS RESSOCIALIZADORES
As unidades prisionais em Manaus – AM, juntamente à Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP), contam com a elaboração e implementação de projetos ressocializadores que além de visar a redução de pena dos custodiados sentenciados, visam também a redução do tempo ocioso e ampliação de conhecimentos básicos e estímulos à novas habilidades. Conforme relatado pelo coronel da SEAP, Paulo César Gomes (2022, l. 01):
“Ressocialização nada mais é que aplicarmos uma forma, algum programa de capacitação, treinamento, de leitura, que fizesse com que o preso se tornasse digno de retornar a sua atividade junto à sociedade. […] No passado não acreditavam no sistema prisional, na dinâmica de trabalho e na possibilidade de retornarem à sociedade como pessoas capacitadas. Hoje, ele consegue emprego do lado de fora com a cabeça erguida, pois hoje ele pode dizer: – Eu sou um profissional do trabalho”.
Atualmente existem alguns projetos/programas, dos que são relacionados a medidas socioculturais são: o “Remicine”10 que tem como objetivo apresentar formas alternativas de aprendizagem através de filmes; O “Harmonizar” é um projeto de iniciação musical, onde é ofertado ensino de músicas através de instrumentos como violão, bateria e teclado, sendo um meio de inclusão sociocultural.
Já aqueles que são socioesportivas, cujo foco é a forma de promoção de saúde e bem estar, podemos citar os programas “medida certa” e o “bola pra frente”. O “Medida Certa” conta com aulas de zumba voltadas à comunidade LGBTQIA+, e outras atividades físicas direcionadas aos reeducandos que sofrem com diabetes, hipertensão, obesidade ou são idosos. Enquanto o “Bola ‘pra’ Frente”, tem como objetivo principal a remição de pena através de esportes, tais como futsal, xadrez e ping-pong.
Visando a garantia do direito à cidadania, o projeto “Interno Cidadão” viabiliza, juntamente ao Departamento de Reintegração Social e Capacitação (DERESC), a emissão de documentos de Registro Geral (RG), certidão de nascimento e reconhecimento de paternidade. O acesso à cidadania abre portas para outros direitos dos apenados, como o direito à visita presencial, bem como inclusão nos projetos de remição de pena através dos estudos e trabalho, sendo também um viés facilitador para a reintegração no mercado de trabalho pós-cárcere (SEAP, 2019).
No contexto de ressocialização por meio dos estudos, o programa “Conhecimento que Liberta” traz a possibilidade para conclusão dos ensinos de nível fundamental e médio e inserção no nível superior. Outro projeto nesse âmbito é o “Bambu”, que atua como preparatório para a realização das provas do Exame Nacional para Certificação de Competência de Jovens e Adultos (ENCCEJA) e Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM/PPLs).
Ainda nesse contexto, a “Remição Pela Leitura” é uma ação socioeducacional, que agrega conhecimento dos mais diversos assuntos aos custodiados. A “Jornada de Leitura no Cárcere”, apresenta uma nova perspectiva acerca da literatura e traz incentivo para uma possível capacitação profissional.
a Jornada busca incentivar a formação de escritores intra-muros, apresentar aos custodiados atualizações legais e normativas referentes a remição de pena por meio da leitura, além de tornar o sistema prisional do Amazonas um modelo aos reeducandos e operadores da execução penal atuantes no sistema de todo país (Seap, 2023, l. 01).
Ademais, a Escola de Administração Penitenciária (ESAP) apoia programas em parceria com órgãos federativos, estaduais e municipais que auxiliam na propagação dos mais diversos cursos profissionalizantes aos custodiados, tais como os cursos de pedreiro, horticultor, artesanato, manutenção predial, dentre outros. Além de servir como preparativo para reinserção na sociedade, os cursos servem como forma de ingresso no programa de trabalho intra e extra-muro. A LEP em seus art. 31 a 37 apresenta as condições e características para inclusão em programas de trabalho e as particularidades para os ergastulados que trabalham de forma interna, principalmente em reparos e manutenções dentro de sua unidade prisional, e os critérios para os que realizam trabalhos além dos muros da prisão, como por exemplo, reformas das praças públicas da cidade.
Tabela 1: Reeducandos inseridos em atividades escolares e não escolares
Região | Escolares | Cursos de capacitação |
Brasil | 127.878 | 22.942 |
Amazonas | 1.446 | 2.595 |
Manaus | 983 | 2.570 |
Fonte: Pacó e Castro, 2024
A tabela acima registra em números os reeducandos que estão inseridos em algum tipo de programa e/ou projeto ressocializador, dividido por atividades com fins educacionais como: EJA, ENCCEJA e preparativo para o ENEM/PPL, além de atividades diversas como cursos profissionalizantes, com certificado acima de 160h, tais como, curso de eletricista predial, pedreiro, informática, produção de vassouras, instalação hidráulica, instalação e manutenção de ar-condicionado, dentre outros (SEAP, 2023).
Pontua-se que, com base nos dados expostos, é notável que as atividades que beneficiam a população privada de liberdade, em questões de expansão de conhecimento e remição de pena, apesar de ser um direito previsto na LEP não abrange a todos.
No tópico a seguir será abordado especificamente o programa “Trabalhando a Liberdade”, com a finalidade de apresentar essa medida de ressocialização.
3.1 TRABALHANDO A LIBERDADE
O trabalho que conhecemos enquanto sociedade existe desde as eras primitivas onde sua principal aparição eram nas formas de caça a fim de trazer alimento para subsistência dos seres humanos. Para Weber (1967, p. 112), o trabalho dignifica e aproxima o homem da graça divina:
o homem deve, para estar seguro de seu estado de graça, trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado. Não é, pois, o ócio e o prazer, mas apenas a atividade que serve para aumentar a glória de Deus (…) É condenável a contemplação passiva, quando resultar em prejuízo para o trabalho cotidiano, pois ela é menos agradável a Deus do que a materialização de Sua vontade de trabalho.
Dentro das unidades prisionais o trabalho é disposto como forma de redução de pena, remuneração e fuga do ócio. Em 2019, 2 (dois) anos após as rebeliões acontecidas nos presídios da cidade de Manaus, a Secretaria de Administração Penitenciária criou o Programa ‘Trabalhando a Liberdade’ com o intuito de “evitar a retroalimentação dos ciclos de criminalidade e taxas de reincidência no sistema prisional” (SEAP, 2019, l. 01).
O trabalho em seu âmago tem a capacidade de transformar a natureza e o ambiente à sua volta. Nas unidades prisionais, o trabalho é uma das principais formas de ressocialização. Lukács (2012) aponta o trabalho como uma categoria fundante para o desenvolvimento do ser social, a ponto de formar caráter e trazer dignidade ao homem. Dessa forma,
O trabalho é antes de tudo, em termos genéticos, o ponto de partida para tornar-se [devir] homem do homem, para a formação das suas faculdades, sendo que jamais se deve esquecer o domínio sobre si mesmo. Além do mais, o trabalho se apresenta, por um longo tempo, como o único âmbito desse desenvolvimento (Lukács, 2012, p. 348).
O programa de ressocialização através do trabalho busca a efetivação de direitos dos apenados exposta na Lei de Execução Penal (LEP), criada em 1984 com o objetivo de “[…] efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (Brasil, 1984).
Além da redução de pena, o trabalho praticado na unidade prisional tem o intuito de assistência à família do apenado, ressarcimento de gastos do Estado e mais, além de medida educativa para o apenado, a laborterapia, que se apresenta como uma forma terapia ocupacional por meio do labor, que de acordo com Silva e Silva (2021, p. 01) “visa trazer ao indivíduo apenado a real possibilidade de transformação, desde o seu interior, seu círculo de convívio, sua família, a sociedade e o mundo a ser descoberto por uma nova perspectiva de vida baseada em novos horizontes”, além de trazer manutenção à sua dignidade.
Quanto a isso a LEP versa nos arts. 28 a 29 sobre as disposições do direito:
Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores (Brasil, 1984).
Na tabela 02, é possível observar em números quantos apenados estão inseridos dentro do programa de trabalho e quantos destes são remunerados:
Tabela 02: Quantitativo de reeducandos do sexo masculino inseridos em programa de trabalho.
Região | Trabalho | Remunerado |
Brasil | 145.209 | 65.388 |
Amazonas | 1.178 | 301 |
Manaus | 1.002 | 290 |
Fonte: Pacó e Castro, 2024.
A tabela acima descreve o quantitativo de pessoas privadas em liberdade, do sexo masculino, em atividades laborais dentro dos espaços penais, atividades essas que podem ser remuneradas ou apenas para fins de remição de pena. No Brasil, o número de trabalhadores se apresenta em 145.209 mil, sendo destes, 65.388 mil remunerados. Já no Amazonas, o número de trabalhadores é de 1.178 mil, enquanto com remuneração são apenas 301 (SISDEPEN, 2023).
Em Manaus, o quantitativo apresenta-se em 1.002 em atividades laborais, sendo apenas 290, com algum tipo de remuneração. Destaca-se que, das 7 (sete) cidades com unidades prisionais do Estado, todas contam apenados em laborterapia, todavia, apenas 03 (três) contam com algum tipo de remuneração para os referidos, sendo estas, Manaus, com o quantitativo citado acima, Itacoatiara, com 6 (seis) remunerados e Tefé, com 5 (cinco) remunerados.
Com as oportunidades de profissionalização ofertadas dentro do sistema prisional, após cumprimento de pena, os egressos conseguem ampliar sua visão de futuro e sociedade, se tornando mais seguros de si e de seus vínculos, Silva e Silva (2021, p. 11) pontuam que “o trabalho, e o que está atrelado a esse afazer diário, fazem-no trilhar caminhos de maior esperança e reconstrução, almejando o progresso, através do trabalho”.
Diante disso, conseguimos manter a visão de que a ocupação, tanto física quanto mental, é um fator favorável à reinserção social, haja vista que, seu cerne é a manutenção da dignidade humana, entretanto, é nítido que nem toda a população carcerária consegue ter acesso a essa oportunidade.
4. O ASSISTENTE SOCIAL COMO AGENTE DE RESSOCIALIZAÇÃO
As unidades prisionais, segundo Souza (2014), são lugares fundados com a objetivação de separar os indivíduos infratores do restante da sociedade, infrações cometidas tais como, roubos, homicídios, tráfico, porte ilegal de armas, dentre outros. São locais criados a priori com caráter punitivo, onde muitas das vezes os apenados adentram por delitos “leves” e retornam a sociedade com visões deturpadas do mundo e sem perspectiva alguma de futuro. Nesse contexto, Silva (1991, p. 20) declara:
De todas as considerações feitas chegamos à iniludível conclusão de que o encarceramento do homem não o melhora, nem o aperfeiçoa, nem corrige a falha cometida, nem o limpa de culpa para um retorno à vida da sociedade que ele perturbou com a sua conduta delituosa.
O Serviço Social dentro de unidades prisionais possui o papel ressocializador de Pessoas Privadas de Liberdade (PPL’s). De acordo com o CFESS (2014), que institui a atuação dos assistentes sociais no campo sociojurídico, prevê a chamada “ressocialização” com bases estabelecidas pela LEP. Os profissionais agem em conjunto com outras equipes do quadro multiprofissional das unidades prisionais, tais como psicólogos, psiquiatras, pedagogos, médicos e enfermeiros.
Como agente de reintegração social, o assistente social tem atribuições designadas pela política de ressocialização e reforçadas pelo CFESS (2014), tais como: avaliação social, elaboração de relatórios, laudos e pareceres, participação em comissões disciplinares, intermediação e realização de encaminhamentos à setores internos, entrevista sociais para inclusão dos apenados no programa de trabalho, levantamento periódico acerca de documentos em falta dos reeducando, a fim de lhes garantir o acesso à cidadania, mediação entre reeducando e família, bem como atendimento familiar e viabilização para visitas.
Como citado anteriormente, o assistente social enquanto agente de ressocialização, possui acesso direto aos familiares dos ergastulados e como sabe-se, de acordo com conceitos sociológicos, a família é organização fundamental para o desenvolvimento de qualquer cidadão independente de sua situação, sendo a primeira instituição social a qual o indivíduo é inserido.
Em processo de ressocialização, a manutenção dos vínculos familiares é de grande relevância na construção de projetos de vida futuros, pois é na família que o ser social consegue aprender sobre os valores e princípios permeáveis na sociedade, segundo Silva e Silva (2021, p. 06) “O homem encarcerado encontra na família o esteio, a força para acreditar na sua liberdade e em um futuro melhor”. Ainda na visão de Silva e Silva (2021, p. 06):
Para alguns presos a privação do direito de ir e vir “é nada”, quando comparado aos outros fatores como: distanciamento dos que ama, ausência da família, a perda de entes por morte enquanto ele está preso e a impossibilidade da despedida, o não acompanhamento da vida escolar dos filhos e a impossibilidade de estar com familiares em momentos que não mais virão, são formas de castigos incutidos na condenação judicial que trazem uma grande reflexão por parte do homem no cárcere.
Frente ao desafio de reeducação, com a realidade vivenciada em estágio supervisionado extracurricular, atuando na UPP, notou-se que a equipe de Serviço Social diariamente enfrenta grandes obstáculos, decorrente ao caráter repressivo das unidades prisionais que é conhecido por violar direitos humanos básicos e que confrontam de forma direta a ética profissional do assistente social, além do mais, depara-se também com a visão limitada de outros profissionais sobre o que de fato é a atuação profissional do assistente social. Seguindo este ponto, concordamos com Torres (2014, p. 128) quando a mesma relata que:
No sistema prisional, o Serviço Social vem exercendo práticas que causam, muitas vezes, conflitos éticos profissionais. Aos profissionais “técnicos” no sistema penitenciário brasileiro tem sido destinado um papel complementar e burocrático, subordinado ao poder da segurança e disciplina, não participando de processos decisórios quanto à política penitenciária do Estado e da própria instituição.
Entretanto, ainda retratando sobre os desafios impostos aos assistentes sociais, soma-se também aos desafios enfrentados pelo Serviço Social nos outros espaços penais onde o profissional desta área pode atuar, como nos Departamentos de Reintegração Social (DERESC), departamento integrante da SEAP, e o Escritório Social, que é articulado com os poderes Executivo e Judiciário, onde são oferecidos programas de acolhimento e assistência social tanto para apenados quanto para os egressos do sistema prisional, por meio de programas sociais e ofertas de trabalho, visando a recuperação da dignidade humana.
Contudo, apesar da existência de programas e projetos de caráter ressocializador, a vivência em campo de estágio extracurricular, mostrou a faceta da ineficácia dos ditos programas, levando em consideração a escassa divulgação dos mesmos, além de não contar com o número adequado de profissionais para lidar com a alta demanda, tanto de apenados quanto de egressos.
Outro ponto a se questionar quando tratamos de ressocialização, é o Estado, que por sua vez, mostra-se falho na garantia de direitos básicos dos indivíduos que compõem a sociedade, com ótica nos índices de reclusões que muitas das vezes origina-se no fator da desproteção social. Torres (2014) aponta o sistema penitenciário brasileiro como o maior alocador das mais graves expressões da questão social, ressalta ainda que:
Prisões são instituições sociais que, historicamente, servem para causar o sofrimento e a degradação humana, pelo confinamento e pela punição daqueles que não corresponderam às normas morais e às leis e, por isso, devem ser isolados dos que seguem os padrões da ordem social dominante. Nesse sentido, o propósito da pena privativa de liberdade enquanto […], “regeneradora” dos “desviantes” é impossível atingir em instituições prisionais, mais ainda no caso das prisões brasileiras (Torres, 2014, p. 128).
Resultante de uma série de desigualdades enraizadas na sociedade, sendo elas causadas pela pobreza, pela raça, etnia ou gênero, o cárcere em sua forma desestruturada, está a cada dia que passa em superávit populacional. A falta de estrutura do sistema, a ato de “enjaulamento”, e principalmente o rompimento dos direitos humanos, causam revoltas aos apenados, gerando ondas de protestos internos que podem se reverter em grandes rebeliões, como exemplo, o acontecido na cidade de Manaus em Janeiro de 201711.
De modo geral, o fator desestrutural dos presídios, a desigualdade social, a falta de eficácia das políticas públicas e o Estado como órgão ineficiente, todas essas questões retomam como empecilho ao profissional de Serviço Social, na efetividade de ressocialização, consonante com Torres (2014).
Apesar de tudo, ao aceitar o desafio de lidar diretamente com reeducandos, o assistente social torna-se importante pois esquiva-se dos julgamentos perpetrados pela sociedade, e busca ter um olhar humanizado sobre os indivíduos encarcerados, não fazendo juízo de valores, agindo assim em prol da defesa intransigente de seus direitos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho de pesquisa teve por finalidade expor a realidade do sistema prisional, e pontuar a importância do profissional de serviço social, no Amazonas, com foco especialmente nas unidades prisionais de Manaus. No decorrer da pesquisa documental e bibliográfica, foi possível ampliar o conhecimento acerca da temática, e realizar análises de dados estatísticos, possibilitando a visibilidade da dimensão do problema exposto, ou seja, o despreparo da sociedade para lidar com pessoas que estão e/ou estiveram em situação de cárcere.
O método de pesquisa foi mais que suficiente para sanar os questionamentos levantados em formas de objetivos específicos na introdução da pesquisa, tendo em vista a ampla disponibilização de documentos a respeito do assunto abordado e dos dados fornecidos ao conhecimento público.
Alicerçado na pesquisa elaborada, podemos salientar que desde a fundamentação histórica de quando o Serviço Social passou a atuar no âmbito sociojurídico, é evidente o enfrentamento de desafios para o pleno exercício da profissão, baseando-se no que de fato são suas atribuições regulamentado pela Lei n° 8.662, de 7 de junho de 1993.
Evidenciando os ditos desafios, ao profissional de Serviço Social, lhe resultou a invisibilidade sobre a sua relevância dentro dos espaços penais, causando assim, um retrocesso para a categoria, Conceição (2019, p. 88) descreve com exatidão este cenário de desvalorização quando expõe “[…] a subalternidade da profissão, pois as dificuldades relatadas não questionam a importância do Serviço Social nas prisões, mas determinam o lugar subalterno da profissão no ambiente em questão […]”, reiterando a centralidade descrita pelo autor, enfatizamos que devido às instituições carcerárias serem de caráter repressor e atreladas ao conservadorismo, o assistente social encontra-se impossibilitado de aplicar o livre exercício da profissão.
A inter-relação da face repressiva das prisões com o processo de ressocialização apresenta-se em divergência, já que, norteando-se por análise dos gráficos explanados ao longo deste artigo, é notório que as políticas e programas ressocializadores não de acesso integral aos apenados, além da falta de compromisso do Estado em suprir as necessidades sociais desses indivíduos. Esse fator leva ao resultado em desigualdade e exclusão social; altos índices de reincidência e consequente superlotação carcerária, sem contar com a falta de estrutura e preparo das Secretarias competentes.
Nessa perspectiva, Torres (2014, p. 128) destaca que “A prisão tem a característica de uma bomba social: ela devolve à sociedade indivíduos destruídos pelo encarceramento”.
Para que se obtenha eficácia na ideia de ressocialização, é necessário que haja interesse na sociedade em reformular os conceitos conservadores de que a única solução para “correção” das pessoas moralmente desviadas é o aprisionamento. Frisa-se também as expressões da questão social como um grande fator contribuinte para a alta criminalidade, neste ponto, destacamos a desproteção social do Estado, sendo falho na garantia de direitos sociais básicos.
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