REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506101055
Leidiana da Silva Moreira1
Resumo
A inserção do assistente social na saúde pública representa um campo de práticas complexas, marcado por desafios institucionais, éticos e políticos. Este artigo tem como objetivo analisar a atuação desse profissional no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), com ênfase na atenção básica e na Estratégia Saúde da Família. A metodologia utilizada foi de natureza qualitativa, com base em revisão bibliográfica de autores consagrados da área do Serviço Social e da saúde coletiva. A análise revela que o assistente social exerce papel fundamental na articulação entre os serviços de saúde e as demandas sociais da população, contribuindo para a efetivação dos direitos e para a integralidade do cuidado. Destacam-se ainda as dificuldades enfrentadas pelos profissionais frente à precarização do trabalho e à fragmentação das políticas públicas. Conclui-se que a consolidação da prática do assistente social na saúde depende da valorização profissional e do fortalecimento das diretrizes do SUS.
Palavras-chave: Serviço Social; Saúde Pública; Atenção Básica; SUS; Estratégia Saúde da Família.
Abstract
The insertion of social workers in public health represents a complex field of practice, marked by institutional, ethical and political challenges. This article aims to analyze the performance of these professionals in the context of the Unified Health System (SUS), with an emphasis on primary care and the Family Health Strategy. The methodology used was qualitative in nature, based on a bibliographic review of renowned authors in the area of Social Work and public health. The analysis reveals that social workers play a fundamental role in the articulation between health services and the social demands of the population, contributing to the realization of rights and comprehensive care. The difficulties faced by professionals in the face of precarious work and the fragmentation of public policies are also highlighted. It is concluded that the consolidation of social workers’ practice in health depends on professional appreciation and the strengthening of SU guidelines.
Keywords: Social Service; Public Health; Primary Care; SUS; Strategy; Family Health.
Introdução
A atuação do assistente social no campo da saúde pública tem se consolidado como uma vertente estratégica dentro do projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. Desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, a presença deste profissional tornou-se cada vez mais necessária diante da complexidade das demandas sociais que atravessam os serviços de saúde. O SUS, pautado nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, exige uma abordagem ampliada de saúde, que ultrapasse os aspectos biomédicos e incorpore dimensões sociais, econômicas e culturais (BRASIL, 1990; PEREIRA, 2016).
Nesse contexto, o assistente social atua como mediador entre as necessidades da população e os recursos disponíveis no sistema de saúde, exercendo funções que vão desde o acolhimento e encaminhamento até a participação na formulação de políticas públicas. Na atenção básica, especialmente por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), sua atuação ganha relevo, contribuindo para a promoção da saúde, a prevenção de agravos e o fortalecimento dos vínculos comunitários (YAZBEK, 2009; IAMAMOTO, 2008).
A prática profissional, no entanto, não está isenta de contradições. Os assistentes sociais enfrentam desafios como a sobrecarga de trabalho, a desvalorização profissional e a fragilidade das políticas sociais. Apesar disso, a atuação crítica e propositiva tem possibilitado avanços na defesa do direito à saúde e na construção de práticas mais humanizadas e participativas (BELLATO, 2004; PAULON; BAPTISTA, 2011).
O presente artigo tem como objetivo discutir a inserção do assistente social na saúde pública, com ênfase na atenção básica, a partir de uma análise teórico-crítica fundamentada em autores da área do Serviço Social e da saúde coletiva.
1. O Processo Histórico de Inserção do Serviço Social na Saúde Brasileira
A inserção do assistente social na saúde pública é resultado de um processo histórico de lutas por democratização das políticas sociais e pela ampliação do acesso universal aos direitos sociais. A Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990) estabeleceram as bases para um modelo de saúde que reconhece as determinações sociais do processo saúde-doença, abrindo espaço para práticas interdisciplinares e para a valorização das ações de promoção da saúde e prevenção (BRASIL, 1990).
O ingresso do assistente social no campo da saúde se deu gradualmente, acompanhando a institucionalização da profissão e o desenvolvimento das políticas públicas. Inicialmente vinculada às práticas filantrópicas e às ações sanitárias de cunho preventivo, a atuação profissional consolidou-se a partir da década de 1980, com o avanço do movimento da Reforma Sanitária. Esse processo, fortemente influenciado pelas lutas populares e pela crítica ao modelo médico-centrado, teve como marco a 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), onde se reivindicou uma nova concepção de saúde, entendida como resultado das condições de vida e trabalho (Paim et al., 2011). A criação do SUS, em 1990, proporcionou um campo fértil para a atuação do Serviço Social, que passou a integrar as equipes multiprofissionais e a desenvolver ações voltadas à proteção social, à mediação de conflitos e à promoção da cidadania.
Nesse cenário, o Serviço Social assume um papel essencial ao integrar as ações de saúde às dimensões sociais que impactam diretamente a vida da população. Segundo Iamamoto (2008), o trabalho do assistente social deve ser compreendido como uma prática inserida na divisão sociotécnica do trabalho e orientada por um projeto ético-político comprometido com a emancipação humana. Essa perspectiva orienta a atuação profissional não apenas na execução de tarefas administrativas ou assistenciais, mas na construção de estratégias críticas de intervenção nos territórios e nas políticas públicas.
A presença do assistente social nas equipes de saúde, especialmente na atenção primária, está relacionada à necessidade de um olhar ampliado sobre o sujeito em seu contexto socioeconômico e cultural. Como destacam Paulon e Baptista (2011), a atuação do Serviço Social é fundamental para a articulação entre a clínica e o social, contribuindo para práticas integrais de cuidado. A promoção da saúde, nesse sentido, depende da compreensão das vulnerabilidades sociais e da construção de vínculos que fortaleçam o protagonismo das comunidades.
Yazbek (2009) reforça que a prática do assistente social na saúde é marcada por uma forte tensão entre a lógica da gestão tecnocrática e a necessidade de defesa dos direitos sociais. Para a autora, é necessário resistir à tendência de instrumentalização da profissão e reafirmar o compromisso com a transformação das condições de vida da população, o que exige um posicionamento crítico diante das contradições do sistema capitalista e das políticas neoliberais.
Além disso, Bellato (2004) observa que o trabalho do assistente social na saúde precisa considerar o cotidiano dos sujeitos, respeitando suas trajetórias, saberes e formas de resistência. A escuta qualificada, a análise crítica da realidade e a mediação entre sujeitos e instituições são elementos constitutivos da prática profissional na saúde pública. A atuação do Serviço Social no SUS, portanto, é mais do que uma resposta técnica às demandas institucionais: trata-se de um compromisso ético e político com a defesa incondicional da vida, da dignidade e dos direitos sociais.
A conjuntura atual é marcada por graves retrocessos nas políticas sociais, especialmente no que se refere ao financiamento do SUS, à terceirização dos serviços e à precarização das relações de trabalho. O assistente social, inserido nesse contexto, enfrenta desafios significativos, como a sobrecarga de atendimentos, a ausência de infraestrutura adequada e a desvalorização profissional. De acordo com Mota (2013), a lógica neoliberal imposta ao setor público tem contribuído para a fragmentação dos serviços e a intensificação das desigualdades no acesso à saúde. Além disso, observa-se o fenômeno da judicialização, que impõe novas demandas aos profissionais, muitas vezes sem as condições técnicas e institucionais necessárias para seu enfrentamento. A atuação cotidiana torna-se, assim, atravessada por dilemas éticos e políticos, exigindo do assistente social uma postura crítica, criativa e propositiva.
2. As Contribuições do Assistente Social nas Unidades de Saúde
A presença do assistente social nas equipes de saúde, especialmente na atenção primária, está relacionada à necessidade de um olhar ampliado sobre o sujeito em seu contexto socioeconômico e cultural. Como destacam Paulon e Baptista (2011), a atuação do Serviço Social é fundamental para a articulação entre a clínica e o social, contribuindo para práticas integrais de cuidado. A promoção da saúde, nesse sentido, depende da compreensão das vulnerabilidades sociais e da construção de vínculos que fortaleçam o protagonismo das comunidades.
O trabalho do assistente social nas unidades de saúde é amplo e diversificado. Ele atua na escuta qualificada, no acolhimento, na orientação sobre direitos, na articulação com a rede intersetorial, no encaminhamento de demandas sociais e na construção de projetos terapêuticos singulares. Sua presença é fundamental para o fortalecimento do cuidado integral e humanizado. Como destacam Costa e Schraiber (2006), a inserção do profissional na saúde coletiva permite uma leitura ampliada do processo saúde-doença, vinculando-o às condições socioeconômicas e culturais dos usuários. Nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), o assistente social desempenha papel estratégico no fortalecimento da Atenção Primária, promovendo ações educativas, visitas domiciliares, grupos comunitários e rodas de conversa. Em hospitais, lida com situações de alta complexidade, como abandono de pacientes, acesso a medicamentos, garantia de vagas e proteção de populações em situação de vulnerabilidade.
Yazbek (2009) reforça que a prática do assistente social na saúde é marcada por uma forte tensão entre a lógica da gestão tecnocrática e a necessidade de defesa dos direitos sociais. Para a autora, é necessário resistir à tendência de instrumentalização da profissão e reafirmar o compromisso com a transformação das condições de vida da população, o que exige um posicionamento crítico diante das contradições do sistema capitalista e das políticas neoliberais.
Além disso, Bellato (2004) observa que o trabalho do assistente social na saúde precisa considerar o cotidiano dos sujeitos, respeitando suas trajetórias, saberes e formas de resistência. A escuta qualificada, a análise crítica da realidade e a mediação entre sujeitos e instituições são elementos constitutivos da prática profissional na saúde pública.
Na atenção básica, especialmente nas Unidades de Saúde da Família, o assistente social exerce um papel de ponte entre os serviços e a comunidade, promovendo o acesso à informação, aos direitos e à participação social. Atua no acolhimento, nas visitas domiciliares, nos atendimentos individuais e coletivos, na articulação com a rede de proteção social e na construção de ações intersetoriais (PAULON; BAPTISTA, 2011). Essa atuação exige habilidades específicas de leitura territorial, compreensão das vulnerabilidades e planejamento de estratégias integradas de enfrentamento às desigualdades.
3. Experiências Exitosas: Os Extensos Sociais em Unidades de Saúde em São Paulo
Dentre as experiências concretas que evidenciam o impacto positivo da atuação do Serviço Social na saúde pública, destacam-se os programas de extensão social desenvolvidos em unidades de saúde na cidade de São Paulo, especialmente em regiões periféricas. Tais programas, muitas vezes vinculados a universidades públicas e centros de formação profissional, têm como objetivo integrar ensino, pesquisa e prática social, aproximando estudantes e profissionais da realidade vivenciada pelos usuários do SUS. Um exemplo notório é o projeto “Extensão Popular em Saúde e Serviço Social”, desenvolvido na zona leste paulistana, que atua em UBS, CAPS e hospitais municipais por meio de ações comunitárias, mutirões de direitos e formação política dos usuários. Essas iniciativas permitem a ampliação da participação popular, o fortalecimento da cidadania e a produção de conhecimento crítico sobre o cotidiano da saúde pública (Santos & Lima, 2020). A experiência evidencia o papel pedagógico do Serviço Social e sua capacidade de intervir de forma transformadora nas realidades locais.
Metodologia
Este artigo configura-se como uma pesquisa de caráter qualitativo, com base em revisão bibliográfica e análise documental, a fim de compreender e interpretar criticamente a atuação do assistente social na saúde pública brasileira, seus desafios, contribuições e perspectivas no contexto do SUS. Foram utilizados autores clássicos e contemporâneos do Serviço Social e da Saúde Coletiva, além de documentos institucionais, como publicações do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. O critério de seleção das fontes baseou-se na relevância temática, atualidade e fundamentação crítica, buscando garantir a consistência teórica e a abrangência da análise. A abordagem adotada é dialética, partindo da compreensão de que a realidade social é contraditória e historicamente construída, sendo o Serviço Social uma profissão comprometida com a transformação dessa realidade.
Conclusão e Considerações Finais
A análise apresentada ao longo deste artigo evidencia que a atuação do assistente social na saúde pública brasileira é estratégica, complexa e indispensável à consolidação dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). O profissional contribui diretamente para o fortalecimento da equidade, da integralidade e do acesso universal, sendo agente fundamental na articulação entre os serviços de saúde e a rede de proteção social. Ao atuar com populações vulnerabilizadas, promover ações educativas, realizar escutas qualificadas, encaminhamentos e defesas de direitos, o assistente social materializa o compromisso ético-político da profissão com a transformação social e a justiça social.
Os desafios enfrentados – como a precarização das condições de trabalho, a desvalorização profissional, o sucateamento do SUS e os retrocessos nas políticas públicas – impõem a necessidade de resistência crítica, organização coletiva e fortalecimento da formação profissional. A interdisciplinaridade, a ampliação do controle social e a valorização das práticas emancipatórias são caminhos essenciais para qualificar a atenção à saúde.
As experiências de extensão social em unidades de saúde de São Paulo demonstram que, mesmo diante de contextos adversos, é possível desenvolver práticas criativas, transformadoras e comprometidas com a realidade dos territórios. Tais experiências reafirmam a importância da inserção dos assistentes sociais nas unidades de saúde como sujeitos essenciais à construção de políticas públicas democráticas, inclusivas e efetivas. A presença do profissional nestes espaços não se limita ao atendimento pontual, mas contribui para a produção coletiva do cuidado, a problematização das demandas sociais e a efetivação dos direitos da população.
Portanto, reconhecer a relevância do Serviço Social na saúde pública é reconhecer que os direitos sociais não se efetivam apenas por meio de normas e decretos, mas por meio da prática cotidiana de profissionais que, com base em fundamentos ético-políticos e teóricos sólidos, intervêm nas expressões da desigualdade social. O fortalecimento da atuação do assistente social no SUS é condição fundamental para a consolidação de uma saúde pública de qualidade, universal, integral e equitativa no Brasil.
Referências
BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2009.
BRAVO, Maria Inês Souza; NOGUEIRA, Maria Alice da Silva. Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2008.
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social. Parâmetros para atuação de assistentes sociais na política de saúde. Brasília: CFESS, 2020.
COSTA, Nilson do Rosário; SCHRAIBER, Lilia Blima. Saúde coletiva: desafios para a formação e a atuação profissional. São Paulo: Hucitec, 2006.
IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007.
MOTA, Ana Elizabete. Serviço Social e Saúde: desafios e possibilidades na contemporaneidade. In: Revista Katálysis, v. 16, n. 1, p. 37-45, 2013.
NETTO, José Paulo. Transformações societárias e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2011.
PAIM, Jairnilson Silva et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet, v. 377, p. 1778-1797, 2011.
SANTOS, Carolina de Jesus; LIMA, Érica Cristina. Extensão popular e Serviço Social: experiências de enfrentamento das desigualdades nas periferias urbanas. In: Revista Em Pauta, v. 18, n. 45, p. 230-248, 2020.
YASBEK, Maria Carmelita. A ideologia da competência e a desconstrução dos direitos. In: Serviço Social & Sociedade, n. 83, p. 21-34, 2005.
BRASIL, 1990; PEREIRA, 2016
1Assistente Social, Mestranda em Saúde Pública.