REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202511112304
Aline Mouradian Gdikian1
Matheus Rodrigues Rosin2
Isabella Pereira de Paula Louzada3
RESUMO
O presente estudo tem por escopo examinar a aplicação do princípio da insignificância nos crimes patrimoniais, destacando seus limites e as controvérsias jurisprudenciais que cercam sua efetividade. O princípio da insignificância, também denominado princípio da bagatela, tem como objetivo afastar a tipicidade penal de condutas que causam lesão mínima ou irrelevante ao bem jurídico protegido, sendo uma manifestação do princípio da intervenção mínima do Direito Penal.
A sua aplicação busca evitar a criminalização de condutas socialmente irrelevantes, contribuindo para a racionalização da atuação estatal e para a prevenção de punições desproporcionais.
No âmbito dos crimes patrimoniais, a discussão jurisprudencial concentra-se especialmente em casos de furtos de pequeno valor, onde se evidenciam divergências quanto aos critérios de aplicação do princípio. Enquanto alguns tribunais adotam parâmetros objetivos, como a quantia subtraída ou o valor econômico do bem, outros consideram fatores subjetivos e contextuais, incluindo a intenção do agente, a reincidência, o abuso de confiança e o impacto social da conduta. A doutrina também aponta a necessidade de conciliar valores materiais e aspectos sociais, para que a aplicação do princípio não resulte em impunidade ou insegurança jurídica.
Entre os limites da aplicação, destacam-se situações em que o crime envolve reincidência, concurso de pessoas, abuso de confiança ou vítima vulnerável, bem como casos em que a conduta, embora aparentemente mínima, revela relevância social ou moral. A análise jurisprudencial evidencia ainda controvérsias sobre a fixação de um valor monetário como parâmetro objetivo, revelando a tendência contemporânea de se adotar uma avaliação casuística, que leve em consideração o contexto concreto do delito.
Diante disso, embora o princípio da insignificância seja instrumento essencial de humanização e racionalização do Direito Penal, sua aplicação exige cautela e criteriosa ponderação de fatores objetivos e subjetivos, visando equilibrar a proteção do patrimônio, a proporcionalidade da resposta penal e a segurança jurídica. O estudo demonstra, assim, que o princípio não é absoluto, devendo ser aplicado de forma restrita e fundamentada, contribuindo para uma justiça penal mais equilibrada e adequada às necessidades sociais contemporâneas.
Palavras-chave: princípio da insignificância; crimes patrimoniais; jurisprudência; intervenção mínima; tipicidade penal; limites da aplicação; proporcionalidade penal.
The present study aims to examine the application of the principle of insignificance in property crimes, highlighting its limits and the jurisprudential controversies surrounding its effectiveness. The principle of insignificance, also known as the bagatelle principle, seeks to exclude criminal liability for conduct that causes minimal or irrelevant harm to the protected legal good, being a manifestation of the principle of minimal intervention in criminal law. Its application aims to prevent the criminalization of socially insignificant conduct, contributing to the rationalization of state action and the prevention of disproportionate punishments.
In the realm of property crimes, jurisprudential debate focuses particularly on cases of petty theft, where divergences regarding the criteria for applying the principle are evident. While some courts adopt objective parameters, such as the amount stolen or the economic value of the property, others consider subjective and contextual factors, including the offender’s intent, recidivism, abuse of trust, and the social impact of the conduct. Doctrine also highlights the need to reconcile material values with social aspects so that the application of the principle does not result in impunity or legal uncertainty.
Among the limits of its application are situations in which the crime involves recidivism, multiple offenders, abuse of trust, or a vulnerable victim, as well as cases in which the conduct, although seemingly minimal, reveals social or moral relevance. Jurisprudential analysis also shows controversies regarding the establishment of a monetary value as an objective parameter, reflecting the contemporary tendency to adopt a case-by-case assessment that considers the concrete context of the offense.
Therefore, although the principle of insignificance is an essential instrument for the humanization and rationalization of criminal law, its application requires caution and careful consideration of both objective and subjective factors, aiming to balance the protection of property, the proportionality of criminal responses, and legal certainty. The study thus demonstrates that the principle is not absolute and must be applied restrictively and with sound reasoning, contributing to a more balanced criminal justice system that meets contemporary social needs.
Keywords: principle of insignificance; property crimes; jurisprudence; minimal intervention; criminal liability; limits of application; penal proportionality.
El presente estudio tiene como objetivo examinar la aplicación del principio de insignificancia en los delitos patrimoniales, destacando sus límites y las controversias jurisprudenciales que rodean su efectividad. El principio de insignificancia, también denominado principio de bagatela, tiene como finalidad excluir la tipicidad penal de conductas que causan un daño mínimo o irrelevante al bien jurídico protegido, siendo una manifestación del principio de intervención mínima del Derecho Penal. Su aplicación busca evitar la criminalización de conductas socialmente irrelevantes, contribuyendo a la racionalización de la actuación estatal y a la prevención de sanciones desproporcionadas.
En el ámbito de los delitos patrimoniales, el debate jurisprudencial se centra especialmente en los casos de hurto de bajo valor, donde se evidencian divergencias respecto a los criterios de aplicación del principio. Mientras algunos tribunales adoptan parámetros objetivos, como la cantidad sustraída o el valor económico del bien, otros consideran factores subjetivos y contextuales, incluyendo la intención del agente, la reincidencia, el abuso de confianza y el impacto social de la conducta. La doctrina también señala la necesidad de conciliar valores materiales y aspectos sociales, para que la aplicación del principio no resulte en impunidad o inseguridad jurídica.
Entre los límites de su aplicación se destacan situaciones en que el delito implica reincidencia, concurso de personas, abuso de confianza o víctima vulnerable, así como casos en los que la conducta, aunque aparentemente mínima, revela relevancia social o moral. El análisis jurisprudencial evidencia además controversias sobre la fijación de un valor monetario como parámetro objetivo, revelando la tendencia contemporánea a adoptar una evaluación casuística que considere el contexto concreto del delito.
En consecuencia, aunque el principio de insignificancia es un instrumento esencial para la humanización y racionalización del Derecho Penal, su aplicación exige cautela y una ponderación cuidadosa de factores objetivos y subjetivos, con el fin de equilibrar la protección del patrimonio, la proporcionalidad de la respuesta penal y la seguridad jurídica. El estudio demuestra, así, que el principio no es absoluto y debe aplicarse de forma restrictiva y fundamentada, contribuyendo a una justicia penal más equilibrada y adecuada a las necesidades sociales contemporáneas.
Palabras clave: principio de insignificancia; delitos patrimoniales; jurisprudencia; intervención mínima; tipicidad penal; límites de aplicación; proporcionalidad penal.
1 INTRODUÇÃO
O Direito Penal moderno, ancorado nos princípios do Estado Democrático de Direito, deve operar de maneira seletiva, racional e proporcional, intervindo apenas nos casos em que outros ramos do ordenamento jurídico se mostram insuficientes para a proteção de bens jurídicos relevantes à convivência social. Nesse contexto, o princípio da insignificância se apresenta como instrumento de contenção do ius puniendi, afastando a tipicidade material de condutas que, embora formalmente típicas, carecem de relevância jurídico-penal, refletindo a necessária ponderação entre a proteção do bem jurídico e a intervenção do Estado.
A consagração desse princípio, originada na doutrina e consolidada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, evidencia a concretização de valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a razoabilidade e a proporcionalidade, fortalecendo o caráter limitado e seletivo da atuação penal. A aplicação da insignificância visa impedir que o aparato repressivo estatal seja mobilizado em situações de lesividade mínima, preservando a coerência do sistema penal e evitando a criminalização de fatos de reduzida ofensividade social.
Nos crimes patrimoniais, especialmente nos delitos de furto, estelionato, dano e apropriação indébita, a análise do princípio da insignificância assume contornos complexos. Por um lado, há a necessidade de tutela efetiva do patrimônio, refletindo a função preventiva e repressiva do Direito Penal; por outro, surge a preocupação com o desvirtuamento da função do sistema penal, que não deve ser acionado para penalizar condutas de mínima relevância. Nesse sentido, a aplicação do princípio exige a consideração simultânea de fatores objetivos e subjetivos, incluindo a magnitude do dano, a ofensividade da conduta, o grau de reprovabilidade do agente e o contexto social e econômico em que o delito foi praticado.
A jurisprudência dos tribunais superiores evidencia divergências significativas quanto à incidência do princípio. O Supremo Tribunal Federal tem adotado postura flexível, reconhecendo sua aplicabilidade mesmo em situações de reincidência, desde que o caso concreto revele reduzida lesividade e ausência de periculosidade social. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça adota posição mais restritiva, considerando que a habitualidade criminosa, a reiteração de condutas ou a presença de circunstâncias agravantes podem impedir a aplicação do instituto, sob pena de estimular a impunidade e comprometer a função preventiva do Direito Penal.
Além disso, a aplicação do princípio da insignificância nos crimes patrimoniais impõe desafios práticos e doutrinários, particularmente quanto à quantificação do valor mínimo do bem jurídico subtraído ou danificado. Não existe consenso sobre um parâmetro absoluto, sendo necessária uma análise casuística, que contemple não apenas o valor econômico, mas também o impacto social, moral e psicológico do delito. Essa ponderação assegura que a aplicação do princípio seja racional, proporcional e fundamentada, evitando decisões automatizadas que possam comprometer a segurança jurídica e a legitimidade do sistema penal.
Sob a perspectiva dos direitos fundamentais, o princípio da insignificância reforça a proteção do direito à liberdade, ao devido processo legal e à proporcionalidade da sanção penal, evitando que a intervenção do Estado se torne arbitrária ou desproporcional. Ao promover a exclusão da tipicidade material em casos de mínima ofensividade, o instituto contribui para a humanização do Direito Penal, harmonizando a necessidade de repressão com os valores constitucionais e sociais que orientam a atuação estatal.
Diante desse cenário, o presente artigo objetiva analisar, sob uma ótica crítica e sistemática, os contornos teóricos, limites e controvérsias jurisprudenciais relacionados à aplicação do princípio da insignificância nos crimes patrimoniais. Busca-se compreender os critérios utilizados pelos tribunais superiores, as divergências interpretativas existentes, bem como os impactos concretos dessas decisões na efetividade dos direitos e garantias fundamentais do acusado e na função social do Direito Penal no ordenamento jurídico brasileiro.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, constitui importante instrumento de limitação do poder punitivo estatal. Sua aplicação visa excluir a tipicidade material de condutas que, embora formalmente típicas, não apresentam lesividade suficiente ao bem jurídico tutelado. Trata-se, portanto, de manifestação concreta dos princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais orientam o Direito Penal contemporâneo.
De acordo com Claus Roxin (2000, p. 45), o Direito Penal deve atuar como ultima ratio, ou seja, apenas quando os demais ramos do Direito se mostrarem incapazes de tutelar o bem jurídico de forma eficaz. O autor sustenta que o sistema penal deve restringir-se às condutas dotadas de relevante gravidade social, sob pena de banalização da sanção penal. Nesse mesmo sentido, Luiz Flávio Gomes (2012, p. 213) entende que o princípio da insignificância “atua como filtro de materialidade penal, excluindo do âmbito do Direito Penal os comportamentos socialmente inexpressivos”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou a aplicação do princípio da insignificância por meio do Habeas Corpus n.º 84.412/SP, relator Ministro Celso de Mello, julgado em 19 de outubro de 2004. Nesse precedente, o Tribunal fixou quatro requisitos cumulativos para a incidência do princípio: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) ausência de periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Tais critérios buscam evitar que o sistema penal seja acionado em casos de irrelevância social, garantindo racionalidade e proporcionalidade à repressão estatal.
Para Guilherme de Souza Nucci (2021, p. 328), a insignificância deve ser avaliada com prudência e não pode ser aplicada de modo automático, sendo indispensável a análise do contexto do fato, da personalidade do agente e de suas condições sociais. Já Rogério Greco (2020, p. 212) defende interpretação ampliativa e humanizadora, sustentando que, mesmo diante da reincidência, é possível a aplicação do princípio quando a conduta demonstrar baixa ofensividade e ausência de perigo social.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, adota orientação mais restritiva, negando a aplicação do princípio em casos de reincidência específica ou habitualidade criminosa, conforme decidido no AgRg no REsp 1.754.686/RS, rel. Min. Felix Fischer, j. 21/02/2019. Já o STF tem admitido, em hipóteses excepcionais, a aplicação do princípio mesmo diante de reincidência, desde que o caso concreto revele insignificância material (HC 123.108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, j. 18/03/2015).
Dessa forma, o referencial teórico evidencia que o princípio da insignificância não se restringe ao valor econômico do bem subtraído, mas envolve a análise integrada de elementos objetivos e subjetivos, constituindo verdadeira expressão do Estado Democrático de Direito. Sua aplicação busca garantir a seletividade e a racionalização do sistema penal, assegurando que a sanção criminal seja reservada apenas aos fatos de real relevância social.
3 METODOLOGIA
O presente artigo adota abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, visando compreender, os critérios de aplicação do princípio da insignificância nos crimes patrimoniais e as controvérsias jurisprudenciais dele decorrentes. Parte-se de uma perspectiva dogmática constitucional, na qual o Direito Penal é analisado à luz dos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, conforme delineado na introdução e no referencial teórico.
Quanto ao método de procedimento, trata-se de pesquisa bibliográfica e documental. No plano bibliográfico, são examinadas obras de doutrinadores como Claus Roxin, Luiz Flávio Gomes, Guilherme de Souza Nucci e Rogério Greco, com intuito de delinear os fundamentos teóricos do princípio da insignificância, sua relação com a tipicidade material e seu papel como limite ao ius puniendi. Quanto ao quesito documental, analisa-se legislação pertinente, especialmente a Constituição Federal de 1988, bem como decisões paradigmáticas dos tribunais superiores brasileiros (STF e STJ) relacionadas à aplicação do princípio em delitos patrimoniais.
A seleção da jurisprudência levou em consideração a relevância temática e a capacidade de ilustrar posições consolidadas ou controvertidas sobre o tema, privilegiando julgados que: (i) enunciam os requisitos materiais do princípio da insignificância; (ii) discutem a fixação de parâmetros objetivos (como o valor econômico do bem); e (iii) enfrentam questões relacionadas à reincidência, habitualidade criminosa, concurso de pessoas, abuso de confiança e vulnerabilidade da vítima. Tais decisões foram lidas e confrontadas com a doutrina, de modo a evidenciar convergências, divergências e tendências interpretativas.
A técnica de análise utilizada é a análise de conteúdo de cunho jurídico-dogmático. A partir das decisões e da doutrina, foram identificados eixos temáticos centrais: (a) requisitos objetivos e subjetivos para a incidência do princípio; (b) tensões entre proteção do patrimônio e mínima intervenção penal; (c) critérios de valoração do dano e do contexto social da conduta; (d) divergências entre STF e STJ quanto à relevância da reincidência e à função preventiva do Direito Penal. Esses eixos orientaram a organização da seção de resultados e discussões, permitindo a construção de uma leitura crítica e sistemática do material analisado.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise jurisprudencial revela que a aplicação do princípio da insignificância nos crimes patrimoniais é heterogênea e casuística, variando conforme o entendimento dos tribunais e o contexto do delito. Em especial, o estudo de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permite identificar uma tensão entre a finalidade humanizadora do princípio e o caráter repressivo do sistema penal.
Nos julgados do STF, prevalece uma postura flexível e garantista, com ênfase na proporcionalidade da resposta penal. No HC 176.473/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, o Tribunal reconheceu a atipicidade material de conduta referente à subtração de produtos avaliados em R$ 40,00, entendendo que a aplicação da sanção penal seria desproporcional. O ministro relator destacou que “a intervenção penal deve ser reservada apenas às condutas dotadas de significativa ofensividade social, sob pena de violação ao princípio da razoabilidade”.
Por outro lado, o STJ tem mantido uma interpretação mais restritiva, vedando a aplicação do princípio em hipóteses de reincidência, concurso de pessoas ou abuso de confiança. No AgRg no AREsp 1.796.879/MG, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 27/04/2021, o Tribunal entendeu que a reiteração criminosa demonstra maior reprovabilidade e, portanto, inviabiliza o reconhecimento da insignificância. Para o STJ, o instituto não pode servir como estímulo à impunidade ou como instrumento de desprestígio à norma penal.
Além disso, os tribunais estaduais frequentemente adotam critérios objetivos baseados no valor econômico do bem subtraído, considerando como parâmetro o salário mínimo vigente ou o limite de R$ 200,00, conforme precedentes do STF. No entanto, essa prática é criticada pela doutrina, que defende a necessidade de um juízo concretamente valorativo, levando em conta a vulnerabilidade do agente, a ausência de violência e a natureza do bem.
Os resultados apontam que, embora o princípio da insignificância desempenhe papel essencial na humanização do Direito Penal, sua aplicação ainda é inconsistente e limitada. A falta de uniformidade entre os tribunais gera insegurança jurídica e enfraquece o ideal de proporcionalidade penal. A supervalorização de critérios formais — como a reincidência isolada — tende a desvirtuar o caráter garantidor do princípio, aproximando o sistema penal de um modelo meramente repressivo.
Portanto, a discussão evidencia que a aplicação efetiva do princípio da insignificância exige interpretação constitucionalizada do Direito Penal, capaz de equilibrar a proteção do patrimônio e a dignidade da pessoa humana. O instituto deve ser compreendido não como mecanismo de impunidade, mas como instrumento de racionalização da política criminal, assegurando que o Estado intervenha apenas nos casos em que a repressão penal se justifique pela gravidade concreta do fato.
5 CONCLUSÃO
A análise empreendida no presente estudo permite afirmar que o princípio da insignificância se consolidou como instrumento essencial de limitação do poder punitivo e de racionalização da atuação do Direito Penal nos crimes patrimoniais, especialmente em hipóteses de furtos de pequeno valor e demais delitos sem violência ou grave ameaça. Sob a perspectiva da tipicidade material, evidenciou-se que não basta a mera subsunção formal da conduta ao tipo penal; exige-se a verificação da efetiva lesividade ao bem jurídico, em consonância com os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da razoabilidade.
O julgado do HC 84.412/SP, ao fixar requisitos materiais (mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social, reduzido grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão), oferece um parâmetro coerente com o Estado Democrático de Direito e com a função humanizadora do sistema penal.
Contudo se verificou que a aplicação prática do princípio da insignificância é heterogênea e marcada por certas divergências. De um lado, o STF possuí uma postura mais flexível e garantista, admitindo, em hipóteses excepcionais, a incidência do princípio mesmo diante de reincidência, desde que presentes reduzida lesividade e ausência de periculosidade social.
De outro lado, o STJ revela orientação mais restrita, afastando o instituto quando há reiteração delitiva, concurso de agentes ou circunstâncias que evidenciem maior reprovabilidade da conduta, em nome da função preventiva e simbólica da norma penal.
Este conflito entre as cortes culmina na insegurança jurídica e dificulta a construção de um critério uniforme capaz de orientar a atuação dos juízes de primeira e segunda instâncias. Observou-se, ainda, que a adoção de parâmetros puramente objetivos, como a fixação de um valor monetário máximo para o bem subtraído, mostra-se insuficiente para abarcar a complexidade dos casos concretos, pois ignorar elementos relevantes, como a condição socioeconômica do agente, a situação da vítima, a ausência de violência e o contexto social da conduta.
Conforme pode ser observado, princípio da insignificância não é absoluto e deve ser aplicado com cautela, porém sem que essa cautela se converta na ignorância do instituto, afinal, a supervalorização de critérios formais – notadamente da reincidência – como óbice automático à insignificância tende a distorcer sua finalidade garantidora. O que pode aproximar o sistema penal de um modelo meramente repressivo e pouco atento às exigências de proporcionalidade e dignidade da pessoa humana.
Nesta linha, conclui-se que a aplicação do princípio da insignificância nos crimes patrimoniais deve: (i) manter-se ancorada em uma leitura constitucionalizada do Direito Penal, que privilegie a proteção de bens jurídicos relevantes sem criminalizar condutas socialmente inexpressivas; (ii) combinar critérios objetivos e subjetivos, evitando tanto o automatismo dos parâmetros puramente econômicos quanto o rigor excessivo pautado apenas na reincidência; e (iii) buscar maior harmonização entre as orientações do STF e do STJ, de modo a promover segurança jurídica e previsibilidade na atuação jurisdicional.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus n.º 84.412/SP. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 19 out. 2004.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus n.º 123.108/MG. Rel. Min. Roberto Barroso. Julgado em 18 mar. 2015.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). AgRg no REsp 1.754.686/RS. Rel. Min. Felix Fischer. Julgado em 21 fev. 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). AgRg no AREsp 1.796.879/MG. Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Julgado em 27 abr. 2021.
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ROXIN, Claus. Política criminal e sistema do direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
1Formação acadêmica: Administração de Empresas
Instituição de formação: Universidade Presbiteriana Mackenzie
Endereço: Brasil, São Paulo, SP
Email: alinegdikian@hotmail.com
2Formação acadêmica: Cursando o ensino superior
Instituição de formação: Universidade Presbiteriana Mackenzie
Endereço: Brasil, São Paulo, SP
Email: rosinmatheus883@gmail.com
3Formação acadêmica: Cursando o Ensino Superior
Instituição de formação: Universidade presbiteriana Mackenzie
Endereço: Brasil, São Paulo, SP
Email: isabellalouzada@outlook.com.br
