LIBERDADE DE EXPRESSÃO, FAKE NEWS E REGULAÇÃO DAS REDES SOCIAIS 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8398004


Pedro de Oliveira Gueiros1


Resumo 

O presente artigo tem por finalidade analisar os aspectos da liberdade de expressão e de  informação diante das novas realidades da rede mundial de computadores, bem como suscitar  o debate acerca da necessidade de regulação das redes sociais para mitigar a disseminação de  notícias falsas e discursos de ódio. Para tanto, foi realizado um levantamento, por meio de  pesquisa qualitativa no Catálogo de Teses e Dissertações, bem como em determinadas obras  que tratam acerca do assunto. Com esse trabalho foi possível detectar a baixa produção  científica relacionada ao tema, em especial quanto à análise da regulação das redes sociais  diante da disseminação de notícias falsas, o que, apesar da dificuldade, percebeu-se a  necessidade de uma maior atenção à questão levantada. Espera-se que os resultados  apresentados, dêem mais ênfase para que o tema seja mais debatido, fomentando estudos  científicos na área. 

Palavras-chave: Desinformação. Fake News. Disseminação de notícias falsas. Discursos de ódio. 

Abstract

The purpose of this article is to analyze aspects of freedom of expression and information in  the face of the new realities of the world wide web, as well as to raise debate about the need to  regulate social networks to mitigate the spread of fake news and hate speech. . To this end, a  survey was carried out through qualitative research in the Catalog of Theses and Dissertations,  as well as in certain works that deal with the subject. With this work, it was possible to detect  the low scientific production related to the topic, especially regarding the analysis of the  regulation of social networks in the face of the dissemination of fake news, which, despite the  difficulty, revealed the need for greater attention to the issue raised. . It is expected that the  results presented will give more emphasis so that the topic can be further debated, encouraging  scientific studies in the area. 

Keywords: Disinformation. Fake News. Dissemination of fake news. Hate speeches. 

1. Introdução 

Na contemporaneidade com a explosão informacional causada pela evolução da  internet, em especial das redes sociais, as notícias falsas têm sido percebidas com grande  frequência. Essas notícias não são novidade, mas a dimensão de suas consequências, inclusive  com violações de direitos fundamentais e humanos, sim.  

Grande parte das relações sociais deixaram o conhecido tradicionalismo e passaram a  ocupar lugar nas redes sociais, inclusive, quando se trata do conceito de cidadania devemos  compreendê-lo com um novo olhar, o da cibercidadania, pois os aspectos da condição humana  agora estão intimamente ligados à rede mundial de computadores.  

Os grandes movimentos dos últimos tempos iniciaram-se através das redes sociais. A  facilidade com que as manifestações chegam a nível mundial, geram preocupação. É possível  ou necessário a regulação das redes sociais para evitar romper princípios fundamentais, a exemplo, da liberdade de informação? O mau comportamento dos cidadãos, acoplado aos  projetos econômicos, políticos e de poder, têm gerado violência extrema fora da rede, e  impactam, sobremaneira, a vida de todos, em especial a condição humana.  

Diante disso, resulta a necessidade de debates nas comunidades acadêmicas e  científicas, com a finalidade de fortalecimento de direitos fundamentais, em especial da  liberdade de expressão, encontrando formas para mitigar a violência perpetrada pela  disseminação das notícias falsas e discursos de ódio que têm assustado fortemente nas  redes sociais. 

2. Metodologia 

A fim de atender ao objetivo proposto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica para o  embasamento teórico e conceitual sobre o tema da disseminação de notícias falsas e discursos  de ódio, com a finalidade de fomentar o debate acerca da necessidade de atualização dos  conceitos de liberdade de expressão e direito de informação, bem como das formas possíveis  para disseminar os discursos de ódio que se baseiam na disseminação de notícias falsas, dentre  os meios, o da possibilidade de regulação das redes sociais.  

Além disso, foi realizado um levantamento bibliográfico de obras acerca do tema e  realizada pesquisa dos trabalhos científicos acerca do tema no catálogo de teses e dissertações  da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).  

3. Internet: Transformação da vida humana  

Nas últimas décadas houve um avanço avassalador da internet. Com o crescimento  natural do mercado em 1996, o serviço de internet avançou a passos largos no Brasil. Em 2004,  presenciamos o desenvolvimento do MapReduce, pela Google, trazendo-nos com avassaladora  rapidez as chamadas “big datas”, ou seja, avanço de dados que contêm maiores variedades,  chegando em volumes crescentes com maior velocidade, inclusive.  

Já não tínhamos mais dificuldades de análise de dados sem estrutura de grandes  volumes. Em 2004, com a fundação do Facebook, que atualmente possui 2,9 bilhões de usuários (VOLPATO, 2023), seguido da fundação dou Youtube em 2005, depois Twitter em 2006 e WhatsApp em 2009, o direito à informação ganhou relevância, superando-se o que até então se  conhecia de liberdade de informação e passando a ser visto sob aspecto cibernético.  

Como consequência desse processo evolutivo da rede digital, em 2007 a Apple lançou  o seu primeiro Iphone, revolucionando o mercado de smartphones. Em pesquisa coordenada  pelo professor Fernando Meirelles, publicada em maio de 2023, pelo Centro de Tecnologia de  Informação Aplicada da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGVcia), estima se que o Brasil tenha 464 milhões de dispositivos digitais. (MEIRELLES, 2023). 

A evolução da internet impactou diretamente a vida dos cidadãos e a forma como  exercem sua cidadania. Acontece que da mesma forma que a tecnologia da informação e  comunicação, consubstanciada na evolução rápida da rede mundial de computadores, trouxe  uma intensa e ampla participação do “cidadão comum” no exercício da democracia e de suas  liberdades fundamentais, trouxeram com maior intensidade, problemáticas até então  desconhecidas.  

As fronteiras da internet tornaram-se indefinidas, e a maior participação na vida pessoal  e social do “cidadão comum” trouxe uma série de acontecimentos que levantaram  questionamentos relacionados à crescente e imoderada utilização da internet para o exercício  da liberdade de expressão.  

Além disso, em 2010, o mundo vivenciou o episódio do vazamento de dados do governo  dos Estados Unidos da América pelo grupo Wikileaks, situação de grande impacto internacional,  que levou ao questionamento acerca de questões como segurança nacional, eticidade nas  relações da internet e transparência.  

Alguns anos depois, em 2013, outras publicações de denúncias de Edward Snowden,  sobre o poder de controle que o governo dos Estados Unidos da América possui a partir dos  dados pessoais dos usuários da internet. 

Da mesma forma que é louvável acompanhar a evolução da internet, tornam-se  necessárias algumas investigações acerca do tema, em especial quando relacionados à  capacidade de controle externo de governos e grandes empresas que controlam o sistema das  redes sociais abertas e suas consequências políticas, econômicas e culturais.  

Nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, bem como no processo eleitoral  para a Presidência brasileira em 2018, confirmou-se de forma mais evidente, que esse tipo de tecnologia da informação foi utilizada pelos administradores das redes sociais abertas para as  estratégias de campanha.  

Segundo Ahrens (2018), “a técnica utilizada nesses casos seria baseada em um  mapeamento de tendências emocionais obtido a partir de dados de usuários do Facebook;  estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas tiveram a sua privacidade violada para essa  finalidade”. 

Basear-se nessas tendências, faz com que as mensagens sejam direcionadas àquele que  esteja vulnerável ou propenso à resposta emocional que a rede social busca. Eis o primeiro  questionamento: até que ponto devemos tolerar que os administradores das redes sociais abertas  influenciam a decisão de seus usuários violando sua privacidade com base em dados de cunho  emocional? Para responder a essa pergunta, é preciso que compreendamos quão rasas foram as  regulações que o chamado “marco civil da internet” trouxe para sociedade brasileira. 

3.1. Marco Civil da internet 

Se olharmos para trás, há cerca de 02 décadas, as informações eram difundidas por livros  disponíveis em bibliotecas e bancas de jornais. Uma enorme barreira na ampliação do conhecimento. Com a evolução vivenciada pela humanidade, a facilidade de acesso à internet  e a velocidade com que essas informações chegam à casa das pessoas através da rede mundial  de computadores, o conhecimento e o acesso à cultura aumentaram infinitamente.  

Isso não significa que a qualidade do conteúdo melhorou. A rigor, percebe-se que a plena  liberdade de expressar opinião e difundir informação, traz problemas antes não existentes,  dentre eles o de realizar processo de seleção rigorosa para averiguação da veracidade ou não  das informações que são disseminadas, procedimento que era feito pelos redatores e revisores  das obras e enciclopédias.  

Assim como melhorou em vários aspectos, a internet potencializou a disseminação de  notícias falsas em larga escala, rompendo com o direito constitucional à liberdade de  informação, que não significa somente receber informação, mas se traduz no direito de receber  informação real, verdadeira e limpa.  

A facilidade de acesso à internet fez surgir um novo modelo de sociedade, que se  apresenta e se desenvolve no âmbito virtual. A amplitude das manifestações cresceu, e não  poderíamos deixar de considerar que uma opinião disseminada para um grupo pequeno de pessoas não produzem o mesmo efeito que a mesma manifestação disseminada e promovida pelas  redes sociais.  

Na sociedade moderna o acesso à internet permite que, de forma quase igualitária, as pessoas se manifestem livremente. Quais seriam, no entanto, os limites dessas manifestações? 

Se, antes, bastavam as declarações de direitos para que se respeitassem os indivíduos nas suas esferas social e privada, hoje se faz cada vez mais necessária a reafirmação dos limites entre indivíduo e Estado na esfera virtual, sobretudo porque em 2013 eclodiu o escândalo de espionagem de escala global realizado pelo governo dos Estados Unidos a partir de seu próprio território, por meio do qual se interceptavam e armazenavam dados transmitidos pela internet por cidadãos americanos e por pessoas de vários países do mundo, além das práticas de espionagem contra chefes de Estados e empresas de grande porte, com o intuito de obtenção de vantagens comerciais. (FILHO, E. T., 2016, p. 272).  

A internet não poderia ser “uma terra sem lei”, onde tudo é permitido pela aparente  impossibilidade de descoberta da real identidade do portador da informação. Com esse avanço  e o conhecimento de que as informações superariam as barreiras limítrofes dos Municípios,  Estados e Países, e, em pouco tempo, uma informação disseminada poderia ser lida em todo  mundo, percebeu-se uma deficiência do direito penal, em especial no combate à criminalidade  virtual:  

Os governos brasileiro e alemão, ambos vítimas de espionagem, encaminharam à Organização das Nações Unidas um projeto de resolução intitulado “O direito à privacidade na era digital” (United Nations, 2003). Reapresentado com pequenas alterações por 22 países, esse documento, aprovado na Sessão de 26 de novembro de 2013, expressa a preocupação com o uso das novas tecnologias de informação e de comunicações por pessoas, empresas e governos na vigilância, interceptação e recopilação de dados, inclusive realizados extraterritorialmente, já que essas práticas poderia constituir violação de direitos humanos, em especial quanto ao direito à privacidade, fundamental em uma sociedade democrática para materializar a  liberdade de expressão, assim como se expressou preocupação com a liberdade de buscar, receber e difundir informações. (FILHO, E. T. 2016, p. 272). 

Estava evidenciado que precisaríamos de legislações que regulam o direito penal da  internet, mas que, sobretudo protegesse a liberdade de expressão e informação, dentre outros  direitos, a exemplo da privacidade.  

Diante de todos esses problemas, em especial envolvendo a invasão de privacidade entre  um Estado e outro, o governo brasileiro iniciou uma campanha junto ao Congresso Nacional  para aprovação de uma lei que visasse regular os comportamentos na esfera virtual, sendo  aprovado o denominado “Marco Civil da Internet”. 

Três pontos foram bastante criticados e que serão posteriormente analisados: o temos de censura imposta a páginas de internet, a neutralidade da rede e a implantação de datacenters no Brasil. O Senado Federal, por sua vez, analisou o projeto muito rapidamente, para que houvesse tempo de a Presidência da República promulgar o texto durante o Encontro Multissetorial Global Sobre o Futuro da Governança da Internet – NetMundial (FILHO, E. T., 2016, p.274). 

A intenção do legislador brasileiro era afastar a impressão de que a internet era “terra  sem lei”. Diversas críticas foram geradas à aprovação da referida lei, isso porque, embora o  Marco Civil da internet fosse uma lei com o intuito de disciplinar os direitos e deveres dos  usuários da rede, não havia nela mudanças substanciais que acrescentasse à legislação vigente  em praticamente nada.  

Outro ponto bastante criticado foi o fato de que o avanço da rede mundial de  computadores trazia à lei Nacional uma ingenuidade, no sentido de que, não haveria soluções  concretas para as violações de direitos existentes, quando os efeitos dos problemas tratados por  uma lei nacional eram, na verdade, extraterritoriais.  

Alguns, embora poucos, eram os aspectos positivos da lei. Estávamos diante de uma  real evolução, pois, ainda que sutilmente, havia uma regulação, um marco para que pudéssemos  discutir e avançar ainda mais acerca dos problemas que enfrentamos com a chamada  “cibercidadania”, dentre eles o da liberdade de expressão e informação.  

4. Liberdade de Expressão e Discurso de ódio.  

A liberdade de expressão sempre esteve vigente no ordenamento jurídico brasileiro, e,  destacando-se de todas as garantias fundamentais, está diretamente relacionada à estrutura do  Estado democrático de Direito.  

Segundo Torres (2013), a liberdade de expressão garante aos cidadãos uma voz na  manifestação de suas várias correntes políticas e ideológicas. 

O problema que agora enfrentamos no exercício da cidadania no mundo digital é que o  princípio da liberdade de expressão alcançou um novo patamar, superou todas as barreiras da  comunicação tradicional. Uma notícia, um parecer ou até mesmo uma opinião disseminada na  internet ultrapassa as barreiras limítrofes dos Estados chegando a centenas de milhões de  usuários no mundo inteiro, e, embora o avanço do que chamamos “cibercidadania” seja  benéfico e inclusivo, não se pode tolerar que o princípio seja utilizado de forma desmedida para  atingir bens jurídicos de terceiros.  

A liberdade de Expressão não pode ser usada para atingir a intimidade e os valores morais dos seres humanos. Neste diapasão, é possível verificar pela observação que a relativização de um direito se dá de acordo com o seu uso inadequado, de sorte a que este entre em conflito com um bem jurídico tutelado de outrem. (JACOB, 2023, p. 61).  

O discurso de ódio, visa insultar, invadir a intimidade ou assediar determinados grupos  da sociedade, induzindo a violência e a discriminação (SCHAFER; LEIVAS; SANTOS, 2015), sem a compreensão de que, na sociedade atual, há uma estruturação complexa que deve ser  respeitada como um todo.  

Nessa estruturação, Luhmann concebe a sociedade não apenas como um conjunto de  homens ou ações humanas, mas através de um sistema que denominou autorreferente ou  autopoiético, ou seja, um sistema que se reproduz e se desenvolve sem suprimir a si próprio  (LUHMANN 2016). 

Não deve existir liberdade de expressão sem responsabilidade, da mesma forma como  entendemos que não é censura a mitigação da liberdade de expressão frente à outros direitos  fundamentais como a liberdade de informação limpa. Nenhum direito é absoluto.  

Torres (2013) reforçou o entendimento de que a liberdade de expressão não representa  um valor livre de responsabilidade. Partindo dessa premissa, temos que a garantia tem  limitações, pois o direito de expressar-se livremente não pode ser objeto para limitação de  outros direitos também fundamentais como é o caso da liberdade de informação.  

Partindo dessa ideia, temos que a intervenção do Estado, no que diz respeito à  disseminação de matérias falsas, ou mesmo de propagação de discursos de ódio, não ofende à  liberdade de expressão, desde que condicionada à neutralidade do ente, ou seja, sem tendências  ideológicas.  

É fato que a internet avançou e está avançando a passos largos. Como iremos lidar com  isso nas próximas décadas é um desafio que teremos que enfrentar. Em poucos anos, o modo  tradicional de reunião, de pesquisa, de disseminação de notícias, de encontros terá mudado  ainda mais, e teremos que enfrentar essa mudança radical ponderando direitos que são  essenciais. Essa mudança já é vista com evolução da rede mundial de computadores, em  especial quando se trata de redes sociais abertas.  

Por si só, a garantia da liberdade de expressão e a proteção da liberdade de informação,  atualmente em conflito ante às manifestações e disseminação de notícias falsas, representam  um grande desafio para todos nós. Será de extrema importância a discussão dessa temática, em  especial no que diz respeito ao controle externo.  

O marco civil da internet fundou-se em três pilares essenciais e louváveis: 1. A  neutralidade da rede; 2. A privacidade dos usuários; 3. Liberdade de expressão e de pensamento. 

A internet não se tornou apenas um campo de disseminação de conhecimento, é também  um ambiente em que, paralelamente, se formam opiniões. Em detrimento das vantagens que  proporciona, há um retrocesso, potencializado pelas redes sociais, na propagação de notícias  falsas e discursos de ódio que colocam em risco o desenvolvimento de direitos fundamentais, em  especial aqueles ligados à liberdade de informação.  

A recorrente violação da dignidade, da honra, da proteção, da privacidade, das  liberdades individuais, no cenário virtual, em especial quando diante da disseminação de  notícias falsas e propagação dos discursos de ódio contra minorias, traz a necessidade de  investigação mais assídua das comunidades científicas, para que se encontre uma forma de  regulação das redes sociais sem que a liberdade de expressão seja, por oportuno, censurada.  

A finalidade precípua de regulação das redes sociais tem base e fundamento na proteção  de outros direitos fundamentais que são constantemente atacados quando se trata de  desequilíbrio no uso das ferramentas de comunicação virtual, em especial por aqueles que se  alimentam e necessitam de discursos falsos para se promover.  

Podemos avançar ainda mais. E avançaremos com a verdade que ilumina o  entendimento humano, com responsabilidade na utilização das redes sociais e da internet, mas  somos constantemente levados à autopromoção de nossos próprios interesses, dilapidando,  continuamente, direitos essenciais daqueles que estão, por vezes, ao nosso lado. A dificuldade  histórica do homem em olhar para o próximo é um dos fatores que nos geram preocupação,  pois, a necessidade de autopromoção das próprias ideologias, negócios, dentre outras, carregam  em si o obscuro desejo de afrontar a transparência e a verdade ainda que isso assalte o direito  do outro. 

A verdade racional ilumina o entendimento humano, e a verdade de facto deve servir de matéria às opiniões, mas estas verdades, ainda que não sejam nunca obscuras, não são transparentes por isso, e está na sua própria natureza recusar-se a uma elucidação ulterior, como é da natureza da luz recusar-se a ser iluminada. (ARENDT, 2016,  p.102).  

Perpassam a era da pós-verdade, estamos rompendo direitos fundamentais, bases do  Estado democrático de direito. Movidos pela revolta, pela cólera de ideologias desenvolvidas  pelos próprios sistemas que desprestigiam processos democráticos de uma sociedade e geram  danos que atacam direitos da coletividade. 

O Direito nasceu com o intuito de resolver conflitos. Apesar de ser esse o seu papel principal, ele não é o único, pois o Direito é erguido no conflito e vive do conflito. O direito, além de solucionar esses conflitos, deve ser capaz de preveni-los. Desse modo, o direito não apenas pacífica os conflitos como também os cria, mediante suas estruturas internas no processo de autopoiese (LUHMANN, 2006).

Nas próprias palavras de Luhmann:  

É a partir de suas próprias estruturas que o Direito faz o acoplamento estrutural com outros sistemas, filtrando e absorvendo o conteúdo que é necessário para suas estruturas desenvolverem a autopoiese (LUHMANN, 2006). 

A sociedade evoluiu e o direito precisa evoluir conjuntamente, com critérios rigorosos  de averiguação e outros que, através de um debate, garantam a liberdade de expressão e  informação e mitiguem a disseminação de notícias falsas, punindo severamente seus infratores. 

4.1. Era Pós Verdade.  

Vivemos numa era em que nada se pesquisa. É mais fácil pegar uma notícia pronta e  disseminá-la sem averiguar se a informação está correta. Por vezes, essa disseminação acontece  sem um dolo específico, e, sem perceber, aqueles que o fazem se tornam instrumentos para  propagação de boatos, de “notícias” falsas que depreciam os direitos fundamentais e desvirtuam  o estado democrático de direito.  

A rápida evolução da internet contribuiu para tudo que aqui pesquisamos, e o assunto  está em pauta no mundo inteiro, pois interfere na liberdade de escolha, afeta a vida individual  e do coletivo da sociedade mundial.  

O psicológico e o emocional dos cidadãos são visados pelos que se alimentam da  mentira e necessitam da boa vontade daqueles, cuja simplicidade intelectual, ou mera exaustão  para buscar a verdade real dos fatos, se tornam verdadeiros soldados de disseminação de  informações falsas e discursos de ódio, promovendo, na realidade, uma tempestade de  desinformação que ataca a democracia e os direitos humanos e fundamentais da coletividade. 

Se a distração pode ser inimiga da verdade, conclui-se que seus defensores devem se engajar na batalha pela atenção. Não é suficiente divulgar um comunicado à imprensa, aparecer em um canal de notícias ou twittar uma reprimenda. Os meios da reprimenda devem corresponder à cultura vigente. Um podcast viral, uma manifestação de protesto ou uma petição online podem fazer mais para banir uma mentira do que uma asserção objetiva do fato. É uma bola de neve, claro: uma batalha interminável entre a distração e contra distração não contribuiria em nada para o discurso democrático. A verdade nunca deve ser comprometida pela teatralidade. No entanto, é ingênuo pensar que a batalha contra a pós-verdade será ganha recorrendo unicamente a técnicas de verificação rotineira (D’ANCONA, 2018, p.113). 

É responsabilidade de todos os cidadãos o compromisso com a verdade, a proteção de  direitos fundamentais que são atacados corriqueiramente pela disseminação de notícias falsas.  É tarefa de todos a educação, o hábito de escolher aquilo que não afeta a coletividade, pois o  progresso de uma nação justa, igualitária, equilibrada, com paz social, direitos fundamentais e  humanos protegidos, independente de ideologias, é o desejo de todos nós. 

5. Considerações finais 

Os atores e locutores da disseminação de notícias falsas e discursos de ódio se alimentam  da mentira para se promoverem. Em que pese os inúmeros benefícios que as redes sociais nos  trazem, é também um meio fácil de recrutamento, principalmente daqueles que estão cheios de  ódio ou de simplicidade intelectual, para ataque indiscriminado aos direitos de minorias, ainda  que isso tenha o alto custo de promover a desinformação.  

A dificuldade de eliminar os registros lançados no ciberespaço é real, quase que inviável,  diante do volume e proporção que tomam. É também ineficaz a tentativa de remoção, que dirá  os danos à imagem que tudo isso gera.  

Ademais, é preciso maior preocupação quando os danos atacam a ordem constitucional  do estado democrático de direito e outros direitos essenciais da coletividade. A necessidade de  se garantir um direito de informação verdadeiro, real, está corporificado pelo avanço do acesso  universal às redes sociais para disseminação de notícias falsas. Em paralelo a isso, há direitos  como privacidade e liberdade de expressão que não podem ser mitigados, mas o exercício deles  deve ser com responsabilidade social.  

Espera-se que, no futuro, o avanço das tecnologias no ciberespaço seja motivo para  evolução universal e não um campo de batalha de interesses individuais em detrimento de  direitos fundamentais da coletividade.  

Não há como finalizar a discussão acerca desse tema nas breves páginas deste trabalho,  apesar disso, é possível aferir a necessidade urgente de debates acerca do tema que visem a  regulação das redes sociais como forma de garantir a liberdade de informação, de outro lado, sem que haja censura da liberdade de expressão, impondo rigorosa parcela de responsabilidade  e culpabilidade ao emissor dos conteúdos falsos e de ódio.  

A internet veio para ficar, e, possivelmente ao final deste trabalho, os números aqui  expostos já estarão desatualizados, pelo crescente avanço das relações no ciberespaço. É,  portanto, dever do Estado e de todos a preocupação com as regras que devem regulamentar o  campo virtual, não apenas as que reafirmam direitos existentes, mas as que criam direitos  consubstanciados na evolução de novos padrões de vida social. 

REFERÊNCIAS 

AHRENS, Jan Martinez. Vendaval Cambridge Analytica abala os EUA por fraudes com  notícias falsas. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03 /20/internacional/1521574139_ 109464.html. dados do Facebook. El País Internacional, 21  mar. 2018, 12h45m. Acesso em: 13 de setembro de 2023. 

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 8. ed. [tradução Mauro W. Barbosa]. São  Paulo: Perspectiva, 2016. 

D’ANCONA, Matthew. Pós verdade. A nova guerra contra os fatos em tempo de fake News – 1.Ed. – Barueri: Fato Editorial, 2018.  

JACOB, Raphael Rios Chaia. Liberdade de expressão, internet e telecidadania. 2ª Edição.  São Paulo: Literando Editora, 2023.  

LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2016. 

MEIRELLES, Fernando. Uso de TI no Brasil: País tem mais de dois dispositivos digitais  por habitante, revela pesquisa, 2023. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/uso-ti brasil-pais-tem-mais-dois-dispositivos-digitais-habitante-revela-pesquisa. Acesso em 16 de  setembro de 2023. 

SCHAFER, G.; LEIVAS, P.G.C.; SANTOS, R. H. Do discurso de ódio – da abordagem  conceitual ao discurso parlamentar. Revista informação legislativa no 52. 207, p. 143-58,  jul./set.2015. Disponível em https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes /52/207/ril_v52_n207 _p143. Acesso em 26 de setembro de 2023.  

TORRES, Fernanda Carolina. O direito fundamental à liberdade de expressão e sua  extensão. Revista do Senado Federal, Ano 50, Número 200, out./dez. 2013.  VOLPATO, Bruno. Ranking: as redes sociais mais usadas no Brasil e no mundo em 2023,  com insights, ferramentas e materiais, 2023. Disponível em: https://resultadosdigitais.com.br/marketing/redes-sociais-mais-usadas-no-brasil/. Acesso em  28 de setembro de 2023.


1Mestrando pelo Instituto de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP, Brasília/DF