ERRO NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS, VÍCIOS DO CONSENTIMENTO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8346399


Everaldo Antonio  De Jesus


RESUMO

No campo das ações humanas, interessa muito de perto para o direito, aquelas que se traduzem em atos jurídicos. Não obstante, como veremos, nem todas as ações correspondem a um ato jurídico, este último por sua vez só se estabelece mediante a vontade do agente, resguardando-se, obviamente os preceitos legais (ato jurídico stricto senso). Já o conceito de ato jurídico lato senso abrange todas as ações humanas, e não só as condiciona à vontade do agente. Dessa equação resulta o fato de que quando o agente declara sua vontade e objetiva um efeito jurídico, nasce o chamado negócio jurídico, que na conceituação da autonomia privada tem sua formação através de dois institutos centrais, o saber: a propriedade e o contrato. Veremos que os atos e os negócios jurídicos podem estar impregnados de erros (no sentido lato) , defeitos ou desvios jurídicos e serão objeto de nossa análise.

PALAVRAS-CHAVES: Vontade, dolo, negócio, jurídico, ato.

INTRODUÇÃO

Inicialmente temos que a vontade é a mola propulsora dos negócios ou atos jurídicos, e assim sendo é de fundamental importância que essa vontade seja manifestada de forma livre e espontânea.

Todas as vezes que essa vontade não se manifestar fiel aos objetivos intimamente perseguidos, diremos que houve vício, mais precisamente vício do consentimento. Estes por sua vez são produtos da influência dos erros (que são uma falsa noção, juízo ou representação da realidade.) Assim sendo, faz-se necessário o ordenamento jurídico dispor de mecanismos eficazes que visem corrigir essas distorções.

Como veremos existem situações em que um negócio jurídico é efetuado, dentro da conformidade dos preceitos legais, positivamente falando, e apesar disso, o objetivo perseguido por uma das partes envolvidas era diverso daquele atingido, denotando-se dessa forma um negócio jurídico falho. Isso pode ocorrer por força de fatores subjetivos como a vontade.

Quando isso ocorre é necessário que o jurista, à luz do ordenamento jurídico, tenha sensibilidade bastante para reconhecer tal desvirtuamento negocial, para salvaguardar os interesses do cidadão que pode estar sendo induzido a erro em um contrato, ou praticando um ato jurídico prejudicial a si próprio por intermédio fraudulento de outrem, sendo urgente a nulidade dessas atividades.

OBJETIVO

Objetiva-se, aqui, compreender o conceito de negócios e atos jurídicos para identificar os possíveis que envolvem neste tipo de negócio.

DESENVOLVIMENTO

É pertinente, antes de mais nada, conceituarmos criteriosamente ato e negócio jurídicos, assim como distingui-los. No campo dos atos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Os primeiros, caracterizando-se por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos, quando revestirem certas condições impostas pelo direito positivo. Não são todas as ações humanas que constituem atos jurídicos, porém apenas as que traduzem conformidades com a ordem jurídica, uma vez que as contravenientes às determinações legais vão integrar a categoria dos atos ilícitos, de que o direito toma conhecimento, tanto quanto dos atos lícitos, para regular-lhes os efeitos, que divergem, entretanto, dos destes, em que os atos jurídicos produzem resultados consoantes com a vontade do agente, e os atos ilícitos sujeitam a pessoa que os comete a consequências que a ordem legal lhes impõe (deveres ou penalidades).

Na mesma valoração ontológica da lei, como dos atos jurisdicionais, a vontade individual tem o poder de instituir resultados ou gerar efeitos jurídicos, e, então, à manifestação volitiva do homem, com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as fontes criadoras de direitos . É a noção do ato jurídico “lato sensu” que abrange as ações humanas, tanto aquelas que são meramente obedientes à ordem constituída, determinantes de consequências jurídicas ex lege, independentemente de serem ou não queridas como aquelas outras declarações de vontade, polarizadas no sentido de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos queridos.

A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que a doutrina tradicional denominava ato jurídico (stricto sensu), e a moderna denomina negócio jurídico.

O ato jurídico, tal como entendido e estruturado na sistemática do Código Civil de 1916, art. 81, também conceitualmente se funda na declaração de vontade, uma vez que, analisado em seus elementos, acusa a existência de uma emissão volitiva, em conformidade com a ordem legal, e tendente à produção de efeitos jurídicos. E isto leva a admitir que o legislador brasileiro identificou as duas noções – ato jurídico e negócio jurídico – cujos extremos coincidem. Como, porém, a expressão ato jurídico é um valor semântico abrangente de um conceito jurídico mais amplo, compreensivo de qualquer declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou do Estado, destinada à produção de efeitos, o negócio jurídico deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ato jurídico.

A aproximação das noções do ato jurídico, tal como extremado na sistemática brasileira, e do negócio jurídico, da concepção tedesca, facilmente ressalta do confronto da definição, calcada no art. 81 do Código Civil e a que se oferece do negócio jurídico. Pelo nosso Código, de 1916, ato jurídico seria todo ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar transferir, modificar ou extinguir direitos, em que todos os autores ressaltam a presença do fator vontade. O negócio jurídico, no dizer de Enneccerus, citado linhas acima, é um pressuposto de fato, que contém uma ou várias declarações de vontade, como base para a produção de efeitos jurídicos queridos. No dizer de Oertmann,(introducción, § 35) é o fato produzido dentro do ordenamento jurídico, que com relação à vontade dos interessados, nele manifestada deve provocar determinados efeitos jurídicos.

O direito positivo reconhece às pessoas o poder de provocar efeitos jurídicos por meio de certos atos. Tal é o território da autonomia privada. O particular o exerce para concretizar a hipótese prevista na lei, especificando-a. Na conceituação da autonomia privada reúnem-se os dois institutos centrais do direito privado: a propriedade e o contrato ou o negócio jurídico que, sendo mais amplo, a este abrange.

A função mais característica do negócio jurídico é, porém, servir de meio de atuação das pessoas na esfera de sua autonomia. É através dos negócios jurídicos que os particulares auto-regulam seus interesses estatuindo as regras a que voluntariamente quiseram subordinar o próprio comportamento. Domina atualmente o pensamento de que o negócio jurídico exprime o poder de autodeterminação dos sujeitos de direito, notadamente no campo das relações patrimoniais. Encarado esse poder na sua Junção de auto-disciplina das próprias pessoas interessadas na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, apresenta-se como expressão da autonomia privada. Salienta-se a correlação entre negócio jurídico e autonomia privada, dizendo-se que se a autonomia privada é o poder de autodeterminação, o negócio jurídico é o instrumento através do qual o poder de autodeterminacão se concretiza.

A manifestação da vontade opera livremente por meios variados, materializados, permanentes ou efêmeros (limitados pelas necessidades ou sistema das provas) ou por instrumentos que a vida moderna vem multiplicando com a aparelhagem automática.

Os negócios jurídicos têm, na vontade individual, seu impulso criador. Para serem normais e regulares, é preciso que a vontade, ao se exteriorizar, não padeça de um dos vícios que a destorcem.

Para bem compreender a disciplina legal dos vícios do consentimento, importa fixar o processo segundo o qual a vontade se forma. Toda vontade decorre de motivos, isto é, de razões pessoais, eminentemente subjetivos, que influem na mente do indivíduo para praticar esse ou aquele negócio jurídico, que o impelem, em suma, a agir. Em princípio, os móveis dos negócios jurídicos são irrelevantes à sua validade. Ao Direito não interessa que alguém adquira uma casa para morar, alugar ou dar, pois não cura de intenções. Mas, as razões que levam alguém a realizar determinado ato jurídico podem resultar de falsa representação, que suscite desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada, quer espontânea, quer em consequência da ação de outrem.

O processo psíquico de formação da vontade não é indiferente ao Direito. Se alguém, por ignorância de certos fatos, realiza negócio jurídico, que não realizaria se os conhecesse, a ordem jurídica não poderia deixar de lhe proporcionar os meios de obter sua invalidação. Uma pessoa que consente em casar com outra, na suposição de ser terceiro, há de poder anular esse casamento. Não seria possível, desse modo, ignorar a relação de causa e efeito entre os motivos e a vontade. Por isso, as causas que podem perturbar a vontade são classificadas e reguladas juridicamente sob, a denominação de vícios da vontade.

São irregularidades no processo de formação do consentimento, que viciam o negócio jurídico, unilateral ou bilateral, tornando-o suscetível de anulação. Os vícios da vontade classificam-se conforme diversos critérios. Dividem-se em vícios psíquicos e sociais, constituindo os defeitos dos atos jurídicos. Os primeiros provocam uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada. São : o erro, o dolo e a coação. Os segundos não atingem a vontade na sua formação, na sua motivação, mas, do mesmo modo, tornam o ato defeituoso, porque configuram uma insubordinação da vontade às exigências legais no que diz respeito ao resultado querido. São: a simulação e a fraude contra credores.

Os vícios do consentimento são o erro, o dolo e a coação. Vícios sociais são a simulação e a fraude. Bem próximo dos vícios do consentimento está a lesão, que por isso encontra perfeita localização topográfica entre os defeitos do negócio jurídico.  A rigor a vontade é a vertente principal do ato e do negócio jurídico. A vontade, como pedra fundamental do ato e do negócio jurídico deve merecer, portanto, a atenção do jurista. Mesmo sendo um fenômeno psicológico por excelência, deve ser dissecada dentro da ciência jurídica. O jurista ao deparar-se com a vontade deve ter condições de saber se ela, quando manifestada, o foi livremente, de forma consciente e com sentido sério.

A vontade que atinge o mundo fático exterior, a vontade que é lançada contra o ordenamento jurídico para dela nascer, conservar ou extinguir um direito, nem sempre satisfaz as exigências deste mesmo ordenamento jurídico. O mundo do direito traça regras segundo as quais a vontade (mundo dos fatos) vai ou não ter algum significado, e se tiver de que forma o terá.

Mas, a partir do momento em que a vontade é declarada (sob qualquer forma, inclusive pelo silêncio) passa a interessar, não só o que veio à tona, mas temos que retroceder e averiguar o “querer interno”. Para saber se ele foi devidamente exteriorizado, ou se a conduta externa está de acordo com o desejo interno, ou se no processo de declaração não houve deturpação do que realmente o declarante queria. Também interessa saber se a vontade formou-se de modo exato se ao ser elaborada no íntimo do agente desde logo não houve um desvirtuamento próprio.

CONCLUSÃO

No bojo dos atos e negócios jurídicos, o que importa ressaltar, sem entrarmos no mérito das discussões doutrinárias que tentam conceitua-los, é que não se pode falar em ato jurídico sem o elemento vontade. Muito menos negócio jurídico, que é uma espécie mais completa daquele.

Em relação a vontade é de fundamental importância que o jurista saiba identificar e tipificar a falta do livre arbítrio na consumação de atividades jurídicas e dessa forma tipificar o vício que degenera essa vontade e por conseguinte o contrato.

Se o contrato está afetado por divergência não intencional entre a vontade de uma das partes e a sua declaração (por erro, dolo e coação), não existe justiça formal e por isso, não se pode presumir a justiça objetiva.

O certo é que o dolo e a coação levam frequentemente às transações injustas, isso deve efetivamente ser coibido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SANTOS, José Belleza dos. A simulação em Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense: 1987.


FACULDAD INTERAMERICANA DE CIEN CIAS SOCIALESPÓS- GRADUAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL