OS PROCESSOS DE TOMADA DE DECISÃO SOB A PERSPECTIVA DA NEUROCIÊNCIA APLICADOS COMO FERRAMENTA PARA ORIENTAÇÂO PROFISSIONAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8250661


Tatiana Raia Bonassi Ribeiro


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo contribuir com o processo de Orientação Profissional através de ferramentas resultantes do conhecimento da Neurociência acerca dos fatores envolvidos na tomada de decisão. Assim, tendo como base essas contribuições neurocientíficas, foi proposta uma intervenção de Orientação Profissional organizada em 6 encontros, cada um com um tema pré-estabelecido, fazendo referência a processos cerebrais de tomada de decisão que podem ser tornados conscientes, favorecendo o processo decisório. Além desse benefício a curto prazo, a exposição a esse conhecimento também pode impactar positivamente o futuro dos participantes, fornecendo ferramentas para que escolhas sejam feitas a partir de um lugar mais amplo e consciente.

Palavras-chave: Orientação Profissional, Neurociência Aplicada na Educação, Tomada de Decisão.

INTRODUÇÃO

Fundamentação teórica

Quando inicialmente analisada e pensada a questão de uma escolha profissional, tendo em vista a abrangência e consequências a longo prazo dessa escolha, raramente é levada em conta questões subjetivas, na verdade, extremamente relevantes para um processo decisório bem sólido e que englobe o indivíduo em suas particularidades.

Neste trabalho, quando mencionamos a Orientação Profissional estamos nos referindo ao processo que tem como intuito auxiliar indivíduos a tomar e implementar decisões eficazes de carreira, proporcionando uma base sólida desta escolha através do autoconhecimento, da análise, da aquisição e da integração de conhecimentos de diversas áreas de atuação profissional, bem como aspectos implicados tanto na possível prática de carreira futura quanto em questões subjetivas que permeiam essa decisão. A fase da escolha de carreira na vida do jovem/adolescente pode ser gerador de grande angústia, pois muitas vezes este não se encontra preparado para tomar uma decisão que impactará seu futuro e a dedicação dos seus próximos anos acadêmicos. Assim, é necessário que o processo de Orientação Profissional possibilite a este jovem um ambiente abrangente, relevante e propício não somente para uma tomada de decisão, mas para o desenvolvimento de um pensamento crítico acerca das escolhas pessoais, os aspectos envolvidos nas decisões que são feitas e um reconhecimento pessoal do que de fato está sendo levado em conta no momento da decisão. Neste sentido, quando a decisão profissional deriva de uma escolha consciente, autônoma e pessoal, resulta em um desempenho e desenvolvimento de uma carreira que pode ser condição promotora de saúde e de qualidade de vida (AGUIAR; CONCEIÇÃO, 2013; OLIVEIRA; NEIVA, 2013). De acordo com Aguiar e Conceição (2013, p. 90), “o período que compreende a adolescência ganha um destaque especial na questão vocacional por ser o momento em que boa parte dos jovens pensa e toma decisões sobre o futuro que quer construir”.

A Neurociência contribui ricamente na observação ampla do que, de fato, uma tomada de decisão envolve. Muitas vezes, de forma errônea, a tomada de decisão é tida como um lugar “racional”, onde emoções, perspectiva pessoal, contexto familiar, valores e memórias não tem lugar. As questões neurofisiológicas pertencentes a esse processo mostram que todo esse contexto pessoal é utilizado em tomadas de decisão. Quando pensamos no funcionamento cerebral, somos motivados a satisfazer necessidades e para isso temos de escolher, por exemplo, o que desejamos comer, que roupa iremos vestir ou como usaremos nosso tempo. Tendo como base a ligação desses fenômenos, podemos inserir a tomada de decisão no processo de motivação e satisfação das necessidades. Em uma divisão clássica dos fatores envolvidos para tomar decisões, estes se agrupam em:

Benefícios: qual escolha provê a melhor satisfação da necessidade motivadora da ação;

Risco: dificuldades ou perigos que envolvem a escolha por uma ou outra coisa;

Custo: quantidade de recursos que devem ser alocados em cada uma das opções (não apenas monetários, mas também em relação a tempo gasto, recursos cognitivos etc.).

Decisões são processos extremamente pessoais, carregados de emoções e de uma avaliação subjetiva pertencente apenas do indivíduo no momento de escolha. Quando solucionamos problemas considerados fáceis (ou que aparentem fáceis), geralmente as escolhas são mais automáticas; e quando as decisões são mais complexas, estas demandam tempo maior para pensar e ponderar, e por isso usamos de processos conscientes. Essa dificuldade em resolver um problema (ou escolher), além de gerar um custo cognitivo, leva também a um ajuste fisiológico para a solução de conflitos. Vemos isso de maneira bem explícita, por exemplo, quando questionamos um aluno do ensino médio sobre para qual faculdade irá quando este  sequer conseguiu fazer sua escolha de carreira. Com a pressão ambiental envolvida nesse momento decisório, provavelmente esse estudante apresentará sinais de estresse fisiológico: suor, rubor, aumento no ritmo cardíaco.

Com o aumento da percepção sobre esse conflito, maior será a tendência a adiar essa escolha. É muito comum encontrar jovens estudantes cheios de dúvidas sobre sua escolha de carreira e/ou faculdade optando por não fazer essa escolha assim que concluem o Ensino Médio. Há casos em que a percepção subjetiva de riscos e conflitos desencadeia um estresse tão agudo que o indivíduo opta por se esquivar do processo decisório. O custo de qualquer decisão a ser tomada é, para algumas pessoas, tão alto que elas sequer saem de casa.

Os processos decisórios envolvem sistemas cerebrais específicos amplamente mapeados por meio de estudos e análises de imagem. Segundo Welsh e Pennington, os componentes das funções executivas, diretamente ligados ao processo de tomada de decisão são: a) a capacidade de inibir ou adiar uma resposta; b) o planejamento estratégico da sequência de ações; e c) a manutenção de uma representação mental da tarefa, incluindo informações sobre os estímulos relevantes e o objetivo pretendido. Também podemos ver outros aspectos neurológicos diretamente ligados às tomadas de decisão em “Neuroeconomia e Processo decisório”, de Rocha e Rocha, demonstrando as etapas cerebrais envolvidas.

Mas, será que somos mesmo tão racionais em nossas tomadas de decisão? Sejam elas no cotidiano ou aquelas que impactam de maneira mais abrangente nossas vidas. Emoções, experiência, histórias e contexto cultural também permeiam nossas atitudes e escolhas. Há uma palestra muito interessante dada à plataforma TED pelo economista Dan Ariely, chamada ‘Are we in control of our own decisions?’ – em tradução livre: estamos no controle das nossas próprias decisões? Nela são dados alguns exemplos de como nossa capacidade de escolher objetivamente é mais limitada do que inicialmente imaginamos. Em 1974, os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman publicaram um artigo na revista Science sob o título Judgment under Uncertainty: heuristics and biases e, em 1982, um livro com o mesmo nome. Estas publicações focaram especialmente nos princípios heurísticos que criam atalhos para julgamentos de probabilidade. De acordo com os autores, muitas decisões são baseadas em crenças pré elaboradas sobre fatos e/ou processos que não são conhecidos em plena consciência. Assim, as pessoas fazem uso de regras simples reduzindo a complexidade das decisões. Para eles, “Em geral, estas heurísticas são totalmente úteis, mas algumas vezes elas levam a erros graves e sistemáticos.” (T&K, 1974, p. 1124). Para K&T, os indivíduos em processo decisorio fazem uso de regras simples que acabam resultando em vieses. Essas regras normalmente não analisam os eventos em listas exaustivas para agregá-los, e nem mesmo avaliam suas probabilidades de ocorrência. Os autores elaboraram o estudo dessas heurísticas afim de encontrar fatores que ajudassem a compreender as decisões humanas, e essa abordagem ganhou enorme relevância dentro do contexto na neuroeconomia e neuromarketing.

Considerando que o processo de escolha de carreira constitui uma tomada de decisão extremamente demandante em uma fase de vida já marcada por transições e grandes conflitos, é de extrema importância que tal processo seja feito levando em conta todos os aspectos envolvidos em tal decisão. O intuito do processo de Orientação Profissional, é buscar auxiliar as pessoas a pensar, mediando de maneira verbal e semi-dirigida à conscientização dos fatores que inferem nessa escolha, o que justifica seu objetivo principal que é facilitar o momento da escolha, auxiliando o orientando a compreender sua situação específica de vida, na qual estão incluídos os aspectos pessoais, familiares e sociais (incluindo aqui aspectos neurológicos inerentes aos processos decisórios), (Lucchiari, 1993). Assim, podemos enriquecer esse percurso da Orientação Profissional, que já conta com inventários, entrevistas, interação e pesquisas, com a proposta de oferecer ao orientando respaldo neurocientífico que o auxilie a enxergar o que está envolvido nesse processo. A possibilidade de ampliar a perspectiva acerca do problema aqui posto, ou seja, a escolha de carreira, tem muito a ser enriquecida quando acrescida de conhecimentos da Neurociência na tomada de decisão.

Descrição da situação problemática

A partir da atuação (tanto clínica quanto organizacional) no processo de Orientação Profissional de jovens entre 15 e 18 anos, foi percebida a dificuldade na tomada de decisão frente à carreira a ser escolhida. Essa dificuldade, em grande parte, se encontra nas limitações encontradas em conseguir observar a si mesmo, seu próprio entorno e o que de fato é uma escolha. Além disso, também é de extrema relevância iniciar esse processo partindo do ponto de vista neurocientífico na tomada de decisão, ou seja, uma definição bem estruturada de qual é o problema a ser resolvido pelo indívíduo. Assim, a situação problemática é a falta de consciência do que está implícito nas tomadas de decisão, a delimitação de qual o problema a ser abordado e de como as escolhas são feitas diante de inúmeras opções de carreira.

Hipóteses diagnósticas

Quando um indivíduo, geralmente no final do Ensino Médio, se depara com a demandante escolha de sua carreira profissional, poucas vezes tem consciência dos processos, meios e implicações envolvidos em sua tomada de decisão. Desta forma, por fazer uma escolha nem sempre baseada em um alicerce sólido, acaba por desistir do curso inicialmente escolhido, inicia uma carreira indesejada, cede à pressões do meio inserido e colhe impactos a longo prazo como frutos dessas escolhas.

Justificativa

A possível intervenção, atuando diretamente com estudantes em seu processo de escolha de carreira , utilizando o conhecimento neurocientífico acerca do processo decisório, traz alguns impactos e benefícios positivos, sendo estes:

– Tomada de decisão de maneira mais consciente, com a possibilidade de melhor avaliação das motivações e influências que permeiam essa escolha;

– Reconhecer de maneira prática como uma decisão é tomada e formada, possibilitando o uso dessa ferramenta (conhecimento) não somente nesta situação, mas ampliando seu uso para o resto da vida;

– Compreensão abrangente dos ganhos, custos e riscos inerentes a escolha a ser feita;

– Diminuição da altíssima evasão que ocorre no meio acadêmico durante o primeiro ano de curso.  

OBJETIVO

Objetivo geral

Aplicar conceitos teóricos da Tomada de Decisão estudados pela Neurociência como ferramenta para auxílio de estudantes em sua escolha de carreira, durante o processo de Orientação Profissional.

Objetivos específicos

Proporcionar aos alunos ou indivíduo que buscam um processo de Orientação Profissional as ferramentas necessárias (consciência e validamento) para uma tomada de decisão consistente e que englobe o conhecimento de aspectos teóricos que permeiam essa escolha.

MÉTODO

Participantes/Instituição/Público-alvo

Alunos do Ensino Médio que procuram ajuda durante seu processo de escolha de carreira. Esse processo de Orientação Profissional pode ser realizado tanto em grupos (no próprio ambiente escolar), como individualmente em consultório ou online.

Planejamento de atividades

Quando pensamos no processo de Orientação Profissional, esse geralmente se dá distribuído em alguns encontros (4 a 8 sessões) com duração de 1 a 2 horas, com frequência semanal, de forma individual ou em grupos pequenos (no máximo 5 pessoas). Para o contexto específico da Proposta de Intervenção deste estudo, utilizaremos um modelo de 6 encontros com duração de 1 hora cada, de maneira individual em consultório psicológico. Cada um desses encontros terá um tema norteador específico, utilizando como pano de fundo os processos neurológicos da tomada de decisão como ferramenta para o desenvolvimento de cada tema. Serão assim exploradas questões como:

– Qual problema estou buscando solucionar?

– Qual é a minha história e quais aspectos (culturais, sociais, religiosos) fazem parte da minha identidade?

– Como geralmente resolvo um problema inesperado? Qual foi o último problema que resolvi e de que forma o fiz?

– O que não quero para minha vida, meu futuro e meus dias?

– Qual seria minha primeira escolha profissional se não levasse em conta questões familiares, de remuneração financeira e a concorrência do curso?

– Por que escolho como escolho? Aspectos envolvidos na minha tomada de decisão.

– Escolha como reflexo de uma perspectiva ampla, discutida e analisada.

Dessa forma, os encontros terão propostas bem delimitadas, de maneira extremamente pessoal e levando em conta a necessidade do indivíduo no momento da busca pelo apoio profissional.

Materiais utilizados

Todos os materiais que serão utilizados no decorrer dos encontros terão o intuito de promover uma reflexão mais ampla, profunda e abrangente das questões relacionadas com identidade, história e contexto de vida, objetivos futuros e promover discussões ricas.

Os materiais serão: papel sulfite, prancheta, lápis preto, borracha, caneta, lápis de cor, canetinhas, revistas para cortar, tesoura, cola, cartolina, Jogo de Cartas “Quem é você?: 100 perguntas para aprimorar o autoconhecimento e planejar o futuro.” – por Wellington Santos, Marcelo Costa, Jogo de Fotografias “Soularium – a Dialogue in Pictures” da editora FURgenie Caseloop covus e um caderno para anotações pessoais.

Cronograma de atividades

Encontro de Orientação ProfissionalTema da Semana
Semana 1Um Problema e Uma Jornada.
Semana 2Identidade.
Semana 3Por quê e como escolho?
Semana 4Passado, presente e futuro profissional.
Semana 5Ganho, Custo e Risco.
Semana 6Minha Tomada de Decisão.

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Breve retomada do projeto e descrição do processo de intervenção

A busca pela Orientação Profissional durante o processo de escolha de carreira e futuro profissional é de grande auxílio nesse momento que antecede uma tomada de decisão de grande impacto e importância. Quando pensamos no público que forma a maioria nessa busca, temos adolescentes encerrando o Ensino Médio, pouco tempo antes de precisar fazer essa escolha que, de maneira prática, resulta na opção que será feita no vestibular. A adolescência em si, especificamente nesse público com idade entre 15 e 17 anos, já é um período cheio de descobertas, buscas e autoconhecimento. Somada a essa dificuldade que permeia essa fase, a escolha da carreira vem como mais um conflito a ser resolvido.

No ambiente clínico, é possível identificar que na pressa de tomar uma decisão que possa suprir as angústias e dúvidas profissionais futuras, muitos adolescentes não observam com cuidado suas experiências prévias, seus contextos familiar, social e cultural, bem como sua identidade e preferências. Como o processo de tomada de decisão envolve, intrinsicamente, todos esses aspectos citados, é primordial abordar toda essa perspectiva afim de proporcionar uma base consciente para uma escolha abrangente e pessoal.

Quando pensamos no problema em questão, ou seja, as dificuldades no processo de Orientação Profissional e as limitações impostas por algumas ferramentas que olham essa tomada de decisão por perspectivas simplistas (como testes de inteligência e testes de preferência profissional), se faz necessário perguntar o motivo da repetição desses procedimentos. Muitas vezes, o adolescente que faz essa busca, traz outras questões e dúvidas anteriores que permeiam esse processo decisório. Raramente, todo esse contexto tão particular será levado em conta de forma abrangente no processo de Orientação Profissional tradicional. É nesse lugar que vemos como essa trajetória de dúvidas pode ser aprimorada através de um olhar amplo, que contemple de fato as questões que norteiam essa tão procurada resposta por parte do adolescente. A Neurociência nos evidencia inúmeros aspectos pertencentes à tomada de decisão que podem ser explorados, compartilhados e usados para trazer novos olhares para a OP.

A adolescência, fase na qual a escolha de carreira é mais latente, é um período em que os desenvolvimentos neural e físico são intensificados pelas enormes demandas ambientais, e as mudanças comportamentais características desse período, como a propensão a correr riscos, parecem relacionadas à imaturidade neural. O processo decisório pode ser definido como um lugar de escolha entre duas ou mais alternativas concorrentes exigindo assim análise de custo e benefício de cada opção e a estimativa de seus possíceis resultados em curto, médio e longo prazo. Apesa da Orientação Profissional poder ser realizada de diversas formas e com diferentes públicos, o processo com adolescentes buscando auxílio na escolha do melhor curso universitário para sua carreira futura, ainda é sem dúvidas a mais consolidada e encontrada.

Um estudo realizado com mais de 200 adolescentes brasileiros fornece uma base de dados sólida que demonstra os principais motivadores para a busca de Orientação Profissional. Este estudo intitulado “Por que os Adolescentes Buscam Fazer Orientação Profissional? Um Estudo Preditivo com Estudantes Brasileiros” (Ambiel, Martins e Hernandez) traz uma realidade nacional que nos leva a 3 fatores predominantes na procura por OP. Participaram deste estudo 237 estudantes dos três anos do ensino médio de uma escola pública, sendo a maior parte do sexo feminino. Foram realizadas duas Análises de Regressão Linear Múltipla, com método forward, sendo usadas como variáveis desfecho a Indecisão e a busca por Orientação Profissional. Esses fatores encontrados também revelam que essa busca vai muito além da questão profissional, já que essa tomada de decisão envolve inúmeras áreas da vida do indivíduo. Saber com tanta precisão quais são esses motivadores nos auxilia em como aprimorar o processo de OP com inuito de fazê-lo amplo, relevante e personalizado. Segundo esse estudo, esses 3 fatores encontrados como resultado dessa extensa pesquisa são: busca por autoconhecimento, vulnerabilidade emocional e falta de credibilidade em seu autoconhecimento profissional.

Em vista do resultado acima apresentado, de acordo com o estudo em questão, este nos oferece um outro olhar em relação ao processo de OP, olhar esse que soma à abordagem neurológica da tomada de decisão, oferecendo um ambiente muito rico e profundo para essa jornada decisória. O que pode ser, inicialmente considerado somente um momento turbulento, cheio de dúvidas e mudanças, pode ganhar uma nova perspectiva, sendo ressignificado com o auxílio da OP e uma abordagem consciente do que de fato envolve uma tomada de decisão.

Acredita-se assim que tanto o olhar limitador sobre o processo da Orientação Profissional, como os motivos da busca pelo mesmo podem oferecer um ambiente extremamente fértil para que o uso do conhecimento das Neurociências da tomada de decisão sejam aplicados, trazendo resultados pessoais e personalizados com impactos duradouros na vida do indivíduo.

Tendo em vista o diagnóstico acima exposto, levando em conta aspectos motivacionais, questões de idade e toda a amplitude desse momento de tomada de decisão frente a escolha de uma carreira, se propõe assim uma intervenção que visa um olhar mais individualizado e pessoal do adolescente em questão. Essa intervenção tem por estratégia uma utilização mais intencional das ferramentas proporcionadas através dos conhecimentos neurocientíficos, tornando assim aspectos menos trabalhados e conhecidos pelo orientando um lugar mais palpável, consciente e possível de ser discutido. Pensando em mecanismos cerebrais na tomada de decisão, que envolvem memória, atalhos mentais, contexto social e cultural e heurísticas, porpõe-se discutir todos esses âmbitos com o orientando com o intuito de que este se perceba melhor, levando a um autoconhecimento mais amplo e uma menor vulnerabilidade emocional frente a esta fase. A principal intenção que permeia essa intervenção e fornecer ao paciente as ferramentas necessárias para que o processo decisório seja um lugar de descobertas, conhecimento de si e do que o trouxe até este lugar presente.

Descrição do processo de intervenção

Para o contexto específico da Proposta de Intervenção deste estudo, utilizaremos um modelo de 6 encontros com duração de 1 hora cada, de maneira individual em consultório psicológico. Cada um desses encontros terá um tema norteador específico, utilizando como pano de fundo os processos neurológicos da tomada de decisão como ferramenta para o desenvolvimento de cada tema.

Assim, cada semana será desenvolvida de acordo com o cronograma anteriormente exposto, seguindo detalhadamente o conteúdo abaixo descrito:

Semana 1 – Um Problema e uma Jornada.

Encontro inicial com a finalidade de conhecer o participante do processo de Orientação Profissional, bem como entender suas expectativas e demanda. Nessa sessão será utilizada uma pequena anamnese com inuito de guiar esse primeiro contato, levando em conta uma pergunta que vai nortear todo o processo: “Qual o problema que você deseja resolver durante esse tempo que estaremos juntos?”. A resposta a essa pergunta ajudará a organizar possíveis respostas e o desenvolvimento da tomada de decisão envolvida. O conhecimento da Neurociência relacionado à tomada de decisão, sempre vai partir de um problema a ser resolvido, ramificando assim a solução de forma a entender os processos envolvidos.

Nesse encontro, o participante receberá um caderno de anotações que o acompanhará nessas semanas. Esse caderno será usado para anotação de pensamentos, insights perguntas e percepções que ocorrerem fora do ambiente do consultório com a possibilidade de discussões posteriores nos encontros.

Semana 2 – Identidade

Entendendo que, no encontro anterior, foi exposto o problema trazido pelo participante, nessa sessão entenderemos a história do mesmo. Será solicitado que o mesmo faça um painel que o represente em suas diversas facetas e contextos. Essa atividade pode ser feita em cartolina, com desenhos e colagens, em papel sulfite, de maneira digital em tablet ou até mesmo em um quadro branco. A intenção é que o participante tenha uma representação visual de si, para que consiga visualizar com abrangência as áreas que fazem parte de sua vida e que definem sua identidade. Uma das formas de pensar o problema é visualizar tudo que está de fato envolvido tanto em sua resolução quanto em seu proprio questionamento. Nessa semana, entraremos em uma questão que, segundo o estudo de Ambiel,  Martins e Hernàndez acerca da busca pela Orientação Profissional, é um dos motivadores que leva indivíduos a essa procura, que é o Autoconhecimento. Esse fator é de grande relevância quando pensamos no que nos leva a determinadas escolhas e decisões.

Semana 3 – Por quê e como escolho?

Esse encontro será voltado para entender de que maneira, em geral, o participante lida com a resolução de problemas, compreendendo assim padrões que foram desenvolvidos ao longo da vida, atalhos mentais (heurísticas) comumente utilizados, bem como formas de tomar decisão que são familiares e se tornaram respostas automáticas ao enfrentamento decisório. Para tal finalidade, pensaremos em problemas recentes e antigos enfrentados pelo participante, avaliando de que maneira os mesmos foram abordados, quais experiências anteriores foram resgatadas, histórias e cultura familiar foram levados em conta. Ao final desse encontro, espera-se que o participante consiga identificar melhor padrões em suas tomadas de decisão, permitindo que essa visão amplie sua perspectiva diante da escolha profissional.

Semana 4 – Passado, presente e futuro no contexto profissional.

Nessa sessão dedicaremos o tempo para entender a relação do participante com questões profissionais, de trabalho e carreira. Para essa finalidade, a estratégia utilizada será o box de fotos Soularium, a partir do qual o indivíduo poderá escolher uma imagem que represente as seguintes afirmações sobre si mesmo:

– Nunca serei assim.

– Esse é meu maior desejo.

– Esse será o propósito do meu trabalho/carreira.

– Não gostaria de me ver assim em 20 anos.

– O olhar dos meu pais/família para minha escolha profissional.

Após as escolhas das imagens que irão representar cada uma das afirmações acima, será aberto um espaço para discussão das respostas, conteúdos que vieram à mente do participante, bem como quais escolhas foram vistas como surpreendentes por ele mesmo. Ao final, o participante será encorajado a escrever em seu caderno de anotações acerca dos pensamentos e reflexões decorrentes desse encontro, até a próxima sessão.

Quando observamos o processo de decisão através da perspectiva neurológica, vemos quanto experiências anteriores, memórias impactantes e contexto de vida são influências diretas na tomada de decisão. Assim, através desse encontro, a estratégia utilizada tem como finalidade ampliar o conhecimento do indivíduo não somente acerca de si mesmo, mas sobre o quanto este de fato está enxergando impactos passados e futuros da sua escolha profissional.

Semana 5 – Ganho, Custo e Risco.

Essa semana trará discussões das últimas 4 semanas, fazendo uma breve análise de como o processo tem impactado o participante, de que forma o fez entender melhor suas escolhas e sua história. Entendendo o que foi realizado até aqui, o Jogo de Cartas “Quem é você?: 100 perguntas para aprimorar o autoconhecimento e planejar o futuro.” – por Wellington Santos, Marcelo Costa, será utilizado.  Esta será uma  estratégia para incentivar um diálogo que terá como base a referência do Neuromarketing acerca dos riscos, custos e ganhos envolvidos em escolhas. Além de expor esse conceito de maneira muito clara para que o participante entenda como essa tríade cerebral está emvolvida em todo processo decisório, esse movimento também será feito em relação às perguntas trazidas pelo jogo, proporcionando um ambiente propício a outras discussões e análises.

Semana 6 – Minha Tomada de Decisão.

No decorrer das últimas 5 semanas, o partipante que procurou a Orientação Profissional pode ser exposto a questões como sua história de vida, os motivos que o levam a determinadas decisões repetidas e quais são elas, como pensar sua vida passada e futura de maneira abrangente, análises de ganho/risco/custo no processo decisório e diversos outros questionamentos que foram levantados com o propósito de tornar a tomada de decisão um local frutífero, rico e pessoal.

Nesse último encontro, não espera-se que o participante tenha já fechado totalmente seu processo de decisão e optado por uma carreira específica. A expectativa aqui é que ele tenha condições e recursos mais sólidos para que possa assim decidir de forma consciente, analisando os amplos aspectos envolvidos em sua escolha.

Pensando assim, essa sessão será, na verdade, uma conversa para que o participante traga tudo que pode ser discutido, pensado e analisado durante as semanas anteriores. É relevante também entender como o indivíduo se sente emocionalmente frente as decisões profissionais que o aguardam, garantindo o apoio e suporte necessários nesse momento.

O caderno de anotações inicialmente entregue ao participante permanecerá com ele, que será encorajado a continuar usando esse recurso como ferramenta para analisar, examinar e compreender seu processo decisório ao longo do tempo.

Por fim, haverá uma pequena devolutiva, pontuando juntamente com o participante aspectos que tiveram maior destaque em seu processo, trazendo clareza a conhecimentos pessoais alcançados, padrões encontrados e onde pode ser verificado potenciais de desenvolvimento e aptidão.

Resultados esperados a partir da intervenção

Como inicialmente apresentado no início deste trabalho, os processos decisórios olhados a partir dos conhecimentos neurocientíficos, tem uma vasta área de atuação quando pensamos no processo de Orientação Profissional. Esta ferramenta proporciona uma estratégia muito abrangente oferecendo um ambiente de autoconhecimento, avaliaçao pessoal e desenvolvimento de autocrítica para o indivíduo em sua fase de escolha de carreira.

Através dos encontros de Orientação Profissional que serão realizados, cada um com um tema específico permeado por componentes que remetem à tomada de decisão sob um olhar da Neurociência, será possível proporcionar ao participante um lugar que o leve à reflexão, compreensão das suas escolhas e dos diversos fatores compreendidos nessa fase de decisão.

Segundo os resultados da pesquisa de Melo-Silva, Oliveira e Coelho, acerca de processos de Orientação Profissional, os resultados obtidos nas duas avaliações foram comparados estatisticamente por meio do teste t de Student e o teste não-paramétrico de Wilcoxon (p = < 0.05) para dados que não possuíam distribuição normal. Os resultados do total da amostra mostraram diferença significativa nas dimensões: Determinação, Autoconhecimento, Conhecimento da Realidade, Independência e no Total das subescalas, indicando avanço na maturidade para a escolha da carreira. Neste estudo, os parâmetros levados em conta demonstraram grande desenvolvimento, o que pode nos indicar que um processo de O.P. bem realizado contará com impactos positivos na vida e decisões dos participantes.

Partindo desse lugar, onde vemos benefícios sendo colhidos a curto prazo após esse processo, podemos assim prever um enorme ganho para os participantes de O.P. que também contarão com o auxílio de ferramentas e embasamento neurocientífico para maior robustez e compreensão em seu processo decisório profissional.

Como inicialmente discutido, os processos decisórios envolvem questões muito além do que normalmente levamos em consideração, tais como: motivações, necessidades pessoais, ganho/custo/risco individual, experiências prévias, contextos social e familiar e memórias. Quando levamos todo esse conhecimento para a área da Orientação Profissional, os ganhos para os participantes certamente trarão impactos positivos tanto no momento do processo quanto para decisões futuras, já que o objetivo da intervenção não é apenas o momento presente, mas a possibilidade de absorver ferramentas que possam ser usadas em processos decisórios ao longo de toda a vida.

Como possíveis resultados dos encontros propostos, espera-se que os participantes estejam mais confortáveis em sua tomada de decisão, com maior conhecimento tanto do seu próprio processo decisório quanto dos fatores envolvidos em sua vida, história pessoal e identidade frente aos problemas/escolhas a longo prazo.

Observamos, no início deste trabalho, os principais motivadores para que jovens brasileiros procurem a ajuda de um processo de Orientação Profissional (Ambiel, Martins e Hernandez), sendo estes: autoconhecimento, vulnerabilidade emocional e falta de credibilidade em seu conhecimento profissional. Sob a análise desses motivadores, as ferramentas neurocientíficas aqui propostas a serem aplicadas no processo decisório também se alinham aos motivadores iniciais desses indivíduos que não apenas buscam uma resposta final em forma de uma escolha de carreira, mas também estão procurando conhecimento pessoal e maturidade emocional para que o processo decisório ganhe um novo olhar e seja relevante para a vida adulta que aqui se inicia.

 Considerações finais

O processo decisório de uma carreira profissional é de grande relevância na vida do jovem/adolescente nos anos finais do Ensino Médio, impactanto profundamente a maneira como este viverá essa fase, compreenderá sua identidade e lidará com seus contextos histórico, familiar e social.

A utilização da Orientação Profissional como ferramenta de auxílio nesse momento de vida tem grande respaldo em pesquisas e na literatura quando pensamos tanto no contexto escolar/acadêmico quanto nos aspectos neurologicos da tomada de decisão. É um momento de transições, mudanças e expectativas que, se manejado de forma coerente, com amparo e apoio, pode ter como resultado uma ótima experiência de tomada de decisão, marcando assim um lugar de conflito/problema, como uma oportunidade de pensar em si e em sua história a partir de um lugar pessoal e rico.

A estratégia utilizada para a intervenção aqui proposta tem como modelo a Orientação Profissional tradicional, realizada a partir de encontros semanais e estruturados, com finalidades específicas e previamente definidas. Essa intervenção, além de gerar o amparo necessário para a fase em questão, também propicia discussões, pensamentos, gera perguntas e levanta outros olhares para que o participante tenha novas perspectivas de seu presente, futuro e escolhas.

A abordagem neurocientífica utilizada como embasamento da intervenção estruturada em 6 encontros, permeia o tema de cada sessão, levando o indivíduo a passar conscientemente pelo processo decisório cerebral que, normalmente, se dá sem que a consciência do mesmo seja avaliada. Essa abordagem também proporcionará ganhos a longo prazo na vida desse jovem, possibilitando que, quando exposto a novas situações de conflito e decisão, consiga enxergar com mais clareza seu prórpio processo decisório, bem como os fatores envolvidos para que suas escolhas sejam pautadas em uma análise muito mais eficiente de sua vida e história.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE – CCBS