A IMIGRAÇÃO HAITIANA SOB A PERSPECTIVA DE DANNY LAFERRIÈRE NA OBRA “PAÍS SEM CHÁPEU”

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8226635


Ane Caroline Rodrigues dos Santos Fonseca1
Cristiane Joelma Denny2
Everton Feitosa dos Santos3
Hudson Góes Caetano4
José Augusto Neto5


Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma breve análise da obra País sem Chapéu (1996), da imigração haitiana sob a perspectiva do autor Danny Laferrière. Nesta obra o narrador conta como foi seu retorno ao seu país natal o Haiti, após vinte anos morando entre o Canadá e os Estados Unidos. É visível a percepção do autor em querer resgatar sua história e a do seu país apesar de ter vivenciado outras culturas. Com o foco de análise projetado para a imigração haitiana sob a visão do autor, a fundamentação teórica empregada segue, sobretudo, a abordagem de Adam Kuper (1999) e outros autores. Os procedimentos metodológicos será a pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa. É orientado pelo método analítico crítico, a partir da leitura da obra e pautado na teoria de preceitos que preconizam a cultura e a diversidade. País sem Chapéu, é uma obra ficcional e autobiográfica, o narrador é homodiegético, a história  divide-se entre o País Real que é o dia,  narra a luta de sobrevivência dos haitianos no seu cotidiano, por um país melhor diferente do que eles vivem um país pobre,  povoado, sol escaldante, falta de saneamento e falta emprego. O País Sonhado é a noite que apresento o lado mítico, a herança dos antepassados, fala sobre a morte, a religião de vodu. Segundo demonstrado por Danny Laferrière sempre esteve dividido em os três países que morou Haiti, Canadá e os EUA, após seu exílio, sendo que sempre viveu na América, e o aprendizado com diversas línguas, muito foi significativo para sua formação, sendo aspectos relevantes que nos levam a nos aprofundar o estudo em sua obra.

Palavras-chave: Danny Laferrière. Imigração Haitiana. Diversidade Cultural.

Abstract: This paper aims to present a brief analysis of the work Country without Hat (1996), of Haitian immigration from the perspective of author Danny Laferrière. In this work the narrator tells how was his return to his homeland Haiti, after twenty years living between Canada and the United States. It is visible the perception of the author in wanting to rescue his history and that of his country despite having experienced other cultures. With the focus of analysis projected for Haitian immigration from the author’s point of view, the theoretical foundation employed follows, above all, the approach of Adam Kuper (1999). The methodological procedures will be the bibliographic research with qualitative approach. It is guided by the critical analytical method, from the reading of the work and based on the theory of precepts that advocate culture and diversity. The Country without a Hat, is a fictional and autobiographical work, the narrator is homodiegetic, the story is divided between the Real Country that is the day, narrates the struggle of survival of Haitians in their daily lives, for a better country than they are. they live in a poor, populated country, scorching sun, poor sanitation and lack of employment. The Dream Country is the night that I present the mythical side, the heritage of the ancestors, talks about death, the voodoo religion. As demonstrated by Danny Laferrière was always divided into the three countries that lived in Haiti, Canada and the USA, after his exile, having always lived in America, and learning with several languages ​​was very significant for his formation, being relevant aspects that lead us to deepen the study in his work.

Keywords: Danny Laferrière. Haitian Immigration. Cultural diversity.

INTRODUÇÃO

As contribuições que os estudos das imigrações e fronteiras trazem para aos pesquisadores é de suma importância. Com uma vasta bagagem dos contextos históricos e atuais sobre o tema estudos das imigrações, observam-se diversos impasses ao se depararem em outros países, como lutas de enfrentamento, línguas e culturas diferentes, diversidade cultural. O processo de migração ocorre hoje em grande escala devido a questões econômicas e impulsionado pela globalização, onde as pessoas deixam seu país de origem visando à obtenção de trabalho e melhores condições de vida em outras nações.

Porém, não podemos descartar outros possíveis fatores da migração internacional, onde pode ter sido desencadeada como consequência de desastres ambientais, perseguições políticas, étnicas ou culturais, guerras, causas relacionadas a estudos, por exemplo. Em concordância com essa afirmativa, Cotinguiba (2014) observa que os fatores motivadores do fluxo migratório haitiano são diversos além do terremoto ocorrido em janeiro de 2010.

Sabemos, no entanto, que os motivos são vários, tais como crise política interna, poucas perspectivas de trabalho, violação dos direitos humanos, graves acontecimentos de ordem natural, a procura por melhores condições de vida por meio do trabalho, estudos, fatores políticos e econômicos externos, além da possibilidade de utilizar o Brasil como uma base fixa para residirem ou transitória para alcançarem outros países. (COTINGUIBA, 2014, p. 32-33).

Marinucc (2005) destaca o processo migratório numa perspectiva sociológica, conceituando as migrações sob a ótica estruturalista, onde é percebida como consequência da crise neoliberal contemporânea. Para Marinucc, (2005, p.05)“o desemprego passa a ser uma característica estrutural do neoliberalismo, e as pessoas, então, migram em busca,  fundamentalmente, de trabalho”.

No tempo passado as migrações tiveram seu apogeu nas grandes navegações, onde os explorados europeus partiam de suas terras a fim de colonizar povos e nações, com seus poderes dominantes e políticos. Com o objetivo de explorarem recursos naturais exploráveis, mão de obra barata ou custo zero e expandir seus poderes. Dominar todos os espaços por eles conquistados e sucatear vários países por eles invadidos teve inicio o grande um grande descontentamento dos dominados procurando sempre empreenderem fugas a fim de um lugar melhor para viver, outro país ou território onde não pudessem ser explorados e dominados pelos povos europeus.

Na atual sociedade ocorrem muitas migrações, de países para países, diversos são os motivos que as pessoas escolhem deixar seu país de origem. Por facilidades de deslocamentos, melhorias na qualidade de vida, perseguições políticas, racismos, causas religiosas, fugas de guerras e a busca pelas experiências de viver em diversas culturas. O processo de imigração é o movimento de pessoas que entram em um país a fim de firmarem moradias; e a emigração as pessoas de um país deixam seu território para se firmarem em outro. As políticas imigratórias na atualidade estão mais rígidas e burocráticas, dificultando e restringindo a quantidade de imigrantes aceitos em diversos países.

A obra País sem Chapéu (traduzido em 1996), do autor haitiano Danny Laferrière, destaca-se pelo tempo em que viveu no exílio, suas lutas em enfrentamento com as diversas línguas e culturas, o entusiasmo com o novo e principalmente o desejo de retornar sua terra natal e o resgate de suas histórias jamais esquecidas pelo autor.

O tema escolhido é devido o enfoque dado na obra pelo autor sobre a perspectiva desde pequeno em conhecer novas culturas, outros países e sua admirável ascensão enquanto imigrante negro vivendo na América do Norte.

DANNY LAFERRIÈRE

No final da década de 1950, o pai de Dany Laferrière foi perseguido no contexto da ditadura de Duvalier. Nesse período, é exilado onde passa a viver em Nova York, com o objetivo de proteger a família das repressões do governo. Morre em 1984 nessa mesma cidade.

Dany Laferrière, nascido em Porto Príncipe, Haiti, em 13 de abril de 1953, (Windsor Kléber Laferrière). Teve uma infância pobre ao lado de sua avó em um vilarejo chamado Petit-Goâve, foi necessário porque sua mãe ainda temia as retaliações dos Duvalier devido as ideias políticas contraditórias de seu pai que já vivia no exílio. Aos onze anos, retornou ao Porto Príncipe e viveu com sua mãe, terminou o segundo grau e aos dezenove anos de idade, tornou-se cronista cultural da revista Le Petit Samedi Soir e na rádio Radio Haïti-Inter.

A presença feminina é forte na vida de Laferriere – onde relata ser recebido pela mãe e pela tia. É observado que sensações, gostos e cheiros trazem o passado de volta. A narrativa é construída de uma forma que nos envolve na leitura, nos mantendo presos a obra, principalmente pelo fato de que o escritor nos leva a conhecer o Haiti através de um haitiano, o que é o diferencial na obra. É percebido que Laferrière escreveu esta obra com o intuito de apagar o distanciamento entre o Haiti e ele. O retratar o elemento cozinha de forma fidedigna, com os cheiros, os ingredientes, que quando misturados, resultam em um gosto particular que só existe no Haiti.

O retratar dessa relação com o elemento cozinha e suas misturas de sabores particulares da culinária haitiana nos evidencia ser a arte mais próxima do romance, nos evidencia ainda ser um traço marcante da cultura haitiana e que para ele, a culinária haitiana se destaca das outras nas culturas onde Laferriere viveu, a comida haitiana é considerada “a verdadeira refeição”. “É o meu prato preferido. Faz realmente muito tempo que não provo uma coisa tão saborosa. Derrete na boca” (LAFERRIERE, 2011, p. 23)

Aos 23 anos, sobre forte pressão da ditadura no País exercida por Bab Doc, sendo um jovem jornalista e com visão adversa ao poder político que vinha dominando o país, em junho de 1976 ocorreu uma grande perda em sua vida, de seu amigo também jornalista Gasner Raymond foi assassinado pelos Tontons Macoute (milícia paramilitar das ditaduras Duvalier) e sabendo que seria o próximo, teve que se exilar indo para o Canadá em Quebec, vendo a cena do exilio reperti-se em sua vida após dezoito anos, o mesmo ocorrido com seu pai.  No livro País sem chapéu o próprio Laferrière evidencia tal acontecimento:

“Aos dezenove anos, tornei-me jornalista em plena ditadura dos Duvalier. Meu pai, também jornalista, foi expulso do país por François Duvalier.O filho deste, Jean-Claude, levou-me ao exílio. Pai e filho, presidentes. Pai e filho, exilados. Mesmo destino.” (Laferrière, 2011, p.121)

Ressalta-se que em contextos ditatoriais, é comum observarmos um aumento desenfreado de perseguições e repressão por parte do regime autoritário. Isso pode resultar em sérias violações dos direitos humanos e da liberdade individual, além de gerar um clima de medo e repressão na sociedade. É importante estar ciente dessas situações históricas para evitar a repetição de erros do passado e promover a proteção dos direitos fundamentais em qualquer sistema político. Podemos perceber parte dessas perseguições relatadas por PEREIRA:

Quando o país fervilhava em esperança por conseguir sair da terrível e longa ditadura dos Duvalier, na madrugada do dia 30 de setembro de 1991, o presidente do Haiti, um padre salesiano, Jean-Bertrand Aristide, eleito com 67% de votos livres, foi detido no Palácio Nacional pela força policial haitiana, à época chefiada pelo Coronel Michel François. Aristide foi destituído e exilado por três anos. Esse período de terror pelo que as famílias haitianas tiveram que passar é descrito pela irmã Santina. Para Câmara (1998), a destituição do presidente e os fatos que a sucederam acabaram por gerar a internacionalização de uma crise política interna. (PEREIRA, 2016. p.129)

Em 1985, como operário em Montreal, conseguiu publicar seu primeiro romance, dando inicio a sua autobiografia americana composta por dez livros, o primeiro dele “Comment Faire I’ amour avec um Négre sans se fatiguer” (Como fazer amor com um negro sem se cansar), teve o sucesso reconhecido como escritor e seu romance foi traduzido em diversos idiomas e uma adaptação para o Cinema de Jacques W. Benoit em 1989. Éroshima, Montréal, VLB Éditeur, 1987; L’odeur du café, Montréal, VLB Éditeur, 1991; Le goût des jeunes filles, Montréal, VLB Éditeur, 1992; Cette grenade dans la main du jeune Nègre est-elle une arme ou un fruit ?, Montréal, VLB Éditeur, 1993; Chronique de la dérive douce, Montréal, VLB Éditeur, 1994; Pays sans chapeau, Outremont, Lanctôt Éditeur, 1996; La chair du maître, Outremont, Lanctôt Éditeur, 1997; Le charme des après-midi sans fin, Outremont, Lanctôt Éditeur, 1997; Le cris des oiseaux fous, Outremont, Lanctôt Éditeur, 2000.  (Laferriere, pág. 237)

Danny Laferrière em 2009 recebeu o Prêmio Médicis um prêmio literário francês por seu romance L’Énigma do retour.  Em dezembro de 2013 foi o segundo negro a entrar para a Academia Francesa de Letras, tornando-se o primeiro cidadão não francês a ser recebido nessa academia. A academia Francesa de letras é considerada um santuário das letras na França. Podemos percebem a grande importância desse órgão no fato da presença na plateia do presidente Françõis Hollande e do presidente do Haiti na cerimônia de posse de Laferriere na academia[6].

IMIGRAÇÃO HAITIANA

Analisaremos a imigração haitiana, ampliando os estudos sobre o exilio e seu retorno a terra natal, apontando os fatos marcantes da imigração desde o exilio e identificando as diversidades culturais presentes na obra.

A narrativa País sem chapéu é á sétima obra de Laferrière que faz parte de suas dez obras, as quais são intituladas por ele de autobiografia americana. Sua escrita trás a reflexão de como foi construída sua identidade vivendo em lugares diferentes e conhecendo diversas culturas. Uma evidência está no notório desejo de Laferriere em sair de seu país e vivenciar outras culturas, viver em outros lugares, independente do exílio ou de quaisquer outras perseguições. “A pior coisa para mim seria ser obrigado a viver a vida inteira num mesmo país. Nascer e morrer no mesmo lugar, eu não poderia suportar, me sentiria confinado. Olha, acabo de perceber que dentro de confinado tem “finado”, que loucura!” (Laferriêre, 2011. pág 161).

É importante enfatizar que Laferriere tornou se um notável escritor no exílio, vivendo interculturalmente, não aceitando enquadramentos que estão ligados aos autores sobre crítica literária. Observa se que ele faz uso do détour (significa desvio, é prática do oprimido, é a prática da sobrevivência), sendo a forma que encontra para abrir se para o outro sem se perder.

No exílio, nasceu o escritor. Um escritor que se expressa numa língua que não é a sua e vive em um país que não é o seu. Contudo, o exílio não é só um afastamento, é também uma aproximação com o novo. Não é só um lugar que desenraíza, mas também uma ponte possível para outras culturas, o que permite aproximar dois mundos diferentes. Aliás, Laferriêre costuma afirmar que o único exílio que conhece é o do tempo: sente-se exilado de sua infância, pois já não pode mais alcançá-Ia. (Laferrière, p. 222)

Na complexidade de processos que se dá num contexto imigratório, mais precisamente numa situação de exílio, pode se perceber que muito da cultura do outro, do novo lugar se é adquirido. Segundo MOREIRA (2006, pag. 47), “O exílio não é só um lugar que desenraiza mais também uma ponte possível na direção de outra cultura que permite aproximar dois mundos diferentes”

Importante enfatizar que os multiculturalistas defendem o respeito às subjetividades de cada cultura, preservando as diferenças inerentes a cada cultura percebemos isso em Kuper (2002, p.428) “Os multiculturalistas transferem essas proposições para um programa politico, confirmando o direito de ser diferente e o valor da diferença. Todo grupo cultural deve ter direito a um nível significativo de autonomia e ser ouvido nos assuntos de interesse coletivo”.

DIVERSIDADE CULTURAL

Na obra País sem chapéu o autor narra seu retorno para casa, em Porto Príncipe, após 20 anos de ausência de seu país. Esse retorno é contado a partir do teclar incessante em uma máquina datilográfica Remington, onde o próprio escritor expressa no trecho abaixo:

Escrevo tudo que vejo, tudo que ouço, tudo que sinto. Um verdadeiro sismógrafo. De repente, levanto a Remington com os braços para o céu limpo e duro do meio dia. Escrever mais rápido, sempre mais rápido. Não que eu seja apressado. Eu me agito como um louco, enquanto, ao meu redor, tudo vai tão devagar. Mal acabo a história, outra chega afoita. O excesso. Ouço a vizinha explicar a minha mãe que ela conhece esse tipo de doença. (LAFERRIÈRE, 2011, p. 12)

Em concordância a esse pensamento podemos citar Kuper (2002), que nos remete ao termo culturas híbridas, onde afirma a não existência de cultura pura, mais sim um hibridismo cultural.

Não existe culturas puras, distintas e permanentes. Toda cultura recorre a diversas fontes, depende de empréstimos e está em constante mudança. Os seres humanos são bastante semelhantes, e toda cultura está enraizada numa mentalidade humana universal. As diferenças culturais eram causadas pelos desafios apresentados pelo ambiente natural local e pelos contatos entre as populações. ( KUPER, 2002. pág.34)

É percebido que as culturas se encontram e as identidades são concebidas como heterogêneas, em constante fluxo, impulsionadas por zonas de contato e trocas culturais. Hall (2004, p. 12) aponta que “O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático”.

Percebe se que a narrativa está estruturada em duas partes, o País real e o País sonhado que se entremeiam durante todo a narrativa. O livro nos evidencia um autor com literatura pouco difundida no Brasil, mas possuidor de grande prestígio em diversos países.

O confronto entre a memória do narrador e o reencontro com seu país, lhe causa estranhamento e frieza. Essa nova realidade para ele, reorganiza um novo contexto analítico de seu país, um país pobre, com poucos alfabetizados, porém, com uma cultura altamente forte e resistente, pois mesmo com a entrada dos europeus, o confronto com diversas outras culturas, a cultura haitiana ainda permaneceu evidente. Kupper (2002) vai de encontro a essa afirmativa onde explicita que:

A cultura anda de mãos dadas com a política cultural. Uma pessoa só pode ser livre na arena cultural apropriada, onde seus valores são respeitados. Toda nação, portanto, deve ser independente. Numa sociedade multicultural as diferenças devem ser respeitadas, até mesmo estimuladas. (KUPPER, 2002, pág.299)

Na configuração do País real, percebemos que sempre é iniciado com títulos onde são mencionadas situações do cotidiano de Porto Príncipe, como a paisagem, as brincadeiras de crianças, o calor, as conversas ao ar livre, a confusão, o caos do cotidiano, o quantitativo de pessoas amontoadas, a sujeira, o trânsito bagunçado, o cheiro das ruas e das pessoas.

Primeiro, o cheiro. O cheiro do café de Palmes. O melhor café do mundo, segundo minha avó. Ba passou toda sua vida bebendo esse café.  Aproximo a xícara fumegante do meu nariz. Toda minha infância me sobe à cabeça. (LAFERRIÈRE, 2011, p. 20)

Já no país sonhado nascem os relatos de memórias, as lembranças em ricos detalhes do personagem, onde passa a ser elementos construtivos da identidade do personagem narrador. Aqui é muito discutido sobre o país dos mortos, onde percebemos que falar de morte não está relacionada a algo ruim, mas a morte não é o fim para os haitianos, e sim a continuação da vida.  É estruturado com parágrafos mais longos, num texto único e com características mais filosóficas, onde se discute os problemas do Haiti. Aqui Laferrière apresenta a fase oculta das crenças haitianas, nos evidenciando um país bastante peculiar.

Esqueceu o costume, Velhos ossos? Deve-se oferecer primeiro aos mortos. Aqui, servimos os mortos antes dos vivos. São nossos antepassados. Qualquer morto torna-se subitamente antepassado de todos os que continuam a respirar. O morto troca imediatamente de modo de tempo. Ele deixa o presente para alcançar ao mesmo tempo o passado e o futuro. ”. (LAFERRIÈRE, 2011, p. 32)

Destacamos que a língua se estabelece como identidade de reconhecimento da cultura haitiana. O encontro vinte anos após o exílio remete ao personagem o reconhecer de seu lar e suas origens afirmando o resgate de suas memórias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise apresentada identificamos que Laferrière ao construir a narrativa País sem chapéu invoca o real e o sonhado durante a narrativa. O real nos remete ao cotidiano do país, o Haiti literalmente, a busca do povo haitiano por melhorias em sua qualidade de vida apesar de conviver em difíceis situações sociais e econômicas não se deixa abater. O sonhado é o lado místico, suas crenças, hábitos como exemplo o vodu, trazida nos navios negreiros na memória de seus antepassados africanos. Nesse sentido, a vida de um povo, necessita de mitos, sonhos para ter um significado de busca e esperança por dias melhores.

Para Laferrière o mais importante é a cultura de um povo e não a língua, acredita que o fato de tratar situações do cotidiano do Haiti, fazer relações com a língua e a forma de falar, já por si só valoriza a língua créole e sua cultura.

É percebido que a “América para Laferrière refere-se ao continente americano abrangendo não só os Estados Unidos mais também o Canadá e o Haiti” (Laferriêre, 2011. pág 80).

, permitindo-o construir ao longo de vivencias nesses países a formação de sua identidade e conhecer o outro, respeitando as diferenças e aprendendo com as múltiplas culturas. O seu regresso ao seu país natal lhe fez reviver o que havia dentro de si no mundo dos sonhos e do real. E pode concluir que um não pode viver sem o outro o real e o imaginário.

Consideramos que a nossa pesquisa alcançou êxito no objetivo proposto, analisando a imigração haitiana e o enfrentamento com a diversidade cultural, onde o tema não se esgota aqui, dada a riqueza da obra, mais possibilita futuras pesquisas mais aprofundada sobre a narrativa abordada.

REFERÊNCIAS

COTINGUIBA, Geraldo Castro. Imigração Haitiana para o Brasil – a relação entre trabalho e processos migratórios. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em História e Estudos Culturais da Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2014.

DONADIO, Rachel  do New York times Paris.https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/06/1639809-dany-laferriere-entra-para-a-academia-francesa-de-letras.shtml. Acesso em: 10/01/2020.

ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Stuart Hall: Esboço de um Itinerário Biointelectual. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre. N.21, agosto 2003. P. 61-74.

LAFERRIÈRE, Dany. País sem chapéu. São Paulo: 34, 2011.

KUPER, Adam.  Cultura a visão dos Antropólogos. Tradução Mirtes Frange de Oliveira Pinheiros – Bauru, SP: Edesc. 2002.

MOREIRA, Heloisa Caldeira Alves. Traduzindo uma obra crioula: Pays sans chapeau de Dany Laferrière. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em língua e literatura francesa da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.

MILESI, Rosita. MARINUCCI, Roberto. Migrações Internacionais: em busca da cidadania universal. In: Revista Sociedade em Debate, Pelotas, 11(1-2): 13-37, dez, 2005.

PEREIRA, Rosa Martins Costa. Bondye Beni Ou: Lugaridades Com Haitianos Evangélicos. Curitiba, 2016.


1 Mestra em Estudos Literários/UNIR. Graduada em Letras e suas respectivas literaturas/UNIR. Especialista em Ensino de Jovens e Adultos/IFRO. E-mail: ane.caroline.gui@gmail.com

2Mestra em Estudos Literários. Supervisora Escolar do Governo do Estado de Rondônia/SEDUC. Especialista em Supervisão Escolar/FIAR – E-mail: cristiane.denny@gmail.com.

3Mestre Profissional em Educação Escolar/UNIR. Especialista em Docência e Metodologia da Matemática/Faculdade Alfamérica. Graduado em Licenciatura Plena em Matemática/UNIR. Professor Nível III de Matemática no Governo do Estado de Rondônia. evertonstark20@gmail.com

4Especialista em Coordenação Pedagógica/UNIR. Supervisor do Governo do Estado de Rondônia/SEDUC. – E-mail: hudson.goescaetano@gmail.com

5 Mestrando em História da Amazônia/UNIR. Graduada em História/UNIR. Bacharel e Teologia/. Especialista em Orientação, Supervisão e Gestão Escolar. Professor Nível III do Governo do Estado de Rondônia/SEDUC. – E-mail: jagusttonetto@hotmail.com