GUARANÁ DE MAUÉS: ANÁLISE DA CADEIA  PRODUTIVA, COMÉRCIO JUSTO E EMBALAGEM  DE EXPORTAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7999902


Stéfany Bucholcas Lima1
Stefany Gomes de Oliveira2
Giseli Passador3


RESUMO 

Visto que commodities podem ser definidas, primariamente, como produtos com baixo ou nenhum grau de  industrialização, é comum encontrá-las em diversos itens no mercado. O guaraná, por exemplo, muito reconhecido  por ser a matéria-prima base de refrigerantes, também pode ser encontrado em suplementos vitamínicos e outros  medicamentos. Devido a demanda em demasia, é possível observar os impactos no meio ambiente, como  esgotamento do solo, intoxicação por agrotóxicos e poluição, causada majoritariamente pelo descarte incorreto de  embalagens a base de plástico. Tendo em vista os fatores citados, este estudo tem por objetivo analisar a cadeia  produtiva do guaraná de Maués, assim como os diferenciais de produto e o modelo de comércio justo utilizado em negociações internacionais, os quais tornam o Consórcio de Produtores Sateré-Mawé competitivo e representativo  no mercado. Através de análise qualitativa, baseada em pesquisas bibliográficas e documentais, há a proposta de  transição de embalagem, trazendo uma alternativa sustentável, não só ambiental, mas também socialmente, visto  que a mudança beneficiaria produtores de juta de comunidades ribeirinhas, também localizadas na Amazônia. Como antecipação dos resultados, observa-se que o fator sustentável torna os atores mais competitivos no mercado,  assim como a transição de embalagem se mostra promissora. 

PALAVRAS-CHAVE: embalagem. exportação. sustentabilidade. 

ABSTRACT 

Since commodities can be defined primarily as products with low or no degree of industrialization, it is common  to find them in various items on the market. Guaraná, for example, well known for being the basic raw material  for soft drinks, can also be found in vitamin supplements and other medicines. Due to the excessive demand, it is  possible to observe the impacts on the environment, such as soil exhaustion, intoxication by pesticides, and  pollution, caused mostly by the incorrect disposal of plastic-based packaging. Considering the factors cited, this  study aims to analyze the productive chain of guaraná of Maués, as well as the differentials of the product and the  model of fair trade used in international negotiations, which make the Consortium of Producers Sateré-Mawé  competitive and representative in the market. Through qualitative analysis, based on bibliographical and  documentary research, there is the proposal of packaging transition, bringing a sustainable alternative, not only  environmentally, but also socially, since the change would benefit jute producers from riverside communities, also  located in the Amazon. As an anticipation of the results, it is observed that the sustainable factor makes the actors  more competitive in the market, as well as the packaging transition shows promise. 

Keywords: export. packing. sustainability.

1. INTRODUÇÃO 

Historicamente, o Brasil é um país majoritariamente agrário, tanto no que tange sua  economia interna, como também no comércio internacional. Desde a colonização, observam-se  diversos ciclos produtivos sucessivos voltados ao abastecimento do mercado mundial,  sobretudo o europeu, como o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o ouro e o tão renomado café. 

Nos dias atuais, devido às altas e variadas demandas do mercado mundial globalizado,  cadeias produtivas voltadas a apenas um produto específico não são viáveis. Visto isso, o Brasil  conta com uma safra diversificada e muitas vezes exclusiva, já que determinados produtos são  tipicamente brasileiros. Dentre eles, pode-se citar não só o café, mas também o açaí, a soja, e o  guaraná. 

Produzido de modo sustentável e livre de químicos, o guaraná brasileiro é reconhecido  mundo afora por sua qualidade e versatilidade, já que pode ser usado na indústria farmacêutica,  alimentícia, química e de bebidas. Além disso, é cultivado por mão-de-obra 100% indígena, nas  terras da comunidade Sateré-Mawé, localizadas no estado do Amazonas, conhecidos como  filhos do guaraná (NASCIMENTO, 2016). 

Tendo em vista prospectar vendas internacionais, a comunidade de Maués, na  Amazônia, formou o CPSM (Consórcio de Produtores Sateré-Mawé), o qual reúne todos os  produtores da região para negociar com organizações e cooperativas de outros países em um  formato de comércio justo, com negociações que beneficiem ambos os lados e tragam retorno  não só para o exportador e o importador, mas também para as comunidades que os cercam. 

Levando em conta as propriedades específicas do produto, como a umidade, por  exemplo, é necessário que o transporte seja feito de maneira cautelosa. Visto isso, a presente  pesquisa tem por objetivos compreender a cadeia produtiva do guaraná e sua comercialização  por via do comércio justo, afinal, qual seu impacto para as comunidades indígenas? Quais repercussões sociais, ambientais e comerciais essas práticas acarretam? Além disso, busca-se  estudar a sugestão de mudança na embalagem utilizada na exportação, seria viável substituir as  comumente utilizadas, a base de algodão cru ou materiais plásticos, por uma embalagem  também sustentável, feita de juta, material natural cultivado por comunidades ribeirinhas da  Amazônia? 

2. EMBASAMENTO TEÓRICO 

Segundo a teoria das vantagens comparativas proposta por David Ricardo (2018), para  que o comércio internacional funcione de maneira fluida, é preciso que cada país se especialize  na produção de bens específicos, os quais apresentam menor custo de oportunidade, e assim os  ofereça no mercado mundial em troca de produtos que tem produção insuficiente ou inexistente  em seu território. Visto isso, o Brasil se especializou no setor agropecuário e, atualmente, de  acordo com a Organização Mundial do Comércio (2021), é a quarta economia mundial com  maior volume de exportações no nicho. 

Apesar de ser reconhecido internacionalmente pelo cultivo de soja, milho, café e cana-de-açúcar, por exemplo, o Brasil tem uma vasta gama de produtos agrícolas, muitos dos quais  têm pouca concorrência no âmbito mundial, já que se trata de cultivos próprios de nosso  ecossistema. O guaraná, fruto extraído de árvores exclusivas da região amazônica, se destaca  nesse quesito, já que o Brasil é o único país a exportar o produto (PINTO, 1998).

2.1 Cadeia produtiva do guaraná indígena  

Produzido nas terras indígenas da comunidade dos Sateré-Mawés, o cultivo e o comércio  do fruto do guaranazeiro é totalmente voltado a sustentabilidade e reafirmação da identidade de  seus produtores que, segundo sua própria lenda, são filhos do guaraná, já que o deus Tupã teria  criado a planta após um casal indígena ter semeado os olhos de seu filho morto, motivo pelo  qual as sementes são de cor negra e envoltas por uma película branca, semelhante a um olho  humano (NASCIMENTO, 2016). 

De acordo com estudos do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da  Amazônia (2018), a produção e a colheita são realizadas de forma artesanal em propriedades  indígenas, que realizam uma manutenção sustentável do plantio através de preservação de cerca de 60% das áreas florestais e utilização de adubação natural por parte de 70% dos produtores,  que aproveitam dos recursos naturais da região, como a fértil terra preta, folhas secas e pau, já  que também não possuem recursos financeiros para recorrer a outras técnicas de adubagem. 

Segundo o censo agropecuário realizado pelo IBGE (2021), a produção nacional do  guaraná ultrapassa 2,7 mil toneladas por ano. Porém, o país destina apenas cerca de 10% de sua  produção para o mercado internacional. Cerca de 70% do montante destinado ao mercado  interno é voltado ao abastecimento da indústria de refrigerantes e o restante destinado à implementação em outros produtos, como medicamentos, por exemplo (EMBRAPA, 2005).  Contudo, a vantagem de ser o único fornecedor internacional da commodity reverteu ao Brasil,  de acordo com o CONAB (2018), o resultado de um valor bruto de R$27 milhões em  exportações no ano de 2018, em especial para o Japão, Estados Unidos e o mercado europeu. 

2.2 Comércio justo e sustentável  

De forma a padronizar, facilitar e, consequentemente, tornar mais justas as negociações  e comercialização de seus produtos, a comunidade indígena se utiliza do Consórcio dos  Produtores Sateré-Mawé (CPSM), o único a ter denominação de origem, que caracteriza o  guaraná indígena brasileiro como patrimônio cultural e imaterial do Brasil e Humanidade, além  de possuir diversas certificações internacionais, como a Ecocert é a Forest Garden Products, e se basear nas diretrizes do comércio justo para fechar negócios com clientes internacionais. De  acordo com a WFTO (World Fair Trade Organization), a prática do fair trade se caracteriza por  visar a equidade e transparência no comércio internacional, além de contribuir para o  desenvolvimento sustentável das nações. Dentre os princípios estabelecidos, pode-se citar, além  da organização democrática dos produtores em cooperativas, o comprometimento com a  equidade de gênero, garantia de segurança e dignidade no ambiente de trabalho, proibição de  mão-de-obra forçada ou infantil e o pagamento de um preço justo pelo produto, acrescido de  um bônus, que é destinado ao beneficiamento da comunidade e financiamento da produção ou  plantio.  

Atualmente, a Itália é a terceira maior economia da Zona do Euro, com um produto  interno bruto próximo aos dois milhões de euros (COUNTRYECONOMY, 2023). Trata-se de  um país com setor comercial bastante desenvolvido, devido a questões históricas ligadas aos  costumes do antigo Império Romano e, posteriormente, pela formação das cidades-Estado. Dentro do comércio justo, a empresa que se destaca é a AltroMercato que, de acordo com seu  próprio website, trabalha há mais de 30 anos formando cadeias de fornecimento de matérias primas naturais com mais de 40 países, como Peru, Bolívia e Índia, além do próprio Brasil.

2.3 Embalagem para exportação do guaraná em grão  

De acordo com a Portaria Nº 70 de 16 de março de 1982, expedida pelo Ministério da  Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o transporte do guaraná em grão deve ser realizado com  o acondicionamento do produto em sacos de algodão, aniagem ou material plástico, como  ilustrada na Figura 01, estando eles novos, limpos, em perfeito estado de conservação,  obedecendo o padrão exportação, além de ter capacidade entre 20 e 40 quilos líquidos. 

Figura 1 – Embalagem plástica utilizada na exportação 

Fonte 1. site D24am (2021) 

A utilização deste tipo de sacaria permite que o produto, que é de origem natural,  preserve suas características e mantenha seu padrão de qualidade. Para ser comercializado, o  Ministério da Agricultura, ainda na Portaria Nº70 de 1982, estabelece que o guaraná em grão  tipo 1 deve ser proveniente de frutos maduros, sadios e desidratados, tolerando, no máximo,  12% de umidade, 2% de impurezas e 8% de defeitos. Observa-se que a categoria de sacaria  utilizada, apesar de atender a demanda do produto, não é a melhor em questão de  sustentabilidade, visto que a decomposição dos sacos de fibra de algodão pode demorar entre 5  a 20 meses para se desintegrar no ambiente, enquanto sacos de materiais plásticos podem  demorar, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente (2005), até 400 anos, causando  grande impacto ambiental. 

Outros produtos que necessitam da preservação adequada de suas características, como  o café, por exemplo, são transportados em sacarias a base de juta. Cultivada na região  Amazônica por comunidades ribeirinhas, a juta é produzida de maneira sustentável, sem  utilização de agrotóxicos ou produtos químicos, e transformada em sacaria de forma  basicamente artesanal, necessitando apenas do auxílio de uma prensa para que torne o tecido  mais fino e resistente. Para assegurar a qualidade da sacaria, podem ser adicionados ao processo  malva, óleos vegetais e amido de milho (OLIVEIRA et al, 2022). 

Dentre as propriedades benéficas do uso da embalagem de juta, destaca-se o controle de  umidade, visto que a fibra natural pode tanto absorver o excesso de umidade do grão, como  também evitar o ressecamento dele, preservação do aroma, dada a maior proteção que a juta  oferece ao produto, e a facilidade de extração de amostras para inspeção, já que é possível fazer  pequeno furos sem deteriorar o saco (AGRISUSTENTÁVEL, s.d.). Além disso, trata-se de um  material biodegradável, o que contribui para um menor impacto ao meio ambiente.

Em 2016, a empresa Castanhal iniciou a produção das embalagens ECOntainer, como a  ilustrada na Figura 02, voltadas especialmente para exportação, onde as sacarias de juta, além  de suportarem até 60 quilos, são fabricadas 25% mais leves do que as tradicionais (CASTANHAL, s.d.). 

Figura 2 – Embalagem ECOntainer 

Fonte 2. Site da empresa Castanhal (s.d.) 

3. METODOLOGIA PARA DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA 

O presente estudo tem por objetivo compreender a cadeia produtiva do guaraná de  Maués, a modalidade de negociação em formato de comércio justo, assim como propor a  alteração da embalagem utilizada no transporte e exportação. 

De acordo com Gil (1999, p. 17), uma pesquisa pode ser definida como “procedimento  racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são  propostos”.  

Dentre os métodos para se realizar uma pesquisa, encontram-se a pesquisa bibliográfica,  a qual se baseia em materiais elaborados previamente, como livros, publicações periódicas e  impressos diversos, que, ainda de acordo com Gil (1999, p. 44-45), tem caráter exploratório,  buscando entender as causas de determinado problema e, a partir do estudo, formular hipóteses  de solução ou melhoria. 

Enquanto isso, a pesquisa documental se assemelha a bibliográfica, sendo a maior  diferença a natureza das fontes, visto que, para Gil (1999, p. 45-47): 

Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos de pesquisa. 

São exemplos de fontes documentais arquivos de órgãos e instituições públicas ou  privadas, regulamentos, fotografias e memorandos.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 

De acordo com as pesquisas, a alternativa de negociação por meio do comércio justo se  mostra rentável e positiva para as comunidades indígenas, visto que, quando realizado com  organizações com as mesmas perspectivas, o chamado fair trade traz benefícios tanto para o  produtor, com um pagamento justo por um produto cultivado sem o uso de químicos ou de mão-de-obra indevida, assim como para a sociedade, visto que parte do lucro é destinado para que  sejam financiados projetos sociais relacionados à educação e lazer. 

No que tange a embalagem, é fabricada a base de juta se mostra vantajosa por diversos  motivos. Primeiro, por ter um processo de cultivo e manufatura totalmente sustentável,  realizado por famílias da mesma região do plantio do guaraná. Além disso, a embalagem é mais  leve e de fácil manuseio para retirada de amostras. Destaca-se também que ela torna o transporte  ainda mais seguro, visto que já é utilizada no transporte do café e se mostra adequada para o  transporte de produtos que têm de manter características próprias para assegurar sua qualidade. Na tabela 01, é possível observar com clareza a distinção entre as duas embalagens: 

Quadro 1 – Comparação entre tipos de embalagens 

Propriedades Embalagem plástica Embalagem de juta
Composição Polímeros não biodegradáveis, como polietileno ou  polipropilenoJuta, malva, amido de milho e  óleos vegetais
Método de fabricação Produzido através de processos  industrializadosArtesanal, realizado por famílias ribeirinhas
Tempo de decomposição Até 400 anos Até 6 meses, o material se  decompõe na natureza,  podendo ser utilizado até no processo de adubagem
Amostragem Difícil amostragem, já que o  material pode facilmente  rasgar no momento da retirada do produtoFácil retirada de amostras para  inspeção através de pequenos  furos, os quais não deterioram a sacaria
Acondicionamento Mantém o produto unitizado, porém não é feito unicamente para o guaranáPor ter matéria-prima natural,  tem propriedades específicas que tornam o  acondicionamento benéfico, como o controle de umidade
Custo Custo reduzido, justificado  pela produção em larga escalaCusto elevado devido ao processo artesanal

Fonte 3. Adaptado de Ministério do Meio Ambiente (2005), Ministério de Agricultura (1982),  Agrisustentável (s.d.) 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Diante dos dados apresentados, pode-se concluir que, apesar de ainda não representar  um volume expressivo no montante de exportações brasileiras, o guaraná se mostra promissor  no mercado internacional, contando com ainda com a vantagem competitiva de não ter  concorrência direta. 

Observa-se que a cadeia produtiva dos Sateré-Mawé, objeto principal da pesquisa, se  mostra como uma alternativa modelo, tanto no quesito sustentável como no comercial, para o  restante dos produtores do país, visto que ilustra explicitamente que não é necessário degradar  o ambiente ou se utilizar de práticas desleais no comércio para obter lucro e ganhar espaço no  mercado internacional. 

Fora isso, é importante destacar que, atualmente, existem alternativas ecológicas para  cada etapa do processo produtivo, incluindo a embalagem, sendo esta a questão principal do estudo. O conhecimento de novas alternativas viáveis, como a sacaria de juta, é de  suma importância para a evolução das operações comerciais, que permanecem gerando lixo  desnecessariamente com a utilização de embalagens one-way produzidas através de processos  químicos, como as de plástico, por exemplo. 

Observa-se que, além dos benefícios ecológicos provenientes da sustentabilidade,  existem os sociais. A utilização e comercialização dos produtos citados no estudo se tornam a  fonte de renda de comunidades de certa forma vulneráveis em nosso país, visto que  comunidades ribeirinhas e indígenas ainda têm pouca visibilidade.  

REFERÊNCIAS 

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CASTANHAL. Sacaria para Café. s.d. Disponível em: <https://www.castanhal.com.br/upload/cartela-sacaria 

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WFTO. World Fair Trade Organization. History of Fair Trade. Disponível em:  <https://wfto.com/about-us/history-wfto/history-fair-trade> Acesso em: 12 de novembro de  2022.


1FATEC ZONA LESTE
stefany.lima@fatec.sp.gov.br

2FATEC ZONA LESTE
stefany.oliveira8@fatec.sp.gov.br

3FATEC ZONA LESTE
giseli.passador@fatec.sp.gov.br