O GÊNERO NOTÍCIA EM UMA ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA

NEWS IN A TEXTUAL- DISCURSIVE ANALYSIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7953332


Roberta Guimarães de Godoy e Vasconcelos


RESUMO

Este artigo objetiva analisar como a responsabilidade enunciativa e os pontos de vista são apagados do texto jornalístico a fim de se alcançar uma suposta neutralidade em uma notícia sobre a posse presidencial de 2018 publicada na revista IstoÉ. Baseia-se na Análise Textual dos Discursos (ATD) e na categoria de responsabilidade enunciativa Jean-Michel Adam (2011). Procura entender que representações do discurso alheio são construídas, e as quais fazem com que o Locutor/Enunciador (L1/E1) cumpra certas finalidades, próprias do contexto de comunicação em que está inserido. A partir da análise foi possível perceber que houve uma maior presença da relação L2/E2, pois houve um distanciamento entre  locutor e enunciador, percebido pelas marcas linguísticas. Esse tipo de análise textual-discursiva pode contribuir para reflexões acerca do gênero discursivo notícia no sentido de perceber se o jornalista responsável pela notícia assume o dito ou os imputa a outras fontes e como delimita e as diferentes vozes no texto visto que uma característica essencial desse gênero é ser isento de opinião e tratar de modo imparcial o fato.

Palavras-chave: Notícia. Análise Textual Discursiva. Responsabilidade enunciativa. 

ABSTRACT

This article aims to analyze how enunciative responsibility and points of view are erased from the journalistic text in order to achieve supposed neutrality in a news item about the 2018 presidential inauguration published in IstoÉ magazine. It is based on the Textual Analysis of Discourses (ATD) and the category of enunciative responsibility Jean-Michel Adam (2011). It seeks to understand which representations of the other’s speech are constructed, and which make the Speaker/Enunciator (L1/E1) fulfill certain purposes, specific to the communication context in which he is inserted. From the analysis, it was possible to notice that there was a greater presence of the L2/E2 relationship, as there was a distance between the speaker and the enunciator, perceived by the linguistic marks. This type of textual-discursive analysis can contribute to reflections on the discursive genre news in the sense of perceiving whether the journalist responsible for the news assumes what was said or imputes them to other sources and how he delimits and the different voices in the text, since an essential characteristic of this gender is to be free of opinion and impartially treat the fact.

Keywords: News. Discursive Textual Analysis. Enunciative responsibility.

Introdução

O presente trabalho foca na questão de como se dá o acesso às informações sobre os acontecimentos políticos e sociais que nos cercam. Essa preocupação se deve ao pressuposto de que a qualidade de acesso a esse tipo de conhecimento causa interferência na forma como os sujeitos se posicionam diante dos fatos, ou seja, o acesso qualitativo à informação é que vai permitir que esses indivíduos possam galgar uma melhor posição nas relações desiguais de poder. 

O meio institucionalizado para nos informarmos dos acontecimentos dessa natureza (políticos e sociais) é a imprensa e os mais diferentes tipos de mídia, mesmo que em meios não institucionalizados como na imprensa Partimos do pressuposto de que nenhum discurso é neutro, sendo assim, os discursos que circulam nos meios de comunicação são  construídos a partir de uma determinada intenção ideológica e partem de um determinado posicionamento, caracterizando um problema social de acesso aos fatos e a todas as suas especificidades.

Essa qualidade de acesso ao conhecimento ficou evidente recentemente, com a disputa eleitoral para o cargo de presidente. Essa eleição teve um caráter diferente das de anos anteriores. A mídia, por meio das redes sociais, teve um papel de destaque na veiculação de notícias, e a discussão sobre o que era ou não fake news tomou conta dos debates em vários âmbitos da sociedade. Nesse contexto, a mídia jornalística brasileira, a mídia impressa / online ou televisiva, foi, muitas vezes, na propagação dessa nova maneira de se informar sobre política, acusada de atender a interesses de determinadas correntes partidárias e de não estar disponibilizando a informação mais completa possível sobre os candidatos de maior expressividade, sendo um de esquerda e o outro da extrema-direita. 

Desse modo, a construção da identidade política do eleitor brasileiro ficou muito polarizada e envolta em discursos de ódio vindo de ambos os lados. A formação da identidade do eleitor, e de seu papel atuante e detentor de poder, desenhou-se nesse cenário de pós-verdade, o qual possibilita a influência das fake news como fator relevante para decisões tomadas pelos eleitores. Nesse sentido, a veracidade das informações, por meio de uma mídia reconhecida institucionalmente, passa a ser menos importante, contanto que estejam ligadas à visão de mundo assumida pelo sujeito. 

A partir desse problema social do silenciamento de parte da mídia nacional (práticas discursivas) quanto aos eventos políticos no contexto da última campanha eleitoral que cerceou o acesso dos leitores à devida informação, necessária ao posicionamento político que, certamente, levou à tomada de decisão de voto (prática social), o presente artigo objetiva analisar como a responsabilidade enunciativa e os pontos de vista são apagados do texto jornalístico a fim de se alcançar uma suposta neutralidade a partir de uma não assunção da responsabilidade enunciativa. 

Por meio de texto jornalístico veiculados em jornais digitais, pretendemos avaliar como um evento de caráter político foi reportado. Assim, pode-se avaliar o quanto foi dito e o quanto foi encoberto a respeito dos fatos, para mostrar as intenções comunicativas dos jornalistas como porta-vozes das instituições a qual pertencem e, de alguma maneira, desvendar um terceiro conhecimento, mais imparcial ou pelo menos mais completo, sobre os fatos, que, acreditamos, emergiram a partir do confronto entre os discursos materializados nos textos analisados. A justificativa para esse trabalho se dá pela importância que o posicionamento crítico e consciente das pessoas, de modo a formarmos uma sociedade mais democrática, pois conforme Fairclough (2001), as práticas sociais são realizadas, modificadas e/ou perpetuadas por meio de discursos. Os textos são, nessa visão, a materialização desses discursos cujo efeito é a naturalização das práticas sociais e culturais que na maioria das vezes atendem a uma minoria. 

A partir da reflexão levantada até aqui, apontamos que os gêneros discursivos são um conceito central na Linguística Textual em diálogo com a Análise do Discurso. Pensar nos gêneros informativos e jornalísticos, grupo do qual o gênero notícia faz parte, requer pensar em objetividade e imparcialidade. No entanto, ao acreditarmos que nenhum discurso é imparcial, estando sempre carregado de intenções do locutor/ enunciador, analisamos as questões relacionadas à responsabilidade enunciativa ou ponto de vista, a partir dos pressupostos teóricos da Análise Textual dos Discursos de Adam (2011).

Para isso, este artigo está dividido da seguinte forma: na primeira parte, analisamos o gênero textual notícia e suas especificidades a partir do viés teórico da ATD. Em um segundo momento, iremos apresentar a categoria da Responsabilidade Enunciativa que é o foco do nosso olhar para a análise do texto selecionado para este artigo que está apresentado na seção da Análise de Corpus.

1. O gênero notícia e a Análise Textual dos Discursos

A imparcialidade esperada pelo gênero notícia é o que garante sua característica de relatar fatos de forma idônea e essa maneira de veicular a informação é o que lhe dá validade. Desse modo, podemos identificar nos textos selecionados, apagamento das marcas de locutor, que no caso do discurso jornalístico funciona como uma estratégia de simulação de ausência de subjetividade, o que confere credibilidade às informações. Desse modo, o leitor irá aderir àquela notícia e inferir suas próprias subjetividades. A responsabilidade jurídica e ética por trás das instituições e dos jornalistas provocasse apagamento da responsabilidade enunciativa, pois o veículo de imprensa precisa se isentar de possíveis processos, sendo preciso apresentar evidências do que está noticiando ou atribuindo PdV a outrem e de ser imparcial, conforme ética jornalística, de modo a deixar que o leitor chegue a suas conclusões Desse modo, o locutor desse discurso deverá pensar sobre a construção e estruturação do discurso, bem como sobres as vozes que convoca a fim de fortalecer, expressar ou destacar um determinado ponto de vista, mas se isentando da responsabilidade sobre o que é dito.

Visto que a Análise Textual dos Discursos aparece como uma corrente que se propõe a dialogar tanto com a Análise do Discurso como com a Linguística Textual, o modelo proposto por Jean- Michel Adam visa examinar o texto enquanto prática discursiva e apresenta níveis de análise: o sequencial-composicional, o enunciativo, o semântico e o argumentativo. Nosso olhar se dá no nível enunciativo, no que diz respeito à responsabilidade enunciativa, cujo enfoque se dá nas vozes do texto e na (não) assunção dos enunciados pelo locutor. (ADAM, 2011). A partir desse nível de análise, pretendemos refletir sobre as implicações da construção do texto jornalístico, especificamente do gênero notícia, quanto ao locutor não assumir a responsabilidade enunciativa e como isso (não) é marcado no texto a partir dos propósitos comunicativos. 

No esquema a seguir (Figura 1) abaixo é possível percebermos as categorias participantes de uma análise textual discursiva para Adam (2011).

Figura 1 – Esquema 4: Níveis da análise de discurso e níveis da análise textual
Fonte: Adam (2011, p. 61).

As relações entre esses níveis são entendidas como se todo ato de linguagem visasse a uma ação a se projetar sobre interlocutores em interação social, numa dada formação sociodiscursiva, e a se materializar no texto, sob a intermediação de um gênero de discurso, em uma língua dada, no seio das relações interdiscursivas. O texto, que pode advir de mais de um gênero, materializa a ação visada pelo e no discurso, apresentando uma textura (proposições, enunciados e períodos, uma estrutura composicional (formada pelas sequências e planos de texto), um conteúdo semântico (que constrói a representação discursiva), uma dimensão enunciativa (na qual se situa a responsabilidade enunciativa e coesão polifônica) e, também, uma força ilocucionária (responsável pelos atos de discurso e pela orientação argumentativa). Os sentidos do texto se produzem em função de suas condições de produção e recepção, como explicado por Bernardino (2015) 

Conforme mencionamos anteriormente interessa-nos, em nossa análise do gênero notícia, o nível 7 (Responsabilidade Enunciativa).

2. Análise Textual dos Discursos: responsabilidade enunciativa

Sendo a categoria da responsabilidade enunciativa (RE) e pontos de vista (PdV), um nível da proposição-enunciado, é importante definirmos o que é o enunciado para Adam. O enunciado é, na ATD, a unidade elementar mínima. Ao focarmos nossa análise na RE, preocupamo-nos com a identificação do sujeito enunciador(locutor) e como ele se responsabiliza no discurso proferido. Adam (2011) afirma que a RÉ e o PDV não se separam, estando, portanto, no âmbito da polifonia. 

Nessa categoria é possível identificarmos dois níveis de RE, o L1/E1 e o L2/E2. Aquele refere-se à assunção da responsabilidade do dizer (locutor e enunciador não se separam) enquanto este implica um afastamento entre os dois. O enunciador se exime da responsabilidade, o que marca um PDV atribuído a outrem, seja por anonimato ou por atribuição a outra “autoridade”, “testemunha”, “cidadão”, causando um distanciamento desejado ao gênero, que lhe dá credibilidade. As categorias que marcarão o tipo de relação locutor/enunciador conforme Adam (2011) são: os pronomes, dêiticos espaciais e temporais, tempos verbais, as modalidades, os diferentes tipos de representação da fala, as indicações de quadros mediadores, os fenômenos de modalização autonímica ( as marcações dos discursos de outros que não o L1/E1), as indicações de um suporte de percepções e de pensamentos.

A importância dessa categoria é destacada por Nascimento, Carvalho e Bernardino (2012) conforme trecho abaixo:

A responsabilidade enunciativa, na ATD, é vista como uma das dimensões elementares da unidade textual básica, a proposição-enunciada. Adam (2008) aborda essa categoria em dois momentos de sua obra: no primeiro, a responsabilidade enunciativa é entendida como sendo uma dimensão indispensável da unidade textual elementar (ADAM, 2008, p. 115-122); no segundo, ela é abordada quanto aos marcadores de responsabilidade enunciativa (ADAM, 2008, p. 186-189). Diante disso, é possível constatar uma atenção significativa dada por Adam a essa categoria em relação às demais, não desprezando as outras, sendo que ela é entendida como indispensável à unidade elementar, à proposição-enunciada, o que podemos entender como constitutiva da produção de sentido do texto/discurso.

Figura 2- Esquema 10 (ADAM, 2011,p.111)

A partir desse esquema é possível visualizarmos a importância da combinação desses elementos para os efeitos de sentidos de um texto. Partimos do centro do esquema, o da proposição-enunciado, estando conectado aos ditos e implícitos anteriores e posteriores. Essa proposição-enunciado sobre ainda influências das dimensões de representação discursiva ( A), que se relaciona às referências semânticas,  a da responsabilidade enunciativa (B) que são as vozes que constroem a Rd ( havendo assunção ou imputação dessas vozes) e o valor ilocucionário (C) que dão o direcionamento argumentativo sobre o fato, podendo ser ou não polifônicos. 

Nascimento, Carvalho e Bernardino ( 2012) explicam ainda que Adam (2008, p.53) “utiliza o termo co(n)texto “para dizer que a interpretação de enunciados isolados apoia-se tanto na (re)construção de enunciados à esquerda e/ou à direita (co-texto) como na operação de contextualização” 

A partir dessas reflexões objetivamos através de nossas análises, perceber quem assume a responsabilidade pelos enunciados ou a quem são atribuídos, quais marcas linguísticas marcam essas RE, como os posicionamentos se apresentam linguisticamente e discursivamente, como os enunciados dos locutores se combinam para produzir sentidos no texto.

As reflexões de Adam (2011) a respeito da RE, baseiam-se em Guentchéva (1994, 1996). Nesse estudo, a autora desenvolve a categoria gramatical do mediativo, que marca o distanciamento do enunciador. O locutor, marca linguisticamente, portanto, a origem dessa informação, caso ele não seja a fonte. Desse modo, a RE pode representar um certo modo de enxergar, a depender do que o locutor quer dizer, dando ao sujeito uma centralidade, uma característica discursivo-argumentativa.  (ZANDONAI e GIERING, 2018 ). Logo, o não- dizer, ou as escolhas dos dizeres dos outros, podem indicar um determinado PdV. 

3. Análise de Corpus

A análise desenvolvida tem como corpus  uma notícia publicada no dia 1º  de janeiro de 2019, pela revista Isto É.. A notícia, retirada da revista em formato online, trata do fato da posse presidencial a partir da perspectiva dos que vão assistir à posse presidencial e apoiam o presidente. Por se tratar de uma notícia em formato online se caracteriza pela não-linearidade, pela presença de links de acesso ao longo do texto e pela multimodalidade característica do gênero homepage. A multimodalidade da homepage e da própria notícia (composta por imagens, textos, links, fontes diferentes) não é nosso objeto de análise, visto que iremos nos ater aos elementos textuais-discursivos como marcadores da RÉ e PdVs.

Para fins de destaque dos elementos, optamos por diferenciá-los por legendas de cores diferentes de modo a facilitar a compreensão do seu papel na construção do texto:

Cor Categoria analisada
AmareloDêiticos
RosaModalidades
VerdeVerbos
Vermelhol2/e2 e modalização autonímica

Fragmento 1

Desde domingo 30, dezenas de brasileiros reúnem-se em torno da Esplanada dos Ministérios

Camisetas verde-amarelas estão espalhadas por Brasília, mas não para incentivar a seleção de futebol, e sim para a cerimônia de posse de Jair Bolsonaro, que assumirá o comando do país nesta terça-feira, 1º de janeiro.

Nesse primeiro fragmento, podemos observar, através da legenda amarela, na manchete, o marcador dêitico relacionado a tempo, para enfatizar quantos dias as pessoas se reúnem e no sentido de demonstrar a expectativa em relação à posse presidencial. Essa expectativa é reforçada pelos verbos marcados em amarelo, e na parte rosa, a expressão, camisetas amarelas que representam, o eleitorado brasileiro apoiador do presidente a ser então empossado, visto que a camiseta verde-amarela da seleção virou, desde o período pré-eleitoral, símbolo desse grupo de pessoas. 

Fragmento 2 

Desde domingo 30, dezenas de brasileiros, a maioria brancos e de classe alta, reúnem-se em torno da Esplanada dos Ministérios, onde acontecia o ensaio geral para a posse. Mas uma forte operação de segurança os manteve distantes do cortejo que simulava o trajeto do futuro presidente. “Estamos um pouco tristes, mas vai ser bem melhor ver a cerimônia de verdade”, diz Silvia Capital, de 49 anos, moradora de Brasília, que irá hospedar parentes do Rio de Janeiro em sua casa.

Apesar de se tratar de uma notícia, a expressão sublinhada em rosa, sobre a classe social e raça das pessoas que estavam ali presentes, demonstra uma percepção de pensamento, um juízo de valor, um PDV sobre o grupo que representa a maior parte do eleitorado de Bolsonaro. A expressão dezenas, marcada também de rosa, expressa uma percepção de pensamento, uma quebra de expectativa, visto que dezenas, apesar de se referir a um fato concreto (número de pessoas que ali estavam), quebra a expectativa do leitor sobre o quantitativo de participantes em uma posse presidencial. Há uma separação entre o locutor e enunciador através da marca do verbo diz, para deixar claro o sentimento que tinham em relação a não poder participar tão de perto daquele momento para apoiar o presidente que elegeram, gerando também uma quebra de expectativa, nesse caso, para aqueles que estavam ali assistindo à cerimônia.

Fragmento 3

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Ao seu lado, um comerciante não tem do que reclamar: em apenas uma hora e meia, vendeu 25 faixas presidenciais amarelas e verdes com o rosto de Bolsonaro, a 10 reais cada.

Os Dragões da Independência, regimento de cavalaria que integra a guarda presidencial, passam perto dos curiosos, que aplaudem e gritam: “Brasil!, Brasil!”. Assim como o presidente eleito e capitão reformado do Exército, eles mostram fascínio pelo mundo militar. A maioria acha que os anos de ditadura foram bons para o país. Alguns puxam pelo braço soldados que vigiam o ensaio, para tirar uma selfie. Outros, fazem transmissões ao vivo da cavalaria pelo Facebook

Neste próximo trecho, temos o marcador dêitico de lugar, para mostrar a oposição de sentimentos da espectadora do fragmento 2 e do comerciante que teve sua expectativa de vendas atendida pelo acontecimento, expressa pelo trecho não tem do que reclamar. Os verbos aplaudir e gritar também expressam a ideia de apoio ao presidente, assim como o dizer Brasil, Brasil!. Ações e discursos atribuídos a outros, novamente havendo um distanciamento do locutor para os enunciadores. Há ainda nos próximos destaques em rosa, uma comparação do presidente e dos que lá estavam e gritavam em relação à Ditadura Militar.

O uso dos pronomes indefinidos alguns e outros para se referir aos que ali estavam e comemoravam, também indica um afastamento e uma modalização autonímica. Apesar dos distanciamentos e da não marcação enunciativa, sendo os enunciados sempre dos outros e não do locutor, a organização hipertextual e escolha dos links que permeiam o texto, trazem a RÉ e PdV da publicação, ao apresentar, ao longo de uma notícia sobre os que apoiam o presidente, links de artigos de opinião cujos títulos deixam claro serem contra, conforme links em negrito e sublinhados ao longo dos fragmentos, produzindo efeito de sentido contrário aos PdV de e2 apresentados ao longo do texto e marcando um posicionamento do veículo de comunicação

Fragmento 4

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A cerimônia será marcada por um esquema de segurança rigoroso e sem precedentes, que inclui um sistema antimísseis e a proibição de guarda-chuvas, mochilas e carrinhos de bebê.

Os verbos marcados em verde indicam as especificidades e características da cerimônia que ainda vai acontecer. Já os trechos marcados em rosa, indicam uma percepção de suporte ao pensamento de como deve ser uma cerimônia desse porte (rigoroso), no entanto, a expressão sem precedentes, expressa algo diferente desta em relação aos presidentes anteriores, que podemos associar com o fato de o presidente ter levado uma facada na campanha eleitoral.

Fragmento 5

 ‘Um momento histórico’

Daniel Dias Santos, de 52 anos, não se intimida com o tamanho da operação. Para chegar a Brasília, viajou por cinco dias de moto desde o Paraná. “Sempre tive vontade de conhecer Brasília e surgiu esta oportunidade com a posse de Bolsonaro, que é uma pessoa muito honesta, uma pessoa de bem”, diz o operador de máquinas agrícolas.

Com o rosto do futuro presidente estampado em sua camiseta, ele defende a flexibilização da posse de armas, uma das promessas de campanha de Bolsonaro. “Se o bandido está armado, por que a pessoa de bem não pode estar?”, questiona. “Não possuo arma, mas se ficar mais fácil, irei adquirir uma, com certeza.”

O próximo trecho da reportagem tem como subtítulo “um momento histórico…”, atestando o suporte ao pensamento do peso que a data tem para o país, ao ter seu principal representante empossado. Para ilustrar esse momento histórico, o jornalista ( L1/E1) traz o fato e os dizeres do próximo personagem que também se assume como enunciador e expressa um PDV. No caso, este é apresentado e identificado, o que traz credibilidade à notícia, assim como foi feito anteriormente e também será feito posteriormente, havendo sempre a fala do outro como representação da RE. A pergunta feita pelo enunciador do trecho revela um ato ilocucionário, visto que se trata de uma pergunta hipotética, mas que está carregada de valor, trata-se de um argumento a favor do porte de armas. A responsabilidade dos dizeres considerados polêmicos recai sobre esses apoiadores e através das marcações pronominais, dêiticas e de modalização autonímica, os enunciados, nessa perspectiva, se apresentam de caráter L2/ E2. 

Fragmento 6

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‘Brasil limpo’

A professora Maria do Carmo, de 62 anos, viajou do interior de São Paulo para ver de perto seu herói. “Não quero perder nada! Nunca fui tiete de ninguém, nem de cantor, nem de político. Mas sou Bolsonaro.”

Maria comprou a passagem mesmo antes da vitória eleitoral, porque estava certa de que Bolsonaro ganharia nas urnas. “É impressionante como esse homem conseguiu mudar meu pensamento. Porque ele quer um país limpo, e é um país como esse que eu quero para meus netos.”

A professora diz que perdoa os comentários de cunho machista, racista e homofóbico feitos por Bolsonaro ao longo de sua carreira como deputado. “Ele não é homofóbico, mas ele não quer, e eu também não quero, ver dois homens ou duas mulheres se beijando na rua. Tudo tem lugar certo, até para casal hetero”, opina. O advogado Luiz Fernando Barth, de 48 anos, que viajou com a mulher e os dois filhos adolescentes do município de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, espera que Bolsonaro “livre o país do câncer da corrupção”.

Na organização do fragmento 5, novamente o jornalista apresenta personagens reais para falar sobre o presidente e suas promessas de campanha, se isentando mais uma vez da RE. O subtítulo escolhido para esse trecho ‘ Brasil livre’, refere-se ao que é dito posteriormente pelos enunciadores ( E2) e também remetem à memória do leitor ao MBL ( Movimento Brasil Livre) que foi apontado como um dos principais responsáveis pelo movimento que manifestou descontentamento com o governo anterior e que ajudou na ascensão de Bolsonaro para candidato e sua posterior vitória. As palavras e expressões, destacadas em rosa, indicam um suporte de pensamento em relação à ideia de país livre de corrupção, e de valorização de costumes conservadores em relação à homossexualidade, assim como da ideia do presidente como herói.

Fragmento 7

Vestindo uma camiseta de “Mulher Maravilha” com a inscrição “BolsoLinda”, a carioca Letícia Spinelli, de 43 anos, adverte: “Ele não é santo, não sou fã de nenhum político. Da mesma forma que fui para a rua apoiá-lo, se ele não fizer um bom governo, vou lutar para ele sair. Porque o brasileiro merece um governo decente.”

Na última parte da notícia, temos as duas primeiras expressões destacadas que indicam um contraponto, visto que a personagem da Mulher Maravilha é representada nos quadrinhos e cinema (principalmente nos mais atuais), como feminista. A expressão BolsoLinda, remete aos enunciados expressos por seus apoiadores de que as “as mulheres de direita são as mais belas” e a de que “feminismo é coisa da esquerda”, é visto como não desejado. Apesar de aparentemente estar narrando um fato, o que a mulher, responsável pelos dizeres a serem apresentados, estava vestindo, a imagem criada através do enunciado, não é neutra, a partir do co(n)texto que se apresenta a partir da criação da imagem dessa personagem.

Os verbos destacados em verde, representam novamente um enunciador de tipo E2 e remetem a um posicionamento de apoio ao presidente.

Considerações finais

Foi possível percebermos, ao longo da análise, um esforço do jornalista para elaborar um discurso objetivo, conforme exige o gênero notícia. O locutor, ao apresentar os depoimentos, se distancia da responsabilidade daqueles dizeres de apoio ao fato, posse do presidente. Para isso, faz uso de diferentes mecanismos linguísticos, para criar os efeitos de objetividade e imparcialidade, ao mesmo tempo que, ao fazer as escolhas dos dizeres, apresenta, algumas palavras, ao se referir ao público, e mesmo inferências possíveis, a partir dos co(n)textos, que deixam transparecer uma RE ou PdV próprios. Até mesmo a escolha institucional da revista na disposição dos links ao longo da notícia, permitem construir o efeito de sentido, de um PdV contrário aos expressos na notícia tornando as relações ao longo da notícia selecionada como L1/ E1 e L2/E2, pois, apesar de trazer os mesmos pontos de vista favoráveis ao fato (a posse do novo presidente), o uso de metáforas e expressões usadas para descrever os participantes daquele evento caracterizam uma relação de diferenciação de PdV. Desse modo, os conceitos aqui apresentados permitem distinguir essas diferentes formas de o locutor estar presente no discurso. Essa compreensão só é possível dado o caráter dialógico dos discursos. A notícia, portanto, não acontece fora dos contextos e a autonomia do locutor e do interlocutor na produção de sentidos são sempre participantes da construção de sentido.

REFERÊNCIAS

ADAM, J.-M. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2011.

BERNARDINO, R.A.S. A Responsabilidade enunciativa em artigos científicos de pesquisadores iniciantes e contribuições para o ensino de produção textual na graduação. Tese ( Doutorado em Estudos da Linguagem)- Centro de Ciências, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, p.286. 2015.

FAIRCLOUGH, N. (2001). A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: As universidades. In C. M. Magalhães (Org.), Reflexões sobre a análise crítica do discurso (pp. 31-81). Belo Horizonte, MG: Faculdade de Letras UFMG.

NASCIMENTO, I. A. de A.; CARVALHO, J. L. Q.; BERNARDINO, R. A. dos S. A (não) assunção da responsabilidade enunciativa em artigos científicos produzidos por estudantes de Letras. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 1, n. 1, p. 241-254, jan./jun. 2012.

ZANDONAI, Marcos Filipe; GIERING, Maria Eduarda; ALBÉ, Maria Helena. A responsabilidade enunciativa no texto de divulgação científica midiática. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 18, n. 3, p. 527- 543, set./dez. 2018.