REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7750223
Maristela Tognon de Mello¹
RESUMO: Este estudo tem como objetivo discutir sobre o papel da mediação no ambiente escolar e de que forma ela deve ser desenvolvida para que contribua para a minimização de conflitos entre os diversos atores do processo educativo. Desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica, o texto traz contribuições teóricas acerca dos conflitos, enfatizando especialmente questões como bullying, indisciplina, agressividade, preconceitos e problemas resultantes das relações interpessoais desenvolvidas entre professores, alunos, pais, funcionários e gestores. Destaca-se a mediação como um instrumento eficaz para a minimização da violência na escola, além de promover uma maior conscientização e respeito entre os envolvidos. Considera-se ao mediador um papel relevante na promoção do diálogo, devendo ser imparcial, bom ouvinte e estar capacitado para atuar no processo de mediação. Além disso, poderá contribuir para que as partes reflitam sobre o conflito e possam aprender com a experiência por meio da responsabilização, o que é importante para a formação e para o fortalecimento das relações interpessoais e dos princípios de convivência no contexto escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Mediação; Conflito; Escola.
1 Introdução
A escola é um espaço múltiplo, de convivência, socialização e, também de conflitos. Essa questão faz com que se reflita sobre a necessidade da instituição escolar, por meio de sua gestão e de seus professores, esteja preparada para enfrentar situações conflituosas que podem envolver os atores envolvidos no processo educativo.
Desse modo, justifica-se a discussão em torno da questão da mediação de conflitos como sendo uma alternativa importante para a construção da cidadania e da convivência coletiva a partir do diálogo e da busca de soluções conjuntas para os impasses e problemas que surgem no ambiente escolar.
Os conflitos podem emergir entre docentes, entre alunos e docentes, entre docentes, gestores e pais, e podem ser resultantes de problemas no próprio processo de aprendizagem, bem como de questões relativas ao comportamento, violência, indisciplina, preconceito, bullying, inadaptação, relações pessoais, questões de poder, divergências políticas, falta de comunicação, entre outros.
Acredita-se que a proposta de mediação deve estar presente na escola, constituindo-se num processo de pacificação onde o diálogo, o respeito e a construção de regras e também de consensos tornam-se importantes para o desenvolvimento não só da escola, mas também de suas relações com alunos, professores, pais, funcionários e gestores, fortalecendo e melhorando o processo educativo.
Por isso, este estudo, de caráter bibliográfico, tem como preocupação principal a análise do conceito e da representatividade da mediação no ambiente escolar e de que forma ela poderá ser desenvolvida e vivenciada naquele contexto. Assim, o objetivo é discutir sobre o papel da mediação na escola e de que forma ela deve ser desenvolvida para que contribua para a minimização de conflitos.
2 Desenvolvimento
2.1 O ambiente escolar
A escola é um ambiente humano por natureza, ou seja, são as pessoas que fazem a escola e, por isso, este é um espaço de relações e inter-relações que precisa ter uma gestão coerente para que os profissionais consigam atuar atingindo seus próprios objetivos como também os objetivos da instituição.
A escola é um espaço de comunicação e de convivência mútua em torno de objetivos e em busca da construção do conhecimento. “O convívio escolar refere-se a todas as relações e situações vividas na escola, dentro e fora da sala de aula, em que estão envolvidos direta ou indiretamente todos os sujeitos da comunidade escolar.” (BRASIL, 1997, p. 30).
De acordo com Crestani (2003) é fundamental conceber a escola como parte de um contexto sócio-econômico-político historicamente construído para que se entendam as relações que se estabelecem dentro dela e os condicionantes que afetam diretamente o universo escolar, dificultando o despertar de uma educação democrática e igualitária.
Assim, Morgado e Oliveira (2009) ressaltam que a escola e suas próprias características, nem sempre mantém relações harmoniosas, tendo em vista que é um espaço que pode gerar conflitos.
Sobre essas características da escola, o Conselho Nacional do Ministério Público, no guia “Diálogos e mediação de conflitos nas escolas” destaca:
A escola é palco de uma diversidade de conflitos, sobretudo os de relacionamento, pois nela convivem pessoas de variadas idades, origens, sexos, etnias e condições socioeconômicas e culturais. Todos na escola devem estar preparados para o enfrentamento da heterogeneidade, das diferenças e das tensões próprias da convivência escolar, que muitas vezes podem gerar dissenso, desarmonia e até desordem. (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014, p. 16).
Para a superação dos conflitos no ambiente escolar, uma importante contribuição diz respeito ao desenvolvimento de uma educação problematizadora. Nessa perspectiva Freire (1988 apud CRESTANI, 2003, p. 47) destaca que se deve refletir sobre a importância de uma educação problematizadora, “[…] educação essa que tem caráter autenticamente reflexivo, que busca o despertar das consciências para a transformação da sociedade”. Defende-se a ideia de que esse tipo de educação jamais estará a serviço da opressão e poderá auxiliar a todos os atores do processo educativo a minimizarem problemas e conflitos em prol de relações mais humanas e de uma educação transformadora de consciências.
2.2 Conflitos na escola
Tendo em vista que a escola, como descrita anteriormente, é um ambiente propício ao conflito, cabe destacar os principais tipos de problemas dessa natureza que podem afetar as relações que ocorrem em seu contexto.
Os conflitos são algo inerente ao ser humano, sendo que ao mesmo tempo em que podem ser prejudiciais, podem se tornar oportunidades para os indivíduos que dele participam. Na escola a presença dos conflitos é algo comum, pois este é um espaço onde ocorre a disseminação de valores e onde a cidadania é construída, por isso a necessidade de que a equipe gestora conheça as ferramentas e desenvolva ações e estratégias para a administração dos mesmos (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014).
Na opinião de Ceccon et al. (2009, p. 19):
Conflitos existem por toda a parte. Não são, em sua natureza, nem bons nem ruins: fazem parte da vida em sociedade. A maneira como lidamos com eles, no entanto, faz com que tenham desdobramentos positivos ou negativos. Quando bem manejados, os conflitos podem levar a situações de intensa criatividade e aprendizagem. Quando ignorados ou mal administrados, podem ter consequências não desejadas.
Chrispino (2007) orienta que o conflito faz parte do processo social que o ser humano desenvolve ao longo da vida, podendo ser compreendido como resultante de opiniões e interesses diversos entre duas ou mais pessoas. No ambiente escolar muitas são as causas dos conflitos que podem surgir entre alunos, professores e pais, principalmente relacionados com problemas de comunicação.
Conforme se observa nas considerações do autor, o conflito é algo que faz parte das relações humanas, sendo que pode ter como causa uma série de elementos, especialmente ligados a questões de ordem comunicativa e que envolve interesses diversos.
Moore (1998 apud CHRISPINO, 2007, p. 18) classifica os conflitos conforme o apresentado no Quadro 1:
Tipos de conflitos | Causas dos conflitos |
Estruturais | Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle, posse ou distribuição desigual de recursos; poder e autoridade desiguais; fatores geográficos, físicos ou ambientais que impeçam a cooperação; pressões de tempo. |
De valor | Critérios diferentes para avaliar ideias ou comportamentos; objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de vida, ideologia ou religião diferente. |
De relacionamento | Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos; comunicação inadequada ou deficiente; comportamento negativo – repetitivo. |
De interesse | Competição percebida ou real sobre interesses fundamentais (conteúdo); interesses quanto a procedimentos; interesses psicológicos. |
Quanto aos dados | Falta de informação; informação errada; pontos de vista diferentes sobre o que é importante; interpretações diferentes dos dados; procedimentos de avaliação diferentes. |
Pode-se observar que os conflitos podem fazer parte das relações e também da estrutura do ambiente em si, atuando sobre os interesses e os valores envolvidos entre as partes.
Para melhor entender os conflitos que ocorrem no ambiente escolar, cumpre salientar suas principais ocorrências:
- Entre docentes, por: falta de comunicação; interesses pessoais; questões de poder; conflitos anteriores; valores diferentes; busca de “pontuação” (posição de destaque); conceito anual entre docentes; não indicação para cargos de ascensão hierárquica; divergência em posições políticas ou ideológicas.
- Entre alunos e docentes, por: não entender o que explicam; notas arbitrárias; divergência sobre critério de avaliação; avaliação inadequada (na visão do aluno); discriminação; falta de material didático; não serem ouvidos (tanto alunos quanto docentes); desinteresse pela matéria de estudo.
- Entre alunos, por: mal entendidos; brigas; rivalidade entre grupos; descriminação; bullying; uso de espaços e bens; namoro; assédio sexual; perda ou dano de bens escolares; eleições (de variadas espécies); viagens e festas.
- Entre pais, docentes e gestores, por: agressões ocorridas entre alunos e entre os professores; perda de material de trabalho; associação de pais e amigos; cantina escolar ou similar; falta ao serviço pelos professores; falta de assistência pedagógica pelos professores; critérios de avaliação, aprovação e reprovação; uso de uniforme escolar; não atendimento a requisitos “burocráticos” e administrativos da gestão. (ZAMPA, 2005 apud CHRISPINO, 2007, p. 21).
Essas considerações mostram que diversas tipologias de conflitos podem fazer parte das relações entre docentes, alunos, pais e gestores, sendo que tais ocorrências podem gerar prejuízos ao processo educativo, afetando o modo como os relacionamentos ocorrem na escola, como o diálogo se estabelece e como as pessoas se sentem naquele ambiente ao longo do ano letivo.
Na sequência amplia-se a discussão acerca de alguns aspectos como indisciplina, agressividade, preconceito e bullying, bem como as próprias relações entre a escola e as famílias como elementos geradores de conflitos.
2.3.1 Indisciplina e agressividade
No ambiente escolar muitos dos problemas indisciplinares estão relacionados ao não cumprimento de regras, indisposição para o trabalho em sala de aula e negligência ao seu próprio estudo. Já a agressividade da criança é demonstrada através de brigas e discussões com colegas e professores, chegando à agressão verbal ou física, depredações e descaso com o patrimônio, ameaças à integridade de alunos e educadores (TRAIN, 1997). Todas essas situações são muito prejudiciais à dinâmica escolar, dificultando o processo educativo, a interação de alunos e professores, as relações e a própria aprendizagem.
A indisciplina é considerada como aquilo que é contrário à disciplina. É uma desobediência, uma desordem. Rego (1996) diz que a indisciplina está associada à submissão a um regulamento, sendo que a disciplina tem relação à obediência. Disciplinador é, nesta perspectiva, aquele que molda, modela, leva o indivíduo ou o conjunto de indivíduos à submissão. Já o indisciplinado é o que se rebela, que não acata e não se submete. No meio educacional esta visão é bastante difundida, sendo a indisciplina vista como um comportamento inadequado, rebeldia, desrespeito às regras, entre outros.
Com relação à agressividade e à violência, observa-se que nas escolas, esse problema tem gerado muitas consequências:
O termo violência escolar diz respeito a todos os comportamentos agressivos e antissociais, incluindo os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos criminosos, etc. […] O comportamento violento, que causa tanta preocupação e temor, resulta da interação entre o desenvolvimento individual e os contextos sociais, como a família, a escola e a comunidade. Infelizmente, o modelo do mundo exterior é reproduzido nas escolas, fazendo com que essas instituições deixem de ser ambientes seguros, modulados pela disciplina, amizade e cooperação, e se transformem em espaços onde há violência, sofrimento e medo (LOPES NETO, 2005, p. 165).
O comportamento inadequado dos alunos prejudica sua trajetória dentro e fora da escola, sendo que a mediação de casos de indisciplina e violência precisa ser trabalhado pelas escolas para que possa minimizar os efeitos desse comportamento, contribuindo para as relações e a melhoria das atividades escolares.
2.3.2 Preconceito
Outro aspecto que merece atenção e que amplia os conflitos escolares diz respeito ao preconceito. Esse comportamento transforma a maneira como cada indivíduo vê e se relaciona com o mundo, bem como dificulta as relações estabelecidas entre as pessoas, gerando divergências e outros problemas que ferem o modo como cada um age e interage com o meio e com os outros.
Discriminações classistas, raciais e sexistas imperam no meio social e proliferam-se na escola, impedindo que os indivíduos interajam conjuntamente. Isso, sem dúvida, põe em questão o verdadeiro propósito da educação sistematizada e obriga-nos a buscar nas raízes de nossa sociedade as razões por que a escola tem encontrado dificuldades para efetivar seu projeto de equalização e interação social (CRESTANI, 2002, p. 19).
A sociedade e as instituições sociais como a família e a escola refletem o preconceito que desde o início da humanidade vem interferindo negativamente nas relações sociais. Conforme Crestani (2002), quem sente na pele esse tipo de discriminação sofre consequências marcantes, que ferem a autoestima, distorcem a autoimagem que a pessoa tem de si mesma e dificultam sua maneira de se relacionar.
2.3.3 Bullying
A escola como instituição social também reflete os problemas e comportamentos da própria sociedade, sendo a violência uma grande ameaça ao processo educativo. Nesse contexto, a expressão bullying, vem sendo utilizada para identificar as diversas formas de violência, incluindo aquelas presentes na escola (ANTUNES; ZUIN, 2008), podendo ser conceituado como:
Um conjunto de comportamentos agressivos, físicos ou psicológicos, como chutar, empurrar, apelidar, discriminar e excluir, que ocorrem entre colegas sem motivação evidente, e repetidas vezes, sendo que um grupo de alunos ou um aluno com mais força, vitimiza um outro que não consegue encontrar um modo eficiente para se defender. Tais comportamentos são usualmente voltados para grupos com características físicas, socioeconômicas, de etnia e orientação sexual, específicas. Alguns estudos apontam que ciganos, artistas de circo, estrangeiros e outros grupos nômades, além dos alunos obesos e acima do peso, os de baixa estatura e os homossexuais e filhos de homossexuais, são, estatisticamente, mais alvos de seus colegas do que crianças e jovens considerados “normais” (ANTUNES; ZUIN, 2008, p. 34).
O bullying é agressão direcionada a certos indivíduos que historicamente sofrem com o preconceito. Essa vitimização está associada à discriminação que alguns indivíduos carregam, tendo em vista sua raça, origem étnica, opção sexual, tipo físico entre outras características (LOPES NETO, 2005).
Se a escolha dos indivíduos vítimas está associada às suas características individuais, Martins (2005 apud ANTUNES; ZUIN, 2008), identifica três grandes tipos de bullying: diretos e físicos, e indiretos. Nos primeiros estão incluídas as agressões físicas, o roubo ou a deterioração de objetos dos colegas, a extorsão de dinheiro, exigir de forma forçada a prática de comportamentos diversos, ameaças verbais, e comentários racistas. Os atos indiretos envolvem a exclusão de uma pessoa. Também deve-se considerar o cyberbullying, que é um novo tipo de intimidação que utiliza a tecnologia da comunicação para a realização destas formas de violência.
Assim, o bullying é uma forma de afirmação de poder que ocorre através de atos agressivos e humilhantes e traz uma série de prejuízos sejam emocionais ou físicos aos agredidos, uma vez que ocorre de forma repetida e intencional (LOPES NETO, 2005).
2.3.4 A relação família e escola
Na escola muitas relações são estabelecidas seja àquelas entre professores e alunos, professores e professores, alunos e alunos, professores e famílias e também envolvendo a equipe gestora. É inegável a necessidade de manter um relacionamento harmonioso com a finalidade de ampliar a qualidade de ensino e o comprometimento dessas instituições com a educação das crianças e adolescentes.
Especialmente a relação família e escola, segundo Caetano (2003) pode ser permeada por muitos aspectos que envolvem os pais, os professores e a direção da escola, pois há interesses difusos que os pais exigem da escola e que ao mesmo tempo podem dificultar as relações. Muitos pais veem a escola como uma extensão da família, mas outros demonstram pouco interesse com relação à vida escola dos filhos. Além disso, questões como fracasso escolar, atitudes negativas, rejeição ou superproteção para com os filhos também podem refletir nas relações com a escola. A falta de limites e de uma educação de valores em casa é outro agravante que também pode gerar conflitos entre a família e a escola, principalmente quando ocorre problemas de comportamento dos filhos.
Contudo, a base da relação entre família e escola deve estar alicerçada na cooperação, no diálogo e na união de esforços em torno do processo educativo. Escola e família precisam andar juntas e construir uma parceria para que possam acompanhar os filhos/alunos em suas etapas escolares, o que garante melhor diagnóstico, aproveitamento escolar, relacionamento com professores e colegas, vivência de regras, construção de valores e respeito mútuo dentro da escola (CAETANO, 2003).
2.4 A importância da mediação
Tendo em vista a presença de conflitos na escola, evidencia-se a importância da mediação. Chrispino (2007) orienta que a maneira de lidar com o conflito pode variar de uma escola para outra, sendo que o conflito pode ser visto como instrumento de crescimento ou como um grave problema que deva ser escondido.
Cumpre salientar, conforme Ceccon et al. (2009) que os conflitos, como parte da vida e também da escola, podem ser simples ou graves, sendo que todos eles
nos obrigam a rever ou a reafirmar valores e posições. Sem os conflitos não haveria mudança nem aprendizagem. Por isso, é tão importante compreender sua origem e natureza e saber lidar com eles. Ao contrário, as manifestações de violência são outra coisa e não podem ser toleradas, devendo ser interrompidas.
A mediação surge como uma forma de lidar com os conflitos, levando a um manejo seguro deste problema, transformando-os em fonte de aprendizagem. Diferentemente, conflitos mal administrados podem ter consequências indesejadas. Violências, como a psicológica e a física, entre outras, são manifestações possíveis de conflitos sufocados ou mal manejados. Assim, administrar conflitos e prevenir violências exige aprender a ouvir, a dialogar, construindo vínculos e alianças entre diferentes dentro da escola e entre a escola e o mundo lá fora (CECCON et al., 2009).
Buscando compreender a mediação, pode-se conceituá-la como um:
Procedimento no qual os participantes, com a assistência de uma pessoa imparcial – o mediador –, colocam as questões em disputa com o objetivo de desenvolver opções, considerar alternativas e chegar a um acordo que seja mutuamente aceitável. A mediação pode induzir a uma reorientação das relações sociais, a novas formas de cooperação, de confiança e de solidariedade; formas mais maduras, espontâneas e livres de resolver as diferenças pessoais ou grupais. A mediação induz atitudes de tolerância, responsabilidade e iniciativa individual que podem contribuir para uma nova ordem social. (CHRISPINO, 2007, p. 22-23).
A mediação torna-se um processo de negociação, onde uma terceira pessoa intervém de forma voluntária e aberta, com imparcialidade e com o objetivo de encontrar soluções em conjunto com as partes envolvidas. Baseada no diálogo, a mediação torna-se uma ferramenta para a resolução construtiva dos conflitos, onde a comunicação e a compreensão tornam-se elementos presentes para o entendimento de ambas as partes (MORGADO; OLIVEIRA, 2009).
Ainda segundo Morgado e Oliveira (2009) pode-se destacar que o processo de mediação de conflitos estimula a comunicação e possibilita o controle de ações destrutivas, levando as partes à compreensão da questão sob outras perspectivas. Além disso, favorece uma análise acerca dos motivos do conflito, separando interesses e emoções.
A partir dessas finalidades destaca-se que a mediação gera vantagens relevantes às partes, tendo em vista que promove, a partir da conscientização, melhores relações, diálogo e tolerância.
No Quadro 2 as dez principais vantagens da mediação de conflitos escolares na perspectiva de Chrispino (2007):
Vantagens da mediação de conflitos na escola | |
1 | O conflito faz parte de nossa vida pessoal e está presente nas instituições. |
2 | Apresenta uma visão positiva do conflito, rompendo com a imagem histórica de que ele é sempre negativo. |
3 | Constrói um sentimento mais forte de cooperação e fraternidade na escola. |
4 | Cria sistemas mais organizados para enfrentar o problema divergência ➔ antagonismo ➔ conflito ➔ violência. |
5 | O uso de técnicas de mediação de conflitos pode melhorar a qualidade das relações entre os atores escolares e melhorar o “clima escolar”. |
6 | O uso da mediação de conflitos terá consequências nos índices de violência contra pessoas, vandalismo, violência contra o patrimônio, incivilidades, etc. |
7 | Melhora as relações entre alunos, facultando melhores condições para o bom desenvolvimento da aula. |
8 | Desenvolve o autoconhecimento e o pensamento crítico, uma vez que o aluno é chamado a fazer parte da solução do conflito. |
9 | Consolida a boa convivência entre diferentes e divergentes, permitindo o surgimento e o exercício da tolerância. |
10 | Permite que a vivência da tolerância seja um patrimônio individual que se manifestará em outros momentos da vida social. |
Conforme Morgado e Oliveira (2009), a mediação deve fazer parte de todos os contextos e processos da vida escolar. Sua implementação deve fazer parte da proposta pedagógica e considerar todos os níveis e relações, incluindo as relações entre professores/direção, professores/professores, professores/alunos, professores/ pais. Ademais, deve ser abrangente na forma como discute e sensibiliza a todos os envolvidos para que os conflitos sejam compreendidos em todas as suas perspectivas, facilitando o desenvolvimento de uma cultura de respeito e cooperação mútua dentro da escola.
Sobre como deve ocorrer a mediação, o Conselho Nacional do Ministério Público (2014, p. 37-38) orienta:
Na mediação o mediador recebe as pessoas envolvidas num problema e as convida para se sentarem, de preferência uma de frente para a outra, deixando-as à vontade. Depois o mediador abre a conversa, dizendo que está preocupado com as partes e que está ali para ajudá-las. O facilitador (mediador) deve dizer às pessoas que está preparado para ouvi-las, para que todos construam um acordo juntos. Deve mostrar que ele é imparcial, que não escolhe os lados e que ajudará as partes a acharem as próprias soluções para o problema. Neste ponto ele se utiliza de argumentações como: “vocês têm um problema. Por que não resolvê-lo juntos, já que os dois lados poderão sair ganhando?” O mediador deve pedir às partes para que: procurem restabelecer o diálogo; tentem solucionar a questão; usem as técnicas para um bom diálogo e não façam ataques; as partes não devem interromper o outro quando este estiver falando; as partes não devem culpar uma à outra ou fazer xingamentos; os envolvidos devem manter confidência sobre os pontos abordados durante a mediação. […] Com as respostas aos problemas, a busca da solução deve ser discutida e ela deve ser boa para os envolvidos e para as suas necessidades. O mediador deve ajudá-los a construírem uma solução específica: quem fará o quê, quando, onde e como? Encontrada a solução, esta deve ser indagada de todos os envolvidos, para ver se concordam. O mediador pode fazer uma ata ou um formulário, escrito de forma simples e assinado pelos envolvidos. Em seguida, o mediador deve agradecer as partes pelo sucesso da mediação.
Um dos principais desafios da escola é a escolha do mediador e o desenvolvimento do programa de mediação. Pascoal (2013) considera que todos os profissionais de uma escola devem saber lidar com desavenças. No entanto, alguns devem se especializar nessa função. O mediador pode ser um aluno, professor, gestor ou funcionário, capacitado para abrir um caminho de diálogo entre os envolvidos em um conflito para tentar solucioná-lo de forma pacífica. O mediador deve passar por uma capacitação e esse processo pode envolver cursos sobre prevenção da violência, ética e princípios de mediação feitos em instituições especializadas em mediação ou oferecidos pelo governo ou organizações não governamentais. A escolha de quem assume o cargo varia de escola para escola ou de secretaria para secretaria. No entanto, é ideal que se priorize os voluntários, sendo que alguns características devem fazer parte do seu perfil para que consiga desempenhar um bom trabalho na mediação dos conflitos que ocorrem na escola.
As principais características e habilidades de um bom mediador são apresentadas no Quadro 3:
Características de um bom mediador | |
Ser bom ouvinte | O mediador deve saber ouvir, deve escutar e entender o que o outro diz. Não é buscar a verdade, mas tentar compreender, no discurso dos envolvidos, a leitura que cada um faz do que aconteceu. |
Ser capaz de estabelecer um diálogo | Um profissional que exerça a função de mediador deve ser capaz de conseguir criar um contexto de comunicação que facilite a expressão das pessoas envolvidas no conflito. Ele deve deixar as pessoas confortáveis para falar, sem que se sintam julgadas ou previamente apontadas como culpados. |
Ser sociável | Um mediador de conflitos em uma escola deve ter facilidade de se aproximar dos membros da comunidade escolar, conquistando sua confiança. |
Ser imparcial | O mediador deve ter atitude adequada e imparcialidade em suas colocações e ações. |
Ter cuidado com as palavras | As palavras que o profissional usa para mediar um conflito devem ser utilizadas corretamente, pois tem força e são importantes ao longo do processo. . |
Ter uma postura educativa | Um mediador não deve adotar a postura de que resolverá o conflito. O papel dele é ajudar os alunos a compreenderem como eles podem resolver a situação por conta própria. |
Trabalhar com o paradigma da responsabilização | O mediador deve mudar seu paradigma de punição dos envolvidos para o de responsabilização. Isso significa que, em vez de aplicar uma sanção (como uma advertência, suspensão etc.), ele deve fazer com que os envolvidos assumam a responsabilidade por seus atos, corrigindo-os sempre que possível (pedido de desculpas, reforma de equipamento depredado etc.). |
A escolha do mediador é uma das ações que as escolas devem desenvolver dentro dos Programas de Mediação de Conflitos. No entanto, conforme Chrispino (2007, p. 25) “cada escola é uma rede complexa de relações e de valores e, por tal, merecerá um diagnóstico específico de conflitos e um modelo próprio de mediação”. É a partir da identificação dos tipos de conflito que existem em cada escola que se deve implantar o programa. O autor destaca algumas questões que devem ser consideradas para que provoquem a reflexão necessária da equipe escolar e possam contribuir para que o programa de mediação seja implementado:
1. Caráter da mediação de conflito: obrigatório ou voluntário? 2. Alcance da mediação de conflito: todos os conflitos ou apenas alguns conflitos? 3. Ênfase da mediação de conflito: no produto ou no processo? 4. Atores da mediação de conflito: todos os membros do universo escolar ou alguns membros do universo escolar? 5. Limites da mediação de conflito na escola: sem limites de série, idade, turno, etc., ou com limites? 6. Relação da mediação de conflito com as regras disciplinares: sem relação ou com relação? 7. Relação da mediação de conflito com a avaliação: sem relação ou com relação? 8. Identificação dos mediadores de conflito: mediação por pares ou outros mediadores? 9. Escolha dos mediadores de conflito: ação institucional ou escolha das partes? 10. Critérios para a seleção dos mediadores de conflito: desempenho acadêmico ou “respeitabilidade” entre os pares? (CHRISPINO, 2007, p. 25).
Desse modo, a implementação da mediação escolar passa necessariamente pela organização da escola, envolvendo a atuação de equipe multidisciplinar, partindo do diagnóstico de necessidades, ações de sensibilização, criação de uma equipe de apoio para os mediadores, formação e capacitação dos mediadores, implementação e monitorização do programa e avaliação do programa (MORGADO; OLIVEIRA, 2009).
Quando se fala em mediação dois elementos principais devem ser discutidos: o diálogo e a escuta ativa.
O diálogo é troca de entendimento e quem o inicia deverá procurar o retorno da outra pessoa para saber se a mensagem foi recebida e compreendida. Além das palavras, fazem parte do diálogo: as emoções, o sorriso, o olhar, os gestos, entre outras formas de expressão, que muitas vezes são mais relevantes que as próprias palavras. A ferramenta mais importante para um bom diálogo e para resolver conflitos é saber escutar com atenção e vontade. […] Escutar demanda decisão consciente e a vontade de se livrar da distração e das intervenções. Além de prestar total atenção na outra pessoa, é preciso escutar também com o coração e com a alma. Aprender a escutar desenvolve paciência e humildade (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014, p. 25-26).
Enfim, cabe destacar que a escola tem grandes motivos para realizar um programa de mediação, uma vez que a capacitação em resolver conflitos valoriza o tempo, ensinando a resolver conflitos a partir de várias estratégias úteis (CHRISPINO, 2007). Além disso, resolver conflitos ensina aos alunos a terem respeito para com os demais, contribuindo também para a redução do estresse e a melhoria das relações dentro e fora da escola.
3 Conclusão
Este artigo teve como finalidade discutir a questão dos conflitos na escola e o papel da mediação nesse processo. Constituindo-se em um ambiente relacional e humano, a escola torna-se palco de muitos conflitos entre alunos, professores, pais, funcionários e gestores. Esses conflitos podem gerar problemas ainda maiores, especialmente quando envolvem a violência.
Conforme observado, a mediação surge como um procedimento de acolhimento, diálogo, escuta e restauração das relações e da ordem, devendo ser implementada pelas escolas a partir de um diagnóstico da realidade, da capacitação dos mediadores e da avaliação permanente do processo.
Uma das principais vantagens da mediação de conflitos é o desenvolvimento de uma cultura de paz nas escolas, de entendimento e de consideração mútua. Além disso, contribui para a formação das crianças e adolescentes ao promover a conscientização, o respeito e o diálogo como instrumentos de convivência. Isso mostra a importância da mediação como experiência que poderá auxiliar os alunos ao longo de suas vidas fora da escola.
Não foi intenção desse estudo esgotar a discussão acerca da temática. Ao contrário, apresentaram-se apenas alguns aspectos que fazem parte do debate sobre os conflitos no ambiente escolar e a relevância da mediação como forma pacífica, responsável e problematizadora de resolver tais questões. Sugere-se que novos estudos sejam desenvolvidos, pois o assunto é importante no âmbito da gestão das escolas, principalmente quando se busca atuar de forma democrática e comprometida com a formação integral dos alunos.
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1 Graduação em Matemática, Pós-Graduada em Psicopedagogia, Especialização Educação Interdisciplinar, Especialização em Gestão Escolar, aluna do curso de Mestrado em Educação, Máster en Educación – UNEATLANTICO, https://campus2.funiber.org/ Brasil. E-mail do autor: maristelatognondemello45@gmail.com.