A ARTE DE AMAR COMO UMA PROPOSTA DIFERENCIADA DE UMA PSICANÁLISE PARA CADA SUJEITO: UM OLHAR PARA OS PENSAMENTOS DE ERICH FROMM E SÁNDOR FERENCZI

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7693575


Daniel Martins Dalpra1


RESUMO: 

Pretende-se fazer um exame acerca das origens das relações de amor que culminaram em dor e sofrimento a partir da proposta de um acolhimento diferenciado dos sujeitos que escolhem a psicanálise para trabalharem estas suas questões, ainda que em uma proposta clássica de psicanálise se esbarre quanto à possibilidade de atender estas demandas específicas trazidas por cada uma destas singularidades. Para tal recorreu-se a exames bibliográficos para a elaboração deste trabalho, do qual oferece uma tentativa de pensar formas das quais levariam estes sujeitos a lidarem com a experiência da frustração e do abandono, apoiando no pensamento da psicanálise humanística de Erich Fromm sobre estas relações de amor. Assim como sobre como o próprio acolhimento destas singularidades em um setting analítico, marcadas, muitas das vezes,  por uma fragmentação profunda da estrutura egóica trazida à clínica da qual na abordagem oferecida por Sándor Ferenczi surgiria como sendo uma possibilidade diferenciada para uma psicanálise de cada paciente traumatizado e, ao mesmo tempo, de reunir condições com que o analista possa construir e reunir a partir de si próprio, para melhor fazê-lo.

PALAVRAS CHAVE: Psicanálise. Amor. Resistência. Transferência. Traumas Emocionais

ABSTRACT: 

Intending to be an exam about the origins of loving relationships that cames in pain and suffering, starting from a purpose of a distinct therapeutical reception to  each suject that choses the psychoanalysis as method to working their issues, even referring about the psychoanalytical classic method that bumps as possibility to attending their specific demands broughts by each singularity. This researching appealed to bibliographics exams, that offers ways to think how these sujects leads with the experience of frustration and abandon. The work will resort to Erich Fromm’s humanistic psychoanalysis to explain these loving relationships. It’s also discussing about by the therapeutical method adopted to treatment their singularities into the psychoanalytical setting, sujects whose egoic structures cames to clinic deeply fragmented. The Sandor Ferenczi’s psychoanalytical aprroach as a distinct possibility to being a psychoanalysis form to each traumatized patient and, at the same time, favoring the therapist to gathering condictions to building and gathering by yourself, a better way to do it.  

KEYWORDS: Psychoanalysis. Love. Resistence. Transference. Traumatization 

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende discutir acerca das possibilidades de uma psicanálise da qual ofereça um olhar distinto sobre pensar as “dores de” e sobre o amor, das quais são trazidas pelos indivíduos a partir da construção de seu discurso. Na intensão de observar os efeitos do enodamento provocado pelas relações de dor e frustração e que resultariam no aparecimento do trauma emocional.

Para isso, buscou-se em pesquisas bibliográficas orientadas no pensamento filosófico humanista do psicanalista, filósofo e sociólogo Erich Fromm e, de acordo com a proposta psicanalítica de Sándor Ferenczi, discípulo direto de Sigmund Freud, que pensou uma clínica voltada para os pacientes emocionalmente traumatizados e notabilizada por uma participação mais ativa do analista.

Evoca a importância de se pensar a psicanálise para as mais diversas carências enredadas nas subjetividades, a partir de um fenômeno observado na clínica na contemporânea caracterizado pela complexidade trazida pelos sintomas. Dentro de uma perspectiva da qual se funda desde do momento da entrada deste sujeito na clínica, não se atendo apenas quanto aspecto patológico do qual ele diga sobre ou aparentaria estar, mas pensando o sujeito que surge como resultado (destas relações) do amor.

A psicanálise seria a análise das resistências de amor trazidas pelos analisandos e que diante de toda uma profundidade envolvendo esta condição, levanta-se a questão sobre haver a existência de outros fatores que contribuiriam afim de manter ou estimular as resistências, das quais diriam acerca de suas frustrações das quais demarcariam o histórico destes indivíduos traumatizados.  O que despertaria, um interesse maior por parte do analista, inserido neste contexto, acerca da necessidade de examinar  sobre a fala que diria sobre construções de afeto que culminaram em sofrimento.

O material trazido pelo discurso do analisando revelaria sobre experiências emocionalmente traumáticas atravessadas por este e mediante às vicissitudes provocadas pelas experiências de dor das quais,  por sua vez o delinearam ao longo de seu percurso. Diante desta complexidade, ergue-se  impasses sobre a psicanálise clássica pensar a respeito de ampliar os limites de sua técnica para receber este sujeito. Notabiliza-se uma oposição, diante de quaisquer possibilidades de flexibilização do método ortodoxo sobre este oferecer condições específicas de tratamento para cada sujeito diante destas suas necessidades.

Recorremos a bibliografias para a elaboração deste  trabalho, das quais, por sua vez relacionadas sobretudo à obras ligadas aos pensamentos de Erich Fromm e Sándor Ferenczi, mas também de Sigmund Freud, dentre outros autores como recursos a nortearem as considerações propostas dentro do tema escolhido. 

No primeiro capítulo do artigo: A arte de amar pela via da psicanálise, pensa-se as relações de amor apoiando no pensamento de Erich Fromm acerca questões ligadas ao sentimento e que se fazem presentes notabilizadas a partir do histórico narrado pelos analisandos quando da própria união afetiva, da separação e do sofrer por ter de lidar pela ausência de respostas.

No segundo: A arte de favorecer as transferências e do analisar as resistências de amor: Um retorno a Freud. Torna-se necessário um retorno ao pensamento freudiano afim de explicar a importância de favorecer a transferência e, consequentemente, quando no surgimento das resistências, a importância deste manejo. 

No terceiro  capítulo: A psicanálise clássica ofereceria um campo inclusivo para todos os tipos de dores de amor? Levanta-se questões ligadas às possibilidades e condições oferecidas pela base da clínica psicanalítica clássica ligadas ao acolhimento das mais subjetividades traumatizadas. Das quais apresentariam a partir de um ego clivado por conta de não ter havido possibilidade consciente de elaboração da experiência de violência sofrida no passado.

Quanto à proposta da oferta maior inclusão destes sujeitos na clínica, no quarto capítulo: A elasticidade do pensar psicanalítico de Sándor Ferenczi e suas relações com o amor de acordo com as  ideias de Erich Fromm. Onde temos uma breve introdução sobre o pensamento ferencziano oferecendo possibilidades de construção de um vínculo ainda maior com o analisando através de um nível de empatia trazido pelas suas mais dolorosas e traumatizantes relações de amor vividas pela pessoa em análise trazidas em suas narrativas.

2 A ARTE DE AMAR PELA VIA DA PSICANÁLISE

Enlaces entre sujeitos são constantemente reproduzidos e indissociavelmente precisos para haver uma relação da qual se fundamentaria e se manteria mediante às expectativas individuais trazidas por cada um destes. O amor, além do sentimento, seria também uma atitude da qual impeliria os sujeitos a manterem-se unidos mediante à razões das quais nem eles próprios seriam capazes de definirem.  

Amar não resumiria, exclusivamente, quanto a um sujeito unir e desejar a um outro (objeto) mas diria também sobre o comportamento típico deste se relacionar para com o ambiente. Ideia esta que se apoia de acordo com o pensamento do psicanalista, sociólogo e filósofo alemão Erich Fromm (1986, p. 71) de que, para ele, o amor não seria, a primeira instância, uma relação de uma pessoa para com a outra mas sim uma atitude e uma orientação de caráter da qual direcionaria a relação de alguém para com o mundo de uma maneira geral não se limitando, exclusivamente, ao investimento destes afetos para com um único objeto. 

Esta atitude do amar da qual permeia o sujeito que esperaria algo do outro que se ama, funcionaria como uma expectativa semelhante tal qual este esperaria também em relação ao que pudesse obter dos outros. Segundo Fromm, este aspecto singular de se relacionar com estes objetos, diria sobre a maneira peculiar de funcionamento psíquico de como este sujeito constituiria suas relações afeto de uma maneira geral. Se tratando de um percurso analítico, estas expectativas apareceriam nas narrativas pelas quais diriam acerca deste sujeito atravessado pela sua falta originária a partir de uma relação de amor proibido, de ordem incestuosa, da qual lhe fora embarreirada a condição de obter para si mesmo, na condição de criança, a própria mãe ou o próprio pai. Havendo assim a experiência insuportável da dor após a separação deste objeto. 

A experiência da separação desperta a ansiedade; é, de fato, a fonte de toda ansiedade. Ser separado significa ser cortado, sem qualquer capacidade de usar os poderes humanos. Eis porque ser separado é o mesmo que ser desamparado, incapaz de apreender o mundo, as coisas e as pessoas, de moto ativo; significa que o mundo nos pode invadir sem que tenhamos condições para reagir.  ( FROMM, 1986, p. 28,29, grifos nossos). 

A Psicanálise se ocupa do próprio sujeito do desejo e de suas relações de amor demandantes de simbolização, por sua vez ligadas às causas do sintoma. Psicanálise que ofereceria, quanto à sua base epistemológica, uma escuta diferenciada e flutuante, o próprio método (analítico) do qual ofereceria aquilo que, de acordo com o exame das experiências vividas pelo próprio sujeito marcado pela sua historicidade, de possibilitar às subjetividades, formas de melhor compreenderem estas vicissitudes típicas deste amor originário dado, por sua vez, a partir de sua forma edipiana, ou seja; da própria separação da criança e seu objeto de amor materno. A psicanálise ofereceria a oportunidade de permitir a este sujeito da simbolização de algumas destas suas perdas e frustrações, ainda mais aquelas que ocorreram após uma falha elaborativa e que resultariam em um trauma emocional. 

Para Fromm (1974, p.40, 41), a psicanálise seria a tentativa envidada com o objetivo de desvendar a verdade sobre a pessoa. O autor ainda diz sobre que este objeto do qual se busca – a verdade, desta ser um percurso do qual o par analítico enveredaria na intensão de alcançar o objetivo da cura analítica que, no caso, resultaria na substituição do irracional (Id), pela razão (o Ego).

O amor, se visto a partir de um ponto de vista econômico, surgiria como sendo fruto de um investimento libidinal dado por moções pulsionais direcionadas ao objeto de desejo. Amor que surgiria como uma angústia resultante fruto de um recurso fantasístico elaborado pelo próprio sujeito, do qual este esforço inicial já o acompanharia desde à interdição do incesto, uma tentativa de simbolização oriunda do perpassar da fase edípica. Fase esta da qual, segundo a psicanálise. diria sobre a criança da qual lhe fora negada  desejo e o direito à obtenção de possuir a mãe ou do pai. O que tenderia a buscar a obtenção destes objetos para si própria repetindo na vida adulta esta conturbada relação de amor familiar.

A  condição básica do amor neurótico está no fato de que um dos “amantes” (ou ambos) permaneceu afetado à figura de um dos pais e transfere os sentimentos, expectativas e temores que outrora experimentou para com o pai, ou a mãe, para a pessoa amada na vida adulta; as pessoas envolvidas nunca emergiram de um padrão de relação infantil e procuram esse padrão em suas exigências afetivas na vida adulta. (FROMM, 1986, p. 126, aspas e parêntesis do autor). 

Melaine Klein segundo Emanuel (2005, p. 24) considerava importante, para o trabalho psicanalítico, o estudo das origens da angústia dos pacientes e que ela seria a motivação principal para o desenvolvimento e que a angústia em excesso, de maneira incontrolável determinaria na própria inibição do desenvolvimento. O que consequentemente, este exame consideraria acerca das próprias relações de amor como sendo algo daquilo do qual se fundou internamente, a partir de um processo primário de ordem inconsciente, indissociavelmente determinado e atrelado à própria historicidade trazida por este sujeito quem dirá acerca de suas próprias elaborações relações infantis em relação ao lado parental, e que poderão emergir à inconsciência quando da própria recordação e repetição destas lembranças dentro do processo de analítico. 

Relações estas das quais que, já em uma etapa posterior do desenvolvimento infantil, se atualizariam a partir da perspectiva do próprio sujeito que ama em relação ao sujeito amado. Este último, de acordo com a perspectiva do primeiro, passaria a assumir estes lugares dos quais eram ocupados, originalmente, pelos representantes infantis, ou seja, aqueles que ocuparam funções de referência maternais e parentais presentes no sujeito que ama.

3 A ARTE DE FAVORECER AS TRASNFERÊNCIAS E DO ANALISAR AS RESISTÊNCIAS DE AMOR: UM RETORNO A FREUD  

Se tratando do processo analítico, haveria uma etapa crucial e fundamental da qual poderia ser vista como uma reprodução dos enlaces de afeto do analisando da qual os endereçaria de forma atualizada, na análise, estes seus amores infantis, à figura do analista. Em psicanálise entende-se como pensamento de transferência, segundo Sigmund Freud por Laplanche e Pontalis (1998, p. 516) seria aquilo que surge a partir das elaborações acerca do propósito do sonho, o que seria uma forma de deslocamento em que o desejo inconsciente surgiria e se misturaria em meio aos materiais presentes no pré consciente, ou os chamados restos diurnos. 

Do ponto de vista da sua função no tratamento, a transferência é antes de tudo, da forma mais explícita, classificada por Freud entre os principais “obstáculos” que se opõem à rememoração do material recalcado. Mas, também desde o início, o seu aparecimento é assinalado como frequente e mesmo generalizado: ”… podemos estar certos de que a encontraremos em qualquer análise relativamente séria”.  (LAPLANCHE e PONTALIS, 1998, p. 518, itálicos dos autores). 

Sobre a transferência como sendo um fenômeno decorrente e fundamental da análise,  Zimerman (2004, p. 127) diz que embora ela esteja de certo modo presente em todas as inter-relações humanas, o termo transferência em si deverá ser reservado unicamente para o processo analítico. Desta maneira esta etapa vincular seria o marco fundamental para o par analítico. A transferência seria a forma pela qual torna-se possível com que as representações de ordem familiar do analisando seriam revividas em uma determinada situação analítica e que, por sua vez, os afetos reprimidos, dos quais diriam sobre o sintoma, seriam libidinalmente investidos à figura do analista. 

A transferência surge em um momento do qual aliança terapêutica entre analista e analisando já se consolidaria havendo aí uma relação de confiança profunda do ponto de vista deste último em relação ao primeiro, o que favoreceria a capacidade do analisando de repetir, recordar e elaborar suas experiências infantis, com o mínimo de sofrimento possível o que facilitaria a própria capacidade de rememoração, logo como fruto de um esforço de simbolização de suas dores de amor endereçando-as ao terapeuta.

Uma relação, entre analista e analisando tal qual se fundamenta onde que segundo Erich Fromm (1986, pg. 118, 119) um amor como sendo uma ideia de equipe: ”Neste conceito de amor e casamento […]. Forma-se uma aliança de dois contra o mundo e esse egoísmo a dois é enganosamente tomado por amor e intimidade”. 

Como em toda relação de amor poderão haver momentos de intensidade, que podem surgir dentro do tempo de percurso de análise a partir do analisando ao longo da transferência. O que nos traria a ideia de que todo tempo de análise é notório, rico de ser aproveitado; o tempo em análise é único, é insubstituível. Caberá ao analista então, possibilitar condições necessárias afim de favorecer e manejar estas transferências de amor. Quanto á esta etapa do processo analítico, o pioneiro da psicanálise Sigmund Freud chamou de neurose de transferência:

Contanto que o paciente apresente complacência bastante para respeitar as condições necessárias da análise, alcançamos normalmente sucesso em fornecer a todos os sintomas da moléstia um novo significado transferencial e em substituir sua neurose comum por uma neurose de transferência, da qual pode ser curada pelo trabalho terapêutico. A transferência cria, assim, uma região intermediária entre a doença e a vida real através da qual a transição de uma para a outra é efetuada. A nova condição assumiu todas as características da doença, mas representa uma doença artificial, que é, em todos os pontos acessível à nossa intervenção. Trata-se de um fragmento de experiência real mas um fragmento que foi tornado possível por condições especialmente favoráveis, e que é de natureza provisória. (FREUD, 1913/ 2006, p. 169, 170). 

Ocorre o risco daquilo que se poderia interpretar de uma outra maneira, é preciso com que certos trechos ao longo das obras de Freud sejam absorvidos de uma maneira distinta da ideia de função de ocupação de um lugar específico deste analista em relação ao manejo clínico e dos materiais inconscientes trazidos por este analisando, tal qual observamos no início da citação acima sobre “o paciente ter de respeitar as condições necessárias da análise”. 

O que chamaria atenção quanto ao próprio “engessamento” da postura do analista em decorrência desta função paternalista que ele poderá, tendenciosamente assumir, traria contornos a serem percebidos na própria relação entre o par analítico a partir de uma relação fundamentalmente hierarquizada como da de um pai para um filho. O que, mais uma vez, tendenciosamente falando, poderá levar o analisando a construir uma relação não equânime para com o seu analista lhe dando a impressão deste estar localizado em um outro continente, delimitado por fronteiras distantes que mais contribuem para o afastamento do que para o próprio acolhimento deste no percurso de análise. 

Nas percepções deste analisando, o analista se transfiguraria para uma figura dotada austeridade transmitindo a impressão da própria inquestionabilidade deste em relação à postura do paciente. Um lugar do qual para este que não se bastaria em apenas em de ter de assumir, por vezes, as figuras representantes das imagos parentais, logo, representantes do próprio sintoma de seu analisando, quanto da instalação da neurose de transferência. Caso persevere nesta postura, o próprio analista poderia contribuir para o surgimento de uma transferência negativa e, consequentemente, do aumento da resistência terapêutica deste analisando.

 Fora Freud quem identificou e apresentou o conceito de resistência, ainda nos primórdios da fundamentação de sua base metapsicológica. Segundo Laplanche e Pontalis (1998, p. 459) a descoberta do próprio conceito resistência seria decisivo para o surgimento da psicanálise. Constatado mediante do que se notabilizou justamente pelo abandono da hipnose e da sugestão, das quais fizeram com que Freud percebesse devido a uma oposição legítima por parte de alguns de seus pacientes configurando como sendo insuperável ou não interpretada, de origem inconsciente ou consciente em relação ao próprio método de tratamento dado pela sugestão hipnótica até então por ele adotado.

Até aqui, baseado no que percebemos, poderíamos entender a importância da atitude do analista e de sua própria figura que estariam indissociavelmente implicadas no processo analítico influenciando na perspectiva do analisando. Sobretudo quando este se já encontrar em um processo de transferência e pelos efeitos provocados, por conta do manejo clínico de sua análise, em relação à sua subjetividade.

Notabilizamos uma condição específica, por parte do analista, em ter de acolher  aquilo que o sujeito traria e que revelará ao longo de sua narrativa, assim como da capacidade do analista em ter de lidar com as resistências, típicas e indissociáveis em um processo analítico. Quanto à estas condições de impasse: o próprio analista já as traria dentro de si a partir de seu próprio percurso formação, e que envolveria aspectos geralmente ligados à sua análise individual e quanto à base teórica presente em seu método. Diante disso levanta- se a questão: Quais pontos alguns valores defendidos pela psicanálise clássica poderiam interferir quer seja de forma produtiva ou não quanto ao papel do analista afim de favorecerem a aliança terapêutica?

4 A PSICANÁLISE CLÁSSICA OFERECERIA UM CAMPO INCLUSIVO PARA TODOS OS TIPOS DE DORES DE AMOR?

Segundo Kahtuni e Sanches (2009, p. 293, 294), a psicanálise clássica ou ortodoxa seria aquela instituída por Sigmund Freud tendo seus conceitos fundamentalmente lançados a partir de sua obra A interpretação dos sonhos escrita no ano de 1900. Livro este que ofereceu uma forma de conhecimento dada por um método de tratamento terapêutico criado por este e por alguns de seus colaboradores. O que as autoras ainda enfatizam que a proposta original da psicanálise clássica funcionaria melhor para com aqueles pacientes dos quais apresentassem um certo nível de integridade de seu self, não psicóticos, que fossem adultos, que não estivessem atravessando por momentos de crise e que trouxessem questões “[…] basicamente questões edípicas”. (Kahtuni e Sanches (2009, p. 295).

Desta maneira podemos perceber uma fissura sobre a psicanálise clássica ter de acolher outras subjetividades das quais não estariam localizadas dentro de uma estrutura clínica que não das neuroses. Ao que se pensarmos acerca da complexidade trazida por cada um destes sujeitos, por sua vez traumatizados quanto às suas relações de amor, agravadas por conta de uma série de experiências sofridas pela violência do abandono, da separação e até pela denegação do objeto de amor, não poderíamos pormenorizar uma fórmula ou condição circunscrita para o analista ter acolher estes sujeitos da mesma forma que para os outros. O que determinaria, por parte do analista que manifeste intenção em pluralizar as singularidades em seu setting analítico, sobre ter de desenvolver uma maior flexibilização e adequações diante das necessidades trazidas por cada um.  

Assim, para ele (Freud), a psicanálise tinha como objetivo o aparelho psíquico de seus pacientes – especialmente o inconsciente – e seu método terapêutico baseava-se na interpretação dos conteúdos manifestos dos analisandos, expressos através da associação livre. O analista, que deveria manter-se neutro, abstinente e não-interventivo, seria capaz de captar os conteúdos latentes do discurso dos pacientes em função de seu estado mental de atenção flutuante. A transferência do paciente em relação ao analista era o campo do trabalho necessário e inevitável, a ponto de Freud ter afirmado que, em última instância, “a análise é a análise da transferência”.  (KAHTUNI e SANCHES, 2009 p. 294, parêntesis nosso, itálicos das autoras).

No trecho acima, cita-se sobre características presentes na regra da abstinência quando se diz sobre o analista manter-se neutro, abstinente e não-interventivo como sendo uma forma deste mesmo destacar sua atenção flutuante, diferenciada da atenção objetiva como a de uma simples conversa por exemplo quanto à narrativa trazida pelo analisando. A (regra da) abstinência seria uma premissa defendida pela psicanálise clássica justamente por favorecer a escuta flutuante e também por considerar o papel do analista como sendo menos participativo e presente (quanto à sua figura) na tentativa de influenciar menos à elaboração do analisando, quando passa a ocupar um lugar de quase invisibilidade em relação à análise deste sujeito. Lugar este, ainda que com estas fronteiras bem definidas entre analista e analisando, quando ao próprio analista observar, daí a importância da sua análise individual, quanto a possibilidade de  erros de interpretação desta regra dos quais alimentariam uma satisfação narcísica em relação ao analista ser indiferente em relação àquilo que o analisando traz e sente.

Ao mesmo tempo, o próprio Freud acrescenta da importância de se aplicar a regra da abstinência sobre a condição de negação do próprio analista de ter de ceder quanto à obtenção de uma satisfação pulsional por parte do paciente em relação ao que este deseja obter de seu terapeuta respostas de sinais, dos quais interfeririam de forma conclusiva no processo de elaboração do analisando. Porém surge a condição da dificuldade do paciente ter de tolerar com esta dor o que irá requerer do analista   uma forma de manejar estas demandas.  

O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência. Com isto não quero significar apenas a abstinência física, nem a privação de tudo que a paciente deseja, pois talvez nenhuma pessoa enferma pudesse tolerar isto. Em vez disso, fixarei como princípio fundamental que se deve permitir que a necessidade e anseio da paciente nela persistam, a fim de poderem servir de forças que a incitem a trabalhar e efetuar mudanças, e que devemos cuidar de apaziguar estas forças por meio de substitutos. (FREUD, 1915 [1914]/ 2006, p. 182). 

Nos deparamos com um contraponto em relação à aquilo que a psicanálise clássica ofereceria como um “meio substituto” ao permitir com que o analisando possa obter de seu analista afim de possibilitar ter de lidar com uma ausência intolerável. Sendo com que, ao mesmo tempo, o analista do qual decidisse acolher as mais diversas singularidades em sua clínica se mantivesse em estado de abstinência e que, ao mesmo tempo, como este teria de possibilitar de uma “via reelaborativa” afim de ter de diminuir esta angústia do paciente do qual se encontraria neste estado de sofrimento? E se a condição deste paciente dependesse de uma maior presença de sua intervenção no sentido deste ter de cumprir uma função específica sobretudo quando em um momento de crise ou por conta até mesmo de seu próprio estado psíquico?

Um paradigma se levanta nesta relação entre o par analítico do qual, possivelmente,se nada for pensado a respeito, no sentido de ter de reverter essa relação proposta pela psicanálise ortodoxa, a própria análise tenderá para uma possível retraumatização do paciente. Ainda que a regra da abstinência seja fundamental para o progresso analítico, é preciso com que o analista conduza seu manejo clínico, como dito anteriormente: sem cair na radicalidade da imparcialidade. Porém é preciso que o analista desenvolva atitudes distintas a partir de si próprio e, que diferenciariam seus próprios métodos de trabalho.  

5 A ELASTICIDADE DO PENSAR PSICANALÍTICO DE SÁNDOR FERENCZI E SUAS RELAÇÕES COM O AMOR DE ACORDO COM AS IDEIAS DE ERICH FROMM

Sándor Ferenczi foi um médico e psicanalista húngaro do qual fora discípulo e amigo próximo de Sigmund Freud sendo inegável a importância de sua contribuição para o desenvolvimento da própria psicanálise quanto ao corpo teórico, clínico e organizacional. Trata-se de um pensador que mesmo sendo contemporâneo de Freud, suas ideias se conservam atuais em relação ao que se elaborou desde o início do século XX quanto ao que se observou quanto aos fenômenos de sua clínica plural e diversa formada, sobretudo, por pacientes psicóticos. 

Ainda que notabilizado como um grande empirista, Ferenczi também era um exímio praticante da clínica, ao passo de que suas postulações se apoiam como sendo fruto daquilo que desenvolvera a partir do tratamento de seus pacientes traumatizados. Ferenczi Identificou que estes sujeitos traziam em si, necessidades específicas das quais de diferiam de acordo com cada um. O que levou Ferenczi a concluir de que era preciso rever acerca da atitude passiva por parte do analista defendida pela psicanálise clássica. Elaborou assim a chamada técnica ativa da qual defendia a condição do paciente ser estimulado a agir de uma determinada maneira em relação a ideia da qual ele traria para a análise, como sendo um esforço que resultaria em um comportamento do qual favoreceria a emersão do conteúdo inconsciente. 

Mas o que vem a ser exatamente a “técnica ativa”? A ideia central desse procedimento técnico seria de solicitar ao paciente que agisse ou se comportasse de determinada maneira (ou que deixasse de agir ou de se comportar de certo modo), na expectativa de, ao fazer aumentar a tensão interna, mobilizar material inconsciente até o momento não acessível ao analista. Também pretendia ajudar o paciente a combater certos hábitos e a renunciar vantagens dos benefícios primários e secundários da doença forçando assim o progresso da análise (SANCHES, 2020, p. 45)

A ideia da técnica ativa proposta por Ferenczi, traz a ideia de uma oportunidade do rompimento da relação de dependência afetiva prolongada e patologizante dada pela manutenção do vínculo entre mãe e bebê. A proposta de levar o paciente de provocar esta angústia oriunda desta tensão interna, viria como uma antecipação, ainda que gradativa, objetivando maior autonomia deste paciente. 

Ainda que esta relação simbiótica, no sentido de dependência afetiva, possa contribuir para caracterizar ganhos secundários para o paciente em relação a favorecer  a prevalência de seu sintoma, a ideia central de Ferenczi se alinhou com a visão de amor materno oferecida por Erich Fromm, da qual prevê, em uma relação saudável entre mãe e filho no processo da desvinculação um movimento construtivo no sentido da independência emocional deste filho. Como observamos em Fromm (1986, pg. 78), sobre o amor materno, exaltaria o lado doloroso que a própria mãe enfrentaria em ter de aceitar e encorajar a separação do vínculo com o filho. Momento do qual muitas mães destes pacientes traumatizados falharam nesta etapa fundamental do desenvolvimento humano, justamente em não terem tido a capacidade de oferecer tudo e não querer mais nada além da felicidade do filho. 

Sobre um contraste em relação à união simbiótica, completa ainda Erich Fromm (1986, pg. 43) do qual diria sobre a condição da necessidade de haver um amor amadurecido da qual prevê a união sob uma condição de preservação da da integridade própria, logo da própria individualidade.

Mesmo sendo capaz de romper com diversos paradigmas freudianos mas sem se afastar da psicanálise, ainda que sendo duramente atacado pelos seus críticos, estes por sua vez alinhados com a passividade defendida pela psicanálise clássica, em detrimento da técnica ativa, Ferenczi propôs um método de técnica analítica elástica em radical oposição ao caráter de rigidez defendido pelo método preconizado pela psicanálise ortodoxa. Método este do qual a própria abordagem analítica bem como as condições da própria análise poderiam melhor se adequar de acordo com as necessidades trazidas por cada um de seus pacientes.

Segundo Balint por Sanches (2020, p. 57, 58), Ferenczi, na tentativa de reduzir a sua força da intervenção ativa, em um primeiro momento, começou a recuar de forma gradativa suas imposições e proibições substituindo-as por sugestões ou conselhos. Em um segundo momento decidiu abrir mão de suas demais técnicas ativas procurando se ater em aspectos que os pacientes poderiam esperar dele na função de não frustrarem suas expectativas.

Percebemos uma maior preocupação de Ferenczi em evitar quaisquer possibilidades de retraumatização por parte de seus pacientes. Não se trata do analista ter de desenvolver ou possuir uma “sensibilidade acurada” em relação ao que o analisando traz, o que segundo Pinheiro (1995, pg.110) Ferenczi diria que o próprio tato seria a própria capacidade do analista “sentir com”, sendo esta a premissa patente de representar o vivido do paciente. 

CONCLUSÃO

Diante do que se pôde apresentar até aqui oferecemos um caminho sobre repensar certos paradigmas contemporâneos dos quais muitos analistas, que desejam enriquecer sua clínica, no sentido destes possibilitarem uma maior inclusão das mais diversas singularidades em seu setting. Tratam-se também de questões fundamentais vinculadas ao próprio percurso clínico do profissional e que,  mesmo este já contando com mais experiência, um exame sobre os resultados oferecidos pelo método escolhido. A experiência, na proposta de uma psicanálise diferenciada, quer dizer mais do que um “recurso inovativo”, mas sim, como já dito no inicio do texto, é sobre possibilitar a psicanálise para as mais diversas subjetividades. 

Ainda que a ideia de se pensar uma clínica diferenciada em relação à ortodoxa pareça atual, Sándor Ferenczi, ainda que contemporâneo ao de Freud, talvez teria percebido da importância desde o início do século XX de que a radicalidade da rigidez das relações de amor poderá contribuir mais para o agravo do que para a própria melhora do estado clínico de seus pacientes. A proposta do trabalho se ateve na tentativa de despertar para a clínica um interesse maior acerca do transcorrer das vicissitudes inerentes às relações de amor, o que fez com que recorrêssemos à contribuição do pensamento do também psicanalista Erich Fromm para auxiliar nessa construção. O que desta maneira objetiva-se despertar o interesse do analista em “sentir com” o analisando empaticamente, as experiências de amor trazidas por ele.

REFERÊNCIAS

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PINHEIRO, T. Ferenczi: do grito à palavra. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor: Editora UFRJ, 1995. 

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ZIMERMAN, David E. Manual de técnica psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed, 2004.


1Especialista em Psicanálise pela Faculdade Dom Alberto de Santa Cruz do Sul (RS), Especialista em Gestão Estratégica de Custos pela Faculdade Metodista Granbery de Juiz de Fora (MG). Graduando em Bacharelado e Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora (MG). Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade do Sudeste Mineiro de Juiz de Fora (MG). Psicanalista e Professor de Teoria Psicanalítica.