INTERDISCIPLINARIDADE ESCOLAR: DIFICULDADES NA IMPLEMENTAÇÃO EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO DO INTERIOR DO AMAZONAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7641240


Alejandro Rincón Arias


RESUMO

O presente trabalho é um recorte da dissertação de mestrado em Ciências da Educação intitulado: Elaboração de uma proposta para promover a interdisciplinaridade e os projetos a partir dos conceitos e práticas educativas centradas no aluno. Este pretende discutir o conceito de interdisciplinaridade como prática educativa a partir da visão dos docentes de uma instituição de ensino do interior do Estado do Amazonas. Além disso, pretende-se perceber como este conceito deixa de ser transformado em uma prática educativa para ser considerado um “modismo” ou atividade de pouca relevância no processo ensino-aprendizagem, analisar o motivo desta distorção conceitual e propõe mecanismos para fomentar a interdisciplinaridade como abordagem metodológica que permita centrar o processo educativo no aluno. Foi possível observar que existia resistência dos docentes na adoção novas metodologias, foi necessário um trabalho baseado em estudos sobre o saber docente e a práxis para fomentar a ação docente. Os resultados da pesquisa-ação participativa foram positivos tanto para os alunos quanto para os docentes promovendo uma melhoria na prática docente.  

Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Saberes Docentes; Prática de Projetos.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta as reflexões sobre o tema e implementação da interdisciplinaridade escolar em uma instituição escolar do interior do estado do Amazonas e desenvolvido na dissertação de mestrado intitulada Elaboração de uma proposta para promover a interdisciplinaridade e os projetos a partir dos conceitos e práticas educativas centradas no aluno. Neste sentido, foi realizada uma pesquisa-ação participativa que seguiu as seguintes etapas: observação não participante e plano de intervenção. A segunda etapa de intervenção no qual foi desenvolvida com a equipe docente da instituição que discutiu a formação dos temas sobre interdisciplinaridade e sobre projetos. Nesta fase se planejaram atividades pedagógicas para serem realizadas no ano letivo de 2014 e como seriam implementadas estas abordagens na prática educativa.

Durante o período de observação, assim como nas primeiras etapas da intervenção foi detectado que os docentes tinham concepções que são afastadas do conceito da prática da interdisciplinaridade. Durante a formação docente promovida pelo pesquisador foi apresentada a temática da interdisciplinaridade a partir dos teóricos Heloísa Luck (2013), Ivani C. Fazenda (2007, 2013a, 2013b) e Vivaldo P. dos Santos (2007) demonstrando que não é apenas uma prática educativa, ela é uma forma pela qual procura-se a integração do conhecimento produzido pelas ciências fragmentadas ao longo dos séculos e configura-se como uma “atitude diante da questão do conhecimento que de abertura à compreensão de aspectos ocultos no ato de aprender e dos aparentemente expressos” (FAZENDA, apud ALVES, 2013, p. 100) com grande potencial na ação educativa. Diante do exposto os docentes mencionaram diversas dificuldades para executar o conceito de interdisciplinaridade e assim expuseram mais uma posição de resistência do que uma posição de inquietação. 

A partir do exposto, foi necessário desenvolver um trabalho paralelo ao plano de intervenção, este foi desenvolvido a partir das considerações teóricas de autores como Maurice Tardif (2014), Philippe Perrenoud (2000, 2002), José Carlos Libâneo (2011), Fernando Becker (2012) que compreendem que o docente constrói a partir de sua prática um conhecimento, denominado saber docente, saber este que delimita ou limita sua ação, assim a uma proposta pedagógica nova, precisava se integrar a este saber para ser efetivamente implementada e não apenas imposta ou apresentada  ou treinada como proposta pronta e acabada. 

INTERDISCIPLINARIDADE ESCOLAR

Interdisciplinaridade é um conceito bastante amplo que vem suscitando os mais diversos trabalhos e pesquisas desde finais da década de 1960. Na época foi constituído um relatório por especialistas da Alemanha, França, Grã-Bretanha para esclarecer conceitualmente a interdisciplinaridade (LAVAQUI; BATISTA. 2007, p. 399-420), este grupo de trabalho ainda não conseguiu chegar a um conceito que definisse claramente este conceito. Em fevereiro de 1970 um novo encontro determinou um marco referencial para os conceitos disciplinar, multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. Segundo Lavaqui e Batista, (p. 400):

Disciplina – conjunto específico de conhecimentos com suas próprias características sobre o plano do ensino, da formação dos mecanismos, dos métodos, das matérias.

Multidisciplinar – justaposição de disciplinas diversas, desprovidas de relação aparente entre elas.

Pluridisciplinar – justaposição de disciplinas mais ou menos vizinhas nos domínios do conhecimento. 

Interdisciplina – interação existente entre duas ou mais disciplinas. Essa interação pode ir da simples comunicação de ideias à integração mútua dos conceitos diretores da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização referentes ao ensino e à pesquisa. Um grupo interdisciplinar compõe-se de pessoas que receberam sua formação em diferentes domínios do conhecimento (disciplinas), com seus métodos, conceitos, dados e termos próprios.

Transdisciplina – resultado de uma axiomática comum a um conjunto de disciplinas. 

A interdisciplinaridade passou a ter diferentes significados e níveis hierárquicos propostos por diversos autores, Lavaqui e Batista analisam as definições propostas por Jean Piaget, Marcel Biosot, Hen Heckhausen, Hilton Japiassu e Erich Janstch. O quadro 1 sintetiza o trabalho dos autores e, a partir dele, é possível identificar a complexidade e a diversidade de sentidos atribuídos ao termo interdisciplinaridade fruto da necessidade de definir o grau e a hierarquia entre o processo de separação até a completa união das disciplinas.  

Quadro 1 – Definições de interdisciplinaridade

Fonte: Adaptado de Lavaqui; Batista. (2007, p. 399-420).

No contexto escolar a fragmentação do saber educacional é decorrente da fragmentação histórica do ser, do saber e do mundo. Estas repercussões produzem constantemente efeitos na dinâmica interna da escola (SANTOS. 2007, p. 73) e se alimentam de situações como um currículo disciplinar preestabelecido, um planejamento escolar individual, alunos que não sabem o porquê do que aprendem e docentes que não entendem por que o aluno não aprende.

Os alunos quando terminam o ensino disciplinar e enciclopédico e adquirem as teorias historicamente acumuladas que, no máximo são contextualizadas com a realidade abstrata que nem sempre é a sua realidade concreta, preparando-os para que enfrentam uma sociedade diferente da ensinada na escola. Este ensino negligencia as capacidades de aprendizagem, questionamento e reflexão do aluno. A escola “deixa de formar cidadãos capazes de participar do processo de elaboração de novas ideias e conceitos, tão fundamental para o exercício da cidadania crítica e participação da sociedade moderna onde tanto se valoriza o conhecimento.” (LÜCK, p. 29). 

No entanto, por que nossa educação continua sendo disciplinar? Mesmo que as orientações pedagógicas teóricas e legais como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s, Proposta Pedagógica Estadual, entre outros que fomentam a ação da interdisciplinaridade, por que a ação docente é disciplinar? Para responder estas questões é necessário compreender o paradigma disciplinar que segundo Heloísa Lück “indica dois enfoques relacionados ao conhecimento: o epistemológico, relativo ao modo como o conhecimento é produzido, e o pedagógico, referente à maneira como ele é organizado no ensino para promover a aprendizagem pelos alunos” (p. 27). No enfoque epistemológico disciplina é entendida como um conjunto específico de conhecimentos, obtido por método analítico, linear e atomizador da realidade que corresponde a um saber especializado, ordenado e profundo, que permite ao homem o conhecimento da realidade, a partir de suas especificidades deixando de lado o todo que lhe faz parte. Esta construção tem suas raízes no positivismo segundo os seguintes pressupostos:

  • o universo é um sistema mecânico composto de unidades materiais elementares, em vista do que podem ser compreendidas de forma descontextualizada;
  • a realidade nesse universo é regular, estável e permanente, tendo existência própria;
  • a realidade é como é, preexiste à percepção pelo homem, em vista do que o processo de conhecer é neutro;
  • a matéria é a realidade última e os fenômenos espirituais nada mais são do que uma manifestação da matéria;
  • a verdade é absoluta, objetiva e existe independentemente do sujeito cognoscente;
  • a vida em sociedade é uma luta competitiva pela existência;
  • o progresso material é limitado e alcançável pelo crescimento econômico e tecnológico;
  • a matéria é inerte e passiva, contida na forma, com um significado próprio identificável, mediante a adoção de método científico;
  • a ciência é isenta de valores, uma vez que estes são absolutos e existentes na natureza;
  • se alguma coisa existe, existem em alguma quantidade, e se existe em alguma quantidade, pode ser medida.

Assim, por exemplo, a matemática é disciplina que estuda tanto as magnitudes como as quantidades, que são as variações de aquela no tempo e no espaço e que determina a distinção entre objetos e suas relações e as propriedades dos objetos e suas relações. (BALDOR. 2007, p. 10) E esta é a matemática ensinada na escola segundo os pressupostos do positivismo, abstrata, mensurável, afastada da realidade prática e vive em si mesma, embora os métodos de ensino utilizem materiais concretos e situações reais para o ensino ele é predominante abstrato, é ensinar a matemática pela matemática para a matemática. Segundo Fazenda:

Ensinar matemática é, antes de mais nada, ensinar a “pensar matematicamente”, a fazer uma leitura matemática do mundo e de si mesmo. É uma forma de ampliar a possibilidade de comunicação e expressão contribuindo para a interação social, se pensada interdisciplinarmente. (apud JOSÉ, p. 95)

A produção e conhecimentos, o desafio da descoberta, a pesquisa e a análise da produção matemática não são o centro do processo, são o fim que deve ser alcançado. Nesse pensamento é que Lück clarifica o enfoque pedagógico como sendo a atividade de ensino pela ordem e organização do comportamento. “O objetivo didático promove, no contexto escolar, mediante raciocínio lógico formal, caracterizado pela linearidade e atomização, já agora maior do que fora produzida, um distanciamento mais acentuado do conhecimento em relação à realidade de que emerge” (p. 28) desta forma o docente ainda é o detentor do conhecimento e sua função é a de facilitar, mediar, gerenciar este processo em virtude da aprendizagem do aluno.

Segundo Ivani Fazenda (2013, p. 22) “[…] cada disciplina precisa ser analisada não apenas no lugar que ocupa ou ocupava na grade, mas nos saberes que contemplam, nos conceitos enunciados e no movimento que esses saberes engendram, próprios de seus lócus de cientificidade.” O trabalho interdisciplinar promove um movimento reflexivo entre saberes e é dever do docente interdisciplinar procurar essas conexões e promover a construção do conhecimento.  

Klein (2013, p. 119) alerta que 

A grande contradição que Ivani Fazenda descobriu em seus estudos sobre ensino interdisciplinar no Brasil está na indiscriminada proliferação de práticas intuitivas. […] o número de projetos educacionais com a palavra “interdisciplinar” em seus títulos tem crescido dramaticamente. No entanto, muitos surgem como intuição ou modismo, sem regras ou intenções claras. […] Em nome da interdisciplinaridade, rotinas estabelecidas são condenadas e abandonadas, e slogans, apelidos e hipóteses de trabalho são criados; muitas vezes são improvisadas e mal elaboradas.

Lück (2013, p. 9) de forma abrangente neste sentido considera que

[…] estabeleceu-se a crescente complexidade da realidade, fazendo com que o homem se encontre despreparado para enfrentar os problemas globais que exigem dele não apenas uma formação polivalente, mas uma formação orientada para a visão globalizadora da realidade e uma atitude contínua de aprender a aprender.

Nessa perspectiva observa-se que o ensino disciplinar promovido em nossas escolas é enciclopédico e valoriza a acumulação de conhecimentos historicamente construídos, a realidade social, política, econômica é contextualizada e os conhecimentos prévios dos alunos não são considerados ou aproveitados de forma adequada. 

O ensino disciplinar promove a separação entre conteúdo curricular e a realidade e, esta falta de conexão torna o ensino voltado para o próprio ensino, não para a realidade prática do aluno. Em tempos globalizados as relações interdisciplinares são mais complexas e menos evidentes. Lück considera que o conteúdo disciplinar faz ênfase sobre informações isoladas que têm significado para elas mesmas e não pela capacidade de ajudar o homem na sua interação com o mundo, muito menos torná-lo partícipe deste processo de forma crítica, sendo o conhecimento alheio, imutável, pronto e acabado e que pertence a um grupo de pessoas privilegiadas da sociedade negando, ao homem comum, qualquer participação no conhecimento. 

A mesma autora deixa claro que a interdisciplinaridade não é somente uma tendência ou metodologia pedagógica, é uma forma de encarar e compreender a extensa rede de relações da sociedade complexa que requer “uma nova visão da realidade que transcenda os limites disciplinares e conceituais do conhecimento” (p. 22).

O pensamento interdisciplinar é crítico, reflexivo, formativo e permite observar as implicações de cada uma das ciências a partir de diferentes pontos de vista constituindo-se em uma oportunidade de formação de conhecimento que favoreça o processo educativo vinculando conceitos a contextos.

Interdisciplinaridade ultrapassa as barreiras da prática educativa e se transforma numa atitude de reflexão do conhecimento construído, e como tal, analisa o processo de formação do conhecimento, suas consequências presentes e futuras vinculando a prática social ao currículo escolar permitindo a formação de valores. Lück (p. 14) alerta que “os docentes, no esforço de levarem seus alunos a aprender, o fazem de maneira a dar importância ao conteúdo em si e não à sua interligação com a situação da qual emerge, gerando a já clássica dissociação entre teoria e prática”. O docente se centra na teoria considerando que o aluno sozinho fará a ligação entre ela e o seu contexto, no melhor dos casos, é o docente que contextualiza para o aluno, no entanto contextualizar não significa promover a aprendizagem significativa. É necessário que o docente procure no aluno os vínculos práticos e faça com que o aluno os identifique na teoria apresentada. A criação destes vínculos, por um lado promove a reflexão sobre os conhecimentos adquiridos, por outro lado faz com que o aluno os justifique e os integre a sua cognição. 

No entanto, interdisciplinaridade não é um método. Longe disso, não há uma receita pronta para atuar interdisciplinarmente. Ela é uma atitude a ser enfrentada pelo docente e pela escola, refletida em ações sobre o currículo e a práxis pedagógica. Yves Lenoir (p. 56 – 59) afirma que a interdisciplinaridade dentro da prática pedagógica requer aceitar que a interdisciplinaridade funciona no plano didático, curricular e pedagógico que é necessário evitar a simplificação de esta prática.

No entanto, é importante destacar que a interdisciplinaridade em sua complexidade tem que ser diferenciada entre interdisciplinaridade científica e interdisciplinaridade escolar. Lenoir, (2012, p. 50) cita os quatro campos operacionais da interdisciplinaridade: a interdisciplinaridade científica, a interdisciplinaridade escolar, a interdisciplinaridade profissional e a interdisciplinaridade prática, cada um deles pode ser abordado em virtude da particularidade dos problemas e das preocupações. Nesse sentido é importante diferenciar a interdisciplinaridade científica da escolar para ser trabalhada dentro das instituições de ensino. Lavaqui e Batista citam a definição de Lenoir como sendo:

[…] a interdisciplinaridade científica apresenta, como finalidade, “a produção de novos conhecimentos [científicos] e a busca de respostas às inúmeras necessidades sociais”, ao passo que a interdisciplinaridade escolar apresenta, como principal finalidade, a “difusão do conhecimento […] e a formação de atores sociais”, criando condições para a promoção de um processo de integração de aprendizagens e conhecimentos escolares (2007, p. 405).

Lenoir (2012, p. 47) destaca que a não diferenciação de ambas as definições conduz a uma transposição do campo científico para o escolar. Disciplinas escolares e disciplinas científicas são campos completamente diferentes, transpor o rigor científico representaria na aquisição de conhecimentos eruditos e especializados que ainda não seriam parte do domínio cognitivo dos alunos. Desta forma a interdisciplinaridade científica está ligada a formação de profissionais do nível superior, pós-graduação e a interdisciplinaridade escolar para os últimos anos do ensino fundamental e médio.

O quadro 2 sintetiza as diferenças entre a interdisciplinaridade científica e escolar a partir das modalidades de aplicação, objeto de estudo, sistema referencial e consequências:

Quadro 2 – Diferenças entre as interdisciplinaridades científicas e escolar

Fonte: Adaptado de Lenoir (2012, p. 52)

Tendo definido a abordagem interdisciplinar necessária ao processo educativo, é necessário estabelecer quais as metodologias para adotar a interdisciplinaridade como modelo educativo. Se concorda com Lavaqui e Batista (2007) quando compreendem que é necessário a inserção de momentos específicos no “amplo ato de ensinar e aprender” já que a adoção da institucionalização da interdisciplinaridade na escola requereria não só a inserção da abordagem, requereu a mudança estrutural do sistema de ensino, disposição de tempo, reformulação do currículo, recursos econômicos e a aceitação pela da equipe de docentes o que levaria também à constante capacitação (LENOIR, 2012), (LAVAQUI e BATISTA, 2007).  

Pela adoção de momentos específicos interdisciplinares entender-se-ia como o período pelo qual a escola passaria a trabalhar a construção do conhecimento por parte do aluno, sem esquecer-se do conteúdo curricular que como afirma Klein (2012) e Lenoir (2012) são a base da interdisciplinaridade criando pontes ou conexões entre as diferentes disciplinas centralizando o ensino no aluno. Estes momentos específicos podem ser abordados mediante a elaboração de projetos interdisciplinares que promovam a aprendizagem significativa dos alunos e mobilizem a escola e fomente a integração com a comunidade.

A DISTORÇÃO DO CONCEITO INTERDISCIPLINARIDADE

A partir da interação com a equipe docente foi possível determinar que o conceito predominante entre docentes é de que a interdisciplinaridade é a menção de temas de uma disciplina em outra como declarado pela professora Sofia da área de Geografia “nós já trabalhamos interdisciplinarmente! O livro (de Geografia) traz tabelas estatísticas junto aos textos”, este conceito remete vagamente à multidisciplinaridade, Segundo Piaget:

Multidisciplinaridade. O nível inferior de integração. Ocorre quando, para solucionar um problema, busca-se informação e ajuda em várias disciplinas, sem que tal interação contribua para modificá-las ou enriquecê-las. Esta costuma ser a primeira fase de constituição de equipes de trabalho interdisciplinares, porém não implica que, necessariamente, seja preciso passar a instâncias de maior cooperação.
Interdisciplinaridade. Segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas provoca intercâmbios reais, isto é, exige verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, consequentemente, enriquecimentos mútuos. (apud LAVAQUII; BATISTA, 2007, p. 401)

Assim, a utilização de uma tabela estatística em qualquer disciplina implica em informação para entender um conceito ou solucionar um problema, já a utilização de métodos matemáticos para a produção de estatísticas em uma disciplina, a análise de esses dados e a elaboração de modelos constitui sim uma ação interdisciplinar. Esta visão atomista do conceito promove dificuldades em transformar a interdisciplinaridade em ação educativa.

Ao conceituar teoricamente aos docentes da instituição durante uma oficina de projetos interdisciplinares e por meio de exemplos práticos vindos de sua própria prática de como poderia ser explorada a interdisciplinaridade, os docentes levantaram novas questões que aparentemente dificultavam a sua implementação. Estas questões eram relacionadas com o planejamento e execução tendo como principais obstáculos o currículo, as avaliações internas e externas fundamentando-se em que:

  • Atividades interdisciplinares dispensaram muito tempo considerando que há um currículo e cronograma a ser seguido que é estipulado pela Secretaria de Educação a partir das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental;
  • a contribuição de estas ações pouco ajudaria a melhorar os índices educacionais das avaliações externas (Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB) já que estes são aferidos a partir dos conteúdos dispostos no currículo;
  • oficinas e formações pedagógicas já foram promovidas pela Secretaria de Educação com temáticas semelhantes e ações tiveram início, no entanto, por falta de acompanhamento dessas ações por parte da Secretaria elas foram abandonadas e,
  • considerar que configura mais trabalho para o docente.

Na prática, a adoção da interdisciplinaridade como integrante do trabalho pedagógico parte mais da mudança de atitude do docente procurando mudar o paradigma pedagógico por epistemológico, isto é, alterar a arte de ensinar pela construção do conhecimento. Libâneo (2011, p. 28) alerta que “a escola precisa deixar de ser meramente uma agência transmissora de informação e transformar-se num lugar de análises críticas e produção de informação, onde o conhecimento possibilita a atribuição de significado à informação”. Assim tão necessário quanto conceituar adequadamente a interdisciplinaridade é necessário o trabalho com o docente de forma a abandonar o planejamento e as ações que geralmente são individuais ou no melhor dos casos por disciplinas e se disponha em desenvolver as competências que pretende desenvolver nos alunos. 

Ao considerar os questionamentos dos docentes sobre o motivo de não realizar práticas interdisciplinares, foram procuradas bases teóricas que permitissem fundamentar, explicar, e contribuir para gerar uma mudança nesse quadro. Essas bases teóricas foram encontradas em Demo (2011), Libâneo (2011), Pimenta (2012), Perrenoud (2002) e Perrenoud & Thurler (2002) com principais aportes de Tardif (2014) e Tardif e Lessard (2005) a partir do conceito de saberes docentes, entendidos como “um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (TARDIF, 2014, p. 36). Estes saberes definem a ação pedagógica e são moldados ao longo da experiência.

Pimenta (2012) aprofunda nas definições sobre o saber docente e nele incorpora o conceito de práxis presente em Vásquez (1977) e Lefebvre (1979) ao considerar que o saber docente é a expressão do saber pedagógico já que incorpora a teoria e a prática na ação do agente executor e que esse saber é fundamento é produto da sua atividade dentro de um contexto social e historicamente construído capaz de transformar a realidade. No entanto, como ação transformadora ela pode ser caracterizada em três níveis: a práxis repetitiva (ou reiterativa) que “caracteriza-se pela repetição de atos e tem com esquemas principais do comportamento cotidiano a espontaneidade, o economicismo, o pragmatismo, a possibilidade e a imitação” (PIMENTA, 2002, p.55); na práxis mimética que segue modelos, semelhante à práxis repetitiva porém que “imitando, ela chegue a criar, mas sem saber como nem porquê” (ARNONI, p, 2) e na práxis criadora que permite ao homem enfrentar novas situações ou superar novas necessidades (PIMENTA, p. 55).

O docente navega entre esses três níveis, repetindo sempre o mesmo esquema de ações, inovando sob o que já está constituído e criando a partir de novas demandas. Porém as condições precárias de trabalho, a falta de atenção por parte do Estado, baixa remuneração, o abandono da família, o desinteresse dos alunos pela educação, entre outros fatores, desmotivam o docente fazendo com que sua ação seja realizada da forma em que consumir menos energia, promover menos desgaste ou simplesmente, condizente com suas condições de trabalho e salariais, estas condições formam o imperativo muito comum entre docentes “sempre foi assim e sempre vai ser assim” ou se fazem as coisas “empurrando com a barriga”. 

Maurice Tardif (2014) analogamente discute o conceito da rotinização sendo como meios de gerir a complexidade das situações de interação e de diminuir o investimento cognitivo do docente no controle dos acontecimentos” (p. 215). A rotina já estabelecida, pode estar fundamentada em bases teóricas, porém novos elementos que estão presentes na prática pedagógica não tratados ou sem competências adequadas adquiridas geram respostas no calor da ação que originou uma mudança nessa rotina, sendo esta, imperceptivelmente mudada e diante de novos elementos a rotina se afasta da sua base teórica original.

Assim a práxis situa-se no campo da repetição ou nos melhores casos de forma mimética, mas estando no campo das rotinas. Uma proposta que provoque a saída dessa zona de conforto e abale as estruturas criadas gera oposição, negação, incerteza e são encontradas desculpas externas para o que poderia ser melhorado internamente, embora possa não ser uma resposta para todos os questionamentos apresentados, muitos deles válidos, diminui-se o impacto negativo através de um trabalho que dá resultado.

Segundo Perrenoud (2002, p. 121) para procurar a mudança atitudinal nas pessoas é necessário que seja feito um trabalho concreto sobre se mesmos, exige tempo e esforços, compartilhamento e debate de suas práticas e a dos outros, é necessário que o questionamento seja estimulado e podem, eventualmente, acontecer lapsos de crise ou mudança de identidade. Este processo não pode ser arbitrário, é necessário que se conheçam os objetivos a serem alcançados pela mudança. As análises da prática não são um fim, são um desvio necessário para alcançar a melhoria profissional. 

Nesse contexto, foi desenvolvido ao longo do ano letivo, períodos de análise das práticas docentes construindo pontes entre a teoria da educação e prática educativa, desmistificando erros conceituais, procurando alternativas às dificuldades e principalmente procurando que o docente se identificasse como agente do processo educativo e não como um agente público limitado a seguir programas preestabelecidos. Este trabalho, concomitante ao plano de ação possibilitou acompanhar a transposição em sala de aula dos conceitos definidos tanto teoricamente como revisados das práticas anteriormente realizadas pelos docentes.

PLANO DE AÇÃO

Para a pesquisa realizada no ano letivo de 2014 na instituição objeto de estudo necessário dividir em quatro momentos concomitantes aos quatro bimestres: 1º bimestre de observação de rotinas e conhecimento das ações e equipe docente; 2º ao 4º bimestre de execução do plano de intervenção; feedback ao final de cada bimestre e por meio de oficinas elaborar, discutir e executar atividades e projetos interdisciplinares. Ao final da pesquisa foi elaborado um plano de ação para ser executado a partir do ano letivo de 2015 e incluído no Projeto Político Pedagógico da instituição.

Este plano contempla as seguintes etapas: Oficina de projetos e interdisciplinaridade; organização bimestral de projetos interdisciplinares a partir da análise dos interesses dos alunos; análise dos projetos executados bimestral e anualmente (organização, relevância, aspectos negativos e positivos, possíveis melhorias, análise); análise teórica da atividade realizada, e apresentação ao final do ano na amostra de gestão escolar com abertura à família e à sociedade.

O plano de ação contempla os eixos principais da pesquisa original que é a implementação da interdisciplinaridade e os projetos em uma instituição escolar partindo das práticas centradas nos alunos, mas também contemplam o docente ao oferecer recursos de repensar sua prática pedagógica de forma constante tendo como base as diversas teorias em educação, assim sendo a interdisciplinaridade não se torna apenas uma abordagem didática mas também se configura como uma atitude dentro da instituição.

CONCLUSÃO

Apesar da grande quantidade de pesquisas científicas em relação à interdisciplinaridade, esta ainda encontra barreiras para ser efetivada como uma abordagem a ser desenvolvida dentro das escolas. A interdisciplinaridade representa não só uma forma de ministrar as disciplinas do currículo, ela representa uma atitude frente à questão do conhecimento e como tal deve ser tratada dentro da escola procurando as ligações existentes para mostrar aos alunos não só o valor de cada disciplina em si, mas a forma como a realidade funciona. 

Ao propor aos docentes de uma instituição escolar no interior do Amazonas inserir nos seus planos de trabalhos a interdisciplinaridade e os projetos surgiram diversas barreiras. A primeira delas foi o desconhecimento do conceito interdisciplinaridade, a segunda foi mostrar aos docentes que apesar das dificuldades, que são muitas, é possível incorporar essa abordagem no ensino. 

Foi observado que para haver uma mudança substancial é necessário mudar a prática do agente que executa essa ação. Para tal, o conhecimento da complexidade do saber docente, a ação permanente, a reflexão intensa e a criação de pontes entre teoria e prática fomentam o abandono do empirismo em direção à técnica especializada.

Na prática docente, há subjetividade, há necessidade de decisões no calor da ação que pode muito facilmente configurar uma divergência com a teoria, porém essa divergência pode ser a falta de domínio com a teoria (ou teorias) ou lacunas que ainda não tenham sido agregadas à teoria. Desta forma, a pesquisa realizada abre espaço para novos marcos em pesquisa educativa, como a efetividade das formações a distância onde não há acompanhamento posterior ao treinamento; dificuldades no campo dos conceitos da teoria da educação; planejamento colaborativo e formação de docentes pesquisadores reflexivos entre outros.

As atividades realizadas geraram grande impacto, principalmente entre os alunos, os docentes observaram que havia ganho no desempenho dos alunos, apesar de não haver métricas que permitisse estabelecer esse rendimento os docentes admitiram que a utilização da interdisciplinaridade e os projetos melhorava o ambiente de trabalho apesar das diversas dificuldades. 

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