MAYER, Cristina Muller Mayer¹;
FERNÁNDES, Antonio Alberto²;
SANT’ANNA, Patrícia Cilene Freitas³;
FLORES, Daniela Marchiori³.
RESUMO: O objeto deste estudo foi relatar a importância do fisioterapeuta nas equipes do Programa Saúde da Família (PSF). Teve como objetivo assinalar através da literatura existente a importância da utilização da fisioterapia como um instrumento para os cuidados primários em saúde, apontando a relevância da participação deste profissional junto às equipes multiprofissionais do PSF. Foi realizada uma revisão bibliográfica em nível nacional capaz de revisar e caracterizar a importância da fisioterapia no PSF. Foi constatado que a fisioterapia, pelo antigo rótulo de reabilitador, demorou a ingressar nos serviços básicos de saúde, mas hoje em dia, vem ganhando espaço e crescendo cada vez mais na atenção primária. A fisioterapia no PSF traz muitas vantagens para a comunidade como também para a equipe multiprofissional, e como área da saúde, não deve ficar restrita a ações de reabilitação focadas exclusivamente na doença, e sim participar e atuar de forma ativa e influente na atenção primária, com ações de promoção de saúde e prevenção de doenças.
PALAVRAS-CHAVE: Fisioterapia, Programa Saúde da Família, Saúde Coletiva.
ABSTRACT: The object of this study was to report the importance of team physiotherapist in the Family Health Program (FHP). It was noted goal through existing literature the importance of the use of physical therapy as a tool for primary care in health, highlighting the importance of participation of multidisciplinary teams to work with the FHP. A literature review was conducted at the national level able to review and characterize the importance of physiotherapy in the FHP. It was noted that the physiotherapy, the former label of reabilitador it took to join in basic health services, but today, are gaining space and growing increasingly in primary care. The physiotherapy in FHP brings many benefits to the community but also for the multidisciplinary team, and how the health area, should not be restricted to the actions of rehabilitation focused exclusively on the disease, but participate and act so active and influential in primary care, with shares of health promotion and disease prevention.
KEY-WORDS: Physical Therapy; Family Health Program; Public Health.
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1- Autor-Acadêmico de Fisioterapia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS. e-mail: crismmayer@gmail.com
2- Fisioterapeuta, Professor e Coordenador do Curso de Fisioterapia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS.
3- Fisioterapeuta e Professor do Curso de Fisioterapia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS.
INTRODUÇÃO
O tratamento das pessoas lesadas nas grandes guerras, que foi o que ocasionou o surgimento do fisioterapeuta, motivou o campo profissional voltado para a reabilitação e recuperação (REBELATTO & BOTOMÉ, 1999). Esse rótulo de reabilitador o afastou por muito tempo da rede básica de saúde, dificultando o acesso da população ao atendimento fisioterapêutico, e afastando este profissional da atenção primária (RIBEIRO, 2002).
Segundo Rebelatto e Botomé (1999), há um problema na clareza sobre o objeto de trabalho da fisioterapia: a doença ganha destaque e as inúmeras possibilidades que a profissão oferece são esgotadas na reabilitação, recuperação e minimização de sofrimento. Para Silva e Da Ros (2007), historicamente a ação fisioterapêutica é vista como terciária, mas quando colocada na primária, pode ser de muita importância na promoção da saúde, prevenção de doenças e educação em saúde.
O Programa Saúde da Família (PSF) iniciou em 1994 com o intuito de reorientar o modelo assistencial através da implementação de equipes multiprofissionais nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Essas equipes atuam na conservação da saúde da comunidade por meio de estratégias de promoção de saúde, prevenção, recuperação e reabilitação de doenças (BRASIL, 1997).
O fisioterapeuta, que de acordo com o Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITO) “possui uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde” pode fazer parte desta equipe multiprofissional do PSF, mas ainda encontra dificuldades para tal. Para Ragasson et al (2004), uma das fundamentais dificuldades deparadas para inclusão do profissional na atenção primária e no PSF é que inicialmente o fisioterapeuta tinha uma formação reabilitadora.
Hoje em dia, a formação do fisioterapeuta vem ganhando cada vez mais espaço na atenção primária. Um exemplo disso é a formação dos acadêmicos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), localizada em São Leopoldo no Rio Grande do Sul, que tem em seu currículo disciplinas de Fisioterapia Comunitária (UNISINOS, 2001) que trazem a importância do profissional inserido na comunidade atuando na atenção primária através de ações de educação e promoção em saúde e prevenção de doenças.
Dessa forma, o objetivo deste estudo é assinalar através da literatura existente a importância da utilização da fisioterapia como um instrumento para os cuidados primários em saúde, apontando a relevância da participação deste profissional junto às equipes multiprofissionais do PSF, como agente multiplicador de saúde e colaborador na prevenção, promoção e educação em saúde.
METODOLOGIA
Este estudo constitui-se de uma revisão bibliográfica realizada em área nacional abordando a importância da fisioterapia no Programa Saúde da Família. As referências utilizadas são do ano de 1998 ao ano de 2007.
Foram feitas pesquisas em bases de dados e bibliotecas como BIREME (Biblioteca Virtual da Saúde), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SCIELO (Scientific Eletronic Library Online – Brasil) entre outras, com os seguintes descritores: Fisioterapia, Programa Saúde da Família, Saúde Coletiva.
No total, foram selecionados 22 trabalhos, entre artigos originais, livros e teses, que permitiram realizar uma revisão bem detalhada sobre o assunto e ao final, fazer algumas considerações.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A estratégia para a reorientação do modelo assistencial…
Em 1991 era dado início ao Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (Pnacs), que começou na região Nordeste do Brasil. A intenção do programa era permitir o acesso à todos ao Sistema Único de Saúde (SUS) e também dar cobertura para as populações rurais e das periferias, dando preferência à população materno-infantil. Através dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), o objetivo geral era estabelecer uma ligação entre os serviços de saúde e a comunidade e fazer com que a população fosse capaz de cuidar da sua própria saúde. Em 1992, o Pnacs passou a chamar-se Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) (SILVA & DALMASO, 2002).
Várias iniciativas para manter as conquistas sociais guiadas pelos princípios do SUS e pela Reforma Sanitária foram lançadas ao longo do tempo, mas os resultados se mostraram pouco visíveis por não causar modificações no modelo assistencial. Assim, em 1994 surge o Programa Saúde da Família (PSF), que tem como objetivo geral “contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população”, e nomeia como ponto central a criação de vínculos e laços de compromisso e co-responsabilidade entre população e profissionais da saúde (BRASIL, 1997).
A idéia de vínculo que o PSF institui é a de conhecer a população e os seus problemas, e não com a autonomização do usuário ou sua participação na organização do serviço. No PSF, o vínculo deve estender-se a todos os profissionais da equipe de saúde, para ser possível suprir as demandas e necessidades da população (SCHIMITH & LIMA, 2004).
Franco e Merhy (2003) apontam que o vínculo é hoje, em vários países, uma diretriz dos modelos de assistência, utilizado como instrumento na consolidação de referências nos profissionais e sua responsabilização para uma determinada parcela da comunidade que usufrui dos serviços de saúde. Os autores citam Inglaterra e Cuba como referência para modelos assistenciais que atuam com a diretriz do vínculo.
Através dessa estratégia, o PSF aponta a reversão do modelo assistencial vigente. A compreensão só é plausível por meio da alteração do objeto e atenção, forma de atuação e organização geral dos serviços, reorientando a prática assistencial em novas bases e critérios (BRASIL, 1997). Para Ribeiro et al (2004), a proposta do PSF transforma-se em um desafio, pois sugere a ruptura com o modelo assistencial presente e construção de um novo aprendizado com uma nova proposta ética. Além disso, esse novo desafio está em uma cena influenciada pelo modelo biomédico, tanto na formação profissional quanto na prática assistencial.
No PSF, a família passa a ser o objeto de atenção, pois é no ambiente da família que se estabelecem as relações familiares e se inicia a luta por melhores condições de vida. Devem ser rompidos os muros das unidades de saúde e fixá-los no meio onde as pessoas vivem, se relacionam e trabalham (BRASIL, 1997). Para Franco e Bastos (2002), a família é a primeira constituidora do desenvolvimento humano, é a unidade de informação e ação, parte de cuidado do PSF. A condição da família é ativa, assim tem o papel de informar as prioridades e alternativas sobre os determinantes e riscos a que está apresentada. A família é quem cuida, preserva a sobrevivência de si e de todos os seus componentes.
Segundo Ribeiro (2004), a colocação da família como principal foco na atenção básica pode ser lembrada como um avanço, uma contribuição do PSF para transformar o modelo biomédico em saúde. Essa inclusão traz de volta as várias dimensões da saúde, supera o cuidado individualizado centrado na doença. Mas citar a família como objeto central não garante que isso se realize no PSF real, pois os distintos atores podem trabalhar com várias abordagens de família, produzindo o que se cuida e o entendimento do que se fala de um mesmo objeto.
Para Franco e Merhy (2003) é positivo apontar a escolha da família como ponto estratégico de atuação, pois com a presença da equipe no domicílio, o trabalho em saúde se torna grandemente enriquecedor. Mas vale ressaltar que nem sempre a família está presente, e nem sempre a família é o espaço dominante ou onde a vida das pessoas está em foco.
Quanto às equipes que compõem uma Unidade de Saúde da Família, o programa é composto por uma equipe multiprofissional, composta por enfermeiro, médico, auxiliar de enfermagem, agentes comunitários de saúde (ACS), e a partir do ano de 2000, dentista. (NUNES et al, 2002). De acordo com a demanda e as características dos serviços de saúde locais, outros profissionais poderão ser incluídos às equipes (BRASIL, 1997).
De acordo com Nunes et al (2002), o ACS é a parte da equipe mais intrigante em relação as trocas dos saberes populares de saúde e os saberes médicos científicos, pois veicula as contradições e ao mesmo tempo, as conversas entre esses dois saberes e a prática. Para Franco e Merhy (2003) “os diversos saberes se articulam, em um emaranhado de saberes que em relações intercessoras com os usuários produzem o cuidado”.
Os profissionais da saúde podem ser potentes ferramentas na mudança dos serviços assistenciais. Para tal acontecimento, é necessária uma nova ética e o reconhecimento que os serviços de saúde são um local público e o trabalho deve ser baseado em valores de humanidade, solidariedade e direitos de cidadania focado na assistência à saúde (FRANCO & MERHY, 2003).
Com os princípios de territorialização, intersetorialidade, descentralização, co-responsabilização e prioridade da população com maior risco de adoecimento ou morte, o PSF mostra-se como uma possibilidade de reformulação da atenção primária. Supõe-se que o PSF reproduza uma modificação no paradigma assistencial, atravessando de um eixo curativo para o preventivo, da ação monossetorial para a intersetorial, da exclusão para a universalidade (TRAD & BASTOS, 1998).
Para Sousa (2003), “o PSF não é uma proposta nova, ele inova, com base em anos de lutas, sonhos e realizações de diferentes atores sociais…”. Através de uma dinâmica de movimentos permanentes, cheios de idas e voltas, possibilitando criações e recriações, ele traz saberes e práticas. E passando pelas dificuldades, ele ruma ao aperfeiçoamento.
Fisioterapia: o rótulo da reabilitação…
Toda a história do surgimento da fisioterapia está baseada na reabilitação de doentes, trazendo para o profissional desta área, o famoso rótulo de reabilitador.
Na passagem do século XX para o XXI, os objetos de trabalho ou de estudo ditos como os da área da saúde, passaram no transcorrer da história, por oscilações significativas. A fisioterapia, que está neste grupo da área da saúde, também passou por estas oscilações, e teve as suas variadas formas de atuações e recursos voltados exclusivamente para atender e reabilitar ou recuperar o organismo doente (REBELATTO & BOTOMÉ, 1999).
Por sua atuação reabilitadora, a fisioterapia ficou durante muito tempo afastada dos serviços básicos de saúde, muitas vezes desprezando a prevenção e promoção da saúde (VEIGA et al, 2003). Para Petri (2006) a inclusão do fisioterapeuta na atenção primária ainda é um processo em construção, devido à sua história que está associada a uma pequena parte do seu objeto de trabalho, rotulado na reabilitação.
Um dos problemas deparados ao profissional da fisioterapia para atuar na atenção primária se refere à formação dos profissionais fisioterapeutas, que não são preparados para este tipo de trabalho (VEIGA, 2003). Ragasson et al (2004), afirma que é imprescindível a prática e o fortalecimento de mudanças na formação profissional, que envolvam a graduação e a pós-graduação, para que se formem profissionais da saúde, e não da doença.
È importante uma reavaliação das instituições para a qualificação do fisioterapeuta, focalizando as disciplinas que abordem a atenção primária, no caso as de interesse preventivo, que são de suma importância para intervir em populações de baixa renda e baixo nível educacional (HAAS, 2003).
A Fisioterapia no PSF…
Apesar do trabalho da fisioterapia na atenção primária ainda passar por dificuldades e adaptações, em vista de ser uma nova forma de atuação da profissão (VEIGA, 2004), há estudos e pesquisas que mostram a importância deste profissional atuando no PSF, fazendo parte da equipe multiprofissional.
Em estudo realizado por Verás et al (2005) em Sobral – CE, mostra que o fisioterapeuta foi incluído no PSF para inserir as ações de promoção de saúde e prevenção de doenças na profissão e desfazer as ações estritamente curativas. Dentre outros resultados, o estudo mostrou que antes da inclusão do fisioterapeuta no PSF, uma parte significativa da amostra não havia tido acesso ao atendimento fisioterapêutico, indicando uma barreira ao acesso, devido ao baixo número de profissionais em relação à necessidade.
A pesquisa de Verás et al (2005), também mostrou que as atividades de promoção de saúde somaram o maior percentual dentre as realizadas pelos fisioterapeutas, segundo os usuários do serviço, mostrando uma mudança no paradigma da profissão e indicando a participação promissora deste profissional no PSF.
No município de Londrina – PR, o fisioterapeuta foi incluído nas equipes de PSF devido ao levantamento feito pelos Agentes Comunitários de Saúde, do número de pacientes acamados. Inicialmente estes pacientes começaram a ser atendidos, e logo após, formaram-se grupos de prevenção de doenças e promoção de saúde (TRELHA et al, 2007).
No questionário aplicado por Trelha et al (2007) às fisioterapeutas do PSF de Londrina –PR, mostrou que a atuação fisioterapêutica se dá na assistência, prevenção de doenças, agravos e promoção da saúde da comunidade. Relatou também que embora as atividades preventivas sejam importantes, ainda não constituem como prioridade da fisioterapia, provavelmente devido à grande demanda de pacientes para reabilitação e ao baixo número de fisioterapeutas no PSF. Porém o estudo apontou que com a inclusão do fisioterapeuta no PSF pode-se reduzir o número de atendimentos de alta complexidade e aprimorar a qualidade de vida da população.
Em experiência baseada na Residência em Saúde da Família na UNIOESTE, Cascavel – PR, Ragasson et al (2004) resumiu as atribuições do fisioterapeuta no PSF como “um profissional voltado para a educação, prevenção e assistência fisioterapêutica coletiva e individual, inserido e trabalhando de forma interdisciplinar”. Estas atribuições partiram das atividades práticas, levantamentos e vivências dos fisioterapeutas residentes em Saúde da Família, ligadas à fundamentação teórica. Também mostra que quando se fala em atenção primária em fisioterapia, o atendimento domiciliar é de fundamental importância, pois é através deste que se percebe a realidade das pessoas, conhecendo suas atividades diárias e suas limitações, para proceder com as condutas adequadas em cada caso.
O PSF aponta a visita domiciliar como uma de suas bases de atuação, com o propósito de verificar o estado de saúde das famílias e fortalecer a criação de vínculos entre os profissionais e a comunidade (BRASIL, 1997). Para Trad et al (2002), a visita domiciliar indica maior qualidade dos profissionais, e mostra uma nova relação médico/paciente, diferente das outras formas de assistência. Ela também oferece novas formas de entrada na vida das pessoas e oportuna maior poder de influência sobre o comportamento em saúde da população.
É possível colocar em prática os saberes fisioterapêuticos na atenção primária, disponibilizando-os ao alcance da comunidade. Assim, a saúde se torna um instrumento para que os cidadãos possam satisfazer suas necessidades, e o fisioterapeuta torna-se chave essencial para que a saúde seja uma conquista de toda a população, tendo a participação de toda a comunidade (PETRI, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Fisioterapia, pelo antigo rótulo de reabilitador, demorou a ingressar nos serviços básicos de saúde, mas hoje em dia, pelo próprio reconhecimento dos profissionais da sua função na promoção e prevenção vem ganhando espaço e crescendo cada vez mais na atenção primária.
A inserção do fisioterapeuta no PSF traz muitas vantagens para a comunidade como também para a equipe multiprofissional, como por exemplo, discussão em torno dos pacientes, criação de vínculos com a comunidade, ampliação da atuação profissional gerando maior compromisso com a população.
Dessa forma, como área da saúde, a fisioterapia não deve ficar restrita à ações de reabilitação focadas exclusivamente na doença, e sim participar e atuar de forma ativa e influente na atenção primária, com ações de promoção de saúde e prevenção de doenças.
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