VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO CONTEXTO AMAZÔNICO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7365927


Rayllen Araújo Frota1
Taise Nogueira Lopes2
Wenna Benicio Santana3
Jairo Maia França4


RESUMO

Este trabalho pretende analisar o fenômeno relacionado às situações de violência sexual nos últimos 3 anos, considerando o dilema vivenciado por crianças e adolescentes na Amazônia. Também abordara pontos importantes que favorecem o aumento da violência sexual contra a criança no âmbito familiar, além de trazer dados atualizados da violência sexual. O artigo tem como objetivo central, identificar como as determinações históricas, culturais e econômicas colaboram com a violência na região amazônica atualmente. Além de observa como se deu a violência sexual nessa região em meio a pandemia da COVID-19.  A pergunta problema que balizou a análise foi: o que leva a violência sexual contra a criança a crescer constantemente, principalmente na Amazonia? A partir de dados oficiais e pesquisas bibliográficas, foi possível identificar alguns fatores que contribuem para a manifestação desse fenômeno na região. Utilizando-se para o desenvolvimento desse trabalho, técnicas de pesquisa bibliográfica (legislações, artigos, revistas acadêmicas, monografias, dissertações e teses), além de dados oficiais que retratam a situação das crianças e adolescentes vítimas desse tipo de violência, foi possível identificar que a vulnerabilidade econômica e a falta de políticas públicas são algumas das principais causas para reprodução desse problema social na Amazônia.

Palavras chave: Violência Sexual, Criança, Amazônia.

ABSTRACT

This work intends to analyze the phenomenon related to situations of sexual violence in recent years, considering the dilemma experienced by children and adolescents in the Amazon. It will also address important points that favor the increase in sexual violence against children within the family, in addition to bringing up-to-date data on sexual violence. The main objective of this article is to identify how historical, cultural and economic determinations collaborate with violence in the Amazon region today. In addition to observing how sexual violence took place in this region amid the COVID-19 pandemic. The problem question that guided the analysis was: what makes sexual violence against children to grow constantly, especially in the Amazon? From official data and bibliographic research, it was possible to identify some factors that contribute to the manifestation of this phenomenon in the region. Using bibliographic research techniques for the development of this work (legislations, articles, academic journals, monographs, dissertations and theses), in addition to official data that portray the situation of children and adolescents victims of this type of violence, it was possible to identify that economic vulnerability and the lack of public policies are some of the main causes for the reproduction of this social problem in the Amazon.

Keywords: Sexual Violence, Child, Amazon.

INTRODUÇÃO

O Artigo sinaliza uma importante contribuição para a produção de conhecimento científico sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes do estado do Amazonas, possibilitando assim visibilidade para as diversas violações aos direitos humanos desse segmento social, localizado na região amazônica. Diante do cenário vivenciado pelas crianças e adolescentes brasileiras e principalmente os amazonenses que  surgiram as primeiras inquietações para a construção da base desse artigo, que encontram-se organizadas da seguinte forma: 

Primeiramente, discorre-se sobre os aspectos teóricos da violência sexual contra crianças e adolescentes, tendo a intencionalidade de percorrer a base conceitual da violência sexual infanto-juvenil na literatura especializada brasileira e pesquisas bibliográficas e dados oficias, a partir da perspectiva mais atuais. 

Em um segundo momento, aborda-se a violência sexual dentro do abito familiar no qual é onde se encontra o maior número de casos e após um breve resumo sobre essa situação, entraremos na realidade em que vive a Amazonia se tratando da violência sexual, revelando dados e o que leva a região a se ter um índice tão alto de violência sexual contra infanto-juvenil nos últimos tempos e ainda informando como essa se sucedeu durante a pandemia do COVID-19.

 E em um terceiro momento discutiremos de que forma a violência sexual contra essas crianças impactaram suas vidas e de que forma seu comportamento foi afetado. Por fim, as considerações finais desse artigo, apontando alguns direcionamentos para a construção de estratégias efetivas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. 

REFERENCIAL TEÓRICO

A violência sexual contra a criança vem ocupando cada vez mais os noticiários dos veículos de comunicações, independentemente do local e cidade brasileira. É possível observar através de dados oficiais obtidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e notícias de TV que o aumento de casos de violência contra a criança vem crescendo no mundo todo, o que torna a situação alarmante. 

A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma das mais perversas formas de violação dos direitos humanos, considerada uma das mais significativas expressões da questão social, atingindo todas as classes sociais e está presente nos diversos espaços sociais, culturais e religiosos. Para SANTOS (1996) a violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno universal presente desde os tempos remotos, inclusive com relatos de exploração sexual e incesto praticados pelos pais e parentes em relatos bíblicos. Abrange todas as classes sociais, religiões, etnias e culturas. Esta temática, embora bastante explorada por pesquisadores em escala global, ainda se encontra em aberto para várias explicações, devido sua complexidade explícita numa trajetória infantojuvenil marcada pelas diversas formas de violência nas relações interpessoais e de gênero.

Quando se discute violência sexual não há consenso. Há várias compreensões e conceitos que se modificam ao longo da história. Mas, desde o século XX é possível identificar uma mobilização da sociedade em busca de soluções para o enfrentamento em torno dos direitos da infância e impedir o crescimento da violência contra a criança.  Embora esta não seja uma questão nova, na atualidade foi possível inseri-la na agenda política nacional, a partir do reconhecimento legal da criança e do adolescente como sujeitos de direitos (ECA). Apesar de todo avanço quanto ao aparato legal existente no país, ainda estamos longe de consolidar a proteção à infância.

 A violência sexual é um tipo de violência em que envolve relações sexuais não consentidas e pode ser praticada tanto por conhecido, familiar ou por um estranho, segundo  levantamentos feito pela ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). 

Leila Paiva afirma que:

O abuso sexual pode expressar-se de duas formas: intrafamiliar e extrafamiliar: 1. O abuso sexual intrafamiliar é assim considerado quando a agressão ocorre dentro da família, ou seja, a vítima e o agressor possuem alguma relação de parentesco. Aqui é importante considerar o contexto familiar ampliado, já que a diferença estabelecida sob o aspecto conceitual objetivou apenas diferenciar as estratégias e metodologias de prevenção, proteção e responsabilização. Assim, quando o agressor compõe a chamada família ampliada ou possui vínculos afetivos familiares, o abuso deve ser caracterizado como intrafamiliar. 2. O abuso sexual extrafamiliar se dá quando não há vínculo de parentesco entre o agressor e a criança ou adolescente e sim conhecidos. (PAIVA)

No entanto, a maioria dos abusos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes ocorre dentro de casa e são perpetrados por pessoas próximas, que desempenham papel de cuidador destas. conforme AZEVEDO (1995) supõe a predominância da opressão, da exploração e da dominação, a partir de uma relação assimétrica de poder, sendo praticada e constituída no espaço familiar. 

Violência sexual no âmbito familiar contra crianças e adolescentes 

No caso da violência sexual contra crianças, é possível observa que a violência também ocorre dentro do ambiente familiar no qual se encontram familiares e pessoas próximas e de “confiança” da família (Koller, 1999). Acredita-se que o número de casos como esse se dá principalmente na situação de miséria de algumas dessas famílias que não têm qualquer conhecimento ou informação sobre o assunto, na dificuldade de acesso aos seus direitos ou na fragilidade das instituições de responsabilização dos agressores de crianças. FIGUEIREDO (2004) considera que houve um tempo em que o aconchego do lar, e a vida doméstica eram para muitas crianças o centro, o começo do mapa do mundo. Aconchego protetor, uma espécie de porto seguro onde crianças se sentiam protegidas e amparadas. Atualmente, a família tem sido reconhecida como espaço controverso, duvidoso e vulnerável.

A pratica da violência sexual no ambiente familiar é a mais comum das violências sexuais, por ser vista como uma questão de oportunidade, devido ao grau de proximidade do agressor com a vítima. O agressor acaba não sendo visto como suspeito e dessa forma tem facilidade em abordar sua vítima que diante dessa situação acaba se tornando vulnerável a sofrer a violência de forma contínua.  WATARAI E RESENDE (2009, p. 60) refletem que: 

A dificuldade de uma família, para reconhecer a existência do problema, deixa-a predisposta a negar. Esse contexto gera as condições que criam, sustentam e reproduzem situações de abuso, uma vez que a vítima geralmente desacreditada é silenciada diante as ameaças do agressor. Assim, o incesto permanece velado dentro do pacto de silêncio, durante anos, sem que seja identificado ou denunciado (WATARAI e RESENDE, 2009, p. 60).

O abuso sexual praticado por um familiar ou de alguém próximo da família dificulta as ações de enfrentamento, pois traz conflitos que muitas vezes calam os envolvidos. A criança sente medo de retaliação por parte do agressor além do medo de que não acreditem nela. E a falta de informações sobre o assunto faz com que elas tenham ainda mais medo de falar sobre a violência sofrida. Já nos casos em que se é descoberto a violência, a família em muitos dos casos se sentem constrangidos em revelar o fato em meio público, no caso em que o companheiro da mãe é o agressor a situação é ainda mais delicada já que se teme perde o provedor do lar.  Há ainda aquelas famílias que se sentem inseguras na denúncia do caso, pois muitas vezes o tratamento que ela recebe da segurança pública é inadequado, causando mais constrangimento. Assim, a violência que ocorre dentro do ambiente familiar, continua, em geral, a ser encarada por esta como algo a ser resolvido no seu interior, pois, exteriorizá-la é expor o particular a um público institucionalizado. Como enfatizado por MAGALHÃES (2005, p. 45):

“O silêncio que encobre a violência contribui para que a família permaneça como uma instituição intocável, dessa forma, “no âmbito privado tudo pode acontecer, não devendo os órgãos públicos e a sociedade combater ou vigiar os fatos ocorridos dentro do lar”.

 Atualmente muitos daqueles que se mantinham em silêncio diante da violência com a qual muitas crianças vinham sofrendo tem tido o seu silêncio rompido através de denúncias devido a ações desenvolvidas pelo governo, no qual tem abordado constantemente sobre o assunto levando informações a muitos daqueles que não os tinha. 

Todavia, até hoje não se consolidou o fim da violência contra a criança tendo ainda um longo caminho de enfrentamento e necessitando de uma maior articulação das instituições envolvidas, da sociedade, das organizações e dos movimentos sociais. Conforme se constatou, todas as medidas tomadas no enfrentamento a esse tipo de violação dos direitos se devem á mobilização e pressão da sociedade. O fortalecimento da rede de enfrentamento e a aplicabilidade da lei mais duras poderão contribuir para diminuição da impunidade, sentida por muitas vítimas.

Violência sexual contra a criança no Amazonas 

No estado do Amazonas, nos últimos anos (2019 – 2022), tem tido um número crescente de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. E podemos observar que apesar de ela atingir todas as classes sociais, alcança especificamente a camada mais vulnerável da sociedade. Acredita-se que  o número de casos de violência sexual contra a criança no Amazonas vem crescendo devido ao pouco acesso às informações e a desigualdade social. Para FALEIROS (1998) as profundas desigualdades presentes na sociedade têm reflexo direto na condição de vida de crianças e adolescentes, sendo esses, vítimas de uma violência estrutural identificada pela dominação econômica e desigualdade de classe que demarca no terreno da sociabilidade brasileira as relações desiguais de acesso á riqueza e às políticas públicas e/ou direitos sociais.

Segundo pesquisa do economista Daniel Duque, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), do primeiro trimestre de 2019 a janeiro de 2021 a pobreza no Amazonas subiu de 46,7% para 49,7% da população, O período abrange a pandemia de coronavírus, que teve seus primeiros casos confirmados no Estado em março de 2020. Considerando a população estimada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 4.269.995, o número de pessoas em situação de extrema pobreza no Amazonas é de 2.122.187 habitantes, quase a metade. Sendo que uma grande parte dessas pessoas vivem na zona rural a qual são privados de acesso a bens e serviços públicos de qualidade. 

A dificuldade de acesso à educação básica assegurada como direito do cidadão e dever do Estado do Amazonas é outra realidade que deixa marcas de abandono e violação de direitos de muitas crianças e adolescentes no contexto amazônico, o que acaba contribuindo para a exploração sexual de crianças e adolescentes. FREIRE (2001, p. 94), é enfático em afirmar que:

“A primeira questão que eu me ponho é a de falar sobre Educação e Direitos Humanos já nos coloca um primeiro direito negado e negando-se que é o direito à educação. É a própria reflexão que pretendemos que se dê ao esforço de desafiar a quem proíbe que a educação se faça, é a própria educação como direitos de todos, que é negada a grande parte da população. E esta primeira reflexão me leva imediatamente a constatar outra obviedade que é exatamente a natureza política que a educação tem, isto é, constatar a absoluta impossibilidade de termos um processo educativo que esteja dirigido ao ‘bem-estar da humanidade’, por exemplo.”

Devido à falta de acesso à educação, pessoas que vivem principalmente em comunidades ribeirinhas, acabam sendo privadas de informações que poderia contribuir para prevenção de todas as formas de violação dos direitos humanos, principalmente da violência sexual contra as crianças que ultrapassa limites, adentrando em todos os espaços, seja dentro de sua própria casa, escola, rua ou etc. Diante das vastas possibilidades e a falta de educação, essas pessoas acabam sendo alvos fáceis para as investidas dos agressores, seja no espaço doméstico ou em outros espaços onde as crianças ou adolescentes convivem. 

E se deve enfatizar que nas comunidades ribeirinhas a falta de uma boa educação e a ausência de discussão contínua sobre conceitos que envolvem as violações de direitos no âmbito dos territórios não são os únicos problemas dessas comunidades, mas colaboram para o agravamento. Os fatores familiares externos e internos, como por exemplo, em determinadas situações a questão da representação social que tem no simbolismo familiar uma unidade “sagrada” que adentra os muros das casas, a família muitas vezes, prefere fazer o pacto do silêncio para manter a moral da família tradicional, mascarando ainda mais essa realidade que pode ser muito mais complexa, considerando que a região amazônica possui mais de 4.000 comunidades ribeirinhas.

Dados levantados entre os periodos de 2014 a 2021 mostra que foram registrados em Manaus, 3.032 casos de estupro de vulnerável. Uma medida de em torno de 505 casos por ano, conforme os indicadores da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), disponível no site do órgão. Dados mais atualizados da Gerência de Doenças e Agravos Não Transmissíveis da FVS (GDANTs/FVS-AM), mostra que no período entre janeiro e fevereiro de 2021, foram 108 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes registradas no estado. Entre os registros, há 14 casos de assédio sexual, 84 estupros, dois casos de exploração sexual, um de pornografia infantil e sete outros tipos de casos não classificados nas categorias anteriores. No entanto, a delegacia Especializada em Crimes contra a Criança e o Adolescente (DEPCA), avalia que os índices oficiais nem sempre correspondem à realidade, pois há vários casos que não chegam a ser notificados por hospitais ou escolas. Ainda segundo a DEPCA o levantamento mais recente mostra que de janeiro a setembro do 2021, 89 pessoas foram presas pelo crime de estupro de vulnerável, em casos relacionados a vítimas com menos de 14 anos de idade. 

É importante ressaltar que a realidade do estado do Amazonas em relação a problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes aponta para um cenário de distorções e contradições no que tange a efetivação do sistema de garantia dos direitos desse público populacional, principalmente, quando se tem o retrato da violência sexual infantojuvenil nas reportagens jornalísticas, envolvendo, inclusive, homens públicos que deveriam fortalecer, por meio da ação política, o enfrentamento deste fenômeno.

Violência sexual contra a criança durante a pandemia do COVID-19

Segundo dados levantado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF 2020), o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), o fechamento das escolas foi vetor da diminuição de denúncias, já que professores frequentemente conseguiam identificar a vítima, além de tomar providências. “A escola tem grande importância na fiscalização. Os professores vêem se tem marcas de agressão no corpo na criança. Ali surge a maioria das denúncias ao conselho tutelar”, explicou a advogada coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da Fundação Santo André, Juliana Pereira.

De acordo com a Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, Amazonas registrou aumento de casos de abuso sexual infantil na pandemia. Somente em janeiro de 2021, Manaus registrou mais de 100 casos de violência sexual contra crianças. De acordo com a polícia, os crimes contra crianças de 0 a 11 anos de idade são os mais frequentes, justamente pela vulnerabilidade e pela dificuldade de comunicação durante  a pandemia.

Juliana Martins Monteiro, médica pediatra e coordenadora do Grupo de Atendimento à Violência Infantojuvenil do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP enfatiza que dados nacionais e internacionais apontam para um aumento nos casos de violência durante a pandemia, tendo em vista que o isolamento social expõe adolescentes e crianças a situações de vulnerabilidade e em meio à pandemia, ocorre uma subnotificação dos casos, porque o distanciamento social priva crianças e adolescentes do contato com a escola, com os vizinhos, familiares, amigos, serviços de saúde, reduzindo a percepção da violência, denúncias e as medidas de proteção das crianças e adolescentes. Isso se deve ao fato de que grande parte das denúncias são provenientes de escolas e da comunidade em que a criança ou adolescente estão inseridos. Assim, é possível que a vítima, nesse período, conviva com seu agressor, não tendo, portanto, a oportunidade de fazer a denúncia ou de solicitar ajuda a alguém. 

Sobre a região amazônica, os processos de violência também se manifestam sob a forma doméstica e intrafamiliar tendo crianças e adolescentes como alvo central que pode resultar em situações de abuso e exploração sexual com grande incidência na região. E segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas. Somente nos primeiros cinco meses de 2021, o serviço emergencial 190 recebeu 1,6 mil denúncias relatando abusos cometidos contra esse público, em Manaus. Os relatos mais frequentes são abandono de incapaz, agressão, estupro de vulnerável e cárcere privado. No mesmo período de 2020 foram 900 denúncias. Portanto, é notório que diante do fechamento das escolas e de outros espaços importantes para a construção de vínculos de confiança com adultos fora de casa, crianças e adolescentes ficaram ainda mais vulneráveis à violência sexual durante a pandemia da Covid-19. 

Uma das instituições que trabalha para combater os crimes sexuais contra o público infantojuvenil no Amazonas é a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) que também monitora os dados de Violência e Exploração Sexual de crianças e adolescentes.  É importante ressaltar que mesmo diante da pandemia de Covid-19, com a necessidade de distanciamento social, a equipe técnica da GDANTs/FVS realiza, mensalmente, reuniões com instituições que integram o Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes (CEVSCA/AM), com o objetivo de prevenir e combater os casos de abuso e exploração sexual no Amazonas.

Impacto da violência na vida das crianças que sofreram violencia sexual

As consequência desses atos libidinosos são gravidez indesejada, lesões físicas e doenças sexualmente transmissíveis, além de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, transtornos alimentares, distúrbios sexuais e do humor, maior uso ou abuso de álcool e drogas. “O abuso sexual na infância deixa marcas por toda a vida”, enfatiza o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Maia & Barreto (2012) acreditam que experiências associadas com eventos traumáticos relacionados a vivência de violência e abuso ocasiona na criança e no adolescente sintomas e reações de ordem fisiológicas, alterações no sistema biológico do estresse, bem como contrafações químicas e traumáticas com impactos negativos no neurodesenvolvimento.

Apesar da complexidade e da quantidade de variáveis envolvidas no impacto do abuso sexual na criança, esta experiência é considerada um importante fator de risco para o desenvolvimento de psicopatologias (Saywitz & cols., 2000). A literatura aponta que crianças ou adolescentes podem desenvolver quadros de depressão, transtornos de ansiedade, alimentares, dissociativos, hiperatividade e déficit de atenção e transtorno de personalidade borderline. Entretanto, a psicopatologia decorrente do abuso sexual mais citada é o transtorno do estresse pós-traumático (Cohen, Mannarino & Rogal, 2001; Duarte & Arboleda, 2004; Habigzang & Caminha, 2004; Heflin & Deblinger, 1996/1999). Além disso, estas podem apresentar crenças disfuncionais envolvendo sentimentos de culpa, diferença em relação aos pares e desconfiança (Cohen & Mannarino, 2000b).

Logo, crianças vítimas de violências sempre sofrerão com sequelas dessa violência, desenvolvendo problemas de comportamento e relacionamento, como atitudes agressivas, depressão, uso abusivo de medicamentos e drogas na adolescência, entre outros. Podendo também apresentar sentimentos confusos, e nem sempre a criança irá entender a situação na qual está passando no momento, poderá perceber só depois que o que ela viveu  em determinado momento se tratava de uma agressão. O que é bem comum, é que essas crianças cresçam com sentimentos de culpa, imagem corporal negativa, dificuldade de estabelecer confiança interpessoal e medos aparentemente infundados.  Portanto, se uma criança não receber o tratamento adequado e necessário em um caso de abuso sexual, além das reações imediatas mencionadas acima, haverá sérias consequências em sua vida adulta, ela poderá desenvolver problemas de relacionamento e sexuais, afetando sua vida cotidiana e levando a sua  exclusão  social. 

O papel do psicólogo no combate à violência sexual infantil

Os profissionais da psicologia utilizam diversos recursos nas psicoterapias infantis, por exemplo, estratégicas lúdicas. A principal ferramenta dessa abordagem é o uso da fantasia e a brincadeira pois leva a criança a encontrar alternativas de comportamentos, inicialmente para os personagens de suas brincadeiras e depois para as situações de sua vida. (Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000). Ou seja atraves dessas ferramentas o psicólogo pode ter acesso ao mundo interior da criança e ser capaz de ajudá-la a superar os desafios que a atormentam. Outra ferramenta utilizada para lidar com os sentimentos das crianças na terapia é o desenho, nele a às crianças teram que desenhar suas famílias como símbolos ou animais. É através dessas imagens que a perturbação interior da criança pode ser exposta, assim como algum sofrimento.
Como enfatizado por Lowernfeld: O ato de desenhar envolve a atividade criadora, é através de atividades criadoras que a criança desenvolve sua própria liberdade e iniciativa e outros o que permitirá. (Lowernfeld, 1970).

O apoio psicológico deve se basear nas necessidades individuais de cada pessoa, na sua
própria história, para proporcionar um ambiente acolhedor, seguro para transmitir confiança,
agir para que o acolhimento seja da melhor forma possível, e assim amenizar possíveis
consequências devastadoras. Os atos de acolher e oferecer segurança e confiabilidade são
os primeiros passos para obter sucesso no tratamento físico e emocional da vítima. É de
extrema importância escutar sua história, sua vivência, sem pré-julgamentos, interrupções
ou detalhamentos desnecessários que apenas possam constranger mais ainda a criança ou o
adolescente (COGO, et al., 2011). A parti dai os profissionais buscaram fortalecer a autoestima dessas crianças e adolescentes e auxiliar no enfrentamento das consequências do comportamento violento, ensinando o repertório comportamental de regulação emocional, baseado em um repertório comportamental imparcial, mas bem recebido, ou seja, a partir de uma escuta não julgadora, porém, acolhedora. Para Cogo et al. (2011), o psicólogo deve acolher a criança e oferecê-la um ambiente seguro, para que esta perceba a atenção e a credibilidade deste profissional, e assim sinta-se à vontade para relatar seu caso.

No amazonas segundo informações do DEPCA (Delegacia Policial Especializada em
Proteção à Criança e Adolescente) é disponibilizado uma equipe de psicologia e uma assistência social para atender 80 pessoas por mês, incluindo vítimas e responsáveis, segundo registros. Esse número normalmente aumenta em maio, junho e julho, quando a campanha contra a exploração sexual se intensifica. A psicóloga Antonieta do DEPCA, relatou que as vítimas após registrar uma queixa na delegacia dão início a consulta que por meio de brincadeiras elas vão se abrindo e revelam suas experiências. Segundo ela: “A abordagem é diferente em relação à idade de cada uma. O maior medo delas é que o que elas nos contam seja passado para quem está lá fora. Só depois de garantir que nada será exposto é que elas contam, simulam com os bonecos em que parte do corpo delas o autor tocou, ou desenham do jeito delas como foi o abuso. Todas essas informações ficam em um relatório que é enviado para o juiz”, explica a profissional.

A psicóloga também fez alguns alertas entre eles de que os responsáveis fiquem atentos
as mudanças de comportamentos das crianças e adolescentes dentro de casa, pois isolar-se ou
demonstrar desconforto a algum familiar pode ser sinal de abuso sexual. Segundo RIBEIRO
2004, esse é um fator facilmente perceptível, pois costuma ocorrer de maneira repentina e
brusca. Além disso, discutir o tema em casa é um tabu que dar força para os casos se repetirem e continuarem sem serem denunciados. A profissional novamente alerta a importância de os adultos conversarem com crianças e adolescentes para que eles entendam os limites de seus corpos, como não poder tocá-los por ninguém sem permissão. Conforme enfatizado por BURGESS E WURTELE (1998) que chegaram a conduzir um estudo para verificar a eficácia da comunicação sobre abuso sexual infantil entre pais e filhos, é recomendado encorajar os pais a discutirem esse tópico com os filhos. Segundo os autores, se os pais são treinados a serem educadores em prevenção, as crianças receberão repetidamente informações sobre prevenção em seu ambiente natural. Pais que recebem esse treinamento são melhores em identificar crianças vítimas e a responder às revelações e podem proteger suas crianças de potenciais situações de abuso.

Portanto, percebe-se que, além de atuar, orientar, identificar e denunciar casos de
violência sexual na comunidade e no domicílio, o trabalho psicológico com as vítimas também pode ser considerado como parte das medidas preventivas no combate à violência sexual infantil.

Enfrentando a violencia sexual contra a criança

A eduação sexual é uma das formças mais inteligentes de prevenir e enfrentar o abuso sexual contra as crianças e adolescentes. Segundo o UNICEF (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas) é necessario orientar, desde cedo e com abordagens apropriadas para cada faixa etaria, conceitos de autoproteção, consentimento, integridade corporal, sentimentos e a diferença entre toques agradaveis/ bem-vindos e toques que são invasivos/ desconfortantes é fundamental para aumentar as chances de proteger crianças e adolescentes de possiveis vilaçoes. O dialogo sobre temas que envolvem sexualidade pode trazer muitos beneficios para a saude sexual,fisica e emocional da criança. Saber a hora certa e a melhor maneira de falar sobre a sexualidade com as crianças e é de extrema importancia. Respeitar as fases de crescimento e o que abordar em cada uma delas pode ajudar a evitar equivocos na maneira de lidar com a questão, respeitando formas de expressão da sexualidade, sem reprimi-las e empoderando meninas e meninos sobre o seu proprio corpo (UNICEF 2018). 

Para que se possa combater o abuso e exploração sexual, as denúncias  podem ser feitas pelo Disque 100, ou pessoalmente, no conselho tutelar mais próximo ou em delegacias de polícia civil. Em Manaus, o registro é realizado na Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), na zona oeste da capital. Não é necessário revelar a identidade para denunciar.

A gerente da GDANTs/FVS-AM, Vera Lúcia de Queiroz, salienta que a denúncia é parte de um processo muito mais complexo ao revelar que o abuso acontece dentro das relações familiares na maior parte dos casos. “É importante abrir espaço para a investigação e para as sanções legais aos abusadores. Não apenas para parar os abusos, mas fortalecer a criança, sua identidade, sua autoestima e cessar um crime”, avaliou.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso objetivo neste trabalho foi apresentar uma visão da violência sexual na Amazonia através de pesquisar bibliográficas e dados oficias que demonstre a gravidade do que acontece nessa região e de que forma é possível enfrentar. 

E diante disso foi possível foi possível concluir que apensar dos avanços da Rede de Proteção e do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes na Amazonia, a violência sexual contra crianças e adolescentes ainda é uma ferida aberta a sangrar, ferindo a dignidade humana e roubando a infância de tantas crianças e adolescentes. Que mesmo havendo esforços das instâncias de controle social, a problemática do fenômeno da violência sexual ainda precisa ser aprofundada e inserida com mais frequência na agenda política do Amazonas como um grave problema social que necessita de medidas de enfrentamento mais rigorosas. É necessário enfrentar esse fenômeno com todas as armas disponíveis para que isso não se tenha proporções ainda maiores do que já se tem. 

Se concluiu que para que se possa combater o abuso sexual é necessario que a sociedade denuncie, porém é importante destaca que muitas crianças pela qual passam por essas situaçoes não tem conhecimento ou informação para combater, além de que em muitas dessas situaçoes a violencia ocorre dentro de sua propria casa a onde deveriam se sentir seguras. Portanto a situação é ainda mais grave e merece maior atenção por parte do estado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAMACENA, Dayane Stefany Silva ; SILVA, Gabriela Gonçalves. O uso da ludoterapiaem caso de abuso sexual contra crianças. Disponível em:<https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/14734/1/TCC%20Final%20-%20O%20USO%20DA%20LUDOTERAPIA%20EM%20CASO%20DE%20ABUSO%20SEXUAL%20CONTRA%20CRIAN%C3%87AS%20%284%29.pdf> acesso em: 10 de Maio de 2022

FLORENTINO, Bruno Ricardo Bérgamo. As possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes. Disponível em:<https://www.scielo.br/j/fractal/a/dPY6Ztc8bphq9hzdhSKv46x/?lang=pt > acesso em: 15 de maio de 2022

OLIVEIRA, Abiqueila Angelo Ribeiro; SILVA, Nivea Mayse Paiva. Violência sexual contra crianças e adolescentes na Amazônia: desafios e dilemas contemporâneos. Disponivel em: < https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/dilemas-contemporaneos> acesso em: 20 de Março de 2022.

PELISOLI, Cátula; PICCOLOTO, Luciane Benvegnu. Prevenção do abuso sexual infantil:
estratégias cognitivo-comportamentais na escola, na família e na comunidade.
Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
56872010000100007 > acesso em: 9 de Maio de 2022

PIMENTA, Tatiana. Ludoterapia: a psicoterapia através do brincar. Disponível em: <
https://www.vittude.com/blog/ludoterapia/>. acesso em: 15 de Maio de 2022

PINHEIRO, Maria Joseilda da Silva. Violência sexual contra crianças e adolescentes no Amazonas e os paradoxos do controle social. Disponivel em: < https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/4881> acesso em: 12 de Março de 2022.

PLATT, Vanessa Borges; GUEDERT, Jucélia Maria; COELHO, Elza Berger Salema.  Violência contra crianças e adolescentes: notificações e alerta em tempos de pandemia. Disponivel em:<https://www.scielo.br/j/rpp/a/Ghh9Sq55dJsrg6tsJsHCfTG/?format=html&lang=pt > acesso em: 12 de Março de 2022.

RATUSNIAK, Célia; MAFRA, Ivanilde dos Santos ; DA SILVA, Vanderlete Pereira. A travessia das infâncias no Amazonas no contexto de distanciamento social. Disponivel em: < https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8122079> acesso em: 12 de Março de 2022.

RODRIGUES, Danila Gentil; PAIVA, Waldeir; FERNANDES, Sheila. Relações entre cultura e educomunicação para o enfrentamento da violência sexual na Amazônia. Disponivel em: < https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/5812> acesso em: 20 de Março de 2022.

Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas. Chamadas por violência contra crianças e adolescentes aumentam 77,7. Disponivel em: <http://www.ssp.am.gov.br/chamadas-por-violencia-contra-criancas-e-adolescentes-aumentam-BAncias.> acesso em: 18 de Março de 2022.

SEGUNDO, Valério Andrade Porto. Abuso Sexual Infantil, Suas Fragilidades e Exposições Legais de Proteção. Disponivel em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-176/abuso-sexual-infantil-suas-fragilidades-e-exposicoes-legais-de-protecao/> acesso em: 19 de Março de 2022.

SILVA, Luiza Chamma Gomes Fernandes. A importância do psicólogo no combate ao
abuso sexual infantil. Disponível em: < https://blog.freehelper.com.br/a-importancia-do-
psicologo-no-apoio-e-combate-ao-abuso-sexual-infantil/#:~:text=O%20profissional% 20pr
ocura%2C%20ent%C3%A3o%2C%20fortalecer,uma%20escuta%20n%C3%A3o%20julgad
ora%2C%20mas > Acesso em: 16 de Maio de 2022

SOUZA, Ribeiro, Joaquim Hudson; GONÇALVES, Coimbra, Susana Maria; ROMEIRA, Vanessa Barbosa. Violência sexual contra crianças e adolescentes: resiliência e protagonismo na Amazônia. Disponivel em: <https://dehesa.unex.es/handle/10662/10608> acesso em: 18 de Março de 2022.

VIEIRA, Monique Soares; OLIVEIRA, Simone Barros; SÓKORA, Caroline de Almeida. A violência sexual contra crianças e adolescentes: particularidades da região Norte do Brasil. Disponivel em: <http://revistaintellector.cenegri.org.br/index.php/intellector/article/view/126 > acesso em: 18 de março de 2022.


1, 2, 3Acadêmicas do 8˚período de psicologia pela UniSL.

4Professor orientador, Mestre em psicologia, Pós-graduando em Psicologia social. Atua como  docente, Psicólogo Clínico e Pesquisador nas áreas de Psicologia social, Escolar, Gênero, Relações Raciais, Políticas Públicas e Sistema Prisional.