REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7159148
Autoria de:
Anna Carolina Cunha Alves da Costa1
RESUMO
O objetivo deste artigo é demonstrar e adentrar um pouco na história de vida de um homem que fez toda a diferença na maior diocese do mundo. Muitas vezes achamos que isso seria impossível, mas nada é impossível para quem tem Deus no coração e nas atitudes. Dom Evaristo Arns tinha um respeito e admiração enorme pelas mulheres e por diversas vezes foram elas que o acolheram e o ajudaram. Ele ouvia a opinião das mulheres, mas vale ressaltar que era em um momento que as mulheres não eram ouvidas e nem tinham os seus valores reconhecidos. No mesmo exemplo de Nossa Senhora, que no seu silêncio fez toda a diferença na história da humanidade. O presente artigo quer mostrar um pouco das mulheres que lutaram e batalharam junto com Dom Evaristo na sua missão
PALAVRAS-CHAVE: amor, Dom Evaristo Arns, missão mulheres.
ABSTRACT
The objective of this article is to show and to go a little deeper into the life story of a man who made all the difference in the largest diocese in the world. Many times we think that this would be impossible, but nothing is impossible for those who have God in their hearts and attitudes. Dom Evaristo Arns had enormous respect and admiration for women and for many times they were the ones who welcomed and helped him. He listened to women’s opinions, but it is worth pointing out that it was at a time when women were not listened to and did not have their values recognized. In the same example of Our Lady, who in her silence made all the difference in the history of humanity. The present article wants to show some of the women who fought and battled together with Dom Evaristo in his mission.
KEYWORDS: Dom Evaristo Arns, Love, mission, women.
INTRODUÇÃO
Dom Evaristo Arns foi ordenado sacerdote em 30 de novembro de 1945 na cidade de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro por Dom José Pereira Alves. Em 03 de julho de 1966 foi nomeado Bispo auxiliar de São Paulo e em 22 de outubro de 1970, o Papa Paulo VI nomeou como arcebispo metropolitano de São Paulo.
Ele era um frade franciscano que teve como princípio de vida seguir os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo e de São Francisco. A sua essência sempre esteve presente nos valores da dignidade da pessoa humana e na luta pelos mais pobres e oprimidos.
“Em relação aqueles que estiveram sob seu governo, como fez Jesus com os seus discípulos, o querido arcebispo e cardeal nunca se impôs com superioridade, mas os estimulou ao seguimento do Evangelho por meio da exemplaridade”. Em sua contemplação do mestre de Nazaré e da lição dada a seus amigos por ocasião do “lava-pés” (Jo 13, 4-17), compreendeu que a missão de um verdadeiro discípulo não se baseia “no poder que se impõe”, “mas sim na exemplaridade que convence” (Castilho, 2010, p.179)2.
Dom Evaristo Arns foi um dos principais nomes na luta contra a ditadura e ficou conhecido como o “Cardeal da Esperança”. Sua atuação pastoral foi voltada aos menos favorecidos e na defesa dos direitos humanos. Ele se dedicou à formação das comunidades eclesiais de base (CEB), que são núcleos que visavam à participação do leigo na Igreja, bem como na luta pela igualdade, pela democracia e por uma sociedade mais justa.
As Comunidades Eclesiais de Base eram uma forma de presença efetiva da Igreja Católica nos bairros periféricos de São Paulo. Mas para que elas tivessem condições de funcionamento deveriam ser construídos centros comunitários em cada bairro e assim se tornariam sedes dessas comunidades.
A 39ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos homenageou Dom Paulo Evaristo Arns (in memoriam), em 31 de outubro de 2017, no Teatro Tucarena, na PUC-SP, destacando a atuação pastoral sempre voltada aos habitantes da periferia, aos trabalhadores, à formação de comunidades eclesiais de base nos bairros e à defesa e promoção dos direitos da pessoa humana. Com ele, continuamos caminhando “de esperança em esperança”.
Em 1973 criou na Arquidiocese de São Paulo a Comissão de Justiça e Paz. Esse organismo era responsável em cuidar dos assuntos jurídicos em defesa dos direitos da pessoa humana, especialmente dos que competiam aos presos políticos.
Após os seus três anos de fundação, a Comissão ampliaria as suas atividades e começou a se dedicar também para a defesa dos direitos dos socialmente marginalizados. Depois de vários estudos socioeconômicos verificaram os problemas da população de São Paulo, bem como os casos de violência policial contra presos comuns e as condições de vida de adolescentes moradores de rua.
Ainda na década de 70 a Comissão passou a se dedicar ao movimento de apoio às lutas contra a repressão e perseguições político-militares a cidadãos sul-americanos, principalmente uruguaios, chilenos e argentinos. Além do auxílio aos brasileiros que estavam refugiados no exterior que tinham sido banidos pelo regime militar.
O mais interessante é que na própria comissão tinham pessoas de diversas religiões. Dom Paulo não se preocupava com rótulos, mas sim com pessoas que acreditavam nos valores humanos e na justiça. Isso o torna um homem ainda mais diferenciado. Apesar de toda a sua posição dentro da Igreja, ele não se importava com isso, mas com o coração e a vontade das pessoas de fazerem as coisas acontecerem.
“O homem, consciente de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus e salvo por Cristo, não se limita a reivindicar os seus direitos, mas reconhece também os próprios deveres em relação aos outros, à família, à sociedade, à Igreja, ao Estado e a Deus. A fé e o amor a Deus são o fermento interior para a vida de justiça dos cristãos”3.
E assim Dom Evaristo caminhava e guiava o seu rebanho confiado por Deus com muito amor e misericórdia.
“Pensar Deus como amor e misericórdia é pensá-lo a partir da sua revelação na história da miséria do homem, pois ele se compromete a si mesmo frente a uma situação humana crítica. O ser de Deus se manifesta deixando-se afetar pelo sofrimento humano. Somente um Deus que ama é capaz de deixar-se afetar pela dor humana”4.
Durante o seu arcebispado foram criadas 43 paróquias e foram construídos 1200 centros comunitários. Além disso, incentivou e apoiou o surgimento de mais de 2000 Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) na capital paulista.
Dom Evaristo Arns recebeu inúmeros prêmios e homenagens tanto no Brasil quanto no exterior. Dentre eles, o Prêmio Nansen do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), o Prêmio Niwano da Paz (Japão), e o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos (EUA), além de 38 títulos de cidadania.
FIGURA 1: MARGARIDA GENEVOIS, A GRANDE DAMA NOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL.
Em sua missão Dom Evaristo Arns contou com a ajuda de diversas mulheres. E sempre as valorizava e escutava a opinião das mesmas. Temos que pensar se até hoje as mulheres lutam para ganhar o seu espaço na sociedade, imagine no tempo da ditadura.
A história de Margarida Bulhões Pedreira Genevois se confunde com a história da luta em defesa dos direitos humanos no Brasil. Presidente honorária da Comissão Arns, três vezes presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e fundadora da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos. Ela foi o braço direito de Dom Evaristo Arns.
Ainda hoje com 99 anos não se cansa de lutar pelos direitos humanos e continua sendo um exemplo a ser seguido.
Margarida Genevois conta que Dom Evaristo era um feminista. Naquela época as mulheres eram consideradas inferiores perante a hierarquia da Igreja e ela nos ensina que Dom Evaristo tinha uma enorme qualidade: a percepção que todas as pessoas mereciam ser ouvidas.
“Ele confiava em mim, perguntava muito a minha opinião. E dentro da Igreja essa era uma qualidade extraordinária. Ele ouvia as pessoas, acreditava nas pessoas”5.
Em uma entrevista recente para o site Carta Capital, Margarida declarou o seguinte:
“Minha esperança é reforçada por acreditar na Educação em Direitos Humanos, desde o ensino fundamental. É um sentimento de urgência que me acompanha desde os anos 1980 quando, com apoio do educador Paulo Freire, a Comissão Justiça e Paz iniciou um projeto de EDH na cidade de São Paulo e depois contou com a adesão de entidades em vários estados”6.
Margarida veio de uma família abastada, era casada e teve quatro filhos, podia ter tido a vida de dona de casa como era comum naquela época, mas ela além de cuidar da família, fez o seu papel de cidadã e lutou com todas as suas forças para uma sociedade melhor, com mais amor e dignidade para todos. Ela sempre ressaltou que as pessoas reclamam de tudo, mas não se propõem à mudança.
FIGURA 2: ANA FLORA ANDERSON- UMA VIDA DEDICADA A EVANGELIZAÇÃO
Ana Flora Anderson nasceu nos Estados Unidos e aos 22 anos veio para o Brasil para estudar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), da USP.
“Quando terminou, após dois anos, sua pós-graduação na USP, Ana foi convidada a estudar Teologia Bíblica e, alguns anos depois ganhou uma bolsa na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa, em Jerusalém (Israel), mediante intermédio da Ordem dos Pregadores de São Domingos e uma carta de apresentação do cardeal Dom Agnelo Rossi, então arcebispo de São Paulo”7.
Quando ela voltou ao Brasil depois de ter ido estudar em Jerusalém, o País se encontrava no regime militar e em razão das mudanças do Concílio Vaticano II, que propunha um novo “aggiornamento”, ou seja, a Igreja deveria transmitir uma mensagem mais adequada aos homens modernos. Assim a arquidiocese de São Paulo desejava implantar projetos de formação bíblica para comunidades e assim Ana Flora junto com Frei Gilberto da Silva Gorgulho começaram um projeto de formação bíblica em São Paulo.
Dom Paulo começou esse trabalho na região norte, tendo como coordenadores: Frei Gorgulho e Ana Flora. Quando Dom Paulo foi nomeado Arcebispo, esse trabalho foi estendido a cada uma das oito regiões episcopais. Ana Flora e o Frei prepararam equipes de cada região. Depois essa equipe preparava a equipe dentro da sua própria região. Depois esse grupo pregava nos setores e quem participava no setor pregava nas paróquias. Os paroquianos pregavam nas suas vizinhanças e assim a palavra de Deus era propagada em todos os cantos. E com isso se espalhou por toda a Arquidiocese, as comunidades de Base.
Ana Flora contou no livro Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns: Pastor das periferias, dos pobres e da justiça, um fato que aconteceu dela com Dom Evaristo Arns:
“A Cúria, situada na Avenida Higienópolis, tinha como vizinha na época a Secretária Estadual de Segurança que se interessava muito pelas atividades da Igreja. Numa dessas reuniões, Maria Ângela Borsoi, secretária de Dom Paulo, estranhou a presença de um senhor desconhecido, sentado perto da porta com um gravador. Ela disse a Dom Paulo que achava que era um espião do DOPS e que queria avisar frei Gorgulho e Ana Flora a tomarem cuidado na apresentação dos textos litúrgicos. Dom Paulo reagiu prontamente dizendo que Ana Flora e frei Gorgulho deviam falar tudo o que tinham no coração. Afinal, os agentes do DOPS tinham poucas chances para ouvir o Evangelho”8.
Ana Flora escreveu vários livros e foi a co-editora da primeira edição da Bíblia de Jerusalém em português. Sem sombra de dúvidas Dom Evaristo teve uma grande influência na sua missão e contribuiu para que ela pudesse evangelizar ainda mais por toda a Diocese de São Paulo.
AS RELIGIOSAS CONSAGRADAS
Dom Evaristo como um Frade Franciscano sempre incentivou a vida religiosa consagrada, mas sempre com muito carinho para a vida consagrada feminina. Com a sua visão de acolhimento e respeito pelas mulheres, sempre incentivou a participação das mesmas, inclusive de leigas, na vida das Paróquias e das comunidades.
Dom Evaristo desde que se tornou Bispo solicitou a presença de uma religiosa, uma franciscana, para morar na residência episcopal, formando uma fraternidade com ele. Quando foi transferido como arcebispo de São Paulo manteve uma comunidade religiosa em cada uma das suas residências.
Foi um líder sempre preocupado não somente com a espiritualidade, mas também com a preparação acadêmica teológica. Incentivou as mesmas a fazerem mestrado e doutorado em Teologia e Filosofia.
Segundo ele, para ser uma religiosa tem que ter uma intimidade com Deus, uma vida fraterna em comunidade e a missão. Claro que cada congregação tem as suas regras, os seus diretórios e as suas Constituições Gerais.
Inclusive teve três irmãs suas que se tornaram freiras na Congregação das Irmãs Escolares de Nossa Senhora. A sua família conta que Dom Evaristo quando se despedia dizia duas frases que sempre os motivavam: ‘Coragem! Não tenha medo’ e ‘ de esperança em esperança’.
CONCLUSÃO:
Dom Evaristo Arns foi uma pessoa excepcional, que ficou difícil com palavras descrever. Basta olhar a grandiosidade das suas obras e o seu legado. O que seria praticamente impossível aos olhos humanos, foi plenamente possível para quem coloca Deus na frente de tudo, arregaça as suas mangas e faz o sonho acontecer.
Claro que não tem como fazer tudo isso sozinho, pois dependemos uns dos outros, mas nada como um líder, que seguia os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que simplesmente amou o próximo e via Jesus em cada pessoa que era ajudada. Isso é a verdadeira religião.
Jesus não veio trazer um mandamento novo, mas veio reforçar e nos lembrar que o mais importante nessa vida é simplesmente amar, sem olhar para quem. Jesus está em todos os lugares, mas basta o ser humano abrir o seu coração, sair do seu egoísmo e ver que se cada um fizer a sua parte, juntos podemos amenizar o sofrimento do próximo e levar o amor para o mais solitário dos corações.
O presente artigo foi feito para demonstrar o tamanho da dedicação de Dom Evaristo e mostrar que assim como Nossa Senhora que aceitou a sua missão e nem pestanejou em dizer sim a sua missão de ser mãe do Salvador, várias mulheres se superaram, lutaram contra preconceito e fizeram a diferença na vida de muitas pessoas. E sempre na certeza nos seus corações que eram respeitadas e ouvidas por Dom Evaristo Arns.
Finalizo com o discurso de Dom Odilo, que resume tudo:
“Ele sonhava com as cidades sem ninguém abandonado nas periferias e pelas ruas e praças. Esperava que todos pudessem ter trabalho digno, moradia, educação e saúde. Esperava que o convívio urbano fosse sem violência e todos pudessem viver em paz e harmonia nessa casa comum. Pois bem, nos perguntamos hoje se as esperanças de Dom Paulo já foram realizadas ou continuam ainda em aberto. Lembrar o centenário de Dom Paulo é para todos nós, certamente, momento também de lembrar que as suas esperanças são as nossas esperanças e que a sua luta é também a nossa luta e a luta de toda a sociedade brasileira — reiterou Dom Odilo”9.
Referências bibliográficas
ARNS, Paulo Evaristo. Da esperança à utopia: testemunho de uma vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
ARNS, Paulo Evaristo. Mulher, quem és? Que procuras? Aparecida-SP. Editora Santuário.
BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Brasília, CNBB.
BOFF, Clodovis. Mariologia Social. O significado da Virgem para a Sociedade. São Paulo: Paulus, 2006.
BORRIELLO, L. et alii. Dicionário de mística. São Paulo: Paulus, Loyola, 2003.
JÕAO PAULO II. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000.
ULLOA, Boris A. Nef. DOM EVARISTO ARNS: Um Franciscano apaixonado pelo Reino de Deus na cidade. São Paulo: EDUC: PIPEq.
XAVIER, Donizete. Teologia Fundamente. Petrópolis. Vozes, 2021. Disponível em: https://podcasts.apple.com/il/podcast/o-olhar-feminino-da-esperan%C3%A7a-centen%C3%A1rio-dom-paulo/id1573932756?i=1000526855978&l=iw-. Acessado em 30 de junho de 2022
2ULLOA, Boris A. Nef. DOM EVARISTO ARNS: Um Franciscano apaixonado pelo Reino de Deus na cidade. São Paulo: EDUC: PIPEq ,2022, p.21
3BORRIELLO, L. et alii. Dicionário de mística. São Paulo: Paulus, Loyola, 2003, p.1061
4XAVIER, Donizete. Teologia Fundamente. Petrópolis. Vozes, 2021, p.232
5 ULLOA, Boris A. Nef. DOM EVARISTO ARNS: Um Franciscano apaixonado pelo Reino de Deus na cidade. São Paulo: EDUC: PIPEq ,2022, p.69.
6https://www.cartacapital.com.br/sociedade/margarida-genevois-acredito-na-juventude-e-na-reacao-dos-democratas/
7 https://www.diopuava.org.br/?id=4234
8https://jornalistaslivres.org/de-esperanca-em-esperanca/
1Mestranda em Teologia pela Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).