INFLUÊNCIA DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS NA RELAÇÃO DE EMPREGO PÓS PANDEMIA DO COVID-19

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6780434


Autor:
Matheus Assaher Mendes Garcia Ferreira dos Reis1
Orientador:
Wilson Simões de Lima Júnior2


RESUMO

Esta monografia tem como objetivo examinar a influência das alterações legislativas na relação de emprego pós pandemia do Covid-19, com foco na legislação pertinente ao tema, analisar o dever fundamental de cooperação, a edição de Medidas Provisórias, as normas regulamentadoras e saúde do trabalhador e a redução de salário e jornada de trabalho em tempos de pandemia, discutindo o Direito, relações sociais e o comportamento humano e por fim analisar a aplicação de um tópico da Lei 14.020/2020. Com base nisso, esta pesquisa será realizada utilizando o método de pesquisa bibliográfica, será baseada na consulta a livros didáticos e artigos científicos, assim como acadêmicos e legislação extraordinária, com técnica qualitativa de análise de dados.

Palavras-chave: Alterações Legislativas. Covid-19. Lei 14.020/2020.

ABSTRACT

This monograph aims to examine the influence of legislative changes on the employment relationship after the Covid-19 pandemic, focusing on legislation relevant to the subject, analyzing the fundamental duty of cooperation, the edition of Provisional Measures, regulatory standards and worker’s health and the reduction of wages and working hours in times of a pandemic, discussing law, social relations and human behavior and finally analyzing the application of a topic of Law 14.020/2020. Based on this, this research will be carried out using the bibliographic research method, it will be based on the consultation of textbooks and scientific articles, as well as academics and extraordinary legislation, with a qualitative technique of data analysis.

Keywords: Legislative Changes. Covid-19. Law 14.020/2020.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com Belmont (2020), o COVID-19 vem demonstrando  como o ser humano é frágil e como a vida é finita, sem levar em consideração a condição social ou estilo de vida, gênero, território ou prestígio. De repente, o ser humano depara com a impossibilidade de usufruir dos prazeres da vida moderna, sem que se tenha ao menos noção de quando a vida a que estamos acostumados retornará o seu curso.

Na opinião de Mello et al. (2020), a crise econômica provocada pela disseminação do coronavírus está sendo totalmente distinta de todos os momentos de crise que já foram observados no capitalismo. Por se tratar de uma crise com origem na paralisação da esfera produtiva, sua verdadeira saída ocorrerá apenas quando a situação sanitária for controlada ou houver algum tratamento ou vacina eficaz para conter o vírus.

Autores como Robortella e Peres (2020), demonstram que o mundo passou por uma situação extrema e de disseminação muito rápida de uma enfermidade que pode ser fatal. Nunca houve tanto pânico como no caso do Covid-19. A pandemia atingiu a todos com muita surpresa e despreparo, de maneira que todas as relações interpessoais passaram por repentinas mudanças, necessárias para frear a expansão da enfermidade.

Do ponto de vista de Belmonte (2020):

“O fechamento temporário ou definitivo de inúmeras atividades provocou um efeito devastador na livre-iniciativa, incluindo a produção, prestação de serviços, comercialização, distribuição, arrendamento e serviços públicos em geral, com impactos na receita, no lucro, no cumprimento das obrigações e contratos e nas oportunidades de trabalho.” (BELMONTE, 2020, p. 03).

Em tempos de crise econômica, seja ela mundial ou em um país específico, estabelecer diretrizes assertivas e específicas para se ter o controle da situação é um grande desafio. A desvalorização do trabalhador face às dificuldades enfrentadas pelas empresas, devido à menor procura por seus produtos ou serviços, e como isso afeta as relações interpessoais patrão-empregado, é um tema atual e que precisa ser discutido.

Análises, no que diz respeito às relações de trabalho, principalmente as muitas dúvidas no que concerne ao direito dos empregados e empregadores nesse cenário de paralisações dos meios de produção e de consequente crise econômica, afetaram o Brasil e também o mundo. Baseando-se nesse período de incertezas, algumas inseguranças foram solucionadas através do que foi analisado na presente pesquisa, levando-se em consideração o contexto histórico, atual e jurídico.

Face à notória desvalorização do trabalhador com a crise provocada pela pandemia do Covid-19, o que se analisou neste estudo é: de que forma a flexibilização sugerida pela Lei 14.020/20 afetou as relações interpessoais.

A redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e, a suspensão temporária do contrato de trabalho foram medidas eficazes para a manutenção do emprego e da renda?

Na atual conjuntura, a pesquisa mostrou que a atual crise trouxe impactos econômicos, sociais e sanitários. Face a essa realidade, foi possível afirmar que a aplicabilidade da Lei 14.020/20 foi eficaz.

Conforme afirma Spinney (2019), a história mostrou que pandemias modificam a forma como as sociedades se organizam de forma permanente, com efeitos a longo prazo.

Quanto ao mercado de trabalho, o impacto da pandemia no Brasil foi brutal e duradouro.

Nesse contexto, os atos normativos que regeram as fórmulas legais do processo, assim como as medidas de urgência que foram aplicadas e determindas pelo intérprete do direito, se revestiram de contornos não usuais. Por se tratar de estado de calamidade sobressaíram as orientações do Ministério da Saúde, e no âmbito das relações de trabalho, os contornos definidos por meio de leis, medidas provisórias e decretos presidenciais, segundo sua área de competência. Podemos citar como exemplos, as Leis 13.979/2020, 14.020/2020 e o Decreto 10.282/2020.

Voltando à situação de outrora, o cenário jurídico de exceção gerada pela pandemia acabou se tornando uma construção intelectual que, uma vez realizada, tem sua própria história e vitalidade.

A metodologia utilizada na  pesquisa é  classicada como básica. Isto porque a pesquisa aprofundou o conhecimento científico e investigour um assunto já existente, ou seja, completou uma lacuna no conhecimento.

Quanto à metodologia, foi aplicado o método descritivo, pois buscou-se dados em fontes como artigos e trabalhos acadêmicos que já abordavam o assunto (VEGARA, 2013).

Enquanto procedimento, este trabalho realizou-se por meio de observação direta. Quanto à abordagem, foi classificada como qualitativa, pois não preocupou-se com a quantificação de dados coletados (JACOBSEN, 2009).

O método utilizado para a pesquisa foi o hipotético-dedutivo, método esse que tem por objetivo a análise da norma jurídica no contexto da realidade social. Esse método é defendido por Bonat (2009) onde a autora, em síntese, advoga que o mesmo consiste na construção de conjecturas, ou seja, premissas com alta probabilidade e que a construção seja similar, baseada nas hipóteses, isto é, caso as hipóteses sejam verdadeiras, as conjecturas também serão.

2. PANDEMIAS QUE ASSOLARAM A HUMANIDADE

A divulgação dos fatos, sobre doenças, é normalmente acompanhada de palavras como pandemia, epidemia, endemia e surto. Mas qual é a diferença entre essas denominações?

Assim, faz-se necessário distinguirmos tais termos usados em linguagem médica para maior clareza do presente estudo.

Pandemia, do grego, formada com o prefixo neutro pan e demos, povo, foi usada pela primeira vez por Platão em seu livro Das Leis (Marcovecchio, 1993), com um sentido genérico, referindo-se a qualquer acontecimento capaz de alcançar toda a humanidade, e o seu conceito moderno é o de uma epidemia de grandes proporções, que se espalha a vários países, em mais de dois continentes, aproximadamente ao mesmo tempo, como foi o COVID-19. No mesmo sentindo foi também utilizada por Aristóteles (Bailly, 1950).

A incorporação definitiva do termo pandemia ao glossário médico firmou-se a partir do século XVIII, encontrando-se o seu registro em francês no Dictionnaire universel français et latin, de Trévoux, de 1771 (Dauzat, 1964). Em português foi o vocábulo dicionarizado como termo médico por Domingos Vieira, em 1873 (Vieira, 1874).

Os termos epidemia e pandemia são dos mais antigos na medicina e sua distinção não pode ser feita com base apenas na maior ou menor incidência de determinada doença em uma população. Se para epidemia a principal característica se constitui no elevado número de casos novos e sua rápida difusão, para endemia, que vem do grego clássico e significa “originário de um país, referente a um país”, não basta somente o critério quantitativo, o que define o caráter endêmico de uma doença é o fato de ser a mesma peculiar a um povo, país ou região.

Segundo uma especialista em doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Rosalind Eggo, “uma infecção endêmica está presente em uma área permanentemente, o tempo todo, durante anos”, como a varicela e a malária; epidemia “é o aumento nos casos, seguido por um pico e depois diminuição” e pandemia “é a epidemia que ocorre ao redor do mundo aproximadamente ao mesmo tempo”.

No Corpus Hippocraticum há sete livros com o título de Epidemias (Hippocrate, 1934) e Galeno usou endemia com o mesmo significado atual (Marcovecchio, 1993).

Antes de elencarmos as pandemias que assolaram a humanidade e dado já termos feito a distinção entre aquelas e epidemias vamos trazer quais foram e em que época ocorreram estas.

Algumas epidemias foram tão intensas que quase chegaram a aniquilar cidades inteiras.

De acordo com Belmonte (2020), a história da humanidade não é marcada apenas pelos grandes impérios, grandes guerras e o avanço material e tecnológico do homem no tempo, mas também pelas grandes doenças que afetaram os mais diversos povos.

As epidemias que aconteceram e foram registradas ao longo da história causaram momentos de grande tensão e foram catalisadores de transformações em alguns casos. São acontecimentos que colocaram sociedades inteiras sob ameaça e, por isso, são objetos de estudo dos historiadores.

Entre elas, podemos elencar:

Peste de Atenas (430-427 a.C.)
Peste do Egito (430 a.C)
Peste Antonina (165-180)
Peste de Cipriano (250-271)
Peste de Justiniano (541 d.C)

A pandemia do novo coronavírus está causando medo em todo o mundo e não é pra menos. O vírus causador da Covid-19 está infectando milhões de pessoas em centenas de países, com milhares de casos mortais.

Surtos de doenças repetem-se pelos séculos com algumas semelhanças tanto na forma de propagação quando de contenção destas doenças.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, Pandemia é um termo usado para uma determinada doença que rapidamente se espalhou por diversas partes de diversas regiões (continental ou mundial) através de uma contaminação sustentada. Neste quesito, a gravidade da doença não é determinante e sim o seu poder de contágio e sua proliferação geográfica.

“Pandemia não é uma palavra para ser usada à toa ou sem cuidado. É uma palavra que se usada incorretamente, pode causar um medo irracional ou uma noção injustificada de que a luta terminou, o que leva a sofrimento e mortes desnecessários”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, durante a proliferação da Covid-19 em março de 2020.

Graça intensa polêmica sobre como surgiu e se espalhou o coronavírus. Com efeito, estão os cientistas polemizando entre haver surgido de mutações da natureza ou criado em laboratório.

Quando uma epidemia surge, mesmo que em um ponto distante e isolado, o mundo entra em estado de alerta. No apagar das luzes de 2019, possivelmente a partir de um pacato mercado de animais em Wuhan, na China, um vírus ainda desconhecido encontrou no corpo humano um novo hospedeiro: desde então, passou de transmissão pontual para surto, de surto para epidemia, e de epidemia para uma violenta pandemia, atingindo uma escala de contágio sem froteiras. No rastro de sua propagação, o novo coronavírus (Covid-19) já registrou milhões de pessoas doentes e milhares de mortos, números que não param de subir.

A experiência da humanidade com doenças graves como a peste negra, a gripe espanhola, mostra que as consequências de um processo generalizado de transmissão de vírus ou bactérias podem deixar para trás uma tragédia não de milhares, mas de mihões de mortes. Por isso, governos de todo o mundo têm buscado soluções para diminuir a intensidade da transmissão da Covid-19, principalmente enquanto não há vacina ou remédio de eficácia comprovada.

O nome “corona” veio a partir da observação do vírus no microscópio: sua imagem se assemelha à de uma coroa.

Existem dezenas de tipos de coronavírus. A maioria deles infecta apenas animais. Mas coronavírus foram causa de duas epidemias recentes que provocaram síndromes respiratórias graves em seres humanos: a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), de 2003, e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), de 2015.

A atual pandemia é causada por um coronavírus novo, batizado de Sars-Cov-2, que começou a infectar humanos na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019.

A resposta sobre sua origem ainda não é definitiva essa é uma das várias questões sobre o novo coronavírus e a covid-19 que a Ciência tem tentado desvendar.

A hipótese que tem ganhado mais fôlego é de que o vírus teria sido transmitido para seres humanos pelo pangolim, um animal parecido com o tatu e ameaçado de extinção.

Recentemente, diversas teorias conspiratórias acusavam a China de ter criado o
vírus propositalmente em laboratório. Por conta disso, diversas crises diplomáticas aconteceram – inclusive com o governo brasileiro.

3. DEVER FUNDAMENTAL DE COOPERAÇÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

Segundo Manus e Gitelman (2020), refletir sobre a obrigação dos contratantes no âmbito do Direito do Trabalho, que são o empregado e o empregador, além das entidades que os representam, têm de envidar todos os esforços no sentido de agir com o intuito de que o contrato de trabalho cumpra sua função social. Primeiramente, é o esforço para a manutenção dos empregados, dando oportunidade a que o empregado obtenha seu sustento e de sua família, quanto a obrigação social da empresa empregadora de proporcionar trabalho e produzir bens, objetivando o enriquecimento e o progresso de nossa sociedade.

Com este intuito alinhavamos ideias a respeito do dever fundamental de cooperação de empregado, empregador e dos entes sindicais, que há de presidir sempre a celebração e o desenvolvimento com contrato individual de trabalho e a negociação coletiva, de modo a que todos cumpram sua relevante função social (MANUS e GITELMAN, 2020).

E, se em condições de normalidade este dever há de ser o fundamento dos contratos, com mais razões num momento de crise, em que vivemos uma desgraça mundial com o vírus que a todos ameaça, tornando ainda mais importante a cooperação de todos nós.

A situação atual em que vivemos, com o isolamento social e a impossibilidade de exercício de atividades econômicos que não se enquadrem como sendo atividade essencial (hospitais, farmácias e supermercados, entre outros), nos remete a uma leitura diversa dos próprios princípios e regras, já que a situação de calamidade que entre nós se instaurou reclama uma visão e uma atuação distinta daquelas que exercemos na normalidade.

Desde o surgimento dos denominados direitos de 1ª geração, como são designados os direitos do cidadão frente ao Estado, e a obrigação deste de respeitar a dignidade de toda cidadã e todo cidadão, sempre se teve em mente a regulação da vida social em condições de normalidade.

Igualmente quando foram sendo consagrados os direitos de 2ª geração, constituídos pelo respeito pelo Estado às prestações devidas às pessoas, e a seguir cronologicamente os direitos de 3ª geração, consistentes nos direitos da coletividade, como o respeito e a proteção ao meio ambiente, igualmente a normalização destes direitos e garantias foram assegurados tendo em conta a situação de normalidade da vida em sociedade.

O avanço que a sociedade experimentou, desde o reconhecimento dos denominados direitos de 1ª geração até os nossos dias, em muitos momentos passaram por sérios embates entre os grupos sociais, e destes com a autoridade estatal, até ultrapassar-se o estado de beligerância e alcançar-se o clima de normalidade, com a consagração destes avanços consubstanciada na normatização do comportamento das pessoas físicas, jurídicas e do Estado.

Resulta, portanto, que todo ordenamento jurídico é construído tendo em conta a vida em sociedade em clima de normalidade, ainda que determinada conquista social decorra de um momento anterior de conflito. Exatamente para colocar fim ao conflito é que a sociedade passa a reconhecer direitos, deveres e garantias, como instrumentos cuja finalidade é regular a vida social em condições de paz a harmonia.

Tudo nos leva a crer que há de presidir a análise e solução de determinado conflito de interesses a aplicação do direito posto em clima de normalidade, pois a esta realidade é que a solução legal foi endereçada.

Era essa a realidade nos contratos de trabalho até hoje: observância aos ditames legais, aos princípios próprios do Direito do Trabalho e, na sua inobservância, o acesso à Justiça do Trabalho como forma de reparação dos danos causados.

Mas não estamos num período de normalidade, sim, de anormalidade: em tempos de pandemia a preocupação é a manutenção dos empregos e a busca da dignidade para aqueles que trabalham na informalidade. E para a manutenção dos empregos, o Governo já baixou regras através de Medidas Provisórias propiciando redução de salários e de jornada de trabalho via negociação individual.

O momento atual é diferente, não havendo mais que se bradar por observância ao que a Constituição Federal estipula em termos de irredutibilidade salarial ou sua redução mediante negociação coletiva. Se não pensarmos diferente, não alcançaremos a tão almejada justiça social, também observada pela Lei Maior.

Os contratos de trabalho sempre foram “livremente” pactuados entre patrões e empregados. Colocamos desta forma porque, apesar dos limites da lei (salário mínimo, jornada de trabalho, adicional de remuneração para atividades insalubres e perigosas, entre outros direitos mínimos a serem observados) o empregado não pactua, em regra, livremente seu contrato de trabalho: em resposta ao emprego oferecido, na maioria das vezes acata o horário já estipulado pelo empregador, o salário que está sendo oferecido e as demais benesses que a categoria e o empregador concedem.

E mais: no Brasil vigora a dispensa injusta, bastando o pagamento de indenização campensatória para a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, uma vez que até hoje não foi regulamentado, como prescrito, por lei complementar o inciso I do art. 7º da Constituição Federal, o que deixa o empregado à mercê do livre arbítrio de seu empregador.

Mas estamos vivendo tempos de calamidade pública: com o isolamento social e a proibição de funcionamento das empresas que não atuam em atividades essenciais. Inúmeras empresas já demitiram empregados, uma vez que não conseguem arcar com a folha de pagamento e encargos sem a devida fonte de lucro, que é a manutenção de sua atividade empresarial.

E é neste contexto que surgem medidas emergenciais e de conscientização social que demonstram que a união de classes, antes antagônicas, é essencial para a sobrevivência da sociedade.

Um texto publicado em 13/04/2020 na Folha de São Paulo on line traduz tal movimento:

Manifesto lançado na internet reúne mais de 1.600 companhias e pretende manter, não só funcionários diretos, mas toda a cadeia produtiva; proposta é também ajudar pequeno negócio e autônomos. Empresários, não demitam! Esta crise tem data para acabar.” Com esse apelo, o “Movimento Não Demita” lançou um manifesto na internet para minimizar ou até evitar um colapso econômico. O grupo foi formado por 40 empresários e, em duas semanas, já reunia mais de 1.600 empresas. Todas se comprometeram a não fazer demissões pelo período de dois meses. O documento foi assinado por companhias como Alpargatas, Bradesco, BR Distribuidora, BTG Pactual, Grupo Pão de Açúcar, Itaú, Magazine Luiza, Microsoft, MRV Engenharia, Qualicorp, Santander, entre outras.”

Temos que traçar novos objetivos: esqueçamos o que foi traçado no início do ano em termos de lucro, agora a realidade é outra. E a pandemia irá passar e as empresas precisarão novamente empregar. Esse é o momento de pensarmos de forma coletiva, deixando de lado o pensamento vigente até então de lucro a todo custo e apenas o salário ao meu empregado.

Se não mantivermos empregos ou, pelo menos, não nos preocuparmos com a alimentação e a dignidade básica dos mais vulneráveis, estaremos contribuindo para um estado de fome e pobreza generalizada, o que não condiz com os valores duramente conquistados e sedimentados por textos legais, organizações internacionais e até mesmo pela nossa consciência social.

Ingressando a sociedade em momento diverso, isto é, na anormalidade, em decorrência de conflito generalizado, ou de fator outro, como o estado de calamidade que ora vive o mundo, em razão da epidemia do Covid-19, outro tipo de raciocínio jurídico há de se fazer, como forma de adequar a solução jurídica à nova realidade.

Lembremos a propósito que o Código de Processo Civil, ao estabelecer as regras de procedimento aplicáveis ao processo afirma em seu artigo 6º: “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” Trata-se, como debate a doutrina, de importante regra a balizar a conduta de todos os envolvidos num processo judicial, o que para alguns significa que o legislador criou verdadeiro princípio, consistente no dever de cooperação.

Embora encartada a regra no Código de Processo Civil, trata-se de mandamento que se aplica à toda a sociedade nas suas variadas relações. Lembre-se que o artigo 5º do mesmo Código estabelece que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”, o que revela o fundamento do dever de cooperação, que vem a seguir à obrigação do agir com boa-fé.

Já examinamos estes conceitos tanto na nossa Consolidação das Leis do Trabalho quanto no Código Civil, ambos alicerçados nos dispositivos constitucionais que transcrevemos anteriormente.

Portanto o dever de cooperação que deve nortear a ações dos sujeitos em todas suas relações em tempo de normalidade, tem fundamento constitucional e legal, consistindo um elemento essencial para a vida em sociedade.

É oportuno lembrar Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery a respeito do princípio da boa-fé e o dever de cooperação: “Boa-fé como expressão do princípio de cooperação. O parecer final do relator do projeto de lei que tratava do Novo CPC indica que este CPC 5º tem o mesmo propósito do CPC 6º, qual seja o de consagrar o princípio da cooperação (RSCD, p. 194), que deve nortear não só as partes litigantes, mas também os operadores do direito e auxiliares da justiça que participam do processo.” (grifos nossos).

Como referimos, o dever fundamental de cooperação é requisito para a ação de todos para dar cumprimento ao compromisso com o bem estar que preside a vida em sociedade.

E se assim é em tempos de normalidade, o que se pode dizer sobre o dever de cooperação em tempos de anormalidade?

Lembremos que os designados “tempos de coronavírus” designam este período sombrio que vivemos, em que somos levados a guardar quarentena, para evitar contato com todas as pessoas, a fim de evitar o aumento da contaminação pelo vírus da doença Covid-19.

A propósito desta epidemia causada por esta doença, o Governo brasileiro editou o Decreto-Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, que reconheceu o estado de calamidade pública que vivemos. Não custa lembrar que a denominada pandemia causada pelo vírus atinge todos os países do mundo, configurando sem dúvida um estado de calamidade, causando a infecção de milhões de pessoas, e desgraçadamente causando a morte de milhares de vítimas.

Deste modo, ao falar em tempos de coronavírus estamos nos referindo ao momento de calamidade pública, diante da desgraça que se abateu sobre todo o mundo, causando pânico generalizado em todos nós, pelo risco de vida que corremos, e da possibilidade real de infecção e até de morte pela doença.

Eis porque os valores aceitos pela nossa sociedade em tempos de normalidade cedem espaço e importância a outros valores em tempo de anormalidade. Como referimos até aqui todo ordenamento jurídico, assim como seus princípios e regras, têm como norte a sociedade em tempos de normalidade.

Tratando-se de um período anormal, ou extraordinário, outros são os princípios a reger nossas ações, assim como ganham importância outros valores, como é o caso de dever de cooperação.

Já vimos que a cooperação é ação que o ordenamento impõe a todos nós nas relações com a sociedade, a fim de que se alcance o bem comum. É corolário da boa-fé e da probidade.

Deste modo, em tempo de coronavirus a cooperação assume papel de dever fundamental, como forma eficiente de enfrentamento da desgraça que se abate sobre nós.

Com efeito, o dever fundamental de cooperação em tempos de coronavirus decorre da importância vital de que toda a sociedade desenvolva uma ação conjunta nas várias atividades que desenvolve, como modo único para alcançar a tão almejada dignidade social.

Neste sentido, em matéria de direito do trabalho, cuidando deste triste realidade que vivemos, afirmaram Antonio Carlos Aguiar e Otavio Amaral Calvet5, referindo-se expressamente à mudança de paradigmas na solução de conflito do trabalho, em razão da exceção decorrente da calamidade pública: “No caso que ora enfrentamos não se observa a existência de um conflito coletivo, simplesmente porque não há divergência entre os interesses de cada uma das categorias, mas convergência na necessidade de alternativas para a manutenção de ambos os envolvidos, a empresa na sua atividade e o empregado na sua dignidade (sobrevivência digna).”

4. A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

É importante salientar que as medidas provisórias foram incluídas no Texto de 1988 sob a influência da Constituição italiana de 27 de dezembro de 1947, que consagra os denominados provvedimenti provvisori com forza di legge, que o Governo pode adotar, sob sua exclusiva responsabilidade, quando se presenciem hipóteses extraordinárias de necessidade de urgência.

Medidas provisórias se inserem no processo legislativo brasileiro?

Neto (2020), entende que com rigor técnico, pode-se defender que as medidas provisórias não participariam do contexto do processo legislativo brasileiro, vez que a elas não se aplicam muitas das disposições atinentes à elaboração das leis ordinárias e complementares.

O mero e simples fato de incorporarem força de lei, desde o momento de sua edição (art. 62, caput), é traço a cingir de modo distinto a sua compostura jurídica em comparação às demais espécies normativas obedientes ao rito processual preconizado pela Constituição de 1988.

Contudo, como estão imbricados os dispositivos que regem a edição de medidas provisórias com as demais referências da Constituição relativamente ao processo legislativo, tudo recomenda a inclusão de seu estudo conjugado ao exame da elaboração das normas no sistema do direito positivo brasileiro.

A sua base constitucional é o art. 62, caput: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.

São dois os pressupostos a serem atendidos pelo Chefe do Executivo federal e examinados pelas Casas Legislativas e pelo Supremo Tribunal Federal (na hipótese de discussão acerca da inconstitucionalidade da medida): relevância e urgência.

Não traduzem conceitos jurídicos indeterminados, mas revelam conceitos objetivos, cuja extração do exato alcance se dará mediante o confronto do caso concreto com o comando constitucional.

É certo que a EC n. 32/2001 promoveu grande contenção ao Poder Executivo para editar medida provisória; mas é certo também admitir que antes da sua promulgação o Presidente da República incluiu matérias em MPs que, reconhecidamente, não poderiam ser, nem de longe, reputadas relevantes.

Portanto, aqui, entendemos ser viável o controle judicial da relevância da MP, bastando para isso confrontar o caso concreto àquilo que possa, de modo objetivo, ser considerado importante para o estado.

Se o pressuposto relevância pode ser objetivado, por maior razão ainda poderá sê-lo o pertinente à urgência.

No âmbito do procedimento legislativo sumário, o Presidente da República é o senhor do momento para solicitar que projeto de lei tramite sob regime de urgência (§ 1º, art. 64/CF).

Em casos tais, sabe-se que a Casa Congressual terá quarenta e cinco dias para exame da proposição, além de dez dias concedidos à Casa Iniciadora para o exame das emendas introduzidas pela Casa Revisora.

Totalizam-se, portanto, cem dias, no máximo, para apreciação de projeto de lei em regime de urgência pelo Congresso Nacional.

Ora, se é assim, há critério objetivo, e fixado na própria Constituição a fornecer segurança para reconhecer quando o Presidente poderá valer-se de medida provisória: simplesmente quando a matéria veiculada na medida provisória for daquelas que não possam aguardar a apreciação ainda que seja por procedimento legislativo sumário, cujo prazo máximo para sua conclusão é de cem dias.

Fora daí, isto é, se o Presidente consuma a edição de MP para tratar de matéria que poderia ser apreciada mediante requerimento de urgência constitucional, ou, pior ainda, através de projeto de lei com tramitação ordinária, há de se concluir pela incompatibilidade vertical da medida com a Constituição.

Torna-se, contudo, absolutamente dispensável o exame dos pressupostos relevância e urgência quando a medida provisória tenha se convertido em lei.

E o que dizer da efetiva ocorrência dos pressupostos à edição de medidas provisórias em tempos de coronavírus?

O fato de o Congresso Nacional ter admitido o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da COVID-19 não representa a outorga de ‘cheque em branco’ a fim de que o Poder Executivo federal legisle livremente por meio de medidas provisórias. De fato, o reconhecimento legislativo quanto à calamidade pública produz, de imediato, relevantíssimos efeitos no âmbito fiscal, conforme deflui do art. 65, da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), mas não para a finalidade legislativa de objetar o exame ao Parlamento ou para judicialmente impedir que o Supremo Tribunal Federal analise a existência dos indigitados pressupostos.

É evidente que o pressuposto relevância estará atendido toda vez que o conteúdo da medida provisória editada estiver em consonância com a adoção de proposições legislativas destinadas à prática e nobilitante finalidade de debelar e/ou mitigar os efeitos da pandemia da COVID-19.

Mas, desenganadamente, a circunstância não deplora a prerrogativa parlamentar de sóbrio exame das medidas provisórias editadas com o propósito de i) afastar a disseminação pandêmica ou ii) resolver os gravíssimos problemas afetos à antedita disseminação.

Se não ocorrerem as anteditas hipóteses fáticas, não há atendimento ao pressuposto constitucional inerente à relevância.

E o que dizer do pressuposto atinente à urgência?

É certo concluir que o pressuposto relevância, no caso da calamidade pública ocasionada pela COVID-19, está inapelavelmente imbrincado ao pressuposto urgência. Isso não importa afirmar que toda relevância induzirá à urgência em tema de edição de medidas provisórias, porquanto cada pressuposto implica análise diferenciada em razão de imposições fáticas distintas.

Não é o que se sucede no caso da pandemia decorrente da COVID-19.

Se o Chefe do Poder Executivo federal se pôs em marcha para editar medida provisória por considerá-la importante à finalidade de combater o coronavírus, a circunstância não se dissocia jamais do caráter urgente da medida. É dizer: a relevância induz à urgência, mas a recíproca não é verdadeira.

Com efeito, é o campo material da medida provisória que, presa à iniciativa para combater a pandemia, torna-a relevante. Relevância que induz inexoravelmente à urgência, dadas as multitudinárias combinações de fatos que imporão a necessidade imediata, expedita, célere – ou, na linguagem constitucional, urgente – de edição de ato legislativo apto a evitar o adoecimento da população.

5. NORMAS REGULAMENTADORAS E SAÚDE DO TRABALHADOR EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

Por força do Decreto Legislativo n. 06, o Brasil encontra-se em Estado de Calamidade Pública desde a sua edição, em 20 de março, até o dia 31 de dezembro do mesmo ano de 2020. Esta iniciativa do Congresso Nacional propiciou maior liberdade de gestão e afrouxamento na alocação de recursos por parte do poder Executivo. Não há dúvidas de que este tempo de contágio, isolamento e medo enquadra-se no conceito de Força Maior. O instituto, conforme dispõe o art. 501 da CLT, contém um elemento objetivo (evento inevitável: o contágio do coronavírus) e outro subjetivo (ausência de culpa do empregador no tocante a sua causa). É sabido que os primeiros casos da COVID-19 ocorreram em um mercado de frutos do mar na cidade de Wuhan, na China, na virada do ano (2019/20). Especula-se que o vírus tenha como hospedeiro morcegos e pangolins, consumidos como carne exótica em algumas regiões daquele país.

A Medida Provisória n. 927, em seu primeiro artigo, dispõe que as medidas nela contidas (bem como nas MPs que lhe sucederam)poderão ser adotados pelos empregadores para preservação do emprego e renda durante o enfrentamento da calamidade.

O parágrafo único deste dispositivo deixa claro o enquadramento de força maior,
verbis:

“O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6 de 2020 e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da CLT.”

Por óbvio que o fato público prescinde de prova (art.374 do CPC22), contudo caberá à empresa provar que a notória pandemia afetou a continuidade dos contratos de trabalho. Assim, por exemplo, uma fábrica de álcool gel por certo não sofreu qualquer abalo, ao contrário de lojas de shopping center.

Visando flexibilizar obrigações gerais, adiar encargos e suprimir formalidades, a MP 927 também determinou a suspensão da obrigatoriedade de treinamentos periódicos e eventuais, previstos nas NRs. Neste caso, o empregador fica autorizado a realizá-los por meio de EAD (ensino à distância), ou a posteriori: até 90 (noventa) dias da data de encerramento do estado de calamidade (31.12.2020, conforme Decreto-Legislativo 6/20). Em se optando pelo modo remoto (EAD), caberá à empresa observar os conteúdos práticos e a garantia de que as atividades serão executadas com segurança.

Pelo princípio da aptidão da prova, caberá sempre à empresa demonstrar em juízo que não somente atendeu às disposições obrigatórias, a exemplo do fornecimento de EPI, como ministrou treinamento adequado e seguro. O TST já decidiu que o período atinente ao treinamento de prevenção, além de necessário, deve ser específico para cada tipo de atividade desempenhada pelo trabalhador, sob pena de caracterizar culpa acidentária da empresa.

Como se vê, tanto as normativas quanto a jurisprudência dos tribunais não deixam dúvidas acerca do treinamento preventivo. Logo, a melhor interpretação destinada ao art. 16 da MP 927, é a de que este dispositivo quis apenas evitar aglomerações e movimentações desnecessárias do empregado em tempos de pandemia. Jamais a MP pretendeu cancelar a regra de treinamento, vez que, quando muito, determinou o seu cumprimento a posteriori ou por meio de treinamento remoto.

Existe um princípio do direito oportuno para momentos como este de força maior: a razoabilidade. Logo, diante do conflito de direitos caberá ao intérprete ponderar os fatos em razão das circunstâncias emergenciais. O operador do direito há que ser proporcional e razoável na escolha dos interesses prevalecentes. Em tempos de intenso contágio, como o da COVID-19, a ordem jurídica aponta para a preferência quase que absoluta do isolamento domiciliar. A redução de aglomerações é medida de saúde que deverá, como regra, prevalecer sobre o interesse econômico. Constrangimento patronal sobre o empregado para banalizar este valor maior poderá ser tido como abusivo (art. 187, do Código Civil).

6. REDUÇÃO DE SALÁRIO E JORNADA. CONSTITUCIONALIDADE

Para Nascimento (2020, o mundo sofre os reflexos do vírus descoberto em dezembro de 2019, em Wuhan, na China, o COVID-19. Essa realidade provoca impactos diretos na economia mundial, o que, consequentemente, influencia diretamente as relações de trabalho, colocando em risco a manutenção dos empregos.

Diante do panorama traçado, o Governo Federal implementou medidas de promoção e proteção dos postos de trabalho e da saúde financeira dos empregadores. Dentre elas, foi editada a MP n.º 936, de 1º de abril de 2020.

A priori, insta salientar que a MP 936/20 estabelece como um de seus objetivos a manutenção do emprego e da renda (art. 2º, I), adotando como uma das medidas possíveis a redução proporcional da jornada de trabalho e salário (art. 3º, II), preservando o salário-hora do empregado (art. 7º, I), o qual receberá, ainda, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, custeado pela União (art. 5º).

Em 02/04/20, foi ajuizada Ação Declaratória de Inconstitucionalidade contra a MP 936/20 (ADI 6363), a qual se embasou, fundamentalmente, na violação dos artigos 7º,VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição Federal, em virtude das previsões constantes nos artigos 7º, II; 8º, §§1º, 3º, II; 9º, §1º, I e 11 caput da Medida Provisória, que não observariam a imprescindibilidade da negociação coletiva para fins de redutibilidade salarial. Foi deferida, em parte, a medida liminar, para conferir interpretação conforme a Constituição ao §4º do art. 11 da MP 936/20, estabelecendo que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporário do pacto laboral deverão ser comunicados pelos empregados aos sindicatos profissionais, no prazo de até dez dias corridos, de sua celebração, para caso queira, deflagre a negociação coletiva.

Analisando-se o disposto nos incisos VI e XIII do art. 7º da Constituição Federal, verifica-se a inexistência de qualquer impeditivo à redução salarial acompanhada de diminuição proporcional da carga horária, especialmente em momento excepcional como o presente. O que se veda é que, sem prévia negociação coletiva, ocorra a pura e simples redução, desprovida da correspondente modificação da jornada, providência que não se confunde com aquela adotada pela MP 936/20.

Trata-se, portanto, de regra de paridade e não há redução de salário, conciliando-se a diminuição da atividade econômica empresarial com a redução de jornada de trabalho, sem qualquer alteração no salário-hora do empregado. Aliás, não se visualiza qualquer violação ao inciso XIII do art. 7º da CF, visto que sequer se discute compensação de jornada.

E mais: na medida do possível, a perda salarial será complementada pelo benefício assistencial custeado pelo governo. Tais medidas encontram-se em perfeita harmonia com os preceitos constitucionais do valor social do trabalho e livre iniciativa, dignidade da pessoa humana, solidariedade, promoção do bem comum, função social da empresa, justiça social, existência digna, redução das desigualdades e busca pelo pleno emprego (CF, art. 1º, III e IV; 3º, I e IV; 5º, XXIII; 170, “caput”, III, VII e VIII).

No mesmo sentido, a Declaração Universal de Direitos Humanos (art. XXIII, “1”) prevê o direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego.

A questão foi regulada pelo artigo 503 da CLT – na minha ótica, recepcionado pela Constituição Federal – e, posteriormente, pelo art. 2º da Lei n.º 4.923/65 (aplicado pelas Cortes Trabalhistas, inclusive o C. TST), o qual exigiu, concomitantemente à redução salarial, a diminuição proporcional de jornada e a prévia negociação coletiva – ou eventual suprimento judicial no caso de injustificada recusa.

Ante o teor da Lei n.º 4.923/65, há de se concluir que foi recepcionada pela Carta Magna de 1988, na medida em que, consideradas circunstâncias ordinárias, observa-se que foi estabelecido patamar mais protetivo, trazendo condicionante não imposta pelo texto constitucional (a necessidade de prévia negociação coletiva para a redução salarial, acompanhada da proporcional diminuição da jornada de trabalho). Como o requisito não encontra assento constitucional, não há óbice para que leis ordinárias ou medidas provisórias promovam alterações neste particular.

Ressalte-se que, em vista de situações fáticas excepcionais ou diferenciadas (como a atual crise de saúde pública), deve-se permitir a adaptação ou redução temporária do patamar dos direitos sociais, ressalvando-se, apenas, o mínimo existencial, com a finalidade de dar concreção a outros valores centrais da ordem jurídica, em prol de toda a coletividade. Nesse sentido, o Tribunal Constitucional Português respaldou medidas legislativas implementadas pelo governo em decorrência das repercussões da crise econômica de 2008, a exemplo da redução de pensões (Processo 72/11 – Acórdão 396/2011 – Plenário – Rel. Cons. Joaquim de Sousa Ribeiro).

Feitas estas considerações, vale assinalar que, ainda que se confira distinta interpretação ao art. 7º da CF e se entenda pela necessidade de acordo coletivo para a redução salarial com proporcional diminuição da jornada, também é possível chegar à conclusão de que a MP 936 é compatível com o texto constitucional, notadamente diante da possibilidade de flexibilização de direitos sociais e da viabilidade de adaptações ou reduções temporárias via acordo individual de direitos fundadas em situações extraordinárias.

A propósito, trata-se de mera harmonização de valores constitucionais igualmente amparados pela Constituição Federal. Diante da colisão entre direitos trabalhistas individualmente considerados e a preservação do emprego, constata-se que, embora a MP 936/2020 sacrifique parcialmente os primeiros, consegue, ao final, atingir maior grau de concreção de valores constitucionalmente assegurados.

Ademais, a própria jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal (RE 563851, 2ª Turma, DJe 27/03/2008), a respeito de direitos sociais elencados no art. 7º da CF, revela que, mesmo quando não há ressalvas expressas, eles não detêm caráter absoluto. Um exemplo bastante notório encontra-se no art. 7º, XVI, da CF/88, que prevê o direito ao pagamento de horas extras quando há labor acima da 8º hora diária e/ou 44ª semanal.

Todavia, o inciso II do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo, excetua desta regra os exercentes do cargo de confiança ou gerência, o que foi considerado recepcionado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do C. TST (E-RR-540991-54.1999.5.05.5555, DEJT 06/06/2003), não obstante a ausência de previsão desta exceção no texto constitucional. Em síntese, o posicionamento é que o inciso XVI do art. 7º estabelece apenas a regra geral, o que não impede que a legislação ordinária preveja excepcionalidades, logicamente, fundadas no objetivo de se resguardar valores igualmente enaltecidos pela ordem constitucional (como a preservação do emprego) e observado o mínimo existencial.

Também não se deve olvidar que, diante das recentes alterações trazidas pela Lei. 13.655/18 à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Poder Judiciário deve atentar-se para as consequências práticas de suas decisões. No caso, a experiência comum revela a incomunicabilidade de muitas entidades sindicais e a dificuldade de contatá-las, especialmente por micro e pequenas empresas.

Além disso, existe procedimento próprio para aprovação de acordo coletivo pelas assembleias da categoria, sem contar a duração natural das tratativas entre as empresas e os dirigentes sindicais. E não se pode deixar de admitir que a demora que lhe é inerente mostra-se incompatível com a situação emergencial vivenciada pela maioria dos empregadores em razão da crise decorrente da pandemia do COVID-19.

Assim, a inobservância das disposições previstas na MP 936 tem o potencial de ocasionar significativa perda de empregos em território brasileiro, o que, portanto, deve ser evitado. Não se trata, pois, de raciocínio exclusivamente utilitarista, uma vez que também se está a concretizar valor central da ordem jurídica, isto é, a busca pelo pleno emprego e sua preservação. Isto porque de nada vale a preservação absoluta de todos os direitos dos empregados, se ensejará o risco de que uma parte considerável dos trabalhadores perca o emprego, deixando de usufruir de qualquer um deles.

Aliás, a MP 936, inclusive, mostra-se protetiva, porque, além da preservação do salário, garante o recebimento de auxílio emergencial correspondente a um percentual do seguro-desemprego, e, ainda excluiu-se da possibilidade de acordo individual os trabalhadores que recebem entre R$3.135,00 (três salários mínimos) e R$12.202,12 (duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social), pois, ainda com o valor do auxílio emergencial, teriam uma substancial redução de renda, o que se procurou evitar.

Desta forma, conclui-se que:

a) As políticas adotadas pela Medida Provisória n.º 936/20 têm como finalidade assegurar direitos básicos de preservação do emprego e proteção contra o desemprego, além de concretizar valores centrais da CF/88;
b) Inexiste vedação constitucional à possibilidade de redução salarial com proporcional diminuição da jornada de trabalho por acordo meramente individual, uma vez que não há a previsão de que deva haver prévia negociação coletiva;
c) Atualmente, a redução salarial, com proporcional diminuição da jornada de trabalho, é regulada pela Lei n.º 4.923/65, não havendo óbice para que leis ordinárias ou medidas provisórias promovam alterações neste particular;
d) Os direitos sociais não possuem caráter absoluto e, em situação específica, o C. TST e o E. STF já reconheceram que, embora o inciso XIII do art. 7º da CF não faça ressalva ao direito às horas extras, o inciso II do art. 62 da CLT foi recepcionado pela Carta Magna, pois estabelece exceção, devidamente justificada.

7. APLICAÇÃO DE UM TÓPICO DA LEI 14.020/2020

A Lei 14.020/2020 instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe medidas para pagamento do Benefício Emergencial (BEm). Surgiu como medida de enfrentamento para empregados e empregadores frente à crise causada pela pandemia do Covid-19, entrando em vigor em 07/07/2020.

Apesar de se tratar de conversão da MP 936/2020, a Lei 14.020/2020 trouxe algumas disposições diferentes do que havia na MP. Deixou algumas situações mais detalhadas em relação ao que estava previsto anteriormente, alterou algumas regras instituídas pela MP e passou a dispor sobre situações antes não tratadas.

Em razão da pandemia do Covid-19 e para buscar a preservação de emprego e renda, o Governo Federal editou a Medida Provisória MP 936, a qual instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que na época complementava as disposições previstas na MP 927.

Enquanto a MP 927 – que teve a perda de sua vigência em 19/07/2020 – flexibilizou o uso de instrumentos já previstos na legislação trabalhista (antecipação de férias, banco de horas, teletrabalho, dentre outros), a MP 936 veio como ajuda efetiva do Governo aos empregadores, mediante pagamento de valores aos mesmos, e consequente redução de custos quando os empregados tivessem redução de jornada e salário, ou ainda, suspensão de seus contratos.

Todavia, as medidas provisórias têm um período máximo de vigência, sendo que sua edição é permitida em caso de relevância e urgência, observadas as regras previstas no art. 62 da Constituição Federal.

Conforme disposição dos §§ 3º e 7º do art. 62 da CF, as medidas provisórias têm vigência de 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação, podendo ser prorrogadas por igual período. Assim, na prática um medida provisória tem eficácia durante o período máximo de 120 (cento e vinte) dias, de modo que, para que as situações tratadas na MP continuem a ter validade para além dos 120 dias se faz necessária a conversão da MP em Lei.

Assim como a MP 936, a Lei 14.020/2020 permite aos empregadores reduzir a jornada de trabalho contratual de seus empregados e, na mesma proporção, o valor do salário hora do empregado.

Exemplo: O empregado que receba R$ 2.200,00 para trabalhar 220 horas no mês (que representa trabalhar 44 horas na semana) tem o salário hora correspondente a R$ 10,00. Portanto, pelo programa o empregador pode reduzir a jornada semanal pela metade (22 horas) e reduzir o salário mensal pela metade também (R$ 1.100,00), já que será mantido o valor do salário hora em R$ 10,00.

O que não pode é haver a redução da jornada em 50% e a redução do salário em 60%, por exemplo.

O programa engloba apenas três níveis de redução da jornada e dos salários, sendo que, se a redução for em níveis diferentes, o valor do benefício pago pelo governo será limitado a três faixas de redução: 25%, 50% ou 70%.

Inicialmente, o limite máximo previsto para a redução da jornada e do salário era de 90 (noventa dias). Referido prazo foi acrescido em mais 30 (trinta) dias, podendo chegar ao limite de 120 (cento e vinte dias) durante o período de manutenção do estado de calamidade.

7.1 Aplicação de forma parcial

A redação original do art. 7º da MP 936 sofreu alteração quando da conversão para a Lei 14.020/2020. Vale destacar a previsão expressa de que a redução da jornada e do salário pode ocorrer de forma parcial na empresa, bem como, que o prazo inicial de 90 dias de duração da medida pode ser prorrogado por Decreto do Governo Federal, o que já ocorreu uma vez com o Decreto n. 14.022/2020.

Assim, persistindo o interesse e necessidade pela continuidade de referida medida, o Governo Federal poderá editar novos decretos e aumentar o prazo de duração da medida para além dos 120 dias atuais.

A redução da jornada e do salário será encerrada:

– Com o término do período de calamidade pública;
– Se atingido o termo final estabelecido entre as partes;
– Ou de forma unilateral pelo empregador para encerrar a medida antes do termo final inicialmente ajustado.

O restabelecimento da jornada e salário integral será feito em até dois dias após a data de término da medida.

8. CONCLUSÃO

Apesar do Congresso Nacional ter admitido o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19, não representou a outorga de “carta branca” a fim de que o Poder Executivo Federal legislasse livremente por meio de Medidas Provisórias.

Indubitavelmente, o pressuposto relevância, no caso da calamidade pública ocasionada pela doença, está inapelavelmente imbrincado ao pressuposto urgência.

A hipótese excepcional de calamidade pública não trouxe nenhuma novidade em tema de vedação à reedição da medida na mesma sessão legislativa, com o que o sistema constitucional de crise não comtempla qualquer exceção.

Por fim, a Lei n. 14.020/2020 manteve a essência das previsões contidas na MP 936 que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, especialmente quanto às hipóteses de adesão ao programa e forma de ajuda do Governo.

Porém, acabou abordando temas relevantes que não tinham sido contemplados pela MP 936, além de deixar algumas situações mais claras. Isso certamente colabora para a segurança jurídica, trazendo maiores e melhores condições para os empregadores avaliarem a viabilidade e consequências de adesão ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

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1Bacharel em Direito pela UNICERRADO.
2Bacharel em Direito pela ULBRA. Especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL e em Direito Civil pela UFU. Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Regional pela UNITAU. Doutorando em Direito pela UniCEUB.

DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho de conclusão de curso à minha mãe, ao meu pai, ao meu irmão e à minha esposa, que foram meus maiores incentivadores, e a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esse sonho fosse possível.

AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente a Deus, por guiar meu coração e me ajudar a trilhar esse caminho até o fim.
À minha companheira Maria Eduarda, por toda paciência, lealdade e cuidado.
Ao meu orientador professor Wilson Simões de Lima Júnior, por ter me incentivado a escrever sobre esse tema e sempre ter me auxiliado com prontidão.
Ao professor Alzair Pontes, que desde o início do meu pré-projeto me ajudou com todas minhas dúvidas sobre a metodologia e organização do trabalho.