HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6726622


Autora:
Ingrid Ribeiro Rodrigues


1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico pátrio segue a tradição constitucional, desde o ano de 1934, de centralização da competência para homologação de sentenças estrangeiras.

A homologação de sentenças estrangeiras viabiliza o princípio da economia processual à medida que reconhece eficácia interna ao que fora decidido alhures, desde que guardados os requisitos de admissibilidade estabelecidos pela lei nacional, poupando a repetição de uma cognição jurisdicional ampla – lá fora e aqui dentro.

Por tais razões, a Constituição Federal, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e o Código de Processo Civil preveem a homologação das decisões de prolatadas no estrangeiro, para que estas produzam os devidos efeitos no Brasil.

O instituto promove a preservação dos direitos adquiridos no exterior, bem como assegura às partes de que as questões (relativas ao mérito) já decididas no exterior não mais voltarão a ser questionadas pelo juízo do foro interno, em observância à segurança jurídica e à harmonia e uniformidade do sistema de direito internacional privado como um todo.

2. DESENVOLVIMENTO

Historicamente, a competência para realização de um exame centralizado sobre as sentenças estrangeiras era exclusiva do Supremo Tribunal Federal. No entanto, a Emenda Constitucional nº 45/2004 promoveu modificação neste cenário: desde o seu advento, o Superior Tribunal de Justiça passa a ter competência para processar e julgar, originariamente, a homologação de sentenças estrangeiras, conforme texto do art. 105, I, i, da Constituição de 1988.

Com relação à modificação normativa, é notório que, durante a tramitação da emenda, considerou-se a atribuição da competência para homologação de sentenças estrangeiras aos juízes federais, tal como ocorre em alguns países europeus.

Entretanto, tendo em vista a possibilidade de interposição de diversos recursos para as instâncias superiores, provocar-se-ia maior morosidade no trâmite daquele procedimento. Neste diapasão, optou-se por manter a competência relativa às sentenças estrangeiras em sede de um órgão superior – que não o STF, mas, sim, o STJ.

Conforme leciona Valério Mazzuoli (2018), a permissão jurídica para que as sentenças proferidas no estrangeiro produzam efeitos no Brasil representa consequência direta da aplicação do direito internacional privado às lides.

Tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro permite a aplicação do direito estrangeiro pelo direito nacional, pelo menos em hipóteses excepcionais, representaria um contrassenso proibir que as sentenças produzidas pelo órgão judicante estrangeiro lograssem efeitos no nosso Estado.

De acordo com Mazzuoli (2018), homologar a sentença estrangeira significa torna-la adequada à sistemática jurídica interna, utilizando como parâmetro o ordenamento brasileiro. Trata-se, portanto, de ato formal, consubstanciado em juízo delibatório pelo qual o órgão competente analisa o preenchimento dos requisitos formais para efetivação da decisão alienígena no território brasileiro.

Constata-se que, sob o regime da homologação de sentença estrangeira, o Superior Tribunal de Justiça autoriza que os efeitos da decisão alienígena sejam estendidos ao território nacional, onde se pretende que operem. É a chamada “importação de eficácia”, pois a sentença, em si, já será dotada de validade derivada do processo jurisdicional que a gerou em observância às normas materiais e processuais do Estado estrangeiro. 

Nesse rastro, para fins de homologação, pode-se definir a sentença estrangeira como todo ato jurídico decisório emanado de autoridade estrangeira com efeitos de sentença interna, ainda que não se trate, propriamente, do ato do juiz que põe fim à fase cognitiva de procedimento comum, bem como extingue a execução – tal como é definido pelo Código de Processo Civil brasileiro.

Noutro dizer, qualquer ato proveniente do estrangeiro que, em verdade, apresente as mesmas características e promova os mesmos efeitos de uma sentença tipicamente nacional será considerado “sentença estrangeira homologável”.

A título de exemplo, na Dinamarca, a decisão proferida em matéria de divórcio é chamada de “decreto de divórcio do Rei da Dinamarca” e são proferidas por autoridades administrativas – independendo, portanto, de procedimento jurisdicional. Mesmo assim, tais atos decisórios são considerados “sentença estrangeira” para fins de homologação por parte do Superior Tribunal de Justiça.

Quando a Constituição Federal trazia a competência de homologação exclusiva do STF, segundo Dolinger e Tiburcio (2017), havia o entendimento de que todas as sentenças deveriam ser homologadas, visto o próprio texto do art. 102, I, “h”. No entanto, esse entendimento foi superado pela redação do art. 105, I, “i” da CF, que excluiu o termo “todas” ao conferir a competência de homologação ao STJ.

Em 17 de dezembro de 1997, foi ratificada pelo Brasil a Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares, a qual estabelece, dentre outros quesitos, que as sentenças de alimentos serão ratificadas sem a necessidade de homologação. Dessa maneira, a execução do título executivo alimentar passou a ser possível de maneira direta junto ao juízo de primeiro grau.

O Código de Processo Civil reconhece a escusa de homologação de sentença estrangeira consoante previsão em lei específica ou em tratado ratificado pelo Brasil, bem como a dispensa de homologação para os casos de divórcios consensuais logrados em Estado estrangeiro (BRASIL, 2015).

Importa mencionar, por sua vez, que as sentenças estrangeiras homologáveis se restringem àquelas de efeitos civis. Sentenças penais, por seu turno, não poderão ser homologadas para fins propriamente criminais. Assim, caso a sentença penal pretenda produzir efeitos cíveis de reparação de dano, restituição ou outros efeitos civis, permite-se a homologação pelo STJ.

A Lei de Introdução, em seu artigo 15, enumera os requisitos para homologação da sentença proferida no estrangeiro, quais sejam a prolação por juízo competente, a existência de citação das partes ou verificação legal de revelia, o trânsito em julgado da decisão formalmente perfeita de acordo com o local onde foi proferida, a tradução por intérprete autorizado e a homologação pelo juízo brasileiro competente (BRASIL, 1942).

Em sentido semelhante, o Código de Processo Civil, também observado pelo STJ na execução de sua função constitucional, enumerou os requisitos indispensáveis à homologação da decisão estrangeira, acrescentando em relação à Lei de Introdução ao Direito Brasileiro os requisitos de eficácia no país de origem e a inocorrência de ofensa à coisa julgada brasileira ou à ordem pública (BRASIL, 2015).

De acordo com a norma processual civil, o STJ não promoverá a homologação de decisão estrangeira em se tratando de hipótese de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, sendo despicienda a análise de regras específicas de competência interna do Estado estrangeiro prolator da decisão.

Com relação ao procedimento para homologação de sentença estrangeira, a disciplina é vislumbrada nos artigos 216-A a 216-N do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Inicialmente, a ação de homologação de sentença estrangeira é remetida ao presidente do STJ por meio de petição eletrônica assinada por advogado, sendo necessário o pagamento de custas para seu ajuizamento, com a declaração, pela parte autora, acerca da anuência ou não da outra parte. Na hipótese de não apresentada a anuência, para que a parte possa exercer o contraditório, deverá ser citada por carta rogatória, se residir no exterior, ou por carta de ordem, se residir no Brasil.

A carta rogatória exige algumas obrigações por parte do autor. Primeiramente, ele será intimado para traduzir a carta rogatória e os demais documentos que a instrui, conforme disposição do art. 260 do CPC, que deverá ser feita por um tradutor juramentado da Junta Comercial, ou, caso não seja possível, o autor poderá requerer um tradutor ad hoc para sua ação.

Depois de traduzida, a documentação deverá ser entregue na Coordenadoria da Corte Especial, pessoalmente ou pelos correios, em duas vias, ou em três no caso de se remeter carta rogatória aos Estados Unidos. As traduções são encaminhadas ao Ministério da Justiça que enviará a documentação ao país rogado.

A expedição da carta rogatória não requer custas, no entanto, o país estrangeiro pode fazer cobranças no que envolve a citação da outra parte em seu território. Desse modo, deve ser indicado um indivíduo residente no país estrangeiro para o qual foi rogada a carta para o eventual pagamento dessas cobranças.

Assim que a carta rogatória é cumprida no exterior, o Ministério da Justiça a devolve ao STJ, que intimará o autor para traduzir as informações do cumprimento ou não da carta pelo país rogado.

Uma vez homologada a sentença, ela passa a ter valor de título executivo judicial, de acordo com o art. 515, VIII, do CPC, podendo ser executada perante a Justiça Federal de primeiro grau. A execução da sentença homologada, caso requerida pela parte, deverá ser realizada por meio de carta de sentença em concordância com as normas de cumprimento de decisão nacional.

Segundo Mazzuoli (2018), o reconhecimento da existência de coisa julgada na justiça brasileira com as mesmas demandas, pontos e partes, não impede a homologação da decisão estrangeira com o mesmo litígio. No entanto, se o processo sobre a mesma lide da decisão estrangeira ainda está em curso no judiciário do Brasil, a homologação da sentença estrangeira acarretará a extinção do processo brasileiro sem resolução de mérito.

3. CONCLUSÃO

O instituto da homologação de sentença estrangeira tem como cenário a disciplina de direito internacional privado, consubstanciando relevante instrumento para consecução da aplicação equânime e uniforme do direito.

O juízo de legalidade e regularidade, ainda que não exauriente, realizado no bojo do processo de homologação de sentença estrangeira serve à conciliação de ordenamentos jurídicos distintos, notadamente em um cenário de potencial conflito normativo, qual seja a entrega de atividade jurisdicional por autoridades imbuídas da competência em países diferentes, em conformidade com estatutos distintos.

Além de evitar conflitos e sobreposições na atividade decisória, a homologação de sentença estrangeira serve ao controle de omissões durante a atividade criativa de normatização do caso concreto, bem como de usurpação da competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira na resolução de matérias especificadas na lei interna.

A sociedade contemporânea, marcada por vínculos pessoais, sociais e econômicos mantidos por cidadãos universais, atrai a possibilidade de aplicação da legislação estrangeira no território brasileiro, em um contexto de multiplicidade de vínculos de cooperação e solidariedade entre forasteiros.

A adoção de procedimento de internalização da decisão estrangeira para execução direta no ordenamento jurídico brasileiro, além de prestigiar a segurança jurídica, possibilita a prestação jurisdicional coerente, coesa e estável aos administrados, dando concretude, em última análise, à tendência de diálogo democrático entre os Estados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______. Decreto nº 2.428, de 17 de dezembro de 1997. Promulga a Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar, concluída em Montevidéu, em 15 de julho de 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1997/d2428.htm. Acesso em: 12 jan. 2022.

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______. Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Organizado pelo Gabinete do Ministro Diretor da Revista – Brasília: STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Regimento/article/view/3115/3839. Acesso em: 19 fev. 2022.

CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direito internacional privado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

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