REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6726608
Autora:
Ingrid Ribeiro Rodrigues
1. INTRODUÇÃO
As constantes alterações sociais, especificamente nas relações intersubjetivas, são estampadas nas problemáticas de Direito de Família e exigem uma maior abertura da disciplina a novas experiências e particularidades que, por muitas vezes, ainda não foram abordadas amplamente na literatura jurídica. Ademais, como disciplina que estuda as relações familiares, destacou-se dentre os seus temas o tratamento jurídico dado à Alienação Parental, considerando os efeitos psicológicos e emocionais negativos que pode provocar nas relações entre pais e filhos.
Segundo as segundo as Estatísticas do Registro Civil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados do instituto entre 1984 e 2016, um a cada três casamentos termina em divórcio no Brasil[1]. Com um crescente número de divórcios, surgem os questionamentos acerca de como será o desenvolvimento da relação entre pais e filhos após a dissolução da sociedade conjugal, que por muitas vezes não é amigável, mas conflituosa, abrindo margem para o afastamento entre os membros das famílias.
2. DESENVOLVIMENTO
A Síndrome da Alienação Parental (SAP) foi inicialmente identificada pelo professor Richard Gardner, em 1985, interessado por quadros de sintomas apresentados por crianças em processos de divórcios litigiosos. A SAP configura um distúrbio infantil manifestado por meio de uma “campanha de difamação que a criança realiza contra um dos genitores, sem que haja justificativa para isso” (MARTINS DE SOUZA, 2010).
Segundo leciona Freitas (2015), observou-se que “na disputa judicial, os genitores deixavam muito claro em suas ações que tinham como único objetivo a luta incessante para ver o ex-cônjuge afastado dos filhos, fazendo muitas vezes uma verdadeira lavagem cerebral na mente das crianças.”
Sendo assim, vê-se a diferenciação entre a Síndrome de Alienação Parental e a Alienação Parental propriamente dita. Esta é a causa, aquela é o efeito. Isto é: a alienação parental diz respeito à conduta do alienador, que promove campanha de difamação contra o outro genitor para afastá-lo do filho em comum. Por seu turno, a síndrome se manifesta na conduta do filho, que passa a agir de acordo com a campanha de alienação leva a cabo pelo alienador – que pode ser o pai, a mãe, a avó ou avô, o tio ou a tia, ou qualquer pessoa do seu convívio familiar direto.
A presente temática é objeto de intensa discussão desde o advento da Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010), tendo em vista a crescente ocorrência de casos de alienação parental que chegam nas Varas de Família em todo o país. A questão torna-se ainda mais intrincada à medida que se considera a complexidade dos casos concretos, que envolvem questões emocionais, psicológicas e subjetivas e, por isso, exigem maior cautela nas resoluções. Preceitua a lei, no seu artigo 2º:
Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
A legislação estabelece, ainda, um rol não exaustivo de práticas de alienação parental, a fim de guiar o entendimento judicial acerca da configuração fática da campanha difamatória contra um dos genitores. Nesse diapasão, o magistrado pode constatar outras práticas alienadoras através de perícia especializada, a qual deverá analisar o comportamento do alienador, de eventuais terceiros participantes, e também do filho vitimado.
Conforme percebe-se pela disposição legal, a alienação parental decorre de um quadro psicológico afetado do genitor “alienador”, através da chamada “implantação de falsas memórias” no filho, bem como na tomada de decisões com o intuito de promover o afastamento do filho e do genitor alienado, dificultando o contato, as visitas, as informações, e até mesmo modificando o domicílio para local distante. Em situações extremadas, a alienação parental pode levar até à apresentação de falsa denúncia contra o genitor alienado, ou contra familiares deste, a fim de obstar a convivência deles com a criança ou adolescente.
Nos termos da Lei de Alienação Parental, a prática de tais atos fere o direito fundamental da criança ou adolescente de convivência familiar saudável com os pais e familiares, pois afeta fortemente o afeto das relações e constitui abuso moral contra à pessoa em fase de formação psicoemocional. Por esta razão, a Lei prevê a determinação de medidas provisórias necessárias para a preservação da integridade psicológica da criança ou adolescente, inclusive para assegurar a reaproximação entre a vítima e o alienado, conforme o caso.
Destarte, caso o magistrado identifique atos típicos de alienação parental, comprovados através de perícia e acompanhamento especializado, deverá utilizar-se de instrumentos processuais que atenuem seus efeitos, além de promover a responsabilização civil e criminal do alienador.
Na maior parte dos casos, entretanto, a resolução dada pelo Poder Judiciário é a inversão da guarda, retirando-a do alienador e dando-a ao alienado. Entretanto, esta deve ser uma decisão tomada com bastante cautela, a fim de que a criança não perca o contato com um dos genitores.
Por isso, o acompanhamento biopsicossocial é fundamental para que a solução dos casos de alienação parental seja a mais benéfica, em consonância com o melhor interesse da criança ou adolescente.
3. CONCLUSÃO
Diante das constantes mudanças sociais e dos novos arranjos familiares do mundo contemporâneo, o ensino do Direito de Família precisar acompanhar as demandas da sociedade, bem como as discussões jurisprudenciais e doutrinárias, a fim de que aos discentes seja ofertado um conhecimento crítico acerca da disciplina.
As matérias relacionadas ao Direito de Família possuem imensa relevância na sociedade e, em razão da sua complexidade, o seu estudo não é isento de controvérsias. Os novos formatos de família exigem debates com referências e estudos atualizados e análises cautelosas acerca dos contextos fáticos, a fim de promover o bem-estar dos envolvidos – especialmente as crianças e adolescentes que, em geral, são impactados pela situação de baixa proteção do núcleo familiar.
Neste diapasão, as soluções judiciais acerca da alienação parental perpassam necessariamente por uma análise interdisciplinar e multissetorial do contexto familiar, através de uma atuação alicerçada no apoio amplo pelo Poder Público, a fim de garantir os direitos da criança e do adolescente à convivência familiar e ao desenvolvimento pleno da personalidade.
[1]De acordo com matéria do Portal Veja o levantamento do IBGE aponta mais de 7 milhões de divórcios registrados no Brasil entre 1984 e 2016, além de um percentual de 17% de crescimento do número de matrimônios frente ao crescimento de 269% do número de divórcios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERGMANN, Jonathan; SAMS,Aaron. Sala de aula invertida: Uma metodologia ativa de aprendizagem. Trad. Afonso Celso da Cunha Serra.1. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2016.
BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/legislacao>. Acesso em 28 out. 2019.
______. IBGE. Estatísticas do Registro Civil 2017. 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2017_v44_informativo.pdf. Acesso em: 30 out 2019.
FREITAS, Douglas Phillips. Alienação parental: comentários à Lei 12.318/2010. 4.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. (Versão Digital)
MARTINS DE SOUZA, Analícia. Síndrome da Alienação Parental: um novo tema nos juízos de família. 1ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.
VEJA. Um a cada três casamentos termina em divórcio no Brasil. Portal Veja. 31 dez 2017. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/um-a-cada-tres-casamentos-termina-em-divorcio-no-brasil/ . Acesso em: 30 out 2019.