REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6642297
Autora:
Camila Frazão Arôso Mendes
RESUMO
Por meio deste trabalho pretende-se analisar de que forma a nova Lei Geral de Proteção de Dados influenciou sobre o setor da saúde, em especial sobre as pesquisas realizadas por este com o intuito de obter avanços no setor, como a produção de vacinas; remédios. No entanto, possui-se como problemática o uso dos dados médicos dos pacientes sem a anuência para fins de pesquisa, colocando em risco a privacidade e a honra do titular dos dados.
Palavras-chave: dados sensíveis; nova Lei Geral de Proteção de Dados; proteção jurídica de dados sensíveis.
1 INTRODUÇÃO
A priori, devemos diferenciar o que vem a ser dados e o que são informações. O primeiro corresponde ao estado primitivo desta, são fatos que irão passar por um processo de organização para assim serem interpretados e fornecerem as informações desejadas. Diante de tal fato, é imprescindível, para a formação de um banco de dados, a organização e gerenciamento dos dados fornecidos. Por exemplo, em se tratando do mercado consumidor, é de suma importância a obtenção das informação para assim poder determinar um perfil dos seus clientes e melhor satisfazê-los. Desse modo, não seria diferente em se tratando da saúde.
A coleta de dados no âmbito da saúde é de suma importância. Através dos dados fornecidos pode-se chegar a diagnósticos mais precisos, produção de remédios mais específicos para cada enfermidade. Um exemplo concreto da eficácia da coleta é para a doação de células tronco, onde o voluntario faz um cadastro no Emocentro e assim é feita a coleta do sangue do doador para que, caso haja algum destinatário compatível, a doação possa ser feita – vale ressaltar que os dados coletados são compartilhados em uma rede mundial. Neste caso, é evidente que há o consentimento por parte do doador em fornecer seus dados, mas há casos em que a utilização dos mesmos não é consentida pelo titular e são utilizados para diversos fins, entre eles o de pesquisa.
Nos casos em que a utilização é feita sem anuência, a nova Lei Geral de Proteção de Dados tratou de expor em seu artigo 7º inciso I a necessidade do consentimento do titular para o tratamento dos dados fornecidos. No entanto, a utilização não poderá ser feita mediante vicio de consentimento; o consentimento precisa ser feito por escrito ou por outro meio que configure a vontade do titular. Assim como, deve conter para quais finalidades aquele dado vai ser utilizado. Vale ressaltar que antes mesmo da LGPD determinar a necessidade da anuência do titular, a Resolução de número 507 do Conselho Nacional de Saúde já previa em seu artigo 2º, inciso I esta necessidade.
Desse modo, é notório que a Lei Geral de Proteção de Dados além de objetivar a unificação da sistematização setorial, onde Código de Defesa do Consumidor e Lei do Cadastro Positivo eram responsáveis pela regulamentação dos direitos fundamentais, tem por objetivo a proteção jurídica do direito a privacidade e a honra, e desenvolvimento econômico e tecnológico de forma segura. Logo, visa prover um equilibro entre os interesses públicos e/ou privados e garantia dos direitos fundamentais.
Dando destaque ao que foi supracitado, restringindo o campo de análise da Lei ao setor da saúde, é notável que a implementação de requisitos para a concessão de dados pessoais dificulta os trabalhos referentes à pesquisa, ao passo que visa melhor aplicabilidade e eficácia do direito à personalidade; privacidade.
Destarte, este trabalho tem por objetivo a influência da Lei Geral de Proteção de Dados sobre o setor da saúde, levando em consideração a utilização dos dados obtidos neste campo e utilizados para fins de pesquisa, a participação efetiva do titular dos dados durante o processo consentimento e pesquisa. Assim como, se analisar-se-á, os riscos gerados a partir da utilização do dados sem anuência do titular e suas consequências jurídicas.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Dados sensíveis e dados pessoais: qual a diferença e a importância da proteção jurídica.
Nesse tópico será tratada a diferença entre dados sensíveis e dados pessoais, levando em consideração a importância da proteção jurídica como forma de preservação de direitos fundamentais.
De acordo com os preceitos expostos na LGPD, pode-se realizar a diferenciação entre o que vem a ser dados pessoais e dados sensíveis, de modo a compreender a tutela dos mesmos a luz da referida lei. A priori, o primeiro vem a ser dados compostos por informações acerca da pessoa natural identificada ou identificável, por exemplo: nome; apelido; endereço; endereço de IP. Em se tratando dos dados sensíveis, estes são considerados mais abrangentes, de forma que possuem informações sobre a etnia, religião, filiação e saúde – incluindo informações genéticas ou biométricas. (MULHOLLAND, 2018)
Em se tratando de dados sensíveis, estes, pela sua própria denominação, possuem uma maior proteção quando referente ao seu tratamento para determinado fim. Ou seja, por se tratar de dados personalíssimos que possuem como conteúdo o perfil ideológico e biológico do titular, podem possuir tratamento inadequado gerando discriminação nas relações, por exemplo, de consumo e empregabilidade. (MULHOLLAND, 2018)
Por conseguinte, tendo em vista a importância das informações contidas nos dados, é de suma importância, além da proteção principiológicas, a proteção jurídica dos dados pessoais e sensíveis é necessária tendo em vista o exercício da democracia, assim como a preservação de direitos fundamentais como: igualdade, liberdade, privacidade. Destarte, restringindo as informações citadas anteriormente ao âmbito da saúde, sendo os dados deste setor considerados sensíveis, a proteção jurídica é imprescindível, visto que muito dos dados obtidos podem ser destinados à pesquisa – podendo haver violação do princípio da dignidade humana. (MULHOLLAND, 2018)
2.2 Consentimento do paciente para utilização dos seus dados e os benefícios do compartilhamento destes.
Nesse tópico será analisado de que forma o consentimento fora disposto na Lei Geral de Proteção de Dados e os seus efeitos sobre a possibilidade de compartilhamento de dados sensíveis.
A priori, partindo de a um perspectiva histórica, anterior a Lei Geral de Proteção de Dados, o consentimento por parte do titular já era uma previsão existente desde o fim da Segunda Guerra Mundial com a criação da OCDE – Organização par Desenvolvimento Econômico – e suas guidelines. As guidelines surgiram através da notoriedade da influência das novas tecnologias sobre o desenvolvimento social e econômico, e estabeleceram padrões normativos a fim de tornar o compartilhamento de dados mais seguros. (BIONI, 2019)
Os princípios elencados nas guidelines, em sua maioria, faziam alusão ao titular dos dados, como o princípio da participação individual. Ademais, tem-se o princípio da limitação da coleta, fazendo menção a técnica normativa que determinava que devia ser de conhecimento do titular as finalidades do processamento dos seus dados para assim autorizar a utilização. Desse modo, o titular se tornaria participante do processamento de seus dados, podendo ainda ratificar e até apagar os seus dados pessoais. (BIONI, 2019)
Diante do supracitado, é notório que a previsibilidade do consentimento e da participação do titular no tratamento dos seus dados é um fato recorrente há séculos. Por conseguinte, em se tratando da realidade jurídica e normativa do Brasil no tocante ao consentimento, a LGPD tratou de expor em seu artigo 7º inciso I a necessidade do consentimento do titular para o tratamento dos dados fornecidos – não sendo possível a utilização mediante vicio de consentimento. Ademais, este precisa ser feito por escrito ou por outro meio que configure a vontade do titular. Assim como, deve conter para quais finalidades aquele dado vai ser utilizado. (SENADO, 2018) Vale ressaltar que antes mesmo da LGPD determinar a necessidade da anuência do titular, a Resolução de número 507 do Conselho Nacional de Saúde já previa em seu artigo 2º, inciso I esta necessidade.
Analisando o consentimento através do viés lógico-normativo da lei em questão, aquele tornou-se uma hipótese legal, ou seja, não fora elencada como a única base legal para o tratamento de dados, como também não fora colocado em posição hierárquica as demais previsões legais do dispositivo. Por via contraria, a dissecação do tema pelo corpo da lei demonstra a preocupação do legislador de forma que nos faz pensar que não deixou o vetor principal. (BIONI, 2019)
Sabendo que o consentimento apresentado na Lei Geral de Proteção de Dados possui influência do direito comunitário europeu e da quarta geração de lei de proteção de dados, aquele precisa ser livre, informado, inequívoco e expor a finalidade do uso. Destarte, é de observância o cuidado em não violar o princípio da transparência, assim como a utilização do princípio da adequação e necessidade. Dessa forma, a LGPD acaba por conceder poderes de controle sobre toda a cadeia de utilização e compartilhamento de dados. (BIONI, 2019)
Diante dos fatos supracitados, podemos traçar uma relação verticalizada entre o consentimento do titular e o compartilhamento dos seus dados. Onde este último, apenas ocorrerá, em tese, após a autorização da pessoa. Por exemplo, temos a doação de células tronco, onde o voluntario faz um cadastro no hemocentro e assim é feita a coleta do sangue do doador para que, caso haja algum destinatário compatível, a doação possa ser feita – vale ressaltar que os dados coletados são compartilhados em uma rede mundial e são constantemente cruzados buscando a compatibilidade.
Por conseguinte, o compartilhamento de dados no setor saúde é um recorte mais delicado, visto que se trata de dados sensíveis. Analisando tal questão por viés pessimista, a prática aparenta ter apenas malefícios, visto que há a violação da privacidade do titular, logo, violação do seu direito à personalidade. Entretanto, o compartilhamento de dados, principalmente entre entidades privadas, possibilita a viabilização de fornecimento de diagnósticos, subsidiação de estudos e análises científicas. (SENADO, 2019)
Entretando, a lei não traz em seu corpo apenas a possibilidade de tratamento de dados sensiveis apenas mediante o consentimento do titular. A mesma, em seu artigo 11, alinea b, considera dispensavel o consetimento quando for imprescindivel o tratamneto compartilhamento necessario para execução de políticas públicas. Diante de tal fato, podemos observar que os interesses de ordem pública preponderam sobre os interesses do titular, no entanto leva-se a inferir também que o direito a privacidade, a liberdade são violados em certos niveis. (MULHOLLAND, 2018)
2.3 A necessidade da proteção jurídica especial de dados sensíveis para fins de pesquisas cientificas.
Este tópico tratará sobre a necessidade de proteção jurídica especial de dados sensíveis para fins de pesquisas cientificas.
Os dados sensíveis tangem ao que é referente a orientação sexual, religiosa, política, racial, saudável e até filiação sindical, diante disso, torna-se evidente a preocupação em haver diferenciação de uma pessoa por conta desses aspectos particulares da sua personalidade. É possível, portanto, identificar facilmente as individualidades das pessoas, que podem ir de orientação sexual ao estado de saúde. Segundo um estudo da Universidade de Cambridge, até “curtidas” em uma rede social podem criar um perfil fiel a respeito de preferências dos seus usuários, esse meio poderia extrair diversos tipos de estimativas. A pesquisa identificou com exatidão a porcentagem dos usuários homossexuais e heterossexuais, os usuários brancos e negros e até quais teriam uma ligação partidária direta.(BIONI, 2019)
Todos esses dados armazenados podem revelar muitos traços da personalidade de um indivíduo qualquer, onde facilmente seriam obtidas suas informações sensíveis. Diante disso, a proteção dos dados perpassa o amparo do princípio da isonomia , já que também deve ser pensado um instrumento de combate às práticas discriminatórias. Por esse motivo, as leis de proteção de dados pessoas, incluindo a LGPD, dedicam um regime jurídico “especial”, ou seja, mais rígido em relação a dados sensíveis, justamente pelo objetivo de frear práticas discriminatórias. Essa tutela jurídica pretende assegurar que o titular dos dados pessoais sensíveis possa se relacionar livremente, e se realizar perante a sociedade, evitando eventuais práticas frustradas desse desejo de viver como alguém normal.(BIONI,2019)
A partir disso, entende-se que, é preciso garantir a ausência de traços de estereótipos nas relaçoes, para que seja possível para o indivíduo o desenvolvimento livre de sua personalidade.(BIONI, 2019) Segundo Diogo Rosa, trazendo exemplo da Constituição da República Portuguesa:
A CRP estabelece também no artigo 26º, no capítulo referente aos direitos, liberdades e garantias pessoais o seguinte: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal… ao bom nome e à reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”, garantido aqui a CRP que o direito à privacidade e à reserva da intimidade da vida privada são efetivamente um direito fundamental. Sobre esta questão, o Ac. nº 128/92, do TC de 1 de Abril de 199220 pronunciou-se sobre a reserva da intimidade da vida privada que “Trata-se do direito de cada um a ver protegido o espaço interior ou familiar da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias. É a privacy do direito anglo-saxónico”.
Essas garantias fundamentais citadas também estão presentes na Constituição Federal brasileira, o que permite a citação pela semelhança. Por fim, entende-se que é necessária a proteção dos dados sensíveis relacionados à saúde, porque o vazamento dos mesmos, ou até conhecimento público sem autorização pode gerar constrangimento do paciente, o que impactaria diretamente na tentativa de uma vida social saudável e livre de discriminações.
3 METODOLOGIA
Esta pesquisa é de natureza bibliográfica, ou seja, baseada em artigos científicos e livros como a legislação.
3.1 Tipo de estudo
Esta pesquisa caracteriza-se por ser exploratória, com abordagem quantitativa, recorte transversal e dedutivo.
REFERÊNCIAS
BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de Dados Pessoais. 2019. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/419364172/Protecao-de-Dados-Pessoais-Bruno-Ricardo-Bioni-2019-pdf>. Acesso em: 02 out. 2019.
DONEDA, Danilo. A proteção de dados pessoais como um direito fundamental.2011. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/370463214/A-Protecao-Dos-Dados-Pessoais-Como-Um-Direito-Fundamental>. Acesso em: 05 set. 2019.
SENADO, Agência. Mudança de regras para a proteção de dados pessoais tem impacto sobre o setor de saúde, dizem especialistas. 2019. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/04/17/mudanca-de-regras-para-a-protecao-de-dados-pessoais-tem-impacto-sobre-o-setor-de-saude-dizem-especialistas>. Acesso em: 04 set. 2019.
MONTEIRO, Renato Leite. Existe um direito à explicação na Lei de Proteção de Dados do Brasil? 2018. Disponível em: <https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2018/12/Existe-um-direito-a-explicacao-na-Lei-Geral-de-Protecao-de-Dados-no-Brasil.pdf>. Acesso em: 04 set. 2019.
MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. Dados pessoais sensíveis e a tutela de direitos fundamentais à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18). 2018. Disponível em: <http://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/article/view/1603/pdf>. Acesso em: 05 set. 2019.