PRÁTICAS DE GOVERNAMENTO NA ESCOLA

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Autor:
Neilton Soares dos Santos
Mestre em Ciência, Tecnologia e Educação pela FVC
e-mail: soaresneilton@gmail.com


MARÍN-DÍAZ, Dora Lilia; NOGUERA-RAMÍREZ, Carlos Ernesto. O efeito educacional em Foucault. O governamento, uma questão pedagógica? Pro-Posições [online]. 2014, vol.25, n.2, pp.47-65. ISSN 1980-6248. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072014000200003&script=sci_abstract&tlng=pt> Acesso em: 23 jun 2018.

A educação encontra-se mais perto da ação de dirigir ou conduzir que da ação de instruir ou ensinar alguma coisa.

(MARÍN-DÍAZ; NOGUERA-RAMÍREZ, 2012, apud id, 2014)

O artigo “O efeito educacional em Foucault. O governamento, uma questão pedagógica?” foi escrito em 2014 pelos professores-pesquisadores colombianos Dra. Dora Lilia Arín-Díaz e Dr. Carlos Ernesto Noguera-Ramírez, ambos com vários artigos publicados nos últimos anos contemplando, também, as diversas contribuições do filósofo Michel Foucault para o campo educacional.

O texto se propõe a resgatar e atualizar a tese do professor inglês Keith Hoskin (1990) para quem o trabalho arqueológico e genealógico de Foucault girou ao redor de problemas educacionais ainda que ele pensasse que se referia ao poder e ao saber, considerando ainda que a noção de “governamentalidade”, construída nos seus últimos cursos no Collège de France,pode ser mais bem compreendida se considerada a partir da análise das práticas pedagógicas, haja vista estas se constituem técnicas privilegiadas de condução da conduta própria e dos outros na Modernidade.

O trabalho está estruturado em três seções. Na primeira, intitulada “Introdução”, os autores fazem uma apresentação do seu objetivo e justificativa. Logo em seguida, apontam as duas obras de Foucault que embasam a teoria de Hoskin: As palavras e as coisas e Vigiar e punir, destacando a disciplina como a prática pedagógica vinculada à primeira e o exame à segunda, o que para Hoskin é o suficiente para caracterizar Foucault como “criptopedagogo”, deixando claras suas intenções de continuar assinalando a centralidade das práticas pedagógicas nas formas de praticar a condução da vida na Modernidade e sua relevância nos modos de direção contemporâneos, contempladas no neologismo “governamentalidade”, intimamente relacionado a assuntos pedagógicos e educacionais, já que desde o século XVI pelo menos, elas têm ocupado um lugar central nos processos de governamento da população.

A segunda seção, “Sobre a Modernidade como a constituição de uma sociedade educativa”, parte do princípio de que a Educação tornou-se uma das principais artes de governo apresentando três modos de pensá-la. O primeiro, correspondente aos séculos XVII e XVIII, na forma de uma sociedade ensinante ou da Razão de Estado ensinante, cuja Didática se constituía o saber principal e o Homo docilis, na forma subjetiva, o indivíduo dócil capaz de aprender e ser ensinado. O segundo, de fins do século XVIII, na forma do Estado educador, momento de expansão da Educação e da instrução pública, sendo o Homo civilis, o homem civilizável, sua principal figura subjetiva. E o terceiro, constituído nos alvores do século XX, como sociedade da aprendizagem e como forma subjetiva do Homo discens: um indivíduo aprendente que deve não só aprender, mas também, aprender a aprender.

Nessa perspectiva, acrescentam ainda, que cada forma de subjetividade esteve articulada com um conjunto de práticas de si necessárias para alcançar “a” felicidade e que a arte de educar foi condição para construir, realizar e garantir a salvação do indivíduo e da sociedade, assim como à constituição do indivíduo reflexivo indispensável e útil às estratégias de governamento da Modernidade, profundamente educativa.

Por fim, na terceira seção, cujo título é “Práticas de Si e Constituição do Sujeito Aprendente como Exercitante Permanente” os autores retomam o conceito de sociedade da aprendizagem e do Homo discens, e a importância dos discursos pedagógicos da Modernidade Liberal fundamentados na ideia da transformação do indivíduo por sua própria atividade (agência), que se desenvolveria a posteriori em formas de governamento neoliberal, visando fazer com que o Estado siga a lógica empresarial, o que para ele é muito mais econômico – rápido, fácil, produtivo e lucrativo. A “aprendizagem” aqui está caracterizada e orientada pela atividade do sujeito que aprende, único responsável pelo próprio futuro, não para os conteúdos ou para os processos de ensino.

Os autores concluem reafirmando que não há melhor lugar para perceber o funcionamento das práticas de governamento do que nas práticas pedagógicas e que Foucault, ao criar a noção de “governamentalidade”, colocou os problemas pedagógicos e educacionais no âmago de suas reflexões, o que não o caracteriza como um “criptoteórico” da Educação. Ele simplesmente não percebeu o efeito educacional que a Modernidade exercitou no seu pensamento.

O texto “O efeito educacional em Foucault. O governamento, uma questão pedagógica?” provoca importantes questionamentos e reflexões acerca do papel da escola na formação dos indivíduos e da construção da sociedade que queremos à luz do trabalho foucaultiano, identificado no texto, mais como o pensamento de um professor que propriamente como o de um filósofo, historiador ou escritor.

Independentemente do rótulo que se dê a ele, inclusive o de “criptoteórico”, é salutar ponderar a importância do seu pensamento para avaliar o cenário educacional hoje, mais especificamente sobre a articulação entre saber-poder e governamentalidade, mesmo que este sirva apenas como “caixinhas de ferramenta”, como sugere o próprio Foucault, para sua problematização.

A escola, enquanto aparelho ideológico do estado, é uma máquina de vigilância da modernidade, onde os sujeitos são alocados com o objetivo de se tornarem civilizados e disciplinados, constituindo-se em um espaço de “governo da alma” destes, atuando a partir de sua subjetividade, valendo-se de técnicas sutis de convicção que agem de forma indireta sobre suas escolhas, seus desejos e sua conduta, deixando-os “livres para escolher”, produzindo sujeitos autocontrolados. Primeiro, ela o vigia; depois, ele o fará, nos moldes por ela determinados, gerando, ainda, nos indivíduos uma falsa sensação de autonomia.

Entretanto, muitas das vezes esse efeito desejado por esse sistema foge do seu controle, principalmente pelo fato de a escola continuar a mesma e com os mesmos conteúdos e não acompanhar os avanços dessa sociedade globalizada, que caminha a um ritmo acelerado e que agora pode promover o agenciamento de si, sua liberdade e seus interesses. Assim, a chamada “crise da educação” ainda está associada à necessidade de reconfiguração da escola para atender a essas demandas desse novo governamento neoliberal, que também é contraditória quando quer manter a disciplina.

Estando a escola concentrando seus esforços para que os indivíduos saibam jogar o jogo do livre-mercado, a utilização do pensamento foucaultiano possibilita refletir sobre questões escolares cotidianas que, como uma ferramenta de análise, leva a perceber o quanto esta instituição caminha em plena sintonia com uma governamentalidade controladora que a sustenta.