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Autores:
Kezia Ramos Dantas¹;
Hermano Gomes de Souza¹;
Moana Cabral²;
Sara Gonçalves Farias²;
¹Fisioterapeuta, graduado(a) pelo Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM-RJ)
²Fisioterapeuta. Docente do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM-RJ).
Professora-supervisora de Estágio na Clínica Escola Amarina Motta (CLESAM)
Correspondência:
Sara Gonçalves Farias
sgf.sara@gmail.com
Endereço: Centro Universitário Augusto Motta – Curso de Fisioterapia. Av. Paris, 84 Bonsucesso, Rio de Janeiro – RJ, 21041-020.
RESUMO
Introdução. A COVID-19 tem comprometido vários sistemas do corpo humano, tendo maior afinidade pelas células do sistema respiratório. Entretanto, a doença tem apresentado diversas consequências musculoesqueléticas. Além, da própria doença causar danos musculares, existem efeitos colaterais de algumas medicações e as complicações pelo tempo de internação. Objetivo. Apresentar a efetividade da intervenção fisioterapêutica em um paciente pós-COVID com prejuízos musculoesqueléticos. Métodos. Estudo de caso de um paciente adulto atendido em uma clínica escola no Rio de Janeiro. A principal intervenção foi o exercício terapêutico direcionado às deficiências do paciente, com atendimentos presenciais e remotos. Resultados. Houve melhora do quadro álgico e otimização das AVD’S, porém não houve diferença significativa na força muscular. Conclusão. A abordagem fisioterapêutica aplicada parece ter sido importante para facilitar o retorno às atividades do paciente.
Palavras-chave: Fisioterapia, COVID-19, SARS-CoV-2, Dor Musculoesquelética, Disfunção Musculoesquelética
ABSTRACT
Introduction. COVID-19 has compromised several systems of the human body, having greater affinity for the cells of the respiratory system. However, the disease has presented several musculoskeletal consequences. In addition to the disease itself causing muscle damage, there are side effects of some medications and complications due to the length of stay. Objective. To present the effectiveness of physical therapy intervention in a post-COVID patient with musculoskeletal impairments. methods. Case study of an adult patient treated at a teaching clinic in Rio de Janeiro. The main intervention was the therapeutic exercise aimed at the patient\’s deficiencies, with face-to-face and telehealth physical therapy. Results. There was an improvement in the pain and optimization of ADL\’s, but there was no significant difference in muscle strength. Conclusion. The applied physiotherapeutic approach seems to have been important to facilitate the patient\’s return to activities.
Keywords: Physiotherapy, Covid-19, Sars-Cov-2, Musculoskeletal Pain, Musculoskeletal Dysfunction
INTRODUÇÃO
No final de dezembro de 2019 as autoridades de saúde da China, identificaram um número muito grande de pessoas apresentando sintomas semelhantes, evoluindo para pneumonia e síndrome respiratória aguda grave (SRAG), o vírus foi identificado como SARS-Cov-2, causador da doença COVID-19. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou então pandemia em março de 2020(1). Como esperado, os casos confirmados e mortes aumentaram exponencialmente, ao final do ano de 2021, no Brasil já havíamos passado de 200 milhões de casos e mais de 600 mil óbitos(2).
O vírus tem causado consequência negativas com um amplo espectro de deficiências corporais, diminuindo a qualidade de vida desses indivíduos, inclusive após a alta e cura da doença(3). Inclusive contribuído com diversas consequências musculoesqueléticas, apesar do vírus ter apreciação pelo sistema respiratório. Há relatos de deficiência da força e da resistência muscular, osteonecrose, mialgia e cefaléia(4,5). Em estudos de coorte foi possível observar que 11-50% dos pacientes apresentaram quadro álgico, miosite e rabdomiólise, tanto durante o tempo de infecção quanto após a cura(6). Alguns pacientes apresentam sintomas neuromusculares como doenças miopáticas, paresia facial, Síndrome de Guillain-Barré, neuropatia simétrica, dores musculares e fadiga(7).
Sabe-se que a internação em UTI pode trazer diversas consequências musculoesqueléticas devido ao imobilismo, porém, a própria contaminação pelo vírus também. Sendo assim, parece que as chances de desenvolvimento de dor e consequências neuromusculares são aumentadas em pacientes internados por COVID19.
O objetivo deste relato foi descrever um caso de disfunção musculoesquelética em um paciente pós-COVID-19, e o efeito da abordagem fisioterapêutica adotada.
MÉTODOS
A pesquisa foi realizada no formato relato de caso, aplicada em uma clínica escola de fisioterapia (CLESAM – Clínica Escola Amarina Motta) do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), situada em Bonsucesso – RJ. O paciente voluntário do caso assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que explicava os objetivos, procedimento e riscos do estudo.
Os atendimentos foram realizados de forma remota e presencial em dois semestres (2020/1 e 2020/2). No primeiro momento, foi atendido por tele-atendimento com 6 encontros online, no primeiro a consulta avaliativa com anamnese e compreensão do quadro clínico do indivíduo, seguido por 5 atendimentos (Momento 1 – M1). Após o intervalo de aproximadamente 3 meses (recesso semestral e adaptação de retorno ao atendimento presencial devido pandemia), iniciou-se o atendimento por outra equipe presencialmente, e também foi composto por teleatendimento, devido à contaminação por COVID-19 de integrante da equipe. Foram realizados 9 encontros, sendo os dois primeiros para avaliação (1 remoto e 1 presencial) e o último reavaliação, com 6 atendimentos (Momento 2 – M2). O tratamento foi baseado em cinesioterapia, com verificação dos sinais vitais durante todos os exercícios.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente residente do Rio de Janeiro, comerciante autônomo, com história patológica pregressa de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) há pelo menos 5 anos, em uso contínuo de Losartana 50 mg e Hidroclorotiazida 25 mg, uma vez ao dia, e em caso de quadro álgico intenso o mesmo referiu o uso de relaxante muscular.
Características demográficas encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1. Características demográficas do paciente
Características | Sujeito |
Sexo | Masculino |
Idade (anos) | 53 |
Peso (Kg) | 150 |
Altura (cm) | 187 |
IMC (Kg/m²) | 42,90 |
Condições de saúde | Pós-Covid, HAS, Obesidade e Sedentarismo |
Recebeu diagnóstico de COVID-19, após apresentar sintomas de febre em 39°C, dispneia e dor no corpo. O mesmo se consultou por 10 dias na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) próximo de sua residência, porém, com a evolução da dispneia foi encaminhado para um hospital público da cidade do Rio de Janeiro e permaneceu internado por 21 dias, sendo os 8 dias no setor de emergência e 13 dias em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Durante toda a internação ficou restrito ao leito, com mudança de decúbito apenas de dorsal para lateral esquerdo, fazendo uso de cateter nasal para suporte de oxigênio. Durante a internação, relatou que sentia dor em nádegas e em virilha esquerda irradiando para membro inferior esquerdo lateralmente, além de dispneia. Após alta, percebeu diminuição de equilíbrio e fraqueza muscular, sendo incapaz de deambular sem auxílio, necessitando de muletas para melhor locomoção. Após 2 dias de alta hospitalar, o paciente relatou ter apresentado infecção urinária associando cateter vesical de demora no período de internação. Ressaltou perda de peso de aproximadamente de 20Kg. Após 15 dias de alta hospitalar procurou o serviço de fisioterapia da CLESAM. Na primeira anamnese (M1) relatou dormência em membro inferior esquerdo, dor em região glútea e perna do membro inferior esquerdo (MIE), além de fadiga para realizar atividades da sua vida diária (AVD´s), fraqueza muscular e funcionalidade comprometida, com dificuldade para caminhar e levantar de sentado. No M2, já relatou dor em região inguinal esquerda, principalmente ao realizar flexão de quadril, além de dificuldade trabalhar e pilotar moto, e ainda alguma dificuldade para caminhar.
AVALIAÇÃO
No M1 foram realizados 2 instrumentos avaliativos: EVA, Escala Funcional Específica do Paciente. E a escala de BORG foi utilizada durante os exercícios, para nortear a intensidade dos mesmos. Enquanto, no M2, com atendimentos presenciais, foram realizados 5 instrumentos: EVA, Mingazzini (MMII), Inventário Breve de Dor e Avaliação de Força Muscular Manual.
A Escala Visual Analógica (EVA), para avaliar a experiência sensorial de dor(8), varia de 0-10, sendo 0 uma intensidade inexistente de dor e 10 a pior dor possível. A mesma foi apresentada visualmente, facilitando a compreensão do paciente.
A escala de BORG utilizada para avaliar o nível de esforço físico(9), tem numeração de 0 a 10, onde 0 o paciente não apresenta nenhum esforço e 10 está completamente exausto, o paciente escolhe a numeração como nota para o cansaço físico, sendo resultado da avaliação do nível de esforço realizado pelo mesmo. A escala foi utilizada durante os exercícios para identificação do nível de esforço apresentado pelo paciente.
A Manobra de Mingazzini foi realizada para avaliação deficitária de força(10). O paciente é orientado a deitar em decúbito dorsal e permanecer por um minuto em flexão de quadril, joelho e pé pelo tempo que conseguir, para avaliação da força em membros inferiores (MMII). Foram avaliados os dois membros inferiores do paciente como forma comparativa de resultados. A Escala Medical Research Council (MRC) foi utilizada como forma de avaliação de força muscular manual no seguimento alterado na manobra de Mingazzini, onde a pontuação varia de 0 a 5, sendo 0 plegia e 5 grau de força muscular normal(11).
A Escala Funcional Específica do Paciente (EFEP) tem como objetivo avaliar a funcionalidade do paciente de acordo com as atividades diárias, sendo associada com a dificuldade de realizar até três tarefas escolhidas pelo próprio paciente(12). O paciente identificou as atividades e escolheu uma nota de 0 a 10, onde 0 é impossível de realizar a tarefa e 10 realiza-la sem dificuldade.
O Inventário Breve de Dor é uma ferramenta que avalia de forma multidimensional a interferência da dor nas últimas 24 horas em atividades como: caminhar, dormir, trabalhar, entre outras, além da avaliação de dor. A nota varia de 0 a 10, onde 0 a dor não interferiu em nenhuma atividade e 10 interferiu completamente(13).
A avaliação da sensibilidade foi realizada investigando a sensação tátil no dermátomo correspondente a cada nível do nervo(14), foram verificados todos os dermátomos de MMII bilateralmente. E o reflexo tendíneo verificado foi o patelar, através do martelo de percussão para reflexos(15).
A marcha foi avaliada de forma qualitativa através de gravação de vídeo, no início do M1, enviado pelo paciente, e ao final do M2, realizado na CLESAM. Os mesmos foram avaliados e descritos por uma Fisioterapeuta da mesma clínica escola, porém que não teve contato com o caso, apenas com ciência da sua condição de saúde.
INTERVENÇÃO
MOMENTO 1
O paciente foi avaliado, orientado, e atendido por teleatendimento através de plataforma online por parte de uma turma de estagiários da Clínica Escola, supervisionados por professora fisioterapeuta. Paciente recebeu 5 atendimentos, sendo 2 atendimentos por semana no período de 3 semanas; no último atendimento recebeu orientação de exercícios domiciliares para o recesso, já que finalizaria o período. As condutas foram programadas pela equipe de acordo com a demanda apresentada pelo paciente, com foco em fortalecimento muscular e mobilidade, considerando a limitação do atendimento remoto, respeitando nível de cansaço e auto-aferição da pressão arterial (PA) e tempo de descanso entre os exercícios (Tabela 2).
MOMENTO 2
Depois de três meses, houve uma nova avaliação do paciente com mais instrumentos, possível pelo atendimento presencial, com equipe composta de dois alunos estagiários da Clínica Escola e por uma professora fisioterapeuta. O programa de tratamento fisioterapêutico foi baseado em condutas cinesioterapêuticas de acordo com decisão clínica pragmática da equipe, com evolução para exercícios mais próximos das tarefas diárias, respeitando nível de cansaço e aferição de sinais vitais e tempo de descanso entre os exercícios. O paciente foi atendido uma vez por semana, com 2 atendimentos presenciais e 4 teleatendimentos, totalizando 6 semanas. (Tabela 3). Como o atendimento era realizado uma vez por semana, foi orientado ao paciente realizar em domicílio os exercícios possíveis que não exigissem utilização dos materiais terapêuticos que não possuía. Vale ressaltar que o paciente foi acompanhado pelo setor de Fisioterapia respiratória no mesmo semestre, porém, não foi objetivo deste relato.
Tabela 2. Descrição das condutas em M1
SEMANA 1 | Extensão de joelho bilateral, alternado sentado 1×10; Flexão plantar e dorsiflexão bilateral, alternado, sentado 1×10; Flexão de Ombro bilateral, simultâneo com bastão 1×10; Flexão de quadril bilateral, alternado, sentado perna flexionada 1×10. |
SEMANA 2 | Flexão de quadril bilateral, sentado, perna flexionada 1×10; Flexão plantar e dorsiflexão bilateral sentado 1×10; Flexão de cotovelo bilateral com garrafa de ½ Litro, sentado 1×10; Extensão de joelho bilateral sentado 1×10; Flexão de Quadril bilateral PO, com apoio 1×10; Flexão plantar e dorsiflexão PO, com apoio 1×10; Flexão de cotovelo bilateral com garrafa de ½ Litro, PO 1×10; Flexão de ombro bilateral com garrafa, PO 1×10. Evoluiu para 2×10 no segundo dia. |
SEMANA 3 | Fortalecimento de tríceps com garrafa 2L, sentado 2×10; Flexão de ombro com garrafa 2L, sentado 2×10; Sentar e levantar 2×10; Subir e descer degrau 1×5; Extensão de joelho com 1kg, sentado 2×10; Flexão plantar e dorsiflexão, PO 2×10 |
EXERCÍCIOS DOMICILIARES ORIENTADOS | – Flexão de ombro combinada com flexão de cotovelo resistida por garrafa de água 1×5; Flexão de ombro com cotovelo estendido + protração escapular 1×5; Ponte 1×5; Elevação da perna reta sem resistência externa 1×5; Inspiração fracionada na posição sentada 1×4; Extensão de joelho ativa 1×5; Flexão de quadril alternada em posição sentada 1×5. |
Tabela 2. Descrição das condutas em M2
SEMANA 1 | Sentar e levantar 3×10; Ponte 2×10; Flexão de quadril e joelho bilateral em decúbito lateral 1×5; Caminhada na esteira por 8 minutos. |
SEMANA 2 | Esteira 10 minutos; Ponte 3×10; Flexão de quadril bilateral em decúbito dorsal 1×10; Flexão de quadril bilateral em decúbito lateral direito 3×10; Apoio do pé em degraus de diferentes alturas 4×10 iniciando sem carga e evoluindo a carga gradativamente (0,5kg, 1kg). |
SEMANA 3 | Sentar e levantar 1×10; Agachamento sem encostar na cadeira 2×10; Flexão plantar em pé 3×10; Ponte 3×10; Extensão de quadril bilateral em pé 3×10. |
SEMANA 4 | Sentar e levantar sem apoio das mãos 3×10; Agachamento livre com apoio 2×10; Flexão Plantar, PO 2×10; Extensão de quadril bilateral, PO 3×10; Ponte 2×10; Extensão de joelhos, sentado 1×10. |
SEMANA 5 E 6 | Sentar e levantar sem apoio das mãos 3×10; Extensão de quadril bilateral em pé 3×10; Extensão de joelho bilateral sentado 3×10; Adução de quadril sentado apertando o travesseiro 3×10; Flexão de tronco sentado 3×10. |
Tabela 3. Resultados da Avaliação e Reavaliação no Momento 1
Instrumento | Avaliação | Reavaliação |
EVA – Glúteos | 8 | 5 |
EVA – Perna esquerda | 7 | 1 |
EFEP – caminhar | 5 | 9/10 |
EFEP – Levantar | 3 | 5/6 |
TABELA 2: Resultados da Avaliação e Reavaliação no Momento 1
Instrumento | Avaliação | Reavaliação |
EVA – Virilha Esquerda | 8 | 1 |
Mingazzini MID | segundos | segundos |
Mingazzini MIE | segundos | segundos |
MRC – flexores de quadril | MIE 3 MID 5 | MIE 4 MID 5 |
Inventário Breve de Dor | Intensidade da dor: média 4 Interferência da dor: média 3,28 | Intensidade da dor: média 0,5 Interferência da dor: |
Na avaliação de sensibilidade foram verificados todos os dermátomos de MMII, e não foi encontrada alteração, assim como na avaliação de reflexo.
DESCRIÇÃO QUALITATIVA DA MARCHA
M1: Paciente apresenta dificuldade na realização do passo, por provável alteração da transferência látero-lateral do peso do corpo. Observa-se também a diminuição da mobilidade do tornozelo e consequente disfunção nas fases de oscilação e apoio da marcha. Ao longo da análise, percebe-se a utilização da elevação do quadril – com consequente flexão lateral do tronco – substituindo assim a flexão do quadril e joelho, como forma de realização do passo. Importante destacar que a transferência lateral do peso é fundamental para a realização do passo. Nessa análise, pela alteração da força muscular global, tal função está prejudicada.
M2: A transferência do peso látero-lateral durante a marcha está melhor – bem como a velocidade. Observa-se a melhor flexão de quadril e joelhos, fundamentais para a realização do passo. Junto a isso, a fase de apoio é mais evidente, permitindo a fase de oscilação sem instabilidade.
DISCUSSÃO
O trabalho teve como objetivo relatar o efeito da abordagem fisioterapêutica em um paciente pós-COVID-19 com queixa principal relacionada à disfunções musculoesqueléticas, principalmente dor e fraqueza muscular levando à dificuldade para AVDs. O paciente internado sob cuidados intensivos ou por tempo prolongado de internação pode apresentar diversas consequências estruturais, em atividades e participação social. O paciente descrito, pertencente ao grupo de risco, não evoluiu para suporte ventilatório invasivo durante internação, mas necessitou ficar mais de dez dias internado, acamado. Apresentando relato de dormência significativa, quadro álgico intenso em MIE (glúteo, perna e região inguinal), dificuldade de participação para trabalhar, andar de moto e diminuição da funcionalidade para caminhar e levantar. Foi possível colher resultados que parecem ter otimizado a funcionalidade do indivíduo de acordo com a demanda apresentada.
Segundo Stam et al.(16) quanto maior o tempo de internação dos pacientes que são submetidos a tratamento intensivo em UTI, maiores são as chances de complicações físicas, emocionais e cognitivas. As chances de lesões musculares também aumentam com este tempo de internação pelo do imobilismo e drogas geralmente utilizadas para o tratamento do estágio mais avançado da doença. Sintomas como dor, dificuldade para locomoção e para tolerar os exercícios e disfunção neuromuscular mesmo após a cura são geralmente encontrados nesses pacientes(5,3), o que corrobora com as queixas do paciente em questão.
Os medicamentos utilizados com objetivo de tratar os pacientes infectados e principalmente os que chegam em estado grave, possuem efeitos adversos que atingem diretamente o sistema muscular. Entre os medicamentos comumente utilizados estão Hidroxicloroquina, Azitromicina e Heparina, que podem levar a fraqueza muscular, lesão muscular, miopatia, dificuldade de controle muscular, atrofia, osteonecrose e entre outros efeitos adversos(17).
Simpson e Robinson(18) afirmam que a polineuropatia também é encontrada em alguns pacientes pós alta hospitalar após a SDRA, além de fraqueza muscular, sua sintomatologia pode incluir parestesias, anestesia e hiporreflexia. A polineuromiopatia, no paciente crítico pode estar relacionada a deficiências nutricionais e problemas metabólicos, substâncias tóxicas, controle deficiente do açúcar no sangue em pacientes diabéticos e infecções causadas pela síntese bacteriana de toxinas ou reações autoimunes(19). Devido ao relato de dormência, fraqueza muscular e desequilíbrio postural, achamos prudente investigar sinais neurais. No exame de força pela manobra deficitária de Mingazzini e no teste de força muscular manual (MRC) o paciente apresentou fraqueza muscular proximal bilateral, porém sensibilidade e reflexos normais. Presencialmente, após poucos atendimentos mas com orientação de exercício domiciliar, paciente já se apresentou com maior estabilidade e com marcha mais próximo ao natural.
Outra manifestação clínica importante é a dor musculoesquelética, presente até mesmo em pacientes com sintomas leves(20,3). Jacobes et al.(21) demonstrou que alguns pacientes infectados pela COVID-19 permanecem com dor musculoesquelética após a cura e alta hospitalar. O que demonstra a importância da reabilitação terapêutica precoce em pacientes internados em UTI e possivelmente a continuidade ambulatorial deste acompanhamento. O paciente apresentou dor intensa em glúteo e perna esquerdas no M1 e no M2 referiu em região inguinal. No M1 houve melhora da dor com os exercícios voltados para força muscular e mobilidade. Em M2, presencialmente, foram realizados testes musculoesqueléticos, porém, não houve associação com disfunções articulares, de neurodinâmica ou miofasciais e com a história relatada. Sendo assim, como conduta foram utilizados exercícios físicos globais, voltados para as tarefas, com o objetivo de minimizar o quadro álgico e restabelecer a funcionalidade do indivíduo. Já que está bem evidente que programa de exercício multimodal, aeróbicos, fortalecimento, flexibilidade, são essenciais para pacientes com dores musculoesqueléticas, como na coluna e joelho(22), e parece que é possível abranger para outras partes do corpo.
Coudeyre et al.(23) afirmam que a reabilitação pós-COVID-19 deve ser realizada gradualmente com fortalecimento muscular e recondicionamento aeróbico, associada ao recondicionamento físico em geral. Além de sequelas respiratórias, os pacientes infectados pelo SARS-CoV2 apresentam sequelas musculoesqueléticas, o que mostra que a reabilitação para esses indivíduos deve ser realizada de acordo com a demanda apresentada, podendo incluir mobilizações passivas e exercícios ativos(24), gerando otimização da função respiratória e musculoesquelética(25). Tais sugestões embasam a intervenção praticada e sugere a melhora percebida neste caso.
Outro ponto a destacar é que a maioria dos atendimentos foram remotos, os chamados tele-atendimentos que mostraram grande utilidade durante a pandemia de COVID-19, permitindo que os pacientes continuassem a receber cuidado de forma remota(26). Nossos resultados corroboram com outros estudos que demonstram o benefício de atendimentos nesta modalidade, possibilitando avaliação e tratamento de diferentes disfunções(27).
Incluso com a intervenção terapêutica, além dos exercícios para a otimização das atividades diárias e melhora do desempenho estrutural do paciente, é importante ressaltar que o acolhimento com uma conversa empática, tanto nos tele-atendimentos quanto nos atendimentos presenciais, e a escuta terapêutica foram notados pelo paciente, que por vezes relatou o quanto “a questão emocional” era importante, e demonstraram grande valor no processo.
O estudo apresentou algumas limitações. Não foi possível controlar se o paciente realizava as orientações domiciliares. No M2 os atendimentos presenciais precisaram ser interrompidos e migraram para o formato remoto sincrônico, o que limitou algumas medidas e atuações, além de não ter sido repetido uma das escalas do M1. Na tentativa de retorno após novo recesso acadêmico para um possível M3, o paciente apresentou questões pessoais que dificultaram nossa comunicação. O intervalo de atendimento entre os semestres, a adequação dos atendimentos presenciais pelo período pandêmico e a dificuldade de comunicação em alguns momentos dificultaram o controle e coleta de todos os dados.
CONCLUSÃO
Ao teste não houve melhora significativa na força muscular, porém foi perceptível através das escalas, a melhora da dor, tanto na intensidade quanto na interferência na vida. E o paciente relatava ao longo do atendimento a melhora nas tarefas ditas com dificuldade. O que pode demonstrar que o manejo fisioterapêutico com exercícios globais e também voltado às demandas funcionais do paciente pósCOVID-19 pode contribuir positivamente na evolução do quadro álgico e na melhora da incapacidade funcional mesmo com mais tele-atendimentos do que atendimentos presenciais.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
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