INCIDÊNCIA DE DISCINESE ESCAPULAR EM INDIVÍDUOS COM TENDINOPATIA DO MÚSCULO SUPRA-ESPINHAL: RESULTADOS PARCIAIS

INCIDENCE OF SCAPULAR DYSKINESIS IN INDIVIDUALS WITH TENDENOPATHY OF THE SUPRASPINHAL MUSCLE: PARTIAL RESULTS

Autores:
Bruna Isabel da Silva1;
Catieli da Costa Réos1;
Josué Nascente dos Santos2;
Vicente de Almeida Brito3.

¹Acadêmica de graduação, Curso de Fisioterapia, Universidade Luterana do Brasil, Torres, Brasil.
2Fisioterapeuta, Preceptor, Universidade Luterana do Brasil, Torres, Brasil.
3Professor, Curso de Fisioterapia, Universidade Luterana do Brasil, Torres, Brasil.


RESUMO

Introdução: A escápula desempenha papel fundamental no movimento e estabilização ideal da articulação do ombro, quando ocorre alguma alteração na cinemática escapular é denominado discinese escapular e essa alteração pode estar associada a tendinopatia do músculo supra-espinhal. Objetivo: Avaliar a relação da presença de discinese escapular com a tendinopatia do músculo supraespinhal. Métodos: Trata-se de um estudo transversal com 23 indivíduos avaliados, por meio de questionário para caracterização da amostra, nível de dor, mobilidade, força muscular, questionários de funcionalidade de UCLA e Constant Murley, e testes clínicos para avaliação da presença de discinese escapular. Resultados: A discinese escapular esteve presente em 91, 30% (n=21) dos indivíduos avaliados, sendo prevalente a discinese escapular tipo II. A dor obteve classificação média de 7,39 ± 1,37 na EVA. Os escores de funcionalidade no questionário de UCLA apresentaram média de 15,34 ± 5,77, classificado como ruim e a Constant Murley, média de 39,34 ± 15,30, indicando pior função. Conclusão: Sugere-se que indivíduos com tendinopatia do músculo supra-espinhal também apresentaram discinese escapular. Além disso, a dor foi significativamente importante na piora da funcionalidade e a discinese escapular pode ter contribuído para o desenvolvimento da tendinopatia.

Palavras-chave: Tendinopatia. Manguito rotador. Fisioterapia.

ABSTRACT

Introduction: The scapula plays a fundamental role in the movement and ideal stabilization of the shoulder joint, when there is any change in scapular kinematics it is called scapular dyskinesis and this change may be associated with tendinopathy of the supraspinatus muscle. Objective: To evaluate the relationship between the presence of scapular dyskinesis and supraspinatus muscle tendinopathy. Methods: This is a cross-sectional study with 23 individuals evaluated through a questionnaire to characterize the sample, level of pain, mobility, muscle strength, UCLA and Constant Murley functionality questionnaires, and clinical tests to assess the presence of dyskinesis scapular. Results: Scapular dyskinesis was present in 91. 30% (n=21) of the individuals evaluated, with type II scapular dyskinesis being prevalent. Pain had a mean score of 7.39 ± 1.37 on the VAS. Functionality scores in the UCLA questionnaire had a mean of 15.34 ± 5.77, classified as poor, and Constant Murley, a mean of 39.34 ± 15.30, indicating worse function. Conclusion: It is suggested that individuals with supraspinatus muscle tendinopathy also had scapular dyskinesis. In addition, pain was significantly important in worsening functionality and scapular dyskinesis may have contributed to the development of tendinopathy.

Keywords:Tendinopathy. Rotator cuff. Physiotherapy.

INTRODUÇÃO

A dor no ombro é considerada uma das principais queixas musculoesqueléticas e gera um grande impacto na qualidade de vida das pessoas (STOYCHEV et al., 2020). A causa mais comum de dor no ombro é a tendinopatia, apresenta um caráter persistente, comprometendo os tendões e estruturas circundantes do manguito rotador, sendo composta pelos músculos supra-espinhal, infraespinhal, subescapular e redondo menor (ROMERO et al., 2021).

O músculo supra-espinhal atua na estabilização e elevação da articulação glenoumeral ao longo de sua amplitude de movimento, onde o desenvolvimento da tendinopatia é decorrente do estresse excessivo gerado no tendão que dificulta a capacidade da cicatrização das células que falham ao reparar adequadamente este tendão (SPARGOLI, 2019). Prevalente na causa de dor em pacientes com mais de 35 anos (HUGUET et al., 2020). Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da tendinopatia são definidos como intrínsecos, que estão associados ao avanço da idade, onde o tendão tende a se degradar, e consequentemente diminuem a capacidade de suportar cargas, já os fatores extrínsecos são caracterizados pelas alterações anatômicas e biomecânicas que resultam no estreitamento do espaço subacromial (SANTOS, 2019).

O diagnóstico é realizado através de exames físicos e clínicos, a história do paciente é fundamental para determinar os fatores agravantes na lesão, tais como início de sintomas, ocupação laboral, prática de esportes, condições biopsicossociais e o exame físico é composto por testes de impacto ou provocação de dor (SPARGOLI, 2018). Para um diagnóstico mais preciso, são utilizados exames de imagem, através da ultrassonografia ou ressonância magnética (CHIANCA et al., 2018).

A escápula desempenha um papel fundamental no movimento e estabilização ideal da articulação do ombro (KOVÁCS, 2021). Quando ocorre alguma alteração da função e condição de mobilidade normal, é denominado Discinese Escapular (DE) (LONGO et al., 2020). Essas alterações na cinemática escapular podem resultar em alterações estruturais e funcionais nas articulações do ombro, gerando diminuição do espaço subacromial, mudanças na ativação dos músculos escapulares, aumenta o risco de impacto das estruturas internas da glenoumeral, desequilíbrio muscular, alteração de força que gera predisposição ao desenvolvimento de lesões nessa articulação (BLEY et al., 2016). A DE está comumente associada a patologias de ombro(MOGHADAM et al., 2017). Contudo, o objetivo do presente estudo foi identificar a incidência de discinese escapular associada a tendinopatia do músculo supra-espinhal.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caráter transversal, descritivo e observacional. Realizado na Clínica escola de fisioterapia da ULBRA Campus Torres, no período de Abril de 2020 a Novembro de 2020, onde foram recrutados indivíduos de ambos os sexos, com idades entre 18 e 70 anos. Os critérios de inclusão foram: Indivíduos portadores de tendinopatia do músculo supra-espinhal nos graus I e II na classificação de Neer, dois dos três testes clínicos, apresentarem positivo (Neer, Jobe, Hawkins Kennedy), palpação da bursa subacromial negativa, nível de dor igual ou superior à 6 na Escala Visual Analógica (EVA) e no mínimo três meses sentindo dor subacromial.

Os Critérios de exclusão foram: Início do quadro álgico por traumatismo; Histórico de luxação no ombro e/ou sinal positivo no teste de apreensão; Teste de Queda do Braço ser positivo, assim indicando ruptura total do músculo supra-espinhal; Teste clínico do músculo Infra-espinhal ser positivo; Fraturas prévias no complexo do ombro; Acrômio tipo III (Classificação de Bigliani) no raio X; Cirurgia prévia no ombro afetado, coluna cervical ou torácica; Uso de infiltrações com corticóides nos últimos três meses; Radiculopatia cervical; Capsulite adesiva do ombro; Doença reumática; Fibromialgia; Gravidez; Medicamentos antiinflamatórios.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil com parecer de número 4.006.074, CAAE:29809120.8.0000.5349, de acordo com a resolução Nº 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde e, todos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

PROCIDIMENTO DE COLETA DE DADOS

Após preencherem os critérios de elegibilidade, os participantes do estudo receberam informações sobre a pesquisa e foram avaliados, por um avaliador treinado, através de uma ficha de avaliação para coleta de dados sociodemográficos, avaliação do nível de dor através da escala visual analógica (EVA), da mobilidade por meio de um goniômetro universal, foram mensuradas as amplitudes de movimentos ativos de flexão, abdução e rotação externa de ombro. A força muscular foi coletada através da dinamometria manual, sendo quantificada pela máxima contração isométrica voluntária (MCIV). A MCIV foi mensurada para os movimentos de flexão, abdução e rotação externa de ombro, sendo realizado cada movimento três vezes. A média das três medidas de cada teste de força foi utilizada para análise dos dados.

O nível de funcionalidade e incapacidade foram coletados através dos questionários de Escala Funcional da “University of California at Los Angeles” (UCLA) e o “Constant-Murley Score”. A avaliação de presença de algum tipo de disfunção escapular foi realizada através dos testes clínicos

Isometric Scapular Pinch Test (contração isométrica), Wall Push-Ups (Teste de “flexão na parede”), Lateral Scapular Slide Test – “LSS Teste” (Deslocamento lateral), Scapular Assistance Test e Scapular Retraction Test, após o avaliador identificou a condição escápulo-torácica do participante conforme a classificação da discinese escapular descrita por Kibler et al., (2016).

Para a análise dos dados utilizou-se o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 17.0 como pacote estatístico. Inicialmente foi realizada uma análise descritiva das variáveis dos estudos através de número absoluto, frequência, média e desvio padrão.

CÁLCULO AMOSTRAL

Utilizamos como desfecho primário do estudo estabelecer a associação de discinesia escapular em diferentes doenças do ombro (RABIN et al., 2018), disponível em periódico classificado com Qualis A1, conceituado no quadriênio 2013 – 2016 (Área: Educação Física), e Qualis B1, conceituado quadriênio 2013 – 2016 (Área: Medicina II).

E, para um cálculo amostral inicial, utilizando um poder de força do estudo de 80%, nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%, chegou-se ao número estimado de 63 participantes. Acreditando que as perdas e recusas estarão em torno de 10%, chegamos ao número final de 57 indivíduos.

RESULTADO

A amostra foi composta por 23 sujeitos, com uma média de idade de 48,30 anos (± 12,96), sendo 82,60% (n=19) do sexo feminino. O índice de massa corporal (IMC) apresentou média de 27,42 (± 4,33), indicando sobrepeso. A maioria dos indivíduos exercem atividades em serviços gerais com 30,43% (n=7). Dos sujeitos avaliados, 52,17% (n=12) apresentaram afecção de ombro esquerdo e tempo médio de dor em meses de 37,13 (± 31,39). A Tabela 1 apresenta as características da amostra.

Tabela 1. Caracterização dos sujeitos do estudo (n=23)

Idade, anos (m ± dp)48,30 ± 12,96
Sexo, n (%)
Masculino4 (17,40))
Feminino19 (82,60)
Cor da pele, n (%)
Branco20 (86,95)
Preto3 (13,04)
Peso, kg (m ± dp)72,46 ± 13,47
Estatura, m (m ± dp)1,62 ± 0,83
IMC, n (m ± dp)27,42 ± 4,33
Ocupação, n (%)
Serviços gerais7 (30,43)
Aposentado2 (8,70)
Pescador 2 (8,70)
Auxiliar administrativo5 (21,73)
Outros7 (30,43)
Ombro afetado, n (%)
Direito11 (47,82)
Esquerdo 12 (52,17)
Tempo com dor, meses (m ± dp) 37,13 ± 31,39
Kg: quilograma; m: metro

O nível de dor avaliado através da escala visual analógica (EVA), apresentou média de 7,39 (± 1,37) indicando nível de dor moderada. O nível de funcionalidade e incapacidade avaliado através dos questionários de Escala Funcional da “University of California at Los Angeles” (UCLA), apresentou pontuação média de 15,34 (+ 5,77), obtendo classificação ruim, assim como a Constant Murley que apresentou pontuação média de 39,34 (+ 15,30), indicando pior função.

A amplitude de movimento (ADM) ativa do ombro afetado nos movimentos de flexão obteve uma média de 127,34° (+ 29,57), já a abdução uma média de 115,21° (+ 33,28) e a rotação externa com 58,78° (+ 18,67). Todos abaixo dos valores de referência.

A força muscular do ombro afetado nos movimentos de flexão obteve média de 6,62 KgF (+ 4,20), para abdução 8,22 KgF (+ 4,36) e para rotação externa 4,72 KgF (+ 3,29). Os níveis de dor, funcionalidade, goniometria e força muscular são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2. Nível de dor, Funcionalidade, Goniometria e Força Muscular (n=23)

Dor, pontuação (m ± dp)7,39 ± 1,37
UCLA, pontuação (m ± dp)15,34 + 5,77
Constant Murley, pontuação (m ± dp)39,34 + 15,30
Goniometria ativa, graus (m ± dp)
Flexão de ombro127,39 + 29,57
Abdução de ombro115,21 + 33,28
Rotação externa de ombro58,78 + 18,67
Força muscular, KgF (m ± dp)
Flexão de ombro6,62 + 4,20
Abdução de ombro8,22 + 4,36
Rotação externa de ombro4,72 + 3,29
KgF: quilograma-força

Dos sujeitos avaliados, 91,30% (n=21) apresentaram sinal positivo nos testes clínicos, sendo determinada a presença da discinese escapular. Destes, 61,90% (n=13) tiveram na sua maioria classificação de discinese escapular tipo II. Os dados da presença de discinese escapular são apresentados na tabela 3.

Tabela 3. Testes clínicos e Discinese Escapular (n=23)

Testes clínicos, n (%)
Positivo21 (91,30)
Negativo2 (8,70)
Discinese Escapular, n (%)
Sim21 (91,30)
Não2 (8,70)
Classificação da Discinese, n (%)
Tipo I6 (28,57)
Tipo II13 (61,90)
Tipo III2 (9,53)
Tipo IV

DISCUSSÃO

Ao descrever a relação da presença de discinese escapular com a tendinopatia do músculo supra-espinhal, evidencia-se que a discinese escapular pode ser a causa ou a consequência da tendinopatia e outras patologias, devido à importante alteração da função normal do ombro, de acordo com Longo et al. (2020).

A idade dos indivíduos avaliados apresentou média de 48,30 anos, com uma presença significativa da discinese escapular em 91,30% (n=21) dos indivíduos com a tendinopatia do supraespinhal. Para Huguet et al. (2020) a tendinopatia é prevalente em indivíduos acima de 35 anos, devido ao processo de envelhecimento natural no tendão e ao esforço repetitivo exercido sobre o mesmo. Já a discinese escapular pode estar presente em indivíduos jovens e saudáveis, evidenciado por Hannah et al. (2017), no qual foram avaliados 40 indivíduos saudáveis com média de idade de 22,00 (± 2,06) anos, sendo a discinese escapular presente em 68% (n=27) dos avaliados. Resultado semelhante ao de Kovács et al. (2021) que observaram a DE em 53% dos 70 indivíduos avaliados, com média de 22,17 anos (± 1,77), sugerindo que a discinese escapular pode ser um fator significante para o surgimento de lesões no ombro em indivíduos saudáveis e que não apresentam histórico de patologias.

Da mesma forma que é prevalente em jovens, a DE é comumente encontrada em atletas, e, nessa perspectiva, Moller et al. (2017) avaliaram 679 jovens jogadores de handebol assintomáticos e concluíram que a presença de DE e diminuição de força rotacional externa quando associadas, pode aumentar a taxa de lesões no ombro desses. Corroborando com Rich et al. (2016), que buscaram compreender a relação da presença da DE em atletas com a dor e predisposição a lesões. O principal objetivo de Rich et al. (2016) foi observar a relação entre fadiga muscular e alterações cinemáticas da escápula como forma de identificar os possíveis riscos de lesão entre 20 jogadores de tênis. Através da indução da fadiga muscular, verificaram que a fadiga imediata era capaz de induzir DE sem necessariamente a presença de dor no ombro, porém sugere que os jogadores de tênis desenvolvem agudamente padrões de movimento escapular anormais como resultado da fadiga e essa discinesia pode ser clinicamente significativa. Pois, aumenta o risco de impacto a longo prazo em jogadores que continuam a participar de atividades repetitivas com a mão acima da cabeça.

Assim como gera aumento significativo no desenvolvimento de lesões, e patologias como a tendinopatia, a DE pode influenciar diretamente para o aumento dos níveis de dor. Nesse ponto de vista, Hickey et al. (2018) em uma revisão sistemática com meta-análise, encontraram resultados que corroboram com essa hipótese, ao relatarem que atletas com discinesia escapular têm risco 43% maior de desenvolver dor no ombro do que aqueles sem discinesia escapular. Em contrapartida, Gomes et al. (2020), avaliaram a prevalência de discinese escapular e dor no ombro de 28 surfistas amadores do rio grande do sul, com idade média de 28 anos, com 14,3% (n=4) apresentando algum tipo de tendinopatia e 71,4% (n=15) com discinese escapular. Evidenciaram que apenas 9 atletas (42,9%) apresentaram dor no ombro, chegando à conclusão de que a DE foi observada na maioria da população estudada, e a dor em menos da metade dos participantes, observando que não há correlação da DE com dor e redução da qualidade de vida nestes indivíduos. Nessa mesma perspectiva Oliveira et al. (2018) também mostraram resultados semelhantes ao avaliar 178 jovens, com prevalência de 56,7% de DE sem apresentar associação de dor no ombro.

Observa-se que os estudos avaliaram jovens e atletas e a DE pode estar associada a adaptação do gesto esportivo, sem aumentar o risco de dor a curto prazo. Porém, esses indivíduos podem desenvolver alguma patologia decorrente do movimento repetitivo sobre o tendão e a alteração do movimento escapular a longo prazo. Nos estudos citados, todos os indivíduos foram avaliados a fim de relacionar a DE com a dor, diferente dos resultados encontrados no presente estudo, onde todos os avaliados apresentavam nível de dor importante e a dor foi associada a DE. A idade média dos indivíduos avaliados no presente estudo foi de 48,30 anos, o que difere dos estudos citados que apresentaram a média de idade de 22 anos. Por isso, a presença de dor pode estar acentuada devido aos micros traumatismos sequenciais e pelo processo natural do envelhecimento do tendão.

Os participantes do estudo apresentaram classificação média de dor 7,39 (± 1,37), através da escala visual analógica (EVA), indicando dor moderada, que pode afetar significativamente na funcionalidade do membro afetado. Apesar dos estudos de Oliveira et al. (2018) e Gomes et al. (2020) relatarem que a DE não pode ser considerada um fator primário para aumentar o risco de dor no ombro, assim como desenvolver lesões e que o movimento escapular alterado é apenas uma variação natural do movimento, podendo estar presente em indivíduos saudáveis. No entanto, a DE é resultado de um desequilíbrio muscular que pode contribuir para o surgimento de lesões a longo prazo, se a musculatura estabilizadora apresentar esse desequilíbrio, consequentemente, resulta na movimentação escapular incorreta, diminuindo o espaço entre o acrômio e tendões do manguito rotador e também a fraqueza da musculatura que aumenta a probabilidade de sobrecarga do tendão, que de fato poderia ser um fator predisponente à lesão, até mesmo nesses indivíduos saudáveis de acordo com Saini et al. (2020).

A funcionalidade é fortemente prejudicada nas patologias de ombro, sendo um dos principais focos no tratamento (HUGUET et al. 2020). A funcionalidade de ombro é geralmente avaliada através de escalas como a Escala de Constant Murley (CM) que gradua através de domínios diferentes a dor, atividades de vida diária, amplitude de movimento e potência, sendo realizada antes e após tratamento de lesões (BARRETO et al. 2016). Em virtude disso, estudos como o de Burrus et al. (2017) utilizaram a Constant Murley como método de avaliação em indivíduos com tendinopatia de manguito rotador e avaliaram a força isométrica através da escala, na flexão anterior e abdução de ombro e seu efeito na dor, como justificativa de que a força é responsável por 25% da pontuação total da escala.

Outro estudo como o de Dejaco et al. (2016), utilizaram a Constant Murley na avaliação pré e pós tratamento da eficácia da terapia por exercício excêntrico isolado versus convencional em pacientes com tendinopatia do manguito rotador, os indivíduos foram divididos em dois grupos, grupo convencional (GC) e grupo excêntrico (GE), com média de idade no GE de 50.2 anos (± 10.8) e no GC 48.6 anos (± 12.3). Os escores de CM foram de 72.5 (± 17,7) pontos no GE e 78.9 (± 8.5) pontos no GC. A idade média foi semelhante aos indivíduos do presente estudo e as classificações de CM obtiveram resultados melhores, diferente dos resultados encontrados que foram 39,34 (+ 15,30) pontos, indicando pior função, ou seja, os indivíduos avaliados apresentam limitação funcional significativa.

Outra escala comumente utilizada para avaliação é a UCLA “University of California at Los Angeles Shoulder Rating Scale”. O estudo de Xu et al. (2020), utilizaram a Constant Murley e UCLA em seu estudo para avaliar 306 pacientes submetidos a reparo artroscópico do manguito rotador. Semelhante ao escore de Constant Murley, a escala de UCLA obteve média de 15,34 (+5,77) pontos, considerada classificação ruim. Isso indica que o nível de funcionalidade do membro afetado teve uma piora significativa, bem como o aumento da dor e a piora da qualidade de vida. Oliveira et al. (2018), além de avaliar a prevalência de dor em indivíduos com a DE, avaliaram inclusive o comprometimento funcional do membro, obtendo medidas de funcionalidade semelhantes entre os atletas com e sem discinese escapular. Entretanto, justifica-se que os indivíduos não apresentavam dor, consequentemente não tiveram piora na função do membro. De acordo com Sanchez et al. (2016) a DE desempenha um papel importante na função do ombro e qualquer alteração no seu posicionamento influencia diretamente na movimentação correta da articulação, da mesma forma que pode agravar patologias como a tendinopatia, resultando na piora da funcionalidade.

Além disso, a DE influência diretamente na força muscular, de acordo com Sanchez et al. (2016). Nessa perspectiva, Kovács et al. (2021) avaliaram a força muscular de 70 indivíduos, com presença de DE em 53% dos avaliados e de acordo com os resultados, evidenciaram diminuição significativa da força muscular do serrátil anterior, trapézio ascendente e romboides.

Os resultados apresentados confirmam a evidência de DE presente em indivíduos com patologias de ombro, também se ressalta a presença de DE em indivíduos saudáveis assintomáticos e sem qualquer histórico de patologia. A DE permanente por longo prazo pode aumentar os níveis de dor nos indivíduos com tendinopatia do músculo supra-espinhal.

O estudo obteve resultado parcial, decorrente da redução do tamanho da amostra, devido a interferência na coleta de dados em função do período da pandemia da Covid – 19. Também se destaca a escassez de estudos relacionando a incidência de discinese escapular em indivíduos com patologias de ombro e sua relação com os níveis de dor. Estudos recentes de avaliação da discinese escapular são mais focados em jovens saudáveis e em atletas.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostraram que indivíduos com tendinopatia do músculo supraespinhal também apresentaram discinese escapular, sendo mais prevalente a discinese escapular do tipo II. A discinese escapular pode ter contribuído para o desenvolvimento da tendinopatia do supraespinhal.

Constatou-se que a dor foi significativamente importante na piora da funcionalidade. Assim, para a amostra estudada, a evidência aponta a discinese escapular como um fator importante a ser avaliado em pessoas que apresentam alguma patologia de ombro.

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