PASSIVIDADE INTERNALIZADA: A CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA DO CIDADÃO ESPECTADOR¹

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202510291327


 André Luís Mello Gamba2; Carmine Antes de Oliveira; Daniel Gaedke Santos; Edson Prestes Braga; Eduardo Moreira Melo; Eliane Lurdes Kunkel; Gary Correa de Oliveira; Josiele Dorneles Menin; Luciano Douglas Romeiro; Márcia Dos Santos Telles; Nícolas Leonardi; Rodrigo Kuster de Borba


RESUMO  

A passividade internalizada constitui um fenômeno social que transcende a dimensão individual e se  inscreve nas estruturas simbólicas que organizam a vida coletiva. A formação do cidadão espectador  decorre da naturalização de discursos e práticas que condicionam a percepção da realidade, moldando  subjetividades a partir de representações hegemônicas que neutralizam a ação crítica. Ao ser exposto  constantemente a narrativas que enfatizam a estabilidade e a aceitação incondicional das normas, o sujeito  tende a reproduzir comportamentos de conformidade, tornando-se receptáculo de valores pré estabelecidos. Nesse processo, o espaço público é transformado em cenário de contemplação, em que a  participação ativa é substituída pela observação distante. A internalização da passividade implica, assim,  a renúncia parcial da cidadania plena, pois o engajamento político-social é progressivamente  desestimulado. A cultura midiática, o consumo de massa e as instituições normativas desempenham papel central nesse mecanismo, reforçando visões de mundo que consolidam a figura do cidadão espectador.  Em tal contexto, a subjetividade é colonizada por símbolos que exaltam a neutralidade como virtude e a  crítica como desvio. A passividade, longe de ser mero estado de inércia, torna-se projeto simbólico que  sustenta a perpetuação de relações de poder assimétricas. O cidadão, ao assumir a condição de  espectador, abdica do protagonismo transformador e incorpora práticas que legitimam a continuidade de  estruturas excludentes. Dessa maneira, compreender a construção simbólica dessa passividade é  fundamental para evidenciar os mecanismos invisíveis que enfraquecem a participação cidadã e  transformam a esfera pública em palco de silenciosa resignação.  

Palavras-chave: Passividade. Cidadania. Cultura.  

ABSTRACT  

Internalized passivity constitutes a social phenomenon that transcends the individual dimension and is  inscribed in the symbolic structures that organize collective life. The formation of the spectator citizen  results from the naturalization of discourses and practices that condition the perception of reality, shaping  subjectivities through hegemonic representations that neutralize critical action. When constantly exposed  to narratives that emphasize stability and unconditional acceptance of norms, the individual tends to  reproduce behaviors of conformity, becoming a receptacle of pre-established values. In this process, the  public sphere is transformed into a stage of contemplation, where active participation is replaced by distant  observation. The internalization of passivity thus implies the partial renunciation of full citizenship, as  political and social engagement is progressively discouraged. Media culture, mass consumption, and  normative institutions play a central role in this mechanism, reinforcing worldviews that consolidate the  figure of the spectator citizen. In this context, subjectivity is colonized by symbols that exalt neutrality as  virtue and criticism as deviation. Passivity, far from being a mere state of inertia, becomes a symbolic  project that sustains the perpetuation of asymmetrical power relations. The citizen, by assuming the  condition of spectator, abdicates transformative protagonism and incorporates practices that legitimize  the continuity of exclusionary structures. In this way, understanding the symbolic construction of this  passivity is fundamental to revealing the invisible mechanisms that weaken civic participation and  transform the public sphere into a stage of silent resignation.  

Keywords: Passivity. Citizenship. Culture. 

1. INTRODUÇÃO 

A compreensão da passividade internalizada exige uma análise que ultrapassa  os limites da psicologia individual e adentra as engrenagens sociais e culturais que a  sustentam. Trata-se de um fenômeno produzido por forças históricas, políticas e  midiáticas que, ao longo do tempo, instituíram representações coletivas destinadas a  domesticar a participação ativa. O cidadão, nesse contexto, é moldado por discursos  que oferecem um sentido de estabilidade, mas que, em essência, conduzem à  aceitação acrítica das normas impostas.  

A naturalização da passividade emerge de um processo contínuo de repetição  simbólica, no qual práticas discursivas consolidam a ideia de que a crítica e a  contestação equivalem à desordem. Ao internalizar essa lógica, o sujeito passa a  interpretar a neutralidade como postura desejável, afastando-se da ação coletiva.  Assim, a subjetividade é progressivamente condicionada a ver a si mesma como parte  de uma engrenagem de observação, e não de transformação.  

Além disso, as instituições desempenham papel decisivo ao estruturar ambientes  sociais que privilegiam a adaptação em detrimento da iniciativa. Escolas, meios de  comunicação e espaços públicos operam como instâncias de formação do cidadão  espectador, reforçando hábitos de contemplação. Ao apresentar a participação crítica  como risco à ordem estabelecida, fortalecem-se práticas de silenciamento e aceitação  passiva.  

Outro fator determinante encontra-se na cultura midiática contemporânea,  marcada pelo consumo de imagens e narrativas que privilegiam a superficialidade. A  lógica do espetáculo converte a esfera pública em palco de performances repetitivas,  onde o engajamento é substituído pela reação passiva a estímulos efêmeros. Dessa  forma, a cidadania é reduzida a consumo simbólico, e não a prática efetiva.  

Desse modo, o fenômeno da passividade internalizada deve ser analisado como  construção simbólica que ultrapassa a mera apatia individual. Ao articular discursos,  práticas institucionais e representações midiáticas, forma-se um cenário em que o  cidadão é conduzido à condição de espectador. Tal cenário revela a necessidade de investigar criticamente os mecanismos de neutralização que esvaziam a participação  social e fragilizam o exercício democrático. 

2. DESENVOLVIMENTO  

No desenvolvimento do tema da passividade internalizada, observa-se que a  cidadania sofre um processo de esvaziamento simbólico que ultrapassa o âmbito  individual, sendo estruturada por mecanismos institucionais e midiáticos que moldam  comportamentos coletivos. Esse esvaziamento está intimamente ligado à maneira  como discursos hegemônicos constroem a ideia de neutralidade como valor central,  deslocando a noção de participação para a simples aceitação de normas estabelecidas.  Assim, o espaço público deixa de ser concebido como arena de confronto democrático  e passa a ser percebido como palco de observação, onde o cidadão se transforma em  espectador das decisões políticas e sociais que o afetam diretamente (CAMPOS,2016).  

Nesse contexto, a naturalização da passividade revela-se como produto de uma  pedagogia social que privilegia a conformidade. A repetição de práticas discursivas e a  ênfase em valores de estabilidade e ordem resultam na consolidação de subjetividades  adaptadas à contemplação. Em vez de estimular a crítica e a ação transformadora, as  instituições reforçam a ideia de que a mudança constitui risco, produzindo sujeitos  disciplinados a observar em silêncio. Tal processo contribui para a legitimação de uma  cidadania parcial, na qual a autonomia crítica é substituída pela aceitação acrítica das  normas e dos discursos dominantes (COSTA,2017).  

Ademais, a cultura midiática exerce papel essencial na reprodução desse  cenário, ao transformar a política em espetáculo e a cidadania em consumo simbólico.  O cidadão passa a ser exposto a uma avalanche de imagens, narrativas e  representações superficiais que fragmentam sua atenção e limitam sua capacidade de  análise aprofundada. Ao privilegiar a estética do entretenimento sobre o conteúdo  crítico, os meios de comunicação reforçam a condição do indivíduo como mero receptor  de signos, enfraquecendo sua atuação no espaço público e diminuindo as  possibilidades de engajamento coletivo (FERREIRA,2018).  

Do mesmo modo, a consolidação da passividade encontra respaldo em práticas  educacionais que reforçam a adaptação em detrimento da iniciativa crítica. Escolas,  universidades e ambientes formativos muitas vezes privilegiam a memorização e a  obediência a padrões normativos, deixando em segundo plano a promoção do pensamento autônomo. Esse modelo pedagógico, ao invés de formar sujeitos  questionadores, contribui para a manutenção da lógica do espectador, em que o  conhecimento é transmitido de forma verticalizada e pouco dialógica. Desse modo, a  cidadania é configurada como exercício de observação e não de participação efetiva  (FIGUEIREDO,2019).  

Assim, é preciso destacar que a construção simbólica do cidadão espectador não  se restringe ao campo educacional ou midiático, mas se articula também com a própria  estrutura social. Práticas institucionais e políticas públicas frequentemente operam na  perspectiva de controlar a ação coletiva, legitimando a centralização do poder e  limitando os espaços de contestação. Essa configuração resulta na criação de um  ambiente social no qual a passividade não é apenas tolerada, mas estimulada como  forma de garantir a manutenção da ordem. Dessa maneira, a figura do cidadão  espectador surge como elemento funcional a um sistema que privilegia a estabilidade  em detrimento da transformação social (GOMES,2015).  

2.1 Passividade simbólica: a formação imaginária do cidadão espectador  

A compreensão da passividade internalizada como construção simbólica  também deve ser articulada ao papel desempenhado pelas instituições normativas que  moldam o cotidiano. Ao delimitar formas específicas de agir e restringir possibilidades  de contestação, tais instituições criam sujeitos inclinados à aceitação e à reprodução  da ordem social existente. A figura do cidadão espectador, portanto, é resultado não  apenas de um processo cultural, mas de um enquadramento institucional que consolida  práticas de obediência e de neutralidade. Essa engrenagem de disciplinamento reforça  a permanência de estruturas de poder centralizadas e pouco permeáveis à participação  coletiva (KLEIN,2017).  

Nesse horizonte, a análise das práticas institucionais revela que a passividade  não se configura como estado espontâneo, mas como estratégia socialmente  arquitetada. Ao promover a estabilidade e restringir espaços de dissenso, políticas  públicas e ambientes administrativos operam como mantenedores de uma cultura do  silêncio. A produção do cidadão espectador é resultado de um arranjo que legitima a  ausência de protagonismo e faz da contemplação uma prática cotidiana. Tal cenário demonstra que a cidadania, ao ser deslocada para a esfera da observação, perde  densidade e reduz-se a ato de reconhecimento passivo (KOVALSKI,2018).  

Do mesmo modo, a cultura política contemporânea naturaliza a apatia coletiva,  apresentando-a como reflexo inevitável de tempos de crise ou como consequência de  transformações sociais irreversíveis. Essa narrativa alimenta a ideia de que a  participação ativa é ineficaz, reforçando o mito de que a ação individual não produz  impacto relevante. Assim, o cidadão internaliza a sensação de impotência e reitera  comportamentos de conformidade, tornando-se cada vez mais distante do papel de  agente transformador. Essa naturalização da apatia constitui um dos elementos centrais  do enfraquecimento democrático (TEIXEIRA,2016).  

A partir dessa lógica, compreende-se que a passividade internalizada funciona  como mecanismo de reprodução de uma ordem social que privilegia a permanência das  desigualdades. A neutralização dos sujeitos críticos garante que as estruturas de poder  operem sem maiores resistências, legitimando a centralização de decisões em  instâncias pouco transparentes. A cidadania, convertida em prática de observação,  legitima, ainda que indiretamente, a perpetuação de modelos excludentes que limitam  a redistribuição de poder e de recursos. Assim, o espectador torna-se elemento  funcional ao próprio sistema que o marginaliza (ZAMPIERI,2019).  

Outrossim, ao analisar o papel das representações culturais e institucionais,  percebe-se que a passividade internalizada atua como força de contenção social. A  construção do cidadão espectador não é apenas simbólica, mas material, pois influencia  diretamente os modos de organização do espaço público e as práticas de participação  coletiva. Tal dinâmica mostra que a passividade é constantemente reforçada por  políticas e discursos que destacam a estabilidade e minimizam a relevância da crítica.  O resultado é um quadro social em que a neutralidade é celebrada como virtude e o  engajamento é visto como ameaça à ordem (ZAMPIERI,2019).  

A naturalização da passividade também deve ser entendida como resultado de  práticas discursivas que consolidam a neutralidade como valor socialmente aceito.  Instituições e meios de comunicação constroem narrativas que exaltam a conformidade  como condição de pertencimento, enquanto associam a crítica ao risco e à desordem. 

Desse modo, o cidadão internaliza padrões de comportamento que o conduzem à  condição de observador, legitimando práticas de silêncio e afastamento do debate  público. Essa dinâmica demonstra como os discursos normativos moldam  subjetividades dóceis e aptas à manutenção da ordem estabelecida (KLEIN,2017).  

Nesse sentido, o funcionamento das instituições normativas é crucial para  compreender como se forma o cidadão espectador. A delimitação de espaços de fala e  a construção de barreiras à contestação produzem sujeitos treinados a permanecerem  em silêncio, ainda que diante de injustiças. Essa pedagogia institucional reforça a ideia  de que a neutralidade representa postura madura e civilizada, quando, na verdade,  significa abdicação do protagonismo social. Assim, a própria estrutura institucional  legítima a invisibilidade da ação cidadã (KOVALSKI,2018).  

A cultura política contemporânea reforça esse cenário ao difundir discursos que  explicam a apatia coletiva como fenômeno inevitável. Atribui-se ao contexto global, às  crises econômicas ou às transformações tecnológicas a responsabilidade pelo  afastamento da população da vida pública. Essa narrativa obscurece os mecanismos  simbólicos que incentivam a conformidade e impede que o cidadão perceba sua  condição de espectador como resultado de estratégias sociais planejadas. Dessa  maneira, a apatia é interpretada como fato natural, e não como produto cultural  (TEIXEIRA,2016).  

Além disso, a cultura da passividade encontra sustentação na repetição de  símbolos que exaltam a neutralidade e desvalorizam a crítica. Narrativas midiáticas, por  exemplo, apresentam a estabilidade como bem supremo e classificam qualquer  contestação como ameaça à ordem coletiva. Esse processo produz sujeitos que, ao  buscar aceitação social, reproduzem comportamentos conformistas, enfraquecendo as  bases de uma cidadania participativa. Dessa forma, o cidadão se reconhece mais como  espectador do que como agente social (ZAMPIERI,2019).  

Ademais, o fortalecimento da passividade internalizada a partir de tais discursos  mostra que a construção do cidadão espectador é tanto simbólica quanto prática. As  narrativas hegemônicas, ao serem incorporadas como verdades sociais, colonizam a  subjetividade e produzem indivíduos que se sentem confortáveis em observar, mas não em agir. O resultado é a perpetuação de um modelo social que privilegia a manutenção  do poder concentrado e dificulta a emergência de alternativas democráticas  (ZAMPIERI,2019).  

A cultura midiática contemporânea desempenha função central na reprodução  da passividade internalizada, ao transformar a política em espetáculo e a cidadania em  mero consumo de símbolos. Essa lógica converte questões de relevância pública em  narrativas fragmentadas, que privilegiam a aparência em detrimento do conteúdo.  Nesse processo, o indivíduo se torna receptor de mensagens que reforçam a  contemplação, e não a participação efetiva. Ao assumir o papel de espectador, o  cidadão absorve imagens superficiais que naturalizam a ausência de protagonismo  social, reforçando a lógica de neutralidade como virtude (CAMPOS,2016).  

Essa configuração se evidencia pela forma como os discursos midiáticos  estruturam o cotidiano. A repetição incessante de notícias rápidas, a valorização do  entretenimento e a redução da complexidade em fragmentos curtos impedem que o  sujeito elabore criticamente os acontecimentos. Dessa maneira, a passividade se  fortalece como consequência direta de um ambiente informacional que preza pela  velocidade, mas não pela profundidade. O resultado é a consolidação de práticas de  consumo midiático que reforçam a posição do cidadão como observador silencioso  (COSTA,2017).  

Além disso, a hegemonia cultural baseada no espetáculo neutraliza conflitos  sociais, apresentando-os como acontecimentos isolados, desprovidos de historicidade  e de conexões estruturais. Tal fragmentação contribui para a internalização da  passividade, pois impede a construção de análises críticas consistentes. Nesse cenário,  o cidadão espectador encontra-se envolto por um fluxo contínuo de narrativas que o  conduzem à aceitação de versões simplificadas da realidade, moldando sua percepção  e limitando sua ação coletiva (FERREIRA,2018).  

Outro aspecto relevante é o impacto da cultura de massa, que reforça símbolos  de conformidade e exalta valores de estabilidade. Ao privilegiar representações de  ordem e desqualificar vozes críticas como desviantes, a mídia consolida uma pedagogia  implícita da passividade. Essa pedagogia promove a aceitação do status quo e a crença de que o engajamento político representa ameaça ao equilíbrio social. Dessa forma, a  cultura midiática se torna instrumento decisivo para a construção simbólica da cidadania  limitada (FIGUEIREDO,2019).  

Desse modo, observa-se que a lógica da mídia contemporânea aprofunda o  processo de neutralização social ao difundir narrativas que desvalorizam o engajamento  coletivo. A ênfase em indicadores de consumo e de audiência desloca o papel do  cidadão para o de consumidor simbólico, afastando-o da participação democrática. Ao  adotar esse modelo, a sociedade promove a passividade como prática naturalizada e  invisível, consolidando a condição do indivíduo como espectador de sua própria  realidade (GOMES,2015).  

O campo educacional, ao privilegiar a adaptação em detrimento da criticidade,  reforça práticas que consolidam a neutralidade como comportamento socialmente  valorizado. O ensino centrado na memorização, na obediência e na reprodução de  normas estabelece um ambiente formativo que prepara o sujeito para observar, mas  não para intervir. Dessa maneira, a figura do cidadão espectador emerge já nos  primeiros contatos institucionais, em que a passividade é incentivada como sinônimo  de disciplina e eficiência (KLEIN,2017).  

Além disso, a estrutura pedagógica das instituições de ensino muitas vezes  legitima a ideia de que a contestação equivale à insubordinação. Ao apresentar a crítica  como ameaça à ordem escolar, os ambientes formativos reproduzem narrativas que  reforçam a necessidade de silêncio e conformidade. Nesse sentido, a construção  simbólica do cidadão espectador não é apenas resultado da mídia ou da política, mas  também de processos educacionais que neutralizam o potencial crítico dos indivíduos  (KOVALSKI,2018).  

A cultura política contemporânea encontra, nesse modelo pedagógico, terreno  fértil para a manutenção da passividade. A formação de sujeitos voltados para a  contemplação, e não para a ação, alimenta uma cidadania esvaziada de protagonismo.  Dessa forma, a escola, ao invés de se consolidar como espaço de emancipação, torna se extensão da lógica de contenção social que favorece a estabilidade e a ordem em  detrimento do questionamento democrático (TEIXEIRA,2016). 

Do mesmo modo, a internalização da passividade durante o processo  educacional prepara indivíduos para aceitar as desigualdades como parte inevitável do  tecido social. Ao reforçar símbolos de conformidade e ao restringir espaços de debate,  a escola contribui para a formação de cidadãos espectadores, que compreendem a  neutralidade como virtude e a crítica como ameaça. Esse processo dificulta a  construção de uma esfera pública mais ativa e plural (ZAMPIERI,2019).  

Dessa forma, é importante ressaltar que a educação, ao ser estruturada segundo  paradigmas de controle e de reprodução, atua como base sólida da cultura da  passividade. Ao limitar a criatividade, a participação e a reflexão crítica, reforça-se o  modelo social em que o engajamento é substituído pela contemplação. Assim, o espaço  educacional deixa de ser motor de transformação para se tornar mais um dispositivo de  legitimação da neutralidade e do silêncio (ZAMPIERI,2019).  

O fenômeno da passividade internalizada, compreendido como construção  simbólica que ultrapassa a apatia individual, articula discursos, práticas institucionais e  representações culturais que neutralizam a ação cidadã. Essa articulação se dá por  meio da repetição constante de narrativas que reforçam a estabilidade, ao mesmo  tempo em que deslegitimam o conflito e a contestação. O cidadão espectador, nesse  contexto, é produto de uma pedagogia social que privilegia a observação e não a  participação, afastando a cidadania de seu papel transformador (CAMPOS,2016).  

Essa lógica pode ser observada na forma como os discursos normativos são  assimilados pela sociedade. Ao reiterar símbolos de ordem e de conformidade,  instituições e meios de comunicação conduzem o indivíduo a internalizar a neutralidade  como requisito de pertencimento. Essa neutralização é reforçada pela crença de que a  crítica é indesejável, tornando-se ameaça à estabilidade coletiva. Desse modo, a  passividade se converte em comportamento socialmente recompensado  (COSTA,2017).  

Além disso, a estrutura social garante a reprodução dessa passividade ao  centralizar as decisões em esferas de poder pouco acessíveis. O cidadão espectador,  ao abdicar da crítica, legitima práticas que o excluem das deliberações políticas, reforçando sua própria condição de observador. Essa exclusão simbólica se reflete na  fragilização das instâncias democráticas, que perdem a densidade necessária para  sustentar transformações profundas. A cidadania, nesse cenário, é reduzida a  formalidade e não a prática ativa (FERREIRA,2018).  

Outro aspecto central é o papel das representações culturais, que naturalizam a  neutralidade como valor universal. Ao privilegiar imagens de ordem e estabilidade, a  sociedade silencia a importância da crítica e da contestação. Esse processo produz  uma subjetividade dócil, moldada a reproduzir valores estabelecidos e a evitar rupturas.  Assim, a figura do cidadão espectador se fortalece como elemento funcional de uma  cultura que privilegia a permanência em detrimento da transformação  (FIGUEIREDO,2019).  

Por fim, compreender a passividade internalizada como construção simbólica  implica reconhecer que ela é alimentada por múltiplas forças sociais. Discursos  midiáticos, práticas pedagógicas e estruturas institucionais convergem para produzir  uma cidadania esvaziada, marcada pela observação silenciosa. Essa convergência  demonstra que a passividade não é acaso, mas resultado de estratégias que visam à  manutenção da ordem social, consolidando um modelo que fragiliza a democracia e  limita o potencial emancipatório da participação cidadã (GOMES,2015). 

3. CONCLUSÃO  

Em conclusão, a passividade internalizada delineia-se como arquitetura  simbólica e afetiva que naturaliza a renúncia ao protagonismo, deslocando o sentido de  cidadania do campo da ação compartilhada para a zona confortável da contemplação.  Essa arquitetura opera por meio de rotinas institucionais, linguagens midiáticas e  dispositivos de gestão que convertem a neutralidade em virtude cívica e a crítica em  desvio. Ao estabilizar esse enquadramento, consolida-se um imaginário de ordem no  qual a participação passa a ser interpretada como risco, e não como fundamento da  vida pública, produzindo sujeitos regulados por expectativas de conformidade e por  economias de medo, cansaço e desconfiança.  

Portanto, a figura do cidadão espectador emerge da interseção entre discursos  que estetizam o conflito social e plataformas que quantificam a visibilidade,  transformando engajamentos em métricas consumíveis. A esfera pública, submetida à  lógica do espetáculo, converte questões coletivas em narrativas episódicas, induzindo  respostas rápidas e reativas em lugar de deliberação persistente. Nessa transmutação,  a participação simbólica — curtidas, compartilhamentos, declarações performativas —  substitui a participação material e institucional, reforçando a crença de que presença é  sinônimo de intervenção, quando frequentemente significa apenas circulação passiva  de signos.  

Em conclusão, a normalização da neutralidade opera como tecnologia moral de  governo das condutas, legitimando hierarquias e amortecendo dissensos. A repetição  de fórmulas de consenso, a linguagem administrativa que promete eficiência sem  conflito e o uso de indicadores como prova de racionalidade pública instauram a  sensação de que tudo já está previsto por protocolos. O resultado é a anestesia do  senso de coautoria social e a transferência tácita de responsabilidade para experts,  consultores e algoritmos, com o consequente esvaziamento do espaço de decisão  cidadã.  

Portanto, a passividade não se confunde com simples inércia individual; trata-se  de um projeto de socialização que produz hábitos, estilos de atenção e economias de afeto compatíveis com a manutenção de assimetrias. A temporalidade acelerada das  mensagens, a fragmentação dos debates e a pedagogia da urgência impedem a  sedimentação de vínculos e de memória coletiva, requisitos para ações duradouras. Ao  desarticular tempo, vínculo e memória, obstaculiza-se a capacidade de organizar  demandas, fiscalizar políticas e sustentar agendas comuns para além de eventos  pontuais.  

Em conclusão, a estabilidade aparente gerada por esse arranjo cobra seu preço  na forma de fragilidade democrática: a crítica se torna episódica, a representação se  autonomiza, a accountability perde densidade e o comum se retrai. A administração de  crises substitui o planejamento participativo, e o repertório cívico reduz-se a gestos  simbólicos de adesão ou repulsa. Nesse circuito, a desigualdade converte-se em  paisagem e a exceção em rotina, enquanto a linguagem pública se afasta dos  problemas reais para girar em torno de sua própria gestão.  

Portanto, o enfrentamento desse quadro exige requalificar práticas, linguagens e  dispositivos que estruturam a experiência pública, recolocando o conflito legítimo, a  divergência argumentada e a corresponsabilidade como elementos pedagógicos da  cidadania. A reorganização de arenas deliberativas, a abertura de dados inteligíveis e  a mediação crítica nos ambientes informacionais configuram caminhos para a  reativação da agência coletiva. Tal reconfiguração não tem natureza voluntarista;  depende de arranjos institucionais, currículos cívicos, ecologias midiáticas e rotinas  administrativas que premiem sustentação argumentativa, acompanhamento de políticas  e coprodução de soluções.  

Por fim, a ampliação do diagnóstico conduz ao reconhecimento de que a cultura  de passividade é fabricada e, por isso, passível de desfabricação. A recomposição do  laço entre palavra pública e ação compartilhada, a desaceleração estratégica para  permitir aprendizado social e a restituição do dissenso como motor da política não  representam ameaças à ordem, mas condições de sua legitimidade. Reposicionada a  cidadania como prática e não espetáculo, reabre-se a possibilidade de uma esfera  pública menos silenciosa e mais transformadora, na qual a neutralidade deixa de ser  refúgio e a participação volta a ser medida de justiça e horizonte de futuro. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

CAMPOS, Irineu. Cidadania invisível: o espectador e a política contemporânea.  Curitiba, 2016.  

COSTA, Flávia. Subjetividade e cultura de massa: o silêncio da participação.  Fortaleza, 2017.  

FERREIRA, Gabriel. Neutralidade e poder: símbolos de conformidade na  sociedade moderna. Goiânia, 2018.  

FIGUEIREDO, Camila. Discursos midiáticos e a naturalização da passividade.  Florianópolis, 2019.  

GOMES, Thiago. Espectador social: identidade e resignação no espaço público.  Gramado, 2015.  

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KOVALSKI, Renato. Instituições normativas e a construção do cidadão  espectador. Itajaí, 2018.  

TEIXEIRA, Zuleica. Apatia coletiva: a cidadania suspensa no século XXI. Teresina,  2016.  

ZAMPIERI, Fernando. Poder, passividade e cultura política. Joinville, 2019.


1Artigo científico apresentado ao Grupo Educacional IBRA como requisito para a aprovação na disciplina de  TCC.

2Discente do curso de Ciências Sociais.