ABANDONO DIGITAL INFANTIL E A RESPONSABILIDADE PARENTAL: IMPLICAÇÕES OCASIONADAS PELA NEGLIGÊNCIA DO DEVER DE FISCALIZAR

CHILD DIGITAL ABANDONMENT AND PARENTAL RESPONSIBILITY: IMPLICATIONS CAUSED BY NEGLIGENCE OF THE DUTY OF INSPECTION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411301307


Thaís de Carvalho Nascimento¹


RESUMO: O abandono digital infantil ocorre quando os pais ou responsáveis não supervisionam adequadamente o uso das tecnologias digitais pelas crianças. Este fenômeno é preocupante devido aos riscos associados à falta de supervisão, que podem ter impactos psicológicos, comportamentais e educacionais negativos e, portanto, é importante destacar a necessidade dos pais atuarem como mediadores e protetores nesse contexto, promovendo uma educação digital responsável. Este estudo teve o objetivo de compreender as consequências do abandono digital infantil resultante da negligência por parte dos pais em cumprir o dever de fiscalizar as atividades online de seus filhos. Este estudo adotou uma revisão narrativa e de caráter qualitativo, que se baseou em um levantamento bibliográfico e coleta de dados, em fontes selecionadas, como Google Acadêmico e SciELO, de artigos publicados entre 2019 e 2024, disponíveis gratuitamente, de forma online e alinhados com a temática. Como resultados, observou-se que medidas preventivas e de conscientização são importantes para lidar com esse problema, especialmente considerando o aumento do acesso das crianças ao ambiente virtual. A responsabilidade civil dos pais implica em arcar com os danos causados por seus filhos menores. Isso inclui não apenas a reparação de danos a terceiros, mas também a obrigação de supervisionar e orientar as atividades de seus filhos, especialmente no ambiente digital, a fim de prevenir danos e garantir um comportamento responsável e seguro.      

PALAVRAS-CHAVE: Abandono digital infantil. Educação digital. Responsabilidade civil. Tecnologias digitais.    

ABSTRACT: Child digital neglect occurs when parents or guardians fail to adequately supervise children’s use of digital technologies. This phenomenon is concerning due to associated risks of psychological, behavioral, and educational harm. Therefore, it’s crucial to highlight the need for parents to act as mediators and protectors, promoting responsible digital education. This study aimed to understand the consequences of child digital neglect resulting from parental negligence in monitoring their children’s online activities. Adopting a qualitative narrative review approach, the study conducted a literature review and data collection from selected sources like Google Scholar and SciELO. Articles published between 2019 and 2024, freely available online and relevant to the topic, were included. Results underscored the importance of preventive measures and awareness-raising to address this issue, particularly given children’s increased access to the online environment. Parental civil responsibility entails bearing the consequences of their minor children’s actions, not only in terms of compensating third party damages but also in supervising and guiding their children’s activities, especially in the digital realm, to prevent harm and ensure responsible and safe behavior.

KEYWORDS: Child digital neglect. Digital education. Civil responsibility. Digital technologies.    

1 INTRODUÇÃO

O abandono digital infantil se refere à falta de supervisão e orientação dos pais ou responsáveis em relação ao uso das tecnologias digitais por parte das crianças. Com o crescente acesso das crianças ao ambiente virtual, torna-se necessário compreender os riscos associados à falta de supervisão adequada e, portanto, serão explorados os impactos psicológicos, comportamentais e educacionais desse abandono digital, destacando a importância dos pais como mediadores e protetores nesse cenário. Além disso, serão propostas medidas preventivas e de conscientização visando uma educação digital responsável.    

Com o avanço da tecnologia e a ampla disseminação da internet, as crianças estão cada vez mais expostas a riscos e perigos online. No entanto, muitos pais ainda não compreendem totalmente a importância de monitorar e orientar o uso da internet por seus filhos, resultando em um fenômeno preocupante chamado abandono digital.     

A falta de supervisão e orientação adequadas pode acarretar consequências negativas para o desenvolvimento e o bem-estar das crianças, tais como exposição a conteúdos inapropriados, cyberbullying, predadores online e dependência de dispositivos eletrônicos. Portanto, é importante examinar as consequências desse abandono digital infantil, investigando as responsabilidades parentais relacionadas à supervisão e à educação digital. Dessa forma, este estudo levanta o seguinte problema: quais são as implicações jurídicas e sociais do abandono digital infantil e qual é a responsabilidade parental, considerando a legislação vigente e as políticas públicas de proteção à infância?    

Este estudo tem o objetivo geral de compreender as consequências do abandono digital infantil resultante da negligência por parte dos pais em cumprir o dever de fiscalizar as atividades online de seus filhos. Para o alcance do objetivo geral, foram elencados os seguintes objetivos específicos: analisar e compreender o conceito de abandono digital infantil; identificar os efeitos nocivos do abandono digital infantil, incluindo problemas de saúde mental, isolamento social, baixo desempenho acadêmico, entre outros; avaliar como ocorre a responsabilidade civil dos pais no abandono digital infantil; e propor medidas de combate ao abandono digital infantil.    

Este estudo adota uma abordagem metodológica de revisão narrativa para investigar o problema em questão. A pesquisa qualitativa se baseia na análise da literatura existente, permitindo a análise de pesquisas anteriores para a sua construção. Inicialmente, foi realizado um levantamento bibliográfico, seguido pela coleta de referências, dados e informações contidas nas fontes selecionadas, por meio da pesquisa em sites, livros, periódicos, revistas e artigos científicos.    

Para conduzir essa revisão, foram examinados artigos das plataformas Google Acadêmico e SciELO (Scientific Electronic Library Online). Os artigos científicos foram selecionados com base nos descritores: abandono digital infantil, crianças e educação digital. Os critérios de inclusão abrangem artigos científicos publicados entre 2019 e 2024, disponíveis gratuitamente online, com texto completo em língua portuguesa ou inglesa, e que estejam alinhados com a temática. Por outro lado, serão excluídos artigos científicos muito antigos ou que não se relacionem diretamente com o tema em questão.  

Este estudo apresenta o conceito e os impactos do abandono digital infantil expondo os efeitos nocivos dessa prática, destacando questões relacionadas à saúde mental, ao isolamento social, ao desempenho educacional prejudicado, entre outros aspectos relevantes. Discutindo a responsabilidade civil dos pais no contexto do abandono digital infantil, explorando suas obrigações legais e éticas nesse cenário emergente.   

2 ABANDONO DIGITAL INFANTIL     

Para compreender o conceito de “abandono digital infantil”, é importante analisar e individualizar os elementos que o constituem, a fim de compreender completamente seu significado e suas implicações jurídicas. Em primeiro lugar, é relevante definir quem é considerado criança de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.    

A idade de 18 anos marca a maioridade estabelecida pelo Código Civil (Brasil, 2002). Quanto ao Estatuto da Juventude, considera-se jovem aquele que tem entre 15 e 29 anos de idade, exceto para a faixa etária entre 15 e 18 anos, na qual se aplica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).     

Além disso, o ECA, em seu artigo 2º, discorre o seguinte:    

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. 

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. (Brasil,1990)      

A escolha dessas faixas etárias baseia-se no critério biológico, levando em consideração que a formação do cérebro é concluída apenas na vida adulta. Portanto, essas faixas etárias são determinadas de acordo com mudanças psicológicas e fisiológicas variáveis que ocorrem em torno dessa idade. O período de desenvolvimento do cérebro, que envolve o equilíbrio das emoções e as mudanças de humor, diferencia a infância da adolescência devido aos diferentes estímulos buscados pela pessoa (Moreira, 2019).    

Segundo Moreira (2019), é perceptível que as crianças nessa faixa etária, até os 12 anos incompletos, estão sedentas por conhecimento, buscando o saber necessário para o crescimento físico e mental, bem como o desenvolvimento de habilidades, valores e crenças provenientes da cultura em que vivem. Portanto, é evidente a vulnerabilidade inerente à criança devido à sua condição de pessoa em desenvolvimento, tornando-a mais suscetível a riscos.     

Para os fins deste trabalho, a concepção de criança a ser utilizada será a do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), definindo-se criança aquela pessoa com até 12 (doze) anos incompletos.    

O ambiente digital não deixa de apresentar esses perigos. Assim, para compreender o abandono digital infantil, é necessário compreender o Direito Digital e seu âmbito de aplicação, bem como a responsabilidade civil dos pais, considerando a Doutrina da Proteção Integral e o que é determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Jorge, 2021).    

O abandono digital infantil refere-se à negligência por parte dos pais ou responsáveis no dever de fiscalizar e orientar o uso da tecnologia pelas crianças. Tratase da falta de supervisão adequada, omissão ou desinteresse em acompanhar as atividades online das crianças, o que pode ter consequências negativas para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social das crianças, afetando sua segurança, bem-estar e formação de habilidades digitais responsáveis (Jorge, 2021).    

O conceito de abandono digital infantil envolve não apenas a falta de supervisão, mas também a ausência de educação adequada sobre segurança online, privacidade e comportamento ético na internet. O abandono digital pode ocorrer quando os pais não se envolvem ativamente na orientação e ensino das crianças sobre os riscos e benefícios do uso da tecnologia, não estabelecem limites saudáveis para o tempo de tela e não utilizam ferramentas de controle parental para proteger os filhos de conteúdos prejudiciais. Por isso, é importante reconhecer a relevância de uma abordagem responsável e consciente do uso da tecnologia pelas crianças, a fim de evitar o abandono digital e promover um ambiente digital seguro e saudável para o desenvolvimento infantil (Rodrigues; De Santana, 2022).    

Com o advento da pandemia da Covid-19, foi possível testemunhar um aumento exponencial no uso da internet por crianças. Isso é compreensível, visto que, durante os períodos de isolamento social, a internet e suas redes se tornaram os principais meios de comunicação e entretenimento para os jovens. No entanto, essa imersão digital traz consigo uma série de desafios e perigos, resultando, inclusive, no abandono digital infantil (Raposo; Lima, 2023).    

As tecnologias digitais e as redes sociais, por um lado, oferecem benefícios notáveis, conectando crianças a pessoas ao redor do mundo e proporcionando novas formas de aprendizado e entretenimento. No entanto, ao mesmo tempo, expõem-nas a uma série de vulnerabilidades. A dependência crescente das redes sociais e da internet as coloca em situações de risco, onde são confrontadas com perigos antes desconhecidos (Colares; Gomes, 2023).    

Raposo e Lima (2023) também identificaram alguns perigos enfrentados pelas crianças devido ao uso excessivo da internet. Dentre os principais perigos, segundo os autores, estão a exposição a conteúdos inapropriados, como fotos e vídeos de natureza sexual, violenta ou ilegal. Além disso, as crianças podem ser alvo de agressões físicas e emocionais, seja compartilhando informações pessoais que as colocam em perigo ou sofrendo bullying virtual. Além disso, uma outra preocupação é a segurança da família dentro do contexto digital, visto que a divulgação inadvertida de informações pessoais pode expor não apenas a criança, mas também seus familiares a riscos de segurança, pois as crianças podem fazer compras online com cartões de crédito de terceiros sem autorização (Raposo; Lima, 2023).    

Ademais, a exposição a conteúdos inadequados é outra consequência preocupante do abandono digital infantil. Crianças podem ser expostas a jogos violentos, sites não confiáveis e até mesmo a indivíduos perigosos, como ladrões, assassinos e pedófilos. Estes exploram a ingenuidade e a curiosidade infantil, promovendo temas como violência, sexo, drogas e vícios (Souza, 2023).    

Alves, Santana e Cerewuta (2022) corroboram com Raposo e Lima (2023) e discorrem que, no contexto da exposição infantil à internet, uma das principais ameaças identificadas é o cyberbullying, que, assim como o bullying tradicional, visa causar danos emocionais, porém, ocorre no âmbito virtual, muitas vezes através de comentários ofensivos em fotos e vídeos publicados nas redes sociais. Esta exposição é ainda mais preocupante devido à falta de supervisão parental, que permite que crianças se exponham online para um grande público, aumentando sua vulnerabilidade a crimes como a pedofilia (Alves; Santana; Cerewuta, 2022).    

Radaelli e Batistela (2019) destacam a importância de os pais não permitirem que a internet distancie a relação entre eles e seus filhos, enfatizando a necessidade de supervisão dos conteúdos acessados pelas crianças. A questão central levantada é: como é possível que crianças tão jovens, como de 7 anos de idade, tenham acesso a dispositivos móveis com câmeras e internet sem uma supervisão adequada por parte dos responsáveis? Esta falta de supervisão aumenta significativamente o risco de crianças se tornarem vítimas de crimes sexuais, como o grooming, onde indivíduos mal-intencionados solicitam imagens íntimas em troca de presentes ou favores.     

Os questionamentos levantados mostram a relevância do monitoramento parental no cenário digital contemporâneo. Neste sentido, é importante explorar de forma ampla os efeitos prejudiciais do abandono digital e a responsabilidade civil dos pais.     

3 EFEITOS NOCIVOS DO ABANDONO DIGITAL E RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS

  Em relação à proteção de crianças e adolescentes, o Princípio da Proteção Integral confere aos pais uma série de poderes e deveres resultantes do poder familiar, além de garantir a efetivação dos direitos fundamentais dessas pessoas, sob risco de negligência parental. A Constituição Federal assegura a proteção da privacidade e dos direitos humanos de crianças e adolescentes, estabelecendo responsabilidades para a família, a sociedade e o Estado na garantia, defesa e promoção desses direitos de maneira abrangente, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1988.  

Nesse contexto, a Lei 11.829, promulgada em 2008, visou fortalecer o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil. A referida legislação criminalizou a aquisição e a posse de material pornográfico, além de penalizar condutas relacionadas à pedofilia na internet, incluindo a definição de pornografia e cenas de sexo explícito, conforme as alterações realizadas no artigo 1º e nos artigos 240 e 241 da Lei nº 8.069/90.  

A responsabilidade civil pode ser definida como “um dever jurídico sucessivo que surge para reparar o dano resultante da violação de um dever jurídico inicial” (Cavalieri Filho, 2023, p. 11). Assim, é fundamental considerá-la em situações onde ocorre a transgressão de um dever legal, resultando em dano, o que implica na responsabilização e no dever de compensação por parte do agente causador. Isso se deve ao fato de que a responsabilidade civil pressupõe a existência de um dever jurídico anterior, que deveria ser conhecido e que foi descumprido pelo responsável (Cavalieri Filho, 2023).  

Além disso, “a conduta refere-se ao comportamento humano voluntário, que se manifesta por meio de ações ou omissões, gerando consequências jurídicas. A ação ou omissão representa o aspecto físico e objetivo da conduta, enquanto a vontade se relaciona ao seu aspecto psicológico ou subjetivo” (Cavalieri Filho, 2023, p. 35). O autor também destaca que a responsabilidade subjetiva requer a presença do elemento culpa, e menciona que “a palavra culpa possui, no âmbito do direito, pelo menos três significados distintos: culpa no sentido de culpabilidade, culpa em sentido amplo (lato sensu) e culpa em sentido estrito (stricto sensu)” (Cavalieri Filho, 2023, p. 41).  

Assim, a responsabilidade civil dos pais é colocada em jogo diante dos possíveis danos causados às crianças como resultado do abandono digital. Se um menor sofrer cyberbullying, por exemplo, os pais podem ser considerados responsáveis se for comprovado que não tomaram as devidas precauções para evitar tal situação. Da mesma forma, se uma criança tiver acesso a conteúdos prejudiciais devido à falta de controle parental, os pais podem ser responsabilizados por negligência no cumprimento de seu dever de proteção (Jorge, 2021).  

A ausência de supervisão parental pode expor os jovens a situações de risco que podem afetar sua saúde mental, emocional e física. Estudos mostram que o uso excessivo de dispositivos eletrônicos pode contribuir para distúrbios do sono, ansiedade, depressão e problemas de autoestima entre os jovens (Maruco; Rampazzo, 2020; Almeida, 2023).  

Além disso, os pais têm responsabilidade civil pelos atos ilícitos praticados por seus filhos menores de idade no ambiente digital, conforme estabelece o artigo 932 do Código Civil. Isso significa que, caso os filhos causem danos a terceiros através de suas atividades online, os pais podem ser responsabilizados legalmente.  

Os efeitos do abandono digital não se limitam ao ambiente virtual, podendo afetar negativamente o desenvolvimento social e cognitivo das crianças. A exposição excessiva às telas e a falta de interação social presencial podem resultar em isolamento e dificuldades nas habilidades de comunicação interpessoal. Esses efeitos têm implicações de longo prazo na vida acadêmica, profissional e pessoal das crianças (Radaelli; Batistela, 2019).  

A responsabilidade dos pais pela parentalidade distraída é um tema em discussão, embora não haja legislação específica a respeito. No entanto, é possível delimitar alguns pontos que merecem reflexão.  

Primeiramente, surge a questão de se a parentalidade distraída, por si só, pode ser considerada um ato ilícito, conforme estabelecido nos artigos 186-187 do Código Civil (2002), especialmente no contexto do abandono afetivo. Observa-se que a conduta humana de não dedicar atenção, cuidado, orientação, aconselhamento e convívio com o filho devido ao uso intenso e desproporcional de mídias tecnológicas levanta preocupações nesse sentido.  

Segundo Cavalieri Filho (2023), outro ponto relevante é a negligência afetiva por parte dos pais, que pode resultar em um abandono afetivo decorrente de descuido parental, muitas vezes em função da preferência pela interação virtual. Essa preferência virtual pode levar à diminuição da qualidade do relacionamento entre pais e filhos, afetando negativamente o desenvolvimento emocional e psicológico das crianças e adolescentes.   

No contexto da responsabilidade dos pais pela parentalidade distraída, a jurisprudência ainda não está completamente estabelecida, uma vez que é um tema relativamente novo e em constante evolução, especialmente no que diz respeito ao uso intenso e desproporcional de mídias tecnológicas (Cavalieri Filho, 2023).  

Nesse sentido, é necessário que os responsáveis estejam atentos e ativamente envolvidos na vida digital de seus filhos, oferecendo orientação, monitoramento e limites apropriados. Somente assim será possível mitigar os riscos e proteger os jovens dos perigos presentes no mundo virtual (Almeida, 2023).  

Portanto, a responsabilidade civil dos pais é de suma importância no contexto do abandono digital para garantir a proteção e o bem-estar das crianças. É necessário que os pais assumam a responsabilidade de supervisionar o uso da tecnologia, educar sobre os perigos e promover um ambiente digital seguro. Caso contrário, poderão ser considerados legalmente responsáveis pelos danos causados às crianças como resultado do abandono digital. Isso ressalta a necessidade de conscientização e adoção de medidas apropriadas para evitar tais consequências (Rodrigues; de Santana, 2022).  

4 MEDIDAS DE COMBATE AO ABANDONO DIGITAL INFANTIL

No contexto contemporâneo, as medidas de combate ao abandono digital infantil surgem como uma prioridade para garantir o bem-estar e a segurança das crianças e adolescentes no ambiente online.     

Existem diversas medidas efetivas que podem ser adotadas para combater o abandono digital infantil e promover o uso saudável da tecnologia. Em primeiro lugar, é necessário investir na educação digital tanto para pais quanto para filhos. Os pais devem receber capacitação sobre os riscos e benefícios da internet, bem como estratégias para orientar e acompanhar seus filhos no ambiente digital. Ao mesmo tempo, é importante fornecer orientação adequada às crianças sobre segurança online, privacidade, comportamento ético e discernimento de conteúdo (Rodrigues; De Santana, 2022).    

Segundo Soares et al., (2022), o uso de ferramentas de controle parental também é uma medida importante. Essas ferramentas permitem que os pais monitorem e restrinjam o acesso a determinados sites, aplicativos e conteúdos inadequados para a idade das crianças. Recursos como bloqueio de sites, limites de tempo de uso e filtros de conteúdo podem ajudar os pais a garantir um ambiente online mais seguro e controlado para seus filhos.    

Além disso, o autor supracitado discorre que limites saudáveis para o uso da tecnologia é fundamental. É importante definir horários específicos para o uso de dispositivos eletrônicos, equilibrando o tempo gasto online e offline. Os pais podem incentivar outras formas de interação social, como brincadeiras ao ar livre, leitura de livros e atividades esportivas, a fim de evitar que as crianças se tornem excessivamente dependentes da tecnologia.    

Para Rodrigues e de Santana (2022), um diálogo aberto e contínuo entre pais e filhos atua na prevenção do abandono digital infantil. Dessa forma, os pais devem criar um ambiente acolhedor e encorajador, onde as crianças se sintam à vontade para compartilhar suas experiências online, dúvidas e preocupações. Ao estabelecer uma comunicação efetiva, os pais podem identificar possíveis problemas e oferecer o suporte necessário, enquanto ensinam habilidades de discernimento e comportamento responsável no mundo digital.    

Casas (2022) realizou um estudo destacando a imputação de responsabilidade aos pais, destacando que o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, como a negligência tecnológica, demanda intervenção estatal para salvaguardar os direitos das camadas mais jovens da sociedade. A autora discorre que, embora as tecnologias atuem de forma positiva na vida contemporânea, facilitando a comunicação e até mesmo sendo ferramentas de estudo, é inegável a necessidade de uma supervisão cuidadosa por parte dos pais.     

Campos (2020) corrobora com Casas (2022) e ressalta a importância de os pais estarem atentos às atividades online de seus filhos. Ela destaca que a negligência nesse aspecto pode resultar em consequências prejudiciais, enfatizando a responsabilidade dos pais em vigiar, proteger, orientar e educar os filhos sobre o uso adequado das tecnologias (Campos, 2020).    

Nesse contexto, o Marco Civil da Internet é relevante ao garantir aos pais o controle sobre o acesso de seus filhos à internet. Tal legislação consolida o poder familiar, conferindo aos responsáveis a autoridade para fiscalizar e supervisionar as atividades online das crianças, promovendo um ambiente digital mais seguro e responsável (Campos, 2020). Dessa forma, o poder familiar garantido pelo Marco Civil proporciona uma base legal para a vigilância e cuidado das crianças em ambientes digitais.    

Além disso, o Código Civil de 2002 também possui um papel relevante, estabelecendo que os pais são responsáveis pela reparação civil dos filhos menores quando estiverem sob sua responsabilidade e em sua companhia. No entanto, embora não haja uma disposição expressa sobre a responsabilidade dos pais em casos de abandono digital, os tribunais têm interpretado de forma ampla essa responsabilidade, reconhecendo-a em casos concretos (Brasil, 2002).    

Assim, a responsabilidade civil dos pais em relação ao abandono digital é claramente delineada, uma vez que a conduta omissiva dos pais em não supervisionar e fiscalizar as atividades online de seus filhos viola a proteção integral e o melhor interesse das crianças e dos adolescentes. Portanto, é fundamental que os pais estejam atentos ao uso da internet por seus filhos e ajam proativamente para garantir um ambiente online seguro e saudável para o desenvolvimento das crianças (Campos, 2020).

Além disso, ressalta-se que o avanço das tecnologias digitais e sua ampla evolução mudaram a dinâmica familiar e as interações sociais, especialmente no que diz respeito à infância. Nesse contexto, as características do abandono digital infantil surgem como uma questão preocupante, caracterizada pela ausência de supervisão parental adequada sobre o uso de dispositivos tecnológicos e o consumo de conteúdos digitais por crianças e adolescentes, cenário esse que levanta implicações importantes relacionadas com a responsabilidade parental e ao cumprimento do dever de fiscalizar, previstas no ordenamento jurídico.

Além disso, foi realizado uma análise de jurisprudência (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003588-91.2017.8.21.0027/RS). O caso aborda uma ação indenizatória envolvendo cyberbullying em um grupo de mensagens, onde uma menor, filha da ré, publicou conteúdos que causaram danos morais a outro colega de classe. A ausência de preparo para a apelação da ré inviabilizou o conhecimento de seu recurso, reforçando a responsabilidade direta da genitora na supervisão das atividades digitais de sua filha.

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. APELAÇÃO DA RÉ AUSÊNCIA DE PREPARO. “BULLYING / CYBERBULLYING”. GRUPO DE “WHATSAPP” FORMADO POR COLEGAS DE AULA. POSTAGEM DE FOTO E COMENTÁRIOS REALIZADA PELA FILHA DA RÉ. DANOS MORAIS “IN RE IPSA”. RESPONSABILIDADE CIVIL DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO PARTICULAR. AFASTADA.

1)A Apelação da ré não pode ser conhecida por lhe faltar requisito de admissibilidade, qual seja, a comprovação do recolhimento do preparo. 
2) A autora busca a condenação da ré e da instituição de ensino particular em danos morais que sofreu em decorrência do “cyberbullying”, através da postagem de sua foto e comentários pejorativos em grupo de “WhatsApp”, realizados por sua colega de aula, filha da demandada. 
3) É evidente que a apelante, menos, sofreu com os efeitos diretos do bullyng digital, inclusive, após a postagem, seus pais a transferiram de escola e passou a fazer tratamento psicológico. Não é porque não visualizou a postagem, à época, que tal não lhe gerou sentimentos de dor, humilhação, de segregação etc. 
4) Logo, é merecedora, também, à semelhança de seus genitores, da indenização por danos morais, de natureza in re ipsa, ou seja, decorre do próprio fato, cujo dano é presumido, sendo desnecessária a respectiva comprovação, já que foi a pessoa mais atingida neste episódio, motivo pela qual a sentença recorrida deve ser modificada neste ponto, a fim de condenar a ré Juliana ao pagamento de indenização por danos morais à autora Isabela.
5) Relativamente ao quantum da indenização, observados esses parâmetros e as circunstâncias do caso, tenho como adequado à reparação do dano sofrido o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), posto que não destoa dos parâmetros adotados por este Tribunal de Justiça, com consectários de juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso, forte na Súmula 54 do STJ e, correção monetária pelo IGPM, a contar do arbitramento da indenização – Súmula 362 do STJ. 
6) Do contexto analisado, não se vislumbra tenha a instituição de ensino negligenciado ou se omitido em relação ao episódio, ao ponto de ser responsabilizada civilmente. Indevida a indenização em face a esta. 
7) Considerações acerca da sucumbência atribuída aos autores, observada a AJG concedida à menor. 
8) Honorários recursais pela demandada Juliana. Prequestionamento.

NÃO CONHECERAM DA APELAÇÃO DA RÉ E DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA.

A decisão evidencia que o dano moral é de natureza in re ipsa, ou seja, presumirse pela gravidade do próprio ato ofensivo, sem necessidade de comprovação adicional. A vítima foi afetada diretamente pelo bullying, tendo seus pais tomados medidas como a transferência de escola e o início do tratamento psicológico para minimizar os impactos emocionais. Isso reflete como a negligência dos pais no monitoramento digital pode desencadear danos psicológicos profundos, além de implicações legais (Rio Grande do Sul, 2024).

A análise também abordou a possível responsabilidade civil da instituição de ensino envolvida. No entanto, concluiu-se que a escola não negligenciou ou se omitiu de forma a fundamentar a sua responsabilização no caso. Este ponto é significativo para delimitar até onde vai a responsabilidade das instituições e onde começa a responsabilidade dos pais na supervisão do comportamento digital de seus filhos (Rio Grande do Sul, 2024).

Assim, o caso traz à tona questões fundamentais sobre o abandono digital infantil. A ausência de supervisão pode transformar os ambientes digitais em espaços de violência, com impactos devastadores na saúde mental das vítimas. Isso reforça a necessidade de políticas educativas voltadas para a conscientização dos pais sobre a importância de acompanhar as interações digitais de seus filhos.

Portanto, medidas que visam combater o abandono digital infantil devem ser encaradas como uma responsabilidade compartilhada entre pais, educadores e o Estado, com o objetivo de garantir que as crianças e adolescentes possam desfrutar dos benefícios das tecnologias digitais de forma segura e responsável. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu uma análise detalhada das consequências do abandono digital infantil decorrente da negligência dos pais em supervisionar as atividades online de seus filhos, os objetivos foram plenamente alcançados. Foi possível identificar os efeitos nocivos desse abandono, que vão desde o acesso a conteúdos inadequados até o risco de cyberbullying e outros perigos online. Além disso, foi compreendida a importância da responsabilidade civil dos pais diante dessas consequências, tanto do ponto de vista legal quanto ético.    

No contexto do abandono digital, a responsabilidade civil dos pais se estende ao monitoramento e supervisão das atividades online de seus filhos. Se os pais negligenciarem essa supervisão e seus filhos causarem danos a terceiros (ou a si mesmo) através de suas atividades online, os pais podem ser responsabilizados legalmente por essa negligência.    

Portanto, a responsabilidade civil dos pais inclui não apenas a obrigação de reparar danos causados por seus filhos, mas também o dever de supervisionar e orientar suas atividades, especialmente no ambiente digital, a fim de prevenir danos a terceiros e garantir um comportamento responsável e seguro de seus filhos.    

Além das questões abordadas, é importante refletir sobre as perspectivas futuras e possíveis aprimoramentos relacionados ao tema do abandono digital infantil. Uma das propostas seria a implementação de políticas públicas e programas educativos que capacitem os pais a desempenhar um papel mais ativo e informado na supervisão digital, abordando questões como segurança online, uso ético da internet e prevenção de riscos. Sugere-se também o fortalecimento das regulamentações que incentivam provedores de internet e desenvolvedores de plataformas digitais a incluir ferramentas acessíveis de controle parental e recursos educativos, promovendo um ambiente digital mais seguro para crianças e adolescentes.

Além disso, a criação de campanhas de conscientização pode ajudar a reduzir os efeitos do abandono digital, alertando sobre os riscos associados e promovendo práticas de acompanhamento responsável. Portanto, para superar os desafios identificados, é necessário integrar esforços entre famílias, educadores, profissionais de saúde mental e autoridades legais, a fim de construir uma rede de proteção mais eficaz. 

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¹Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário (UNIFG) da rede Ânima Educação. E-mail: thais99cnn@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário (UNIFG) da rede Ânima Educação. 2024. Orientador(a): Prof. Dr. Raphael Almeida.