SEQUESTRO INTERPARENTAL INTERNACIONAL NO BRASIL E A CONVENÇÃO DE HAIA 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411142104


Ana Cristina Xavier da Rocha Souza1;
Esp. Raviny Lopes do Nascimento2


RESUMO 

A Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças de 1980, por meio do Decreto n° 3.413/2000, traz consigo o objetivo de manter o melhor interesse da criança ao longo do processo de restituição a sua residência habitual, mantendo a sua dignidade, após da retirada ilícita de seu país de origem. O presente trabalho analisa as implicações sociais, legais e culturais do sequestro internacional interparental e qual o impacto da globalização e das migrações no rompimento do laço familiar entre pertencentes de países distintos, a cultura e costumes. Além disso, analisa também o papel do Poder Judiciário brasileiro e maneiras de cooperação internacional com outros países signatários da convenção, além de apontar casos de exceção correspondente ao retorno da criança. 

Palavras-chave: Sequestro Interparental de Criança; Convenção de Haia; melhor interesse da criança; migrações; globalização. 

ABSTRACT 

The Hague Convention on the Civil Aspects of International Child Abduction of 1980, through Decree No. 3,413/2000, the objective of maintaining the best interests of the child throughout the process of returning them to their habitual residence, maintaining the their dignity, after illicit removal from their country of origin. This work analyzes the social, legal and cultural implications of international interparental kidnapping and the impact of globalization and migration on the disruption of family ties between people from different countries, culture and customs. Furthermore, it also analyzes the role of the Brazilian Judiciary and ways of international cooperation with other signatory countries of the convention, in addition to pointing out cases of exception corresponding to the return of the child. 

Keywords: Interparental Child Abduction; Hague Convention; best interests of the child; migrations; globalization

1. INTRODUÇÃO 

O núcleo familiar ao qual uma pessoa pertence, as transforma devido ao contexto social, econômico e cultural, suas identidades são moldadas devido aos padrões estabelecidos. Mas o comum entre todas as pessoas é os direitos que cada indivíduo adquire desde seu nascimento, como o da dignidade da pessoa humana, sendo, obrigação dos Estados Nações manter o respeito e a igualdade entre as pessoas; e o princípio da residência habitual que visa trazer a estabilidade e conforto à criança depois do período de retirada e retenção indevida do seu local de nascimento. 

A Convenção de Haia ocorreu em Conferência realizada na Holanda na data de 5 de outubro de 1961. Veio tratar sobre os aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, garantindo a eles a conservação dos laços parentais, em meio ao impasse de conflitos familiares, que envolvam mais de um Estado Nacional, dentre os 82 países signatários, onde está incluso o Brasil, que ratificou Decreto N° 3.413 de 14 de abril de 2000. A mudança na legislação brasileira impactou em caso de sequestro parental entre Estados Nações distintos, como garantia para o retorno imediato dessa criança para seu país de residência habitual, ou seja, país de origem, onde geralmente nasceu, possui o idioma local, prática os costumes e vivência cultural. 

A Apostila de Haia3 dita sobre questões relativas ao interesse da criança e sua guarda; sendo aplicada em casos de mudanças de domicílios, retiradas ou retenção ilícita por um de seus responsáveis. Dissertando sobre princípios em que estão intrínsecos aos direitos da criança, é basilar citar o princípio da residência habitual, que visa trazer estabilidade e conforto depois do período conturbado de retirada e retenção indevida, que se dispõe a trazer estabilidade é a autoridade judicial ou administrativa onde se encontra a criança. 

Conforme Carolina Helena Lucas Mérida, o sequestro internacional de menores ocorre principalmente quando um dos pais desloca – a contragosto do outro – seu filho para outro país. Apontam-se as causas do ato como uma “manifestação doentia do exercício do poder familiar”, outros como uma forma de “provocar o cônjuge com uma atitude vingativa”, uma “vingança final sobre o outro parceiro”, ou uma forma de “fugir dos maus tratos”, “violência doméstica”, entre outros, enfim, revelando especial beligerância na disputa pela custódia da criança.4 

A retirada ilícita de uma criança de seu país de origem por um de seus genitores, geralmente para fora de seu país de origem sem a anuência da outra parte é denominado de Sequestro Internacional Interparental, entre outras nomenclaturas também utilizadas para se referir a essa prática, como rapto parental ou subtração parental, sendo a violação do direito de guarda do outro genitor. 

A formação dessas famílias compostas por pessoas de nacionalidade diferentes não é algo novo, ou incomum; porém a globalização, fenômeno de integração, junção econômica e, principalmente cultural entre indivíduos em um determinado espaço geográfico; esse tipo de união ganhou habitualidade com o número crescente de migração, resultado de fenômenos, como acesso a mídias digitais, incentivo a turismo, crescimento na emissão de passaporte, entre outros. 

Por certo que o rompimento do laço familiar entre pertencentes de países distintos a cultura e costumes apresenta uma grande barreira com o surgimento da disputa pela guarda unilateral dos filhos, pois se tratando de locais distintos a locomoção da criança de um país para outro acarretaria muitos mais problemas. 

No Brasil, assim como os outros signatários, para a repatriação das crianças, faz parte do Poder Judiciário que analisa e determina como e se será realizada essa ação, priorizando o acordo e a ponte com o outro Estado- Membro em questão. 

Com tudo vale destacar o aumento desses casos envolvendo mães brasileiras, a Organização Internacional Revibra5(rede de apoio às brasileiras vítimas de violência doméstica), faz menção ao aumento desses casos no Brasil, segundo dados coletados entre os anos de 2019 e 2022, foram registrados mais de 270 casos em que brasileiras estariam envolvidas, dentre esses casos 98% são de mulheres que fugiram de casa após episódios de violência doméstica de seus parceiros. 

Assim, o intuito de destacar as hipóteses de quais as possíveis causas que levam ao aumento de casos de sequestro interparental internacional e destacando casos em que envolvam o Brasil e mães brasileiras, destacando o posicionamento da justiça do Brasil. Justamente por se tratar de um ato passível de qualquer civil, o objetivo é observar as raízes do problema; desde a migração brasileira, repatriação e violência doméstica no exterior, e mostrar alternativas como organizações informativas sobre essas questões de direito familiar, que trabalham para prevenir e resolver casos de sequestro internacional. Além de demonstrar os direitos tanto das crianças como de seus responsáveis, por meio da assistência fornecida pela justiça brasileira e pela cooperação internacional na mediação de conflitos. 

2. RESULTADOS 

Para uma melhor elucidar sobre o tema tratado nesta pesquisa, e buscando demonstrar ser um tema bastante importante para o Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, em suas matérias, destaca a forma exercida de seus oficiais diante casos que envolvam sequestro internacional de crianças. 

A primeira matéria6, publicada em 02 de junho do ano de 2022, diante do workshop internacional Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças – HCCH 1980 Child Abduction Convention7; que foi destaque a importância e a complexidade para o Poder Judiciário para com os casos relacionados, e o desejo de minimizar a carga emocional carregada principalmente pela criança envolvida. Além disso, destacou – se o trecho onde Fernanda Rocha Pacheco dos Santos, a então coordenadora – geral de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes Da Convenção de Haia, demonstrou a média dos casos registrados entre 2016 a 2021, onde se registrava em média 117 casos no país. Em uma segunda matéria8, do dia 04 de junho de 2022, ainda a respeito do workshop internacional, promovido pelo CNJ, com o debate para soluções e projetos diante os casos relacionados com a Convenção de Haia, diante da Justiça Federal e a Estadual. 

Na terceira matéria9registrada na data de 07 de junho de 2024, que versa sobre a Resolução CNJ n. 449/202210, com respeito a formas de como agir de forma efetiva ao retorno da criança ao país destinado, quais cautelas devem ser primordiais. 

Agora em 2024, em ação mais recente o STF analisou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.24511 esta ação questiona o envolvimento do Brasil com a Convenção de Haia sobre o pretexto dela ser aplicada de maneira equivocada, pois não estariam sendo respeitadas e nem analisadas corretamente cada caso sobre o melhor interesse da criança e seus direitos e garantias constitucionais. Segundo Luana Cabral Mendes Gontijo12 em seu artigo dispõe que entre as situações que geram grande discussão sobre o enquadramento na exceção disposta no artigo 13, alínea “b”, da Convenção de Haia sobre Sequestro Internacional, encontram-se os casos em que a violência doméstica e familiar motiva a conduta do sequestrador. Nesse cenário, é indispensável compreender, de um lado, o contexto no qual surge a Convenção de Haia e, de outro, o novo panorama em que a violência doméstica e familiar passa a ser elemento relevante na análise de casos de sequestro interparental entre fronteiras. 

A rede europeia Revibra Europa13, em seu artigo intitulado “Considerações sobre Violência Doméstica em Casos de Subtração Internacional (Haia 28)”, escrito por Marcia Baratto e Isis Araújo, demonstra que as mães migrantes, principalmente brasileiras, são os perfis majoritários atendidos pela instituição, quando encontram-se denunciadas por sequestro dos próprios filhos. 

Artigo 28 
Nada na presente Convenção obriga uma autoridade administrativa ou judicial a ordenar a devolução de uma criança, se a devolução não puder ser efetuada dentro de um prazo razoável. 

Conforme o artigo, entre 278 dos casos, apenas um não se encaixa no perfil das mães migrantes. Cerca de 98,2% das mães são acusadas pelos pais de praticarem sequestro interparental. 

Sobre a Prevenção em casos de Subtração Interparental Internacional, a Revibra14, segue a seguinte denominação – Haia de Prevenção (quando há a solicitação para o retorno ao Brasil com os filhos), o trabalho feito é em busca da realização de maneira segura a mudança de residência para crianças e adolescentes, essa prática corresponde a 81.3% dos casos. 

Com relação aos casos judicializados por Haia 28; poucos casos são finalizados com o retorno ao Brasil, os desfechos destes casos judicializados é que 52 destes casos são expedidos o pedido de retorno das crianças. 

O artigo da rede europeia ainda demonstra dados, de um dos principais motivos diante dos casos trabalhados pela instituição. Dentre 278 casos, 249 deles estavam presentes relatos de violência doméstica. Apontam ainda que a violência doméstica é em maior parte dirigida às mães, mas a violência contra as crianças não deixa de ser numerosa, porém mais difícil de ser evidenciada. Sobre o tema, a rede Revibra Europa relata:  

“Pesquisadores da infância e da psicologia do desenvolvimento têm, já há bastante tempo, apontado para que crianças que são vítimas de violência doméstica ou submetidas a diferentes tipos de violência e problemas familiares possuem uma maior probabilidade de externalizar problemas de cunho psicológico e psicossocial. No entanto, são mais recentes os estudos no sentido de que crianças que são testemunhas da ocorrência de violência doméstica a seus pais ou familiares – estando presente no momento do abuso ou tendo a ciência de que ele ocorre – também são mais vulneráveis a desenvolver problemas de comportamento”.15 

3. Migrações e a Globalização 

Migração é uma ação humana empregada na sociedade desde os primórdios, se caracteriza em se deslocar de um local para outro, presente também atualmente de forma mais simples e comum; as pessoas que partem em busca de mais oportunidades, buscando uma vida melhor, principalmente por meio de estudos e empregos. Segundo Áurea Cristina Santos Dias, em seu artigo sobre Migração Internacional no Brasil, cita que em 2018 foram registrados 164 milhões de trabalhadores com destinos à Europa, EUA, e países árabes. A estimativa global é que cerca de 281 milhões de migrantes internacionais no mundo em 2020, o que equivale 3,6% da população global (ONU,2020). 16 

Carlos Walter Marinho Campos Neto,17 que destaca que o direito familiar no início do século XX, o patriarcado era o modelo de construção de família, mas consagrado, onde o homem era a figura que chefiava e impunha autoridade, porém vem surgindo uma reformulação gradual referente aos papeis dentro da relação e surgindo mais espaço para a maior autonomia de mulheres nas relações familiares. Acerca do tema, o autor supracitado afirma: destinos, modernamente o termo utilizado para o grande número de saída das mulheres de seus países para outro ganhou a nomenclatura de feminização das migrações, fatores que cabe destacar para essas diversas migrações é a reunião familiar, sem dúvida uma das são principais causas, além de razões ligadas ao trabalho. 

“Se refere à valorização do papel social e político das mulheres e à consagração jurídica de sua posição de igualdade em relação aos homens, evolução que impôs a maior autonomia das mulheres nas relações familiares. O outro vetor consiste na aceitação social, cultural e, finalmente, jurídica de formatos familiares divergentes da relação matrimonial tradicional, e no consequente reconhecimento jurídico de situações como a união estável, a união e o casamento homoafetivos e a monoparentalidade, bem como a equivalência de direitos para crianças nascidas fora do casamento. Dessa forma, nas sociedades ocidentais, é perceptível uma regulação jurídica cada vez mais receptiva à pluralidade de modelos familiares existentes”. 

 18Em seu artigo denominado Pássaros de Passagem também são mulheres, Mirjana Morokvasic descreve que atualmente não devemos olhar para as migrações internacionais femininas, e considerá-las de forma passiva, como nas primeiras migrações; onde o papel delas era apenas o de acompanhar os maridos em seus destinos, modernamente o termo utilizado para o grande número de saída das mulheres de seus países para outro ganhou a nomenclatura de feminização das migrações, fatores que cabe destacar para essas diversas migrações é a reunião familiar, sem dúvida uma das são principais causas, além de razões ligadas ao trabalho.

De acordo com Roberto Marinucci, que relata sobre a feminização das migrações e seu aumento quantitativo:19 

“Entre os fatores que podem justificar a elevada migração feminina nos países do Norte do mundo, cabe destacar a reunião familiar – sobretudo nos países de antiga tradição migratória – bem como a maior possibilidade de emancipação e acesso a determinadas oportunidades tanto no âmbito educacional como no trabalhista”. 

“A reunião familiar continua, sem dúvida, uma das principais causas das migrações femininas, sobretudo nos países do Norte do mundo. No entanto, cresce cada vez mais o número de mulheres que se deslocam por razões de trabalho, frequentemente como primeiras provedoras da renda familiar. Elas costumam assumir um emprego remunerado no país de chegada, garantindo o próprio sustento e o dos próprios familiares”. 

Ademais, um importante fator migratório que possibilita comunicação com qualquer pessoa do mundo; dessa maneira ajudam na consolidação de relacionamentos interpessoais entre pessoas de origens diferentes. O rompimento desses relacionamentos geralmente, devido à gravidade da situação, umas das partes retorna ao seu país de origem, trazendo consigo o fruto da união, seus os filhos; a parte genitora que mesmo sem a intenção parte com seu filho de um país para outro e resolve não mais voltar e se manter em outro lugar que não seja de residência habitual da criança se a autorização do outro genitor, muitas vezes essa ação é por falta de conhecimentos das leis entres os Estados envolvidos, cometem o denominado Sequestro Interparental Internacional. 

Dentro do modelo familiar multicultural, o núcleo onde a criança pertence determina através da sociedade seus valores, por meio do contexto histórico, econômico, social e cultural. 

4. Sequestro Interparental Internacional  

A denominação Sequestro, por mais que seja a mais utilizada para o contexto, traz certa estranheza, veio do inglês International Parental Child Abduction, porém, também podem ser usados outros termos como, rapto interparental ou subtração interparental. 

O Sequestro Interparental Internacional consiste em retirar ou reter uma criança de seu país de origem, residência habitual, dando então a entrada ao papel da Convenção de Haia, que realiza a cooperação jurídica internacional. 

De acordo com Bruno César Lorencini, em seu artigo cita a recorrência do sequestro no Brasil, afirma: 

O sequestro internacional de crianças é um fenômeno cada vez mais recorrente no Brasil; por exemplo, situação corriqueira no cotidiano forense é a da mãe brasileira casada com pai europeu que, após fixar residência na Europa, decide romper o vínculo conjugal e voltar para o território brasileiro acompanhada do filho. 

5. Convenção de Haia e o Brasil 

A Conferência de Haia de Direito Privado, realizada na Holanda, trouxe em 1965 a Convenção de Haia que visa ligar o direito relacionado às questões e diferenças legais que envolvem mais de um país, contendo atualmente 118 países signatários, incluindo o Brasil desde 2016. 

A apostila de Haia tem em sua regra principal a aplicação da lei em casos que necessitam de assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. 

O Brasil a Convenção é aplicada no seu ordenamento a partir do mútuo consentimento dos países partes envolvidas em cada caso, demonstrando uma consequência de globalização, a cooperação jurídica internacional se fortaleceu, possibilitando o acesso, mesmo que em outros países. O princípio da residência habitual é voltado para trazer o melhor para a criança em caso de sequestro, a justiça dispõe de suporte de autoridade judicial de forma gratuita por meio de Defensoria Pública aos pais, com advogados especializados, tentando resolver de modo cooperativo com a Convenção através da mediação para melhores resoluções para o conflito, atendendo principalmente o bem-estar da criança envolvida. O melhor interesse da criança sobre o olhar de Carlos Walter Marinho20 é possuir conceito impreciso, por se tratar de certo paradigma social do que uma norma jurídica concreta, que podem ser derivados de determinado segmento cultural e social de uma determinada comunidade. 

A comunicação entre os Estados signatários de Haia é realizada por meio de carta rogatória, ação de homologação de sentença estrangeira. A carta rogatória é um instrumento que um país solicita ao órgão jurisdicional do outro para cumprir o ato judicial. Com isso, disposto no Código Civil Brasileiro (Lei no 10.406/2002), optou pelo conceito de domicílio: 

Art. 70.
O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. 
Art. 71.
Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas. (BRASIL, 2002, online). 

Neste viés também foi destacado no Decreto no 3.413, de 14 de abril de 2000. 

Artigo 1 
A presente Convenção tem por objetivo: a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. 
Artigo 3 
A transferência ou a retenção de uma criança considerada ilícita quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição, ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido. O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa, ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado. 20 CAMPOS NETO, Carlos Walter Marinho. Interpretação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. São Paulo. 2017 p. 76.  

Ainda a respeito do retorno das crianças ao seu local de origem, há três exceções quanto a isso, que podem ser causas de impedimento situadas nos artigos situados no decreto n° 3413/2000. 

Artigo 13 
Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar:a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável. 
Artigo 20
O retorno da criança de acordo com as disposições contidas no Artigo 12° poderá ser recusado quando não for compatível com os princípios fundamentais do Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. 

6. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente 

Decretado pela Lei 8.069 de 13 de julho de 199021, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente garante os direitos e deveres das crianças e dos adolescentes, bem como os direitos e deveres dos adultos para com eles. Assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, todas as crianças e adolescentes, sem levar em conta cor, etnia ou classe social, têm direito à atenção, proteção e cuidados especiais necessários ao seu desenvolvimento e à transformação em adultos saudáveis (CLARETIANO,2012). 

O Brasil, em seu ordenamento Jurídico, reconhece a criança como sujeito de direitos, devendo ser protegido pela sua família, assim como pelo Estado. O Conceito de criança é expresso como pessoa de pouca idade pertencente a certo grupo e possuidor de direito de proteção22

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1989, que adotou a doutrina da proteção integral, reconhecendo direitos fundamentais para a infância e adolescência, inserida pelo artigo 227 da Constituição Federal e pela legislação estatutária infanto-juvenil, modificou o paradigma do princípio do melhor interesse da criança (LOPES, 2010). 

Art. 227.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, online) 

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Conforme aspectos apresentados ao longo deste trabalho, fica evidente que o fenômeno do sequestro interparental internacional, em especial no contexto das migrações e da globalização, se configura como uma problemática cada vez mais frequente e complexa. A Convenção de Haia, junto ao ordenamento jurídico brasileiro, busca assegurar o retorno de crianças ilicitamente retiradas de seu local de residência habitual, priorizando sempre o melhor interesse da criança. Contudo, a análise de cada caso deve ser sensível às questões de violência doméstica, como mencionado em diversas pesquisas, incluindo o relatório da Revibra Europa, que destaca o impacto desse tipo de violência em grande parte dos casos envolvendo mães brasileiras. 

Assim, fazendo se necessária a mediação judicial entre os Estados e o apoio de organizações voltadas para a proteção das crianças e de suas responsáveis se tornam ferramentas essenciais para a resolução pacífica desses conflitos. O estudo revelou que, embora o sistema jurídico internacional ofereça suporte, ele ainda enfrenta desafios para garantir uma proteção plena aos direitos humanos, tanto para as crianças quanto para suas mães, especialmente em situações que envolvem violência familiar. A busca por soluções cooperativas e preventivas, envolvendo tanto os responsáveis quanto os sistemas de justiça dos países signatários, é um caminho crucial para diminuir a recorrência desses casos e promover a proteção integral da criança, conforme previsto no ECA e na legislação internacional. 


3 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Apostila de Haia: regulamentação do artigo 6º da Convenção de Haia de 1961. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/06/e3eb79734a719b4a987323523b8a3a6a.pdf. Acesso em: 6 nov. 2024.
4 MÉRIDA, Carolina Helena Lucas. Sequestro Interparental: o novo direito das crianças. 2011.p.7,.
5 BARATTO, Márcia; ARAÚJO, Isis. Considerações sobre violência doméstica em casos de subtração internacional: Haia 28. Revista Ibero-Americana de Direito Internacional e Relações Internacionais, Disponível em: https://www.revibra.eu/publicacoes/consideraes-sobre-violncia-domstica-em-casos-de-subtrao-interna cional-haia-28.  
6 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Rapidez na solução de casos de sequestro internacional de crianças é desafio. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/rapidez-na-solucao-de-casos-de-sequestro-internacional-de-criancas-e-desafio/.
7HCCH. Child Abduction Convention. Travel.State.Gov. Disponível em: https://travel.state.gov/content/travel/en/International-Parental-Child-Abductio.html.  
8 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Sequestro internacional de crianças: recomendações aprimoram processos judiciais. Disponível em:https://www.cnj.jus.br/sequestro-internacional-de-criancas-recomendacoes-aprimoram-processos-j udciais/.
9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Oficinas abordam desafios e boas práticas em casos de sequestro internacional de crianças. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/oficinas-abordam-desafios-e-boas-praticas-em-casos-de-sequestro-internaciona l-de-criancas/. 
10 Resolução Nº 449 de 30/03/2022 – https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4458.
11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.245, 2010. Disponível em:https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2679600 
12 GONTIJO, Luana Cabral Mendes. O sequestro internacional de crianças e adolescentes: a violência doméstica e familiar como exceção à regra de retorno imediato, 2020.
13 idem, p.8.  
14 idem, p.9.
15 idem p.10.
16 ONU – Migrações. Disponível em: https://www.iom.int/about-migration. Acesso em: 16 abr. 2024.
17 CAMPOS NETO, Carlos Walter Marinho. Interpretação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. São Paulo. 2017 p.15. 
18 DIAS, Áurea Cristina Santos. Migração Internacional no Brasil: persistências históricas e tendências contemporâneas. 2020. p. 2. 
19 MARINUCCI, Roberto. Feminização das migrações? 2020. p.3.
21 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília–DF, 16 jul. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
22 CAMPOS NETO, Carlos Walter Marinho. Interpretação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. São Paulo. 2017 p. 17. 


REFERÊNCIAS

1ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. 

BARATTO, Márcia; ARAÚJO, Isis. Considerações sobre violência doméstica em casos de subtração internacional: Haia 28. Revista Ibero-Americana de Direito Internacional e Relações Internacionais, Disponível em: https://www.revibra.eu/publicacoes/consideraes-sobre-violncia-domstica-em-casos-de-subtrao-internacional-haia-28. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 abr. 2024. 

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BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segurança pública no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/mjsp/assuntos/seguranca-publica. Acesso em: 17 out. 2024. 

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CAMPOS NETO, Carlos Walter Marinho. Interpretação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. São Paulo, 2017. Acesso em: 16 out. 2024. 

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1 Acadêmica de Direito. E-mail: ana.souza@faculdadesapeins.edu.br. Artigo apresentado a UNISAPIENS como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
2 Professora Orientadora. Professora do curso de Direito. E-mail: raviny.nascimento@gruposapiens.com.br