SIM, O PAÍS É CULPADO SIM: O RACISMO ESTRUTURAL VISTO ATRAVÉS DA MUSICALIDADE DE EDSON GOMES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411141511


Santos, Benedito Souza Dos[1]


RESUMO

O presente artigo pretende levantar a questão intrínseca na sociedade brasileira que é o Racismo Estrutural. Para tanto, utilizou-se como pano de fundo a música do cantor baiano Edson Gomes, nascido na cidade de Cachoeira no ano de 1955 (Machado, 2015) tendo se transformado em um dos maiores nome do Reggae nacional. Para tanto, parafraseou-se o título da música ‘O País é Culpado’ do mesmo autor e fora adicionado  “SIM”, como afirmativa de que realmente a nação tem sua culpabilidade. Ao mesmo tempo, propõe-se uma reflexão por entender que, no ano de lançamento da referida música (1999) não existia ainda a discussão sobre o racismo estrutural, o que só vem acontecer nos tempos atuais, com a tomada de consciência do poder das palavras. o objetivo proposto não é enveredar na historiografia do autor em epígrafe e sim discutir a problemática do racismo estrutural que se apresenta de forma cada vez mais perniciosa para com os afrodescendentes.

Palavras chaves: Arte Expressão; Resistência; Manifestação; Música; Preconceito

SUMMARY

This article aims to raise the intrinsic issue of structural racism in Brazilian society. To this end, the song by the Bahian singer Edson Gomes, born in the city of Cachoeira in 1955 (Machado, 2015), was used as a backdrop and became one of the greatest names in national reggae. To this end, the title of the song ‘O País é Culpado’ by the same author was paraphrased and “YES” was added, as an affirmation that the nation is indeed to blame. At the same time, a reflection is proposed, understanding that, in the year the aforementioned song was released (1999), there was still no discussion about structural racism, which has only happened in current times, with the awareness of the power of words. The proposed objective is not to delve into the historiography of the aforementioned author, but rather to discuss the problem of structural racism that presents itself in an increasingly pernicious way towards people of African descent.

Keywords: Art, expression; resistance; demonstration; music; prejudice.

  1. INTRODUÇÃO

A arte sempre foi uma das formas de expressão dos seres humanos durante toda sua existência. Figuras rupestres chegam aos nossos dias, como artes pré-históricas, o que permite conhecer um pouco dos acontecimentos no passado da humanidade.

A música é uma forma de arte, expressão evocada em todos os meios culturais. Nesse caso específico, o reggae, através das suas manifestações e letras, faz parte do grito de todos os povos negros, que, de alguma forma, viram, no estilo de ser, uma possibilidade de serem reconhecidos.

O reggae resistência é uma manifestação cultural da nação afrodescendente, que consegue ultrapassar países com ‘gritos’ de socorro e respeito.

O racismo estrutural, enquanto manifestação subjetiva, é um problema profundo e persistente no Brasil, afetando diversos aspectos da vida social e cultural. Edson Gomes, um dos principais representantes do reggae brasileiro, tem utilizado sua musicalidade para expor e criticar essas desigualdades.

Na década de 70, Gilberto Freire descreveu uma pseudo relação harmoniosa que existia entre as ‘raças’ brasileira o que pode ser entendido como um aspecto de maquiagem do racismo estrutural que ultrapassa os limites do tempo.

A tentativa de marginalização do povo afrodescendente ao logo da história pelas classes dominantes sempre foi consequência de aquiescência por parte dos governantes. De modo proposital, não houve a implementação de políticas públicas que valorizassem a importância das minorias raciais, uma vez que historicamente o país sempre foi governado por uma elite branca, oriunda das classes mais bastadas da sociedade.

Nesse sentido, há de se destacar ‘vozes’ soberanas que se destacaram no grito retumbante de socorro, tendo como foco a conscientização de toda a sociedade por um problema social. Dentre milhares de vozes em todos os cantos (grupos organizados, artes, cinemas, etc), a música tem destaque especial ao contextualizá-lo dentro do cenário atual. Assim, como marco referencial, é importante a discussão sobre o racismo estrutural por meio da musicalidade do cantor Edson Gomes. Aqui pretende-se abordar a relevância das suas músicas, nesse clamor e também conhecer suas obras para a compreensão da sociedade brasileira, bem como a necessidade de uma análise mais aprofundada sobre a influência da música na conscientização e combate ao racismo.

Diante desse contexto, este artigo explora como o racismo estrutural é refletido e denunciado na obra de Edson Gomes, destacando a responsabilidade do país na perpetuação dessas injustiças.

2.0 – RACISMO ESTRUTURAL – conceituação tempo e espaço

Nada mais perfeito do que abordar a questão do racismo dentro de uma contextualização histórica para se compreender melhor o que se quer dizer com ‘racismo estrutural’.

A diferença de classes sempre existiu nas diversas sociedades desde os antigos gregos, quando se tinha de um lado os cidadãos e do outro os não cidadãos (crianças, idosos, mulheres, estrangeiros e os escravos) (Tomazzi, 1997)

Os que não eram considerados cidadãos exerciam os trabalhos manuais e sustentavam os nobres Dentre os que não tinham direito à cidadania, estavam os escravos, portanto, indivíduos desprovidos de direitos e menosprezados.

A construção HISTÓRICA da sociedade brasileira sempre foi objeto de discordância por parte da literatura: de um lado, a população negra e a população indígena eram totalmente invisíveis e ausentes historicamente; e do outro, quando apareciam sempre foram nas condições de subalternos, e sempre forma explorados culturalmente, como forma de cultura exótica.

Lopez (2012 p.122) assim descreve esse paradigma:

O processo de construção ideológica do Brasil (assim como de outros países da América Latina) como uma nação mestiça, iniciado no século XIX, sustenta-se no fato de que teria ocorrido uma fusão “harmônica” de raças e culturas, denominada, posteriormente, de “democracia racialartigos idealização esconde que a “harmonia racial” tinha como pressuposto a manutenção das hierarquias raciais vigentes no país, na qual o segmento branco da população foi tido como principal e dominante, constituindo o ideal a ser alcançado pela nação, ao menos em termos comportamentais e morais. O mestiço foi elevado à condição de símbolo nacional, representando tanto a “harmonia racial” quanto a possibilidade de embranquecimento da nação. É assim que “[a] tensão existente entre harmonia racial e embranquecimento é acirrada pela impossibilidade/incapacidade de reconhecer horizontalmente a igualdade entre todos no interior de uma pluralidade de raças e cores tratadas e pensadas hierarquicamente”

Esse contexto se manteve por muitos anos. A população negra sofre até os dias atuais pelo fato de ser retratada como seres inferiores cognitivamente e só estariam aptos para a realizar trabalhos braçais.

É possível a compreensão do racismo estrutural como uma das formas de desigualdades raciais que persistem historicamente nas sociedades modernas, mesmo após a abolição formal da escravidão e a adoção de leis antidiscriminatórias.

Assim, concebe-se como estrutural a referência de um conjunto de práticas, normas e políticas enraizadas que, na maioria das vezes de maneira consciente e outras inconsciente ou não declarada, perpetua a marginalização e a exclusão de grupos étnicos diferentes. Esse termo, atualmente usual, demonstra-se contrário de manifestações explícitas de racismo, como ofensas verbais ou agressões; ele está embutido nos modos de agir das pessoas, nas instituições, nas práticas sociais, na política e nas delimitações econômicas impostas, tornando-se uma forma oculta que opera nos diversos lugares da sociedade, às  vezes sem ser notada.

O racismo estrutural tem suas bases teóricas e históricas em várias tradições de pensamento. A partir da teoria crítica, principalmente da Escola de Frankfurt, a ideia de que as estruturas sociais podem operar de maneira a consolidar relações de dominação é fundamental para se pensar o racismo. (CHAUI, 2019)

A ideia de racismo estrutural também foi ampliada com o trabalho de estudiosos da teoria crítica da raça, como Kimberlé Crenshaw (1991), ao argumentar que a raça é um constructo social utilizado para manter privilégios e desigualdades sociais, econômicas e políticas, sendo que essas desigualdades são mantidas, de forma sutil e complexa, através das instituições e políticas sociais.  Abdias do Nascimento (1978) e Lélia Gonzalez (2020) dialogam como o racismo foi historicamente estruturado na sociedade brasileira e como as narrativas de “democracia racial” serviram para mascarar essas dinâmicas, perpetuando as desigualdades.

Chega à contemporaneidade a difusão conceitual do racismo, conforme acentua Santos (2024 p. 5):

Ao longo da história humana, sempre existiram fenômenos de discriminação violenta associados à crença da superioridade de um grupo sobre outros, mas o conceito de “raça” como critério para justificar as diferenças entre grupos humanos é relativamente novo na história. Deste modo, a ideia de raça como referência a diferentes categorias de seres humanos surge na modernidade, momento que a Europa se tornou o “centro” do mundo a partir de conquistas e explorações coloniais. E ao passo que o colonialismo europeu iria avançando, a raça foi utilizada para justificar o tráfico de escravos e a exploração pelo uso extensivo de sua mão de obra.

No final do Século XIX, a escravidão mudou de cor; com a ganância nas riquezas naturais, o colonialismo europeu invadiu o continente africano e explorou as pessoas e os recursos existentes. ornou a maioria do continente africano com pessoas subjugadas, colocando-os nas condições de seres humanos não dignos de valores.

Com a escravidão do povo africano, vieram mazelas irreparáveis para o continente, havendo uma diáspora com a expulsão forçada de milhares de homens, mulheres e crianças de suas casas e do convívio familiar, negando-lhes as condições de pessoas, sendo tratados como animais.

Sendo o continente africano de povo de tez escura, surge, a partir daí, a negação, por parte dos países colonizadores, a ideia de que os cidadãos e as cidadãs africanos, passam a serem vistos como a condição de inferioridade intelectual, desprovido de capacidades motoras e, esses, só serviriam para trabalhos braçal, donde se concebe que os mesmos só exigissem seriam capazes de servir usando a força física, para os trabalhos.

2.1 O Racismo “estruturado e comprovado” cientificamente

Como se não bastasse o reforço de pessoas mal intencionadas ao longo dos séculos, na pretensão de demostrar a inferioridade de outras raças, em  detrimento da cor da pele, utilizando de conceitos pessoais de viés preconceituosos e ideológicos,  surge,  na Europa, no final do século XIX, pseudos cientistas burgueses, com interesses próprios de manutenção dos seus privilégios e de suas castas, que ‘estruturaram e comprovaram’ teorias científicas, através de métodos fraudulentos, com variáveis de distorções, cujo objetivo era a manutenção da superioridade racial e da abnegação dos seres humanos de pele escura, os quais foram considerados por esses ‘cientistas’ pessoas menos inteligentes do que as de pele clara. De acordo com Santos (2015, p. 96):

Por muitos anos se tem discutido a noção de capacidade cultural inata com base em diferenças biológicas, geográficas e/ou condição social em que vive os seres humanos. Apresentaram-se teorias com fundamentos científicos deturpados que tentaram ‘explicar’ que determinados povos são mais capacitados que outros.

Esses ‘cientistas’ liberais tentaram e conseguiram, até certo ponto, ‘justificar’ a não capacidade de determinados grupos étnicos (em especial os grupos de pessoas negras), tendo como base uma ciência baseada em interesses próprios. Dessa forma, utilizaram das teorias: o Determinismo com base na cultura; o determinismo biológico com base na craniometria; o determinismo com base no quociente Intelectual; e o Determinismo com base geográfica.

A) O determinismo com base na cultura – essa acepção tentou demostrar que só os países desenvolvidos seriam de raças superiores, por serem detentores de cultura e que os povos periféricos não possuíam ‘culturas’ que os colocariam como pessoas inteligentes.  Laraia (2009, p. 17) faz o seguinte alerta:

 São velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades específicas inatas a ‘raças’ ou a outros grupos humanos. Muita gente ainda acredita que os nórdicos são mais inteligentes do que os negros; que os alemães têm mais habilidades para mecânica; que os judeus são avarentos e negociantes; que os norte-americanos são empreendedores e interesseiros.

Essa proposta tinha como fundamento afirmar que capacidades intelectuais cognitivas só seriam permitidas para um grupo de pessoas específicas.

B) o determinismo biológico com base na craniometria – Cientistas ‘renomados’, de grande influência, demostraram, de forma fraudulenta, metodologias que afirmaram ser o crânio das pessoas negras menores que o das pessoas brancas, portanto, teriam menos capacidades cognitivas:

A escala unilinear das raças humanas e seus parentes inferiores, segundo Nott e Gliddon, 1868. Mostra o crânio do chipanzé que aparece incorretamente aumentado, e a mandíbula do negro falsamente distendido para dar a impressão de que os negros poderiam se situar até mesmo abaixo dos símios (Gould, 2005, p.19).

Ledo engano e até certo ponto infantilidade imaginar que a capacidade intelectual de uma pessoa poderia ser medida por quantidades de bolas de chumbo. Desconhecimento total das capacidades interligadas dos neurônios das pessoas.

C) – O determinismo com base no Quociente Intelectual – Esse foi outro fator utilizado de modo distorcido para demonstrar a inferioridade dos imigrantes indesejáveis de entrar nos EUA, no limiar do século XX.

 Santos (2015, p. 104) assim se refere:

Os testes de QI, a partir desse momento, fora amplamente utilizado e modificado de acordo com os interesses particulares. Essa ‘nova’ postura serviu em suas aplicações mais amplas para provar o triunfo de restrições de povos imigrantes geograficamente considerados como de QI inferior.

Um aspecto importante, quando se aplicava os referidos testes e até hoje o fazem, são com perguntas formuladas com base nos conhecimentos específicos dos inquisidores, com aspectos particulares.

D) – O determinismo com base geográfico – Por muitos anos se difundiu a noção de que pessoas inteligentes nasciam em lugares específicos. Santos (2015, p. 98) ironiza o fato de um dos maiores abolicionista conhecidos na época, também concordar com essa propositura:

Buffon, considerado o maior naturalista francês do século XVIII, apesar de ser considerado, na época, abolicionista, nunca duvidou do padrão de superioridade dos brancos em relação aos não brancos e, para tanto, considerava que o “clima mais temperado localiza-se entre os 40 e 50 graus de latitude, e produz os homens mais harmoniosos e belos.

O racismo ‘científico’ e as metodologias utilizadas para comprovação da inferioridades das raças, foram ratificadas como falsas, sem provas, no entanto, o estrago aconteceu e ainda permanece  ainda no imaginário de muitas pessoas ao redor do mundo.

Dessa forma, pode-se considerar verdadeiramente como a mais pura forma de racismo ao povo negro. Ou seja, a suposição que as pessoas cuja cor da pele seja mais clara teriam mais capacidades intelectuais do que as pessoas com pele escura.

Nesse viés, é possível conceber que racismo estrutural é a forma que a grande maioria da população passa a enxergar, dentro de uma representação social vigente e difundida, como sendo as pessoas de origem africana, por ter pele escura, de caráter inferior, desprovido de capacidade intelectual insuficiente para a realização de feitos que exigisse a utilização de tarefas que exigissem a utilização da inteligência cognitiva, pois, a mesma postura é adotada no que se refere às condições econômicas e financeiras, ou seja, negando-lhes o direito de possuir bens dignos para seu conforto e existência.

Destarte, é interessante observar o que diz Chaui (2018, p. 88) sobre a ignorância:

Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode ser tão profunda que nem sequer a percebemos ou a sentimos, isto é, não sabemos que não sabemos, não sabemos que ignoramos. Em geral, o estado de ignorância se mantém em nós enquanto crença e opiniões que possuímos para viver e agir no mundo se conservam como eficazes e úteis, de modo que não temos nenhum motivo para duvidar delas, nenhum motivo para desconfiar delas e, consequentemente, achamos que sabemos tudo o que há para saber. (grifo nosso).

Nesses aspectos é que o racismo cientificamente comprovado passa a ser considerado uma questão de ignorância; no entanto, é possível perceber que todos que assim o fizeram seguiram suas crenças e opiniões ideológicas distorcidas da realidade.

3.0 A ARTE COMO FORMA DE EXPRESSÃO

Desde a pré-história, encontram-se vestígios da utilização da arte para expressão do contexto em que as pessoas viveram.

As artes rupestres, assim como os vestígios de ruinas e objetos decorativos encontrados, são formas de expressão que chegam aos dias atuais e demonstram como era a forma de vida dos antepassados.

Esses recortes são importantes para demonstrar a importância da utilização das artes como modelo, em que o ser humano, tanto coletivo quanto individual, demostra o seu cotidiano de vida.

Essa forma de expressão humana, nas diversas culturas e sociedades, serviu e ainda serve, também, para demonstrar mazelas que assolam o cotidiano sendo uma das formas de expressão, comunicação, representação social de suas ideais, assim como a demonstração das emoções e visão do mundo momentâneo que se vive.

Nesse contexto, se insere a música como uma das maneiras de expressar sentimentos, dar vozes a grupos que não são ouvidos, levantar a autoestima, interagir com o público com ideias que o leva à percepção de fatos novos e possibilitar que se transmita suas percepções de/da vida social, a diversos grupos fazendo-os refletirem sobre suas realidades cotidianas.

Assim, é possível dizer que a arte transcende a estética dos achados rupestres ou de esculturas antigas encontradas e se transforma em uma poderosa maneira de comunicar emoções, ideias e experiências.

Dentre esses fatores, ao se tratar de uma forma específica de se fazer arte, que é a música, propõe-se o desafio de levar mensagens para um público marginalizado pela sociedade ‘hipócrita’ que é o REGAE, é importante destacar alguns fatores importantes:

  • O Reggae como Expressão Criativa individual e livre para expressar-se. Nesse caso, é visível a utilização de falas individuas de criação de ‘poemas’ na qual há a denúncia de situações cotidianas permitindo a livre comunicação poderosa do artista  com o público que quer atingir e potencializa os seus efeitos.
  • Elevar a autoestima do público através da Conscientização: ao levantar questões costumeiras e bradar para todo mundo ouvir, é possível que as pessoas comecem a enxergar tais aspectos como sendo uma relação de força estrutural e não individual. Partindo desse princípio, é possível tomar consciência da sua situação, refletir e abraçar causas que possam promover o diálogo e políticas públicas de intervenções.
  • Enfrentamento das normas estruturadas – sabe-se que leis, em geral, são feitas de cima para baixo, o que provoca injustiças nos grupos minoritários. Ao se colocar com a arte da musicalidade, protestando, passa-se a encorajar pessoas a refletirem e desejarem mudanças sociais através das provocações.
  • Memória coletiva e historização – esse é um fator importante, no entanto, os movimentos sociais têm falhado em não construir um legado de valorização da história e cultura. Estas têm chegado, aos dias atuais, como recortes simplistas.
  • Empoderamento – fator crucial para o resgate da autoestima de uma comunidade é quando esta toma consciência de suas capacidades de exigir o que lhe é de direito e o empoderamento do seu modo de ser é fundamental.
  • Solidariedade – comum e ideal entre grupos sofridos é o compartilhamento do sentimento comum, semelhante na busca de soluções.
  • Transformação Política das questões sociais – talvez o principal objetivo ao se fazer artes de protestos, não só através da  música como de outras áreas, é a possiblidade de ser ouvido (escutado, lido, observado) com o foco de ser compreendido e que a sociedade se torne mais justa, igualitária e que possa canalizar respeito como seres humanos dignos.

3.1 A Arte Como Forma De Expressão: O Reggae Resistência

O reggae é um estilo musical oriundo da Jamaica e que teve seu apogeu com a ascensão de cantores negros, como Bob Marley, Jimy Cliff que conseguiram romper barreiras e passaram a difundir esse estilo no mundo todo.

O reggae é um ritmo musical nascido na Jamaica, que reflete a cultura desse povo, surgindo nas áreas mais pobres do referido país, o estilo musical logo se tornou popular em todo o território da ilha caribenha, tendo como maior expoente de seu sucesso o cantor jamaicano Bob Marley. (Marques, 2023 p 02)

A arte como modo de expressão humana teve no reggae uma forma poderosa, nesse caso, não só de expor sentimentos, que é uma função precípua da arte, como de demonstração da realidade, das lutas socioeconômicas e denúncias do cotidiano, ou seja, o reggae tem uma conotação diferente enquanto gênero musical e se caracterizou como forma de resistência.

A resistência, proposto pela musicalidade, nesse sentido, perpassa por uma série de fatores e paradigmas: o resgate da autoestima pode ser considerado como um dos principais fatores dessa luta, pois, advém daí a noção do questionamento de uma estética padrão uniformizada, eurocêntrica, imposta pela sociedade como o perfeito e passa-se a ter como conceito um novo padrão, não só de beleza como também das capacidades individuais e coletiva cognitivamente. Outro fator é a conscientização e o poder da fala, das comunidades.

O reggae resistência proporcionou, através da reflexão, à nação negra dizer-se sujeito de sua existência, como pode ser percebido em Costa (2022, p. 255):

O processo de reafricanização corresponde ao movimento de apropriação pelos(as) negros(as) dos rumos de sua existência, diante da negação colonialista de sua humanidade. Esse processo de (re)existência do sujeito afrodiaspórico condiz, segundo o autor, com a construção de referências orientadas por uma práxis de reconstrução dos seus horizontes de localização no mundo, a partir da formação de textos, objetos, narrativas, símbolos, discursos, performances, etc.

A própria origem e difusão do reggae já é marcada pela busca da liberdade das minorias. O reggae nasceu em um contexto de opressão e desigualdade, na Jamaica Em um ambiente marcado pela pobreza e pela luta por direitos, o reggae emergiu como uma voz para os marginalizados e encontrou força profunda nas mensagens evocadas nas letras musicais que são uma forma de arte expressão social reflexiva.

4.0 EDSON GOMES: VOZ DA RESISTÊNCIA

4.1 Edson Gomes: Voz da Resistência

Edson Gomes, nascido na Bahia, é um artista cuja obra é marcada por letras que abordam temas sociais, políticos e raciais. Desde o início de sua carreira, Gomes tem utilizado o reggae como uma ferramenta para falar das lutas e resistências da população negra no Brasil. Suas músicas são um reflexo das dificuldades enfrentadas pelos negros e uma crítica contundente ao racismo estrutural.

4.2 Racismo Estrutural na Obra de Edson Gomes

Através de suas letras, Edson Gomes revela a realidade do racismo estrutural no Brasil. Algumas de suas canções mais emblemáticas trazem, à tona, a discriminação e a desigualdade enfrentadas pela população negra.

  • “Maladrinha”: Nessa canção, Gomes aborda a criminalização da juventude negra, destacando como a sociedade e o Estado tratam os jovens negros como suspeitos por padrão, perpetuando um ciclo de violência e marginalização.
  • “Samarina”: Aqui, Gomes fala sobre a opressão e as dificuldades enfrentadas pela mulher negra, que sofre duplamente devido ao racismo e ao machismo. A canção é um chamado à resistência e à valorização da identidade negra.
  • “Campo de Batalha”: A música simboliza a luta diária da população negra para sobreviver e prosperar em um sistema que, frequentemente, a oprime. Gomes utiliza a metáfora do campo de batalha para descrever as adversidades enfrentadas e a resiliência necessária para superá-las.

4.3 A Música como Ferramenta de Denúncia e Conscientização

Edson Gomes utiliza sua musicalidade para educar e conscientizar seu público sobre o racismo estrutural. Suas canções não apenas refletem as injustiças, mas, também, inspiram a resistência e a luta por igualdade.

  • Educação e Consciência: As letras de Gomes são carregadas de mensagens educativas, incentivando o público a refletir sobre as causas e consequências do racismo. Ele usa sua plataforma para promover uma consciência crítica sobre as desigualdades sociais.
  • Inspiração para a Luta: As músicas de Edson Gomes servem como hinos de resistência, inspirando a população negra a continuar lutando por seus direitos e reconhecimento. Sua obra é uma fonte de força e esperança para aqueles que enfrentam o racismo diariamente.

As obras de Edson Gomes abordam temas sociais, políticos e raciais. Desde o início de sua carreira, utiliza da musicalidade, através do reggae, como forma de denúncia do racismo velado. Suas músicas são um reflexo das dificuldades enfrentadas pelos negros e uma crítica contundente ao racismo estrutural.

Sim, racismo estrutural, que ora se encontra como novidade na sociedade atual, não era uma questão discutida tão frequentemente nos anos 90. O racismo sempre existiu.

5.0 CONSIDERAÇÕES

Edson Gomes, através de sua musicalidade, oferece uma visão paradoxal, poderosa e crítica do racismo estrutural no Brasil. Suas canções são um testemunho da resistência e da luta da população negra, destacando a responsabilidade do país na perpetuação dessas desigualdades.

A obra de Gomes serve como um chamado à ação, incentivando a sociedade a reconhecer e enfrentar o racismo estrutural de forma decisiva. Para que haja uma mudança verdadeira, é necessário um compromisso coletivo de todos os setores da sociedade em promover a justiça e a igualdade racial.

A obra de Gomes serve como um chamado à ação, incentivando a sociedade a reconhecer e enfrentar o racismo estrutural de forma decisiva. Para que haja uma mudança verdadeira, é necessário um compromisso coletivo de todos os setores da sociedade em promover a justiça e a igualdade racial.

Em resumo, a arte como forma de protesto não apenas transmite mensagens urgentes e importantes, mas também desempenha um papel fundamental na moldagem de sociedades mais justas e inclusivas. Ela permite que indivíduos e comunidades se levantem contra a injustiça, inspirando esperança e ação para um futuro melhor.

Por fim, apesar do presente título do artigo parafrasear o título da música de Edson Gomes, a finalidade não é demostrar a vida e obra do autor, mas, a partir da reflexão da letra da música, dialogar com a sociedade, em especial aquelas pessoas que têm o poder da fala.

6.0 REFERÊNCIAS

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 20 ed. Atica, 2019.

COSTA, Anderson de Jesus. As musicovivências do reggae e suas pulsões de (re)existência. Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 28, n. 63, p. 247-274, maio/ago. 2022. Disponível em < https://www.scielo.br/j/ha/a/HMMdG7FBGwqrnRVqW67Gfcj/?format=pdf> acesso em 15/09/2024.

CRENSHAW, Kimberlé. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color. Stanford Law Review, v.43, 1991.

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

GONZALEZ, Lélia. Feminismo negro e o poder das mulheres. São Paulo: Filhos da África, 2020.

GOULD, S. J. A falsa medida do homem. Trad. Valter Lellis Siqueira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

LARAIA, R. de B. Cultura um conceito antropológico. 24. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

LÓPEZ, L.C. The concept of institutional racism: applications within the healthcare field. Interface – Comunic., Saúde, Educ., v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012.

MARQUES, Matheus Andrade. O reggae em São Luís: identidade cultural e o surgimento da Jamaica brasileira. Volume 7, 2023, e11964. Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Fortaleza, Ceará, Brasil: 2023. Disponível em < https://www.scielo.br/j/geop/a/H9vRLmkQjXfkTNHtfVD8ghf/?format=pdf&lang=pt> acesso em 15/09/2024.

NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

SANTOS. Benedito Souza dos. Violência simbólica e a dem(agogia)ocracia  cultural: uma abordagem social nas escolas. Baraúna: São Paulo, 2015

SANTOS, Iraneide Nascimento dos. O racismo estrutural e seu impacto na saúde do adolescente afrodescendente brasileiro. Physis, 34, 2024. Disponível em < https://www.scielo.br/j/physis/a/9CFf4t8LsckS8nsh9dmKLHb/#> acesso 15/09/2024

TOMAZI. Nelson Dácio. Sociologia da Educação. São Paulo, SP: Editora Atual, 1997. 194 p.


[1] Benedito Souza dos Santos, Graduado em Pedagogia e Sociologia; Pós graduado em Psicologia Social; Pós Graduado em História e Cultura Afro-Brasileira; Mestre em Educação; Mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável.