REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411122120
Marcelo de Mesquita
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo a discussão sobre estudos em Administração Pública e Gestão de Políticas Públicas, onde se destaca o surgimento de novos atores sociais na resolução de problemas emergentes, especialmente na área da saúde. A Constituição garantiu o direito à saúde como um dos principais direitos sociais, estabelecendo que é dever do Estado garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Nesse caminho, as organizações sociais têm desempenhado um papel fundamental na gestão e coprodução de bens públicos nessa área. Este artigo ressalta a importância de respeitar as delimitações paradigmáticas estabelecidas pela comunidade acadêmica, a fim de promover a flexibilização e incorporação de novos participantes na busca por soluções inovadoras para os desafios contemporâneos.
Palavras chave: nova gestão pública; organizações sociais, accountability.
1 INTRODUÇÃO
É cediço que o campo de públicas (Keinert, 2014) ainda se encontra em pleno desenvolvimento. No entanto, alguns marcos devem ser observados e respeitados, em especial pela pluralidade para a flexibilização na incorporação de novos participantes para a resolução de problemas emergentes ou não, desde que no contexto da delimitação paradigmática trazida pela própria comunidade. E é nesse sentido que caminha esse artigo de revisão de literatura, em virtude da multiplicidade de locus, ou verificação da participação de atores sociais, como os entes do terceiro setor, que participam das ações públicas através de mecanismos de gestão social e coprodução de bens públicos. O presente artigo se encontra delimitado no que tange às políticas públicas no campo da saúde, adstritas aos contratos de gestão celebrados com as organizações sociais que atuam neste setor.
Nesse caminho, é de bom alvitre ressaltar o disposto por Keinert (Keinert, 2014), no que toca o ponto de contato das áreas do Campo de Públicas: Administração Pública, Gestão Pública, Gestão de Políticas Públicas, Políticas Públicas e Gestão social, amalgamados pelo interesse público e pelo republicanismo, não obstante a constatação do surgimento de uma Nova Gestão Pública (NPM – New Public Manegament) que emergiu em decorrência de desenvolvimentos práticos, motivada pelas crises fiscal e política da década de 1970, onde após diagnósticos de ineficiências ou ineficácias na gestão pública, soluções como privatizações e contratualizações de serviços em detrimento da prestação direta de serviços públicos.
Com a promulgação da carta constitucional de 1988 (Brasil, 1988), após um período superior a 20 anos de um governo autoritário, tem-se o direito à saúde insculpido como um dos principais direitos sociais no caput do art. 6º da carta constitucional, tendo sua política pública descrita precipuamente da seguinte forma: a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Cuida-se de um comando legal amplo, inclusivo, preventivo, justo e solidário, destinado a toda sociedade brasileira. Um marco do qual, os ocupantes de todos os poderes não deveriam se afastar. A partir dos anos 90, em especial nos mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com a intenção de reduzir a participação do Estado na prestação de serviços públicos, determinadas políticas públicas foram migrando do setor público, através de ajustes administrativos de parcerias, para o setor privado, e em algumas situações, com a utilização do patrimônio público, que é disponibilizado ao agente privado, em processos de parceria.
O modelo de parceria da prestação de serviços de saúde com entidades do terceiro setor, fora adotado no Estado de Goiás através da Lei nº 15.503/08 (Goiás, 2005) que disciplina o regime jurídico das organizações sociais. É interessante notar que existem outros modelos de parceria, contudo, para as políticas da área da saúde, fora construído uma lei específica, considerando a complexidade técnica exigida nos contratos de gestão, o Estado de Goiás promulgou mais uma lei em 2022, precisamente nº 21.740/22 (Goiás, 2022) que avocou as organizações sociais de saúde, restando o regramento das demais organizações sociais, que já fora alterada pela Lei nº 22.485/23 (Goiás, 2023) sem prejuízo dos dispositivos não revogados na lei anterior, para a obtenção de maior eficiência na prestação de serviços com o conseguinte aumento da transparência na aplicação de recursos.
Em trabalho exploratório, Carnut e Santos (Santos; Carnut, 2022) em artigo sobre gasto público destinado a organizações sociais de saúde no Sistema Único de Saúde, revisaram a literatura científica sobre os aludidos gastos, tendo como metodologia um artigo de revisão, o qual traz nos resultados que antes de adentrar aos mesmos, apresenta, dentre outros achados, o seguinte cenário:
Conforme explanado neste presente trabalho há uma grande lacuna no conhecimento referente ao gasto público destinado a Organizações Sociais de Saúde no SUS e esta lacuna propicia um maior dispêndio financeiro aos cofres públicos, corroborando a um esgotamento maior do SUS que já se encontra em tribulação.
Nas conclusões Carnut e Santos (Santos; Carnut, 2022) destacam que os resultados alcançados na literatura científica (com análise crítica) mostram a fragilidade de dados e indicadores consistentes, a falta de padrões estruturais na constituição dos entes do terceiro setor, e a tormentosa situação para responsabilizar os entes estatais diante do atual modelo de acompanhamento e fiscalização dos serviços de saúde prestados nas organizações sociais.
Lado outro, apesar do caráter exploratório de pesquisas sobre o assunto, se formou um establishment desde as primeiras reformas do Estado brasileiro ocorridas nos idos dos anos 1990, o qual defende arduamente a adoção deste modelo de prestação de serviços na área da saúde. A criação de uma entidade de defesa dos associados do terceiro setor, conforme demonstrar-se-á adiante corrobora esta afirmação. Senão vejamos como ainda no ano de 1997 o doutrinador professor Paulo Modesto (Modesto, 1997) se posiciona pedagogicamente, em artigo sobre reforma administrativa e marco legal das organizações sociais no Brasil:
As ações e serviços públicos de saúde, integrados em termos nacionais, recebem a denominação de Sistema Único de Saúde (SUS). (art.198). No entanto, mesmo o Sistema Único de Saúde não repele a ação privada na execução de ações e serviços, prevendo, expressamente, a participação da iniciativa privada, em caráter complementar, com preferência para as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (art. 199, §1º, da Constituição; art. 4º, §2º, da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990). (…)
Ora, a Constituição federal prevê que “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.” (grifo nosso).(…)
Na hipótese de contrato, pelo caráter próprio da terceirização, não há prestação global do serviço de saúde, mas sim atuação em simples atividades operacionais ou ancilares (serviços de vigilância, manutenção, limpeza, transporte, seguro, etc.). Na hipótese de convênio, o que se pode estender também para a figura de acordo impropriamente denominada “contrato de gestão”, não há impedimento à execução global do serviço pelo particular, pois trata-se de atividade livre à ação privada, fomentada ou financiada pelo Estado, mas não titularizada por ele. Pode-se, portanto, a partir da própria Constituição, apartar as duas figuras referidas, evitando mais uma espécie de incompreensão.
Apesar da longa citação, repise-se no teor pedagógico da questão suscitada, pois, o professor Paulo Modesto (Modesto, 1997), no ano de 1997 descreve que as organizações sociais contribuirão para o preenchimento de uma grave lacuna legislativa, permitindo uma diferenciação entre entes sem fins lucrativos destinados a atender demandas sociais de forma comunitária e impessoal, no caso, as organizações sociais da saúde, e os entes orientados a ofertar vantagens ou benefícios exclusivos a grupos delimitados de sócios ou clientes.
Vale dizer, que ultrapassados mais de 25 anos após a publicação do artigo do professor Paulo Modesto na Revista do Serviço Público, os entes sem fins lucrativos orientados à prestação de serviços de saúde, se organizaram em abril de 2015, fundando o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde – IBROSS (Estatuto-IBROSS-autenticado-03-11-15.pdf, [s. d.]), com sede em Brasília, Distrito Federal, que possui dentre os seus objetivos, defender o equilíbrio das relações de parceria e de fomento entre as organizações sociais e o poder público, inclusive no contrato de gestão, sua execução e encerramento, de forma a preservar a especificidade do uso do modelo na área de saúde.
Em um contexto geral, os contratos de gestão para a prestação de serviços de saúde alcançam a utilização de imóveis e equipamentos públicos, com empregados privados da própria organização social, salvo raras exceções onde servidores públicos ainda atuam nestas entidades do terceiro setor, tendo como objetivos o cumprimento de metas pré-estabelecidas nas cláusulas principais ou em anexos do contrato. Essas metas se expressam em número de atendimentos médicos, internações, cirurgias, dentre outras medidas da área da saúde de complicada mensuração econômica, uma vez que, estes contratos não pormenorizam valores, considerados todos os custos diretos e indiretos como salários, horas extras, décimo terceiro salário, férias, salário maternidade, rescisões e indenizações, energia, água, gastos com transporte, manutenção de equipamentos, conservação e limpeza, vigilância, alimentação e hospedagem hospitalar, dentre vários outros.
A remuneração geralmente é fixa, o que causa estranheza, considerando que contratos de prestação de serviços estão sempre sujeitos a alterações em seus quadros de quantidades e preços, a depender do volume de serviços prestados mês a mês. O normal, o comum e ordinário deveria ser reconhecer a proporção destes valores a 1/12 avos mensais, para se encontrar o valor do contrato para um ano ou outro período maior, conforme o desempenho do andamento dos trabalhos contratados.
Porém, a constatação estatal de que o modelo não atingiu seus objetivos, tendo como uma das maiores adversidades condutas criminosas, atos de improbidade administrativa, e má gestão voluntária relacionados a políticas públicas e organizações sociais da saúde, levou v.g. o Estado do Rio de Janeiro a publicar a Lei Ordinária nº 8.986/20 (Rio de Janeiro, 2020) onde dentre outros dispositivos, traz em seu artigo 56 que a lei das aludidas organizações sociais será revogada a partir de 31 de julho de 2026.
Isto posto, o presente artigo tem o intuito de apresentar apontamentos críticos à utilização dos contratos de gestão na área da saúde, à luz dos princípios da Nova Gestão Pública (New Public Management – NPM) na Administração Pública brasileira, tendo como recorte específico a utilização dos contratos de gestão na área da saúde no Estado de Goiás em detrimento com a responsividade ou accountability desejada, e que pode ser extensivo à outras unidades da federação que utilizem os contratos de gestão, uma vez que, esta forma de contratação é adotada por quase todos os Estados da Federação, e por vários municípios.
2 DESENVOLVIMENTO
Reforma do estado, organizações sociais e contratos de gestão
Preliminarmente, cabe registrar que antes da Constituição Federal de 1988, a onda neoliberal que invadiu os ideários de governantes, partidos políticos, e classes dominantes dos anos 1980 tem como um de suas maiores causas, a implementação do que se denominou de Consenso de Washington (Cardoso Júnior, 2010). Este consenso representou a adoção de políticas de reorganização e enxugamento do Estado. Em boa medida, para se atender a determinadas políticas públicas, suprimiram-se outras com implementação de reformas direcionadas ao mercado, criando condições institucionais capazes de propiciar confiança aos detentores de grande capital. Originária dos países anglo-saxões a New Public Management (NPM) orientou as proposições das reformas, com a incorporação de princípios de gestão privada nas entidades públicas, dando ênfase nos resultados, contratualizações e autonomia gerencial.
A propósito, vale constatar excerto da obra do IPEA acima citada (Cardoso Júnior, 2010), a despeito das organizações sociais da saúde, em 2010:
No caso das organizações sociais (OS), a Lei no 9.637/1998 estabeleceu seu marco legal e área de atuação: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, preservação e proteção do meio ambiente, saúde e cultura. Porém, poucas OSs foram criadas. Em 2002 havia cinco OSs no
âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em que é mais comum a autonomia institucional nas relações com agências de fomento, associações profissionais e mesmo com o mercado. Na área do ensino, as instituições se opuseram ao projeto de “publicização” e nenhuma OS foi criada no âmbito do Ministério da Educação (MEC). Há ainda problemas com respeito a sua definição: resultariam da transferência de organizações públicas para grupos organizados da sociedade civil, à maneira das antigas fundações, ou se constituiriam de organizações civis criadas para gerir atividades, antes da alçada do poder público?
Em 2010 remetia-se ao fato de existirem poucas organizações sociais da saúde existentes. Hodiernamente, como descrito alhures, há até um instituto para organizar e defender seus interesses. Aliás, não seria exagero afirmar que as organizações sociais já perfazem um grupo de interesse econômico e bem organizado, haja visto o volume dos contratos de gestão e estabelecimentos de saúde administrados.
Guillermo O’Donnel (O ’Donnell, 1998) indica que seu interesse pela accountability horizontal decorre de sua ausência, de modo que esta conceituação, decorre da existência de agências estatais que tem os direitos e deveres de supervisionar a atuação estatal, bem como aplicar sanções as quais possam ser classificadas como delituosas, conquanto a accountability vertical implica na hierarquia exercida através de eleições razoavelmente livres e justas, onde eleitores podem manter ou afastar mandatários, a depender do julgamento da maioria expresso em um processo de sufrágio.
O debate internacional sobre accountability ocorre há décadas, e evolui pela dicotomia entre administração burocrática e democracia, conforme Medeiros, Crantschaninov e Silva (Medeiros; Crantschaninov; Silva, 2013), e estes autores se debruçando sobre considerável número de pesquisas sobre accountability, sistematizando o tema de modo que a palavra não possui tradução, concluem no artigo que os termos responsabilização e prestação de contas são os mais utilizados na literatura observada, para caracterizar accountability. E estes significados igualmente serão empregados no presente artigo.
Prosseguindo, em artigo publicado de 2001 um grupo de colaboradores e pesquisadores do Estado de São Paulo (Ibañez et al., 2001) publicou sobre as organizações sociais de saúde, tratando sobre o modelo do Estado de São Paulo. O texto se debruçou sobre o novo modelo que despontava, analisando os resultados a partir de medidas estabelecidas em um contrato de gestão. O produto da publicação analisou o modelo de parceria adotado pelo governo do Estado de São Paulo na gestão de hospitais, tendo como recorte os anos de 1998 a 2001.
O estudo estimulado pelo movimento internacional de reforma do Estado fora segregado em três dimensões, sendo a primeira cuidando da questão jurídica, a segunda remetendo a uma evolução comparativa, no âmbito interno da saúde de São Paulo, a última tratando sobre a análise e avaliação do desempenho das organizações sociais. Essas análises e avaliações ficaram circunscritas à quantidade de atendimentos (internações, consultas, …), qualidade do atendimento tendo como infecção hospitalar, taxa de letalidade hospitalar, dentre outros, e ao fim, a conclusão de que a forma de negociação do contrato de gestão tem permitido alto grau de autonomia gerencial às unidades, principalmente na questão dos recursos humanos, considerando que não se cinge à obrigação constitucional da seleção por concursos públicos.
Ao fim, os autores (Ibañez et al., 2001) chamam a atenção para uma preocupação futura para a manutenção do sistema, em face dos comportamento dos gastos e rateios das unidades de saúde.
Em artigo igualmente publicado em 2001, Tanaka e Melo (Melo; Tanaka, 2001) discutem sobre o caráter inovador das organizações sociais na gestão dos serviços de saúde, e a relação com as vigentes políticas de saúde. Os autores dispõem que a crise do Estado ficara mais aguda, em face do descrédito da capacidade dos governos e estados nacionais, diante de graves problemas econômicos e sociais existentes, acrescido de uma crise fiscal crescente, exaustão de formas protecionistas de intervenção na economia, e pela observação de um aparelho de estado arcaico e ineficiente. Como em outros trabalhos, o ex-ministro Bresser Pereira é citado como o mentor das mudanças através do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Com estas formulações e implementações de novas políticas públicas, a concertação do estado, tem-se um modelo híbrido de saúde ofertado pelo Sistema Único de Saúde – SUS onde se permite que o setor público adquira serviços de saúde da iniciativa privada de forma complementar.
Tanaka e Melo (Melo; Tanaka, 2001) admitem que a crise brasileira da saúde não parece prescindir do desenho de modelos de funcionamento, mas das decisões políticas acolhidas para a implementação de políticas públicas. Dois questionamentos emergem no artigo, no parágrafo que cuida de inovação. A adoção de um modelo gerencial cujas origens encontra-se na lógica do mercado, poderá se constituir em solução para os graves problemas da administração pública brasileira? É a OS uma iniciativa inovadora na gestão em saúde? Cumpre ainda salientar que se extrai do artigo, que neste período o contrato de gestão ainda não se coadunava com o que se tem atualmente, pois, em estudo de caso dos autores, assim eles manifestam:
Estudo de caso realizado por TANAKA e MELO (2000) em uma organização social de saúde no município de São Paulo aponta a total dependência dos resultados até então obtidos pela OS pelo repasse regular e suficiente de recursos para seu funcionamento pelo estado. Os aspectos que se destacam na gestão da OS são os atributos da própria equipe gerencial, cujas características de seriedade e dedicação têm- se destacado entre outras na condução das OS no município. Também a característica, assegurada até a época da pesquisa, de exclusivo atendimento a clientela pública, bem como de inexistência de outras fontes de receitas financeiras que não a pública fazem dessa experiência um caso singular. No entanto, para o governo brasileiro, preocupado em ampliar a sua governança e relegando sempre mais e mais sua responsabilidade social pergunta-se: um mercado com equidade social pode ser possível?
Ao final do artigo os autores (Melo; Tanaka, 2001), ressalte-se em 2001, concluem nenhum modelo de gestão e atenção à saúde vigentes garante a equidade mínima exigida, com um requisito inescapável para que o pais inove na gestão da saúde, bem como contribuir para com a esperada reforma do estado.
Avançando para o ano de 2012, ao tratar dos contratos de gestão e de parceria público privada na área da saúde pública, Oliveira narra que a participação do setor privado na execução de serviços públicos é uma tendência internacional, de tal modo que os contratos de gestão ajustados com as organizações sociais da saúde implicam em alternativas viáveis, podendo promover relevantes ganhos de eficiência e economicidade na prestação de serviços de saúde. Com todas as licenças e permissões aqui pedidas, vale transcrever excertos sobre referenciado artigo onde didaticamente expõe:
Substancialmente, envolvem os contratos de gestão, na área da saúde, apenas a prestação de serviços, como os referentes à gestão clínica. É no contrato de gestão, instrumento por meio do qual, ao concretizar-se a parceria, se estabelece um vínculo jurídico entre a organização social e a Administração Pública, que são previstas as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social, bem como o programa de trabalho, as metas a serem atingidas, os respectivos prazos de execução, bem como os critérios objetivos de avaliação de desempenho, inclusive mediante indicadores de qualidade e produtividade, com supervisão pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada. No setor da saúde, ao celebrar contrato de gestão com organização social, transfere o Poder Público a prestação do serviço para entidade filantrópica — que não persiga objetivo de lucro cabendo-lhe obediência aos mesmos ditames outrora atribuídos ao Estado: a prestação do serviço deve atender aos princípios do Sistema Único de Saúde, expressos no art. 198 da Constituição Federal (universalidade, gratuidade e integralidade) e no art. 7º da Lei Federal nº 8.080/90. (…)
A lógica que orienta a transferência da execução dos serviços de saúde para organização social é a de que com mais eficiência e com menor dispêndio de recursos, pode o setor privado melhor desincumbir-se da prestação de cuidados em saúde, servindo-se da infraestrutura já disponibilizada pelo Poder Público. A atividade é de relevância pública, a titularidade continua sendo do Estado, que permanece responsável pela boa provisão do serviço. No entanto, a sua execução direta é transferida para o setor privado, no que se tem, por meio de uma técnica concessória, um aprofundamento da experiência inovadora da gestão de unidades prestadoras de cuidados em saúde. Ou seja, o contrato de gestão tem por referencial um estabelecimento de saúde prestador, podendo por intermédio dele o Estado associar privados na prossecução do serviço público de saúde, sendo de se ressaltar que todos os tipos de prestações de saúde (primários, diferenciados, continuados) podem ser objeto de parcerias. (…)
A execução dos denominados serviços auxiliares não oferece, no Brasil, grandes dificuldades, porque se trata de modelo já amplamente utilizado pela Administração Pública. Basicamente, do que se está a tratar é de uma terceirização de serviços enquadráveis na categoria de atividades- meio.
Por outro lado, é na seara da gestão clínica que os contratos de PPPs podem suscitar as maiores controvérsias. Isto porque o bem da vida envolvido (direito à saúde e, em último caso, direito à própria vida, direito a uma vida digna) encontra-se impregnado de forte carga ideológica. Não é para menos: todos concordam que a saúde constitui-se em um bem de mérito. Conforme sustentam Aquilino Morelle e Didier Tabuteau, o crescimento esperado com as despesas em saúde ao longo dos próximos anos, a busca previsível dos avanços na medicina e a exacerbação de riscos sanitários, ligados ao meio ambiente e à alimentação, às patologias emergentes ou às ameaças bioterroristas provocarão o aumento das preocupações sanitárias da população, a fazer da política de saúde um dos temas principais do debate público.
E é exatamente porque a saúde representa um importante bem de mérito, que a contratualização nesta área tem-se mostrado particularmente complexa, sobretudo se se considerar que a produção desenvolve-se em um contexto de incerteza, em que o output (produção, em suas várias dimensões) não define linearmente o outcome (ganhos em saúde) e, ademais, a avaliação da qualidade e do desempenho mostram-se muito exigentes. (…)
Nada distante, Oliveira conclui o artigo na seguinte linha:
Contudo, uma discussão que se limite à defesa do serviço público em abstrato arrisca-se à demagogia, raiando mesmo o populismo menos elaborado. Nesse sentido, é muito fácil defender mais serviço público, mais escolas, mais hospitais, mais transportes públicos, mais tribunais, mais policiais, mais apoio aos deficientes, às mulheres, às crianças, aos idosos, aos estudantes, aos que ainda não entraram no mercado de trabalho etc., etc. E, ao mesmo tempo, até menos impostos. Ora, discutir nesses termos o serviço público, em especial o de saúde, é não discutir coisa nenhuma, sendo essa a forma menos responsável de contribuir, de fato, para um serviço público sustentável, o que requer mais estudo e informação.
Enfim, dessas elucubrações que aqui são feitas ninguém, governo e sua oposição, à esquerda e à direita, deveria ser dela dispensado. Uns porque têm de fundamentar a decisão. Os outros porque têm de fundamentar a oposição. O resto — defender sempre mais e mais serviço público e menos impostos — é pura ficção e, por isso, não deve ser seriamente encarado. Mesmo que possa render algumas simpatias no presente, tal discurso garantirá pouca qualidade de vida no futuro.
O motivo para se estender sobre o artigo de Oliveira (Oliveira, 2012) nas pretéritas linhas, reside no fato de que essa poderosa posição técnico jurídica tem se demonstrado como um dos baluartes para a mantença dos contratos de gestão intocáveis, como resta testemunhado pela sociedade brasileira. Uma política pública com poucos questionamentos institucionais, mas ainda com inúmeras controvérsias, em especial no que toca as fragilidades de controle. Há a posição, como dito nas linhas iniciais, de um establishment de que esta política pública de saúde resta exitosa e correspondente a eficiente e eficaz acerto dos governos que a acolhem. Um dos maiores problemas do contrato de gestão é a impossibilidade de conhecer seu desenho econômico conforme as regras de reporte financeiro internacionais.
Mesmo fora de lugar no corpo do artigo, tem-se que esclarecimentos e fundamentações jurídicas desarrazoadas de robustas evidências econômicas e matemáticas não deveriam ser motivação para a celebração de contratos tão complexos e com valores exorbitantes. As ausências de estudos e pesquisas mais verticalizadas, sem perscrutar minuciosamente os elementos formadores do contrato de gestão, é medida que já deveria ter se imposto à comunidade acadêmica e aos responsáveis pela formulação e implementação de políticas públicas de saúde.
Como descrito nos artigos pretéritos, gastos e rateios, ou a equidade dos contratos são preocupações que ainda perduram. O contrato de gestão mesmo sendo um contrato celebrado com a Administração Pública, não foge das regras aplicáveis a todos os contratos. Os contratos de gestão são onerosos com obrigações para contratante e contratada, no entanto, sem apreciação de serem comutativos ou aleatórios, o que traz perdas para a transparência exigida em qualquer contratação pública. São pontos desarrazoados do NPM que reclama maiores atenções.
Regina Luna Santos de Souza (Souza, 2012) dispõe que os projetos de reforma do Estado e da Administração Pública da década de 1990 cuidavam, em parte, da transformação de estruturas burocráticas em gerenciais, e que naquela época, estimou-se que o sucesso das implementações das ações da reforma dependeria dos sistemas de controle e acompanhamento direcionados com mais intensidade para o desempenho da instituição, observando os resultados da gestão, em detrimento do controle dos meios empregados. Segundo Souza em uma recapitulação da literatura, as relações de contratos de gestão surgiram na França desde 1969, sendo que, depreende-se do contexto descrito, uma relação de agência tendo o poder público na figura de principal.
Ao investigar as reformas no setor público da Inglaterra, Regina Luna Santos de Souza (Souza, 2012) traz que a reforma do setor público na área de saúde naquele país, buscou otimizar a gestão pública por meio da separação clara entre formulação e execução de políticas. Essa abordagem, baseada na relação agente-principal, buscou aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços públicos, conferindo maior autonomia aos gestores para a execução das políticas dentro dos limites estabelecidos. A avaliação da OCDE (1997) sobre a experiência inglesa com contratos de gestão revelou que apesar das promissoras expectativas esperadas, implicou em diversos problemas como o desperdício de recursos públicos, o não cumprimento de metas estabelecidas e a necessidade de melhoria nos controles e monitoramentos, com claras definições da individualização das responsabilidades dos gestores.
Ademais, percebeu-se que há falta de clareza na relação entre as agências e os seus departamentos (“principal”).
Ao mirar a pesquisa para Brasil, Souza também faz referência o ex-ministro Bresser Pereira, cujo aplicado plano busca a obtenção de resultados, consoante a superação de paradigmas da administração pública burocrática. Por outro turno, Souza desperta sem maiores alardes, para o fato de que há uma ausência de disciplina genérica (sequer específica) no direito positivo para os contratos de gestão, concluindo ao final pela ausência de uma legislação específica. Ficando estes entendimentos a critérios da doutrina, sem se esquecer de que os contratos de gestão no Brasil, foram inaugurados com os acordos firmados pelo Poder Executivo Federal e empresas estatais por intermédio do Decreto Nº 137/91 que instituiu o programa de gestão das empresas estatais, o qual trazia uma relação de agência, envolvendo o governo federal como principal, e a entidade estatal como agente.
Outro ponto a sobressair, é a constatação pelos órgãos de controle sobre falhas de gerenciamento. O artigo de Souza (Souza, 2012) conclui, que de um modo geral a contratualização brasileira pode ser avaliada como uma experiência positiva, tendo como principais impactos positivos uma menor burocracia em controle de processos, e a busca incessante de resultados.
Em artigo sobre a contratualização da gestão hospitalar, regulação em saúde, agências, controle estatal e avaliação no SUS, Santos e Pinto (Santos; Pinto, 2017) acrescentam além das relações com as organizações sociais da saúde, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, denominando de modelos alternativos de gestão indireta (MAGI). Lançando um debate sobre a discussão dos serviços de terceirização, Santos e Pinto chamam a atenção para as terceirizações dentro dos procedimentos dos contratos de gestão, em especial nas atividades meio da gestão hospitalar como serviços de lavanderia, higienização, segurança, laboratório e nutrição. Afirmam existir evidências de que esta forma de contratação tem se configurado no SUS como um mercado se expandindo sobre a égide da prestação de serviços públicos, não obstante a precarização do trabalho nos entes terceirizados.
De acordo com Santos e Pinto, dentre considerados marcos legais constata-se que os atuais modelos de gestão adotados na área da saúde, demonstram o processo de incorporação da ideologia privada na esfera pública. Os autores trazem as formas de prestação de contas por desempenho, seus marcos normativos e a evolução dos procedimentos, bem como também reconhecem que na prática existem fragilidades ou insuficiência de sistemáticas na administração pública, em especial para os hospitais públicos com gestão contratualizada, restando como desafios a falta de padronização, inespecificidade e inconsistências dos indicadores nos instrumentos contratuais.
Em estudo sobre a parcerias público privadas no setor da saúde, Célia Almeida (Almeida, 2017) discorre que a consequência da agenda reformista formulada e implementada nos anos 1980-1990 preconiza a retirada do Estado na provisão direta de serviços públicos, introduzindo lógica de mercado na gestão dos sistemas públicos e privatizações. O trabalho se debruça sobre parcerias público privadas que não se articulam através de contratos de gestão, mas que igualmente apresentam potenciais problemas aos usuários dos serviços de saúde, tendo em vista que o lucro e interesse público, não raramente são interesses antagônicos.
Em outro artigo, o qual também em dado momento faz referência a ex-ministro Bresser Pereira, Barreto e outros (Barreto Soares et al., 2016) elaboraram crítica revisão integrativa sobre a literatura sobre as organizações sociais de saúde como modelo de gestão. Os autores admitem que as pesquisas publicadas até 2015 sobre as organizações sociais são metodologicamente insuficientes, sem permitir generalizações sobre eficiência na prestação de serviços de saúde. Foram utilizados 31 artigos na revisão integrativa, com resultados segregados em argumentos administrativos ou gerenciais, políticos, jurídicos, e na discussão emerge dentre outros achados, que a postulada transparência das organizações sociais, colocadas como incremento da accountability pelos administradores, não se verifica, conforme o controle das informações disponibilizadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde ficam limitadas ao público interno. Constatam que não existem divulgação dos resultados nem controle social. Observam que dirigentes responsáveis acompanham os resultados quase que em segredo, conquanto os serviços, metas e gastos se tornam públicos através da publicação dos contratos de gestão, em clara ausência de transparência com o que se faz, o que se adquire e o que se atende.
Por fim, os articulistas concluem que as organizações sociais não tendem a ser solução gerencial para a resolução dos problemas do SUS, pois, apesar de se apresentarem como instituições sem fins lucrativos, tendem a fortalecer a privatização do sistema de saúde pública no país.
Nova gestão pública (NPM)
Vale conhecer publicação efetuada em uma página de jornal, especificamente na Folha de São Paulo, do citado além de ex-ministro, doutrinador Bresser Pereira em janeiro de 2011 (Bresser-Pereira, 2011), a despeito categoricamente Pereira afirma que na saúde, o mercado não é bom alocador de recursos porque não garante a qualidade dos serviços, porque os seus usuários ou pacientes e suas famílias não têm as informações necessárias para que o mercado possa funcionar bem. A assimetria de informações é gritante. E porque um serviço mal efetuado nessa área é algo muito mais grave do que um serviço mal efetuado de limpeza. Isto é, Bresser Pereira ainda em 2011, manifestou pela assimetria informacional, um dos problemas de agência dispostos na Teoria da Agência (Jensen; Meckling, 2008).
Ainda no espectro da assimetria informacional, o contrato de gestão pelas suas métricas e medidas peculiares, também poderia ter como referencial teórico de seus problemas, a Teoria da Seleção Adversa de Akerlof (Akerlof, 1970), na qual o autor citando um mercado de carros usados como exemplo, expõe que quando um consumidor desconhece a qualidade do carro ofertado, não se tem a certeza de que se bem móvel ofertado é bom ou ruim, pelo desconhecimento da história do veículo. Assim sendo, este mercado não é eficiente levando a um problema de seleção adversa. O contrato de gestão ao não esmiuçar seus custos diretos e indiretos, igualmente não permite ao tomador dos serviços conhecer a formação do preço final do contrato, e de igual modo, ferindo de morte a transparência e a responsividade na prestação de contas, igualmente trazendo um “mercado” ineficiente, por mais absurdo que se pareça esta afirmação, considerando que os disputantes dos contratos de gestão, são entidades sem fins lucrativos.
Denhardt e Catlaw (Denhardt; Catlaw, 2016) assumem que a crise fiscal da década de 1970 resultou em vários esforços para a construção de governos mais baratos e mais produtivos. A busca de soluções perpassou por um racionalismo econômico, com críticas tanto à responsividade como à eficácia dos governos. A administração pública deveria ser mais produtiva com a utilização de menos recursos. A contratualização, isto é, o contrato se encontra no centro da governança pública. De acordo com Denhardt e Catlaw o contrato é a instituição central na lei privada, e a nova gestão pública amplia o contrato para diversas áreas do setor púbico. A ideologia estruturante é que os governos devem tirar vantagem mercadológicas para a obtenção de valor, e com os administrados tratados como consumidores, ou clientes, em um contexto de entrega de serviços públicos.
Denhardt e Catlaw enfatizam que a busca de eficiência, o tratamento da prestação de serviços públicos de forma empreendedora, apresenta problemas como a falta de disposição para seguir regras e permanência em busca por ações tão intensa, que mitiga, ou põe em risco a accountability necessária na atividade pública. Estes autores dizem que o uso simplificado da medição de desempenho em relações contratuais, também produziu consequências contrárias às aguardadas intenções. Ou seja, o ganho da administração pública com relações contratuais pode em grande medida, aumentar a produtividade e reduzir custos da administração, em detrimento da perda de direitos ou mitigação de oportunidades aos administrados, destinatários das políticas e serviços públicos.
Sem perder de vista o que já fora traçado até aqui, é de se questionar. Os resultados esperados com a reforma administrativa e a utilização das organizações sociais na prestação de serviços de saúde, através dos contratos de gestão alcançaram seus objetivos? E ainda: é possível mensurar esses resultados? Pois bem, apesar de estar ou tergiversado nos artigos apreciados, ou descrito às claras, a baixa transparência, e, por conseguinte a baixa intensidade de accountability (em virtude da assimetria informacional) com estes contratos resta evidente.
Não é uma preocupação atual as crises nas democracias representativas, em especial no que toca às insatisfações das administrados com os resultados das políticas públicas oferecidas pelos governos nos últimos anos. Pululam livros e artigos sobre crises democráticas. Em nossos argumentos aqui experimentados, examinemos de forma perfunctória o conceito de accountability a partir do qual os governantes têm o dever de prestar contas, e eventualmente em condutas faltosas serem responsabilizados, perante instituições. Em resumo, O’Donnell (O’Donnell, 2018) defende que um Estado de Direito genuinamente democrático assegura ao menos, os direitos políticos, as liberdades civis e os mecanismos de accountability que preservam a igualdade política dos governados, fixando limites aos abusos do poder estatal e privado.
3 CONCLUSÃO
A ausência de agendas claras confrontando as políticas públicas de prestação de serviços de saúde através dos contratos de gestão celebrados com organizações sociais, resultam em uma baixa intensidade da accountability, conforme se denota dos artigos considerados. Mesmo com todos os avanços no campo da Administração Pública, a falta de uma oposição da sociedade civil organizada, incluindo a academia (excetuando os entes do terceiro setor que prestam serviços de saúde, mas que formam na realidade, um novo grupo econômico de interesse onde estas entidades rivalizam para alcançar contratos com valores mais vultosos), perfaz em uma sociedade apática, entorpecida, desorganizada e desarticulada, com poucas ferramentas para exigir o direito constitucional à saúde, apesar da existência de uma accountability horizontal efetuada pelos órgãos de controle interno ou externo, de cada pessoa política pertinente, União, Estados ou Municípios, como tribunais de contas, Ministério Público e controles internos do poder executivo.
A accountability vertical também fora incapaz de mudar esta situação, não obstante nos últimos anos, o poder executivo federal, e demais entes federados terem experimentados governantes com espectro político de centro, esquerda, direita, e o modelo de prestação de serviços de saúde através do contrato de gestão continua o mesmo.
A falta ou mitigada oposição ao exercício destas políticas públicas de saúde, que ao relegar a entrega dos serviços de saúde cada vez mais à iniciativa privada, com fins lucrativos ou não, enfraquecem a agenda e os anseios gestados e nascidos com a Constituição Federal de 1988, tendo como realidade fática, a realização de prestação de serviços de saúde através de organizações sociais da saúde, com frágeis mecanismos de controle, acompanhamento e fiscalização, resultando em um sem número de notícias a despeito de malversação dos recursos públicos destinados à saúde.
No Estado de Goiás, como apontado, mesmo com legislação própria sobre as organizações sociais da saúde, o Acórdão nº 3250/2024 (Acórdão 3250/2024 TCE GO, [s. d.]) do Tribunal de Contas do Estado, em auditoria operacional que abrangeu o período de 17/10/2023 a 15/03/2023, emanou 25 determinações à Secretaria de Estado da Saúde, dentre elas, a implementação de processo de cálculo dos custos dos serviços prestados pelas organizações sociais de saúde, para fins de verificação, inspeção, e validação dos custos repassados pelas unidades.
Nada distante, a Manifestação Conclusiva de Auditora, referente ao aludido Acórdão do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, aponta, dentre outros achados e considerações, que a equipe de fiscalização constatou dificuldades por parte da Secretaria de Estado da Saúde e das organizações sociais de saúde em cumprir a Lei Estadual das OSS e as Leis de Acesso a Informações, tanto estadual quanto federal, vide fl. 6; deficiência na apuração e monitoramento dos custos pela Secretaria de Estado da Saúde e pelas unidades de saúde administradas por organizações sociais da saúde, considerando que a precificação dos serviços pertinentes ao contrato de gestão são inseridos por uma empresa de consultoria, de onde a Secretaria de Estado da Saúde não detém processo instituído de cálculo dos custos dos serviços hospitalares prestados pelas organizações sociais de saúde, vide fls. 11/12.
Nessa esteira, resta evidenciada a baixa intensidade de controles, bem como a frágil accountability dos contratos de gestão no Estado de Goiás, conforme constatações apresentadas pela Tribunal de Contas, sugerindo que mesmo com a adoção de políticas balizadas pela nova gestão pública, ineficiências e ineficácias não foram afastadas, apesar de um establishment em sentido contrário.
Não é um cenário inédito, Édson Nunes (Nunes, 2017) desde longa data nos alerta sobre nossas gramáticas, com todos seus vícios e adversidades, como corporativismo, clientelismo, universalismo, mas, ao que parece, ao invés de se produzir um insulamento burocrático (não que seja desejável) para cuidar das políticas públicas de saúde, o que se percebe é a formação de um ou mais grupos de interesse, travestidos de terceiro setor, que se apropriaram de significativa fatia da agenda e implementação de políticas de saúde pública.
É urgente a necessidade de revisitar o estudo e aprofundamento das políticas públicas de modo articulado, interdisciplinar (Farah, 2011), possibilitando à Administração Pública, pelo menos, ter maiores controles e acompanhamentos na execução dos contratos de gestão de saúde, mesmo que com o véu de nova política pública. O que se propõe não é a extinção dos contratos de gestão como se encontram, mas a sua adequação como já decidido na ADI 1923/DF (BRASIL, 2015), que sem delongas diz que o contrato de gestão tem natureza de convênio. Sendo convênio, cada hora contratada, peça ou parte fornecida, deve ter quantidades e preços pré-estabelecidos através de um projeto básico ou termo de referência. O mero cumprimento do que já fora decidido, já é um bom começo, possibilitando facilitar os trabalhos dos órgãos de controle, com toda a transparência possível.
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