UMA BREVE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM AMBIENTE HOSPITALAR

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411051654


Marcos Paulo Ribeiro Tavares1


RESUMO

O Estupro de vulnerável está inserido na Lei 12.015 de 2009, é caracterizado quando existe conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com uma pessoa considerada vulnerável. Este artigo tem como objetivo analisar a legislação vigente diante da prática de crime de estupro de vulnerável no ambiente hospitalar, assim como apresentar o conceito e desenvolvimento histórico do estupro de vulnerável assim como posição no ordenamento jurídico, verificar legislação diante do crime em ambiente hospitalar e discutir as medidas jurídicas aplicáveis do crime de estupro de vulnerável em ambiente hospitalar. Utilizou-se a pesquisa bibliográfica baseadas em artigos científicos publicados de forma online e na legislação através do site da Jurisprudência Brasil nos quais tinha histórico de processos sobre o tema e assim obtermos uma análise ampla sobre o tema. Conclui-se que o crime de estupro de vulnerável por si só já é hediondo e vil diante da sociedade deixando sequelas graves a vítima, e quando é cometido em ambiente hospitalar que deveria ser um ambiente seguro para todo cidadão acaba tornando-se ainda mais grave. A legislação atual deve considerar mais aspectos para que a pena seja mais grave conforme cada caso desse crime. 

Palavras-chave: Estupro vulnerável. Ambiente Hospitalar. Legislação. Lei 12.015.  

ABSTRACT

Rape of a vulnerable person is included in Law 12.015 of 2009, and is characterized when there is carnal conjunction or the practice of a libidinous act with a person considered vulnerable. The aim of this article is to analyze current legislation on the crime of rape of a vulnerable person in a hospital environment, as well as to present the concept and historical development of rape of a vulnerable person and its position in the legal system, to verify legislation on the crime in a hospital environment and to discuss the legal measures applicable to the crime of rape of a vulnerable person in a hospital environment. Bibliographical research was used, based on scientific articles published online and legislation through the Jurisprudência Brasil website, which had a history of cases on the subject, so that we could obtain a broad analysis of the topic. The conclusion is that the crime of rape of a vulnerable person in itself is heinous and vile in the eyes of society, leaving serious consequences for the victim, and when it is committed in a hospital environment, which should be a safe environment for all citizens, it becomes even more serious. Current legislation should consider more aspects so that the penalty is more severe in each case of this crime. 

Keywords: Vulnerable rape. Hospital environment. Legislation. Law 12.015.

1. INTRODUÇÃO 

O crime de estupro de vulnerável estar presente na redação da Lei 12.015 de 2009 e é considerado um crime hediondo, é uma forma grave de violência sexual aonde o criminoso se encontra em uma posição de poder ou autoridade e realiza atos de natureza sexual com uma pessoa que é considerada vulnerável, seja por idade, condição mental ou outra forma de incapacidade, assim ela se torna incapaz de consentir tal ato.

Relatos de crimes de estupro de vulnerável em instituições públicas e particulares de saúde vêm crescendo de forma preocupante. O delito cometido por profissionais de saúde, médicos na maioria dos casos, sobressai à questão de segurança e justiça diante desse crime contra a dignidade sexual da pessoa. A problemática da pesquisa enfoca em: Como as leis do código penal asseguram e resguardam a dignidade da vítima e como é a eficácia da punição diante as leis vigentes contra o crime de estupro de vulnerável?  

Considerando a gravidade do crime de estupro de vulnerável no Código Penal Brasileiro no Decreto-Lei 2.848, de 1940, inclui o ato como crime contra a dignidade sexual da vítima e no artigo 217- A prevê pena de 8 a 15 anos de prisão, todavia ainda há necessidade de um projeto de lei mais elaborado apontando qualificar o crime de estupro de vulnerável para maior proteção jurídica.

O estudo e atualização das legislações atuais sobre o crime de estupro de vulnerável em ambiente hospitalar tem se evidenciado com a necessidade de agravamento de pena para o praticante do crime. Em muitos casos no qual o delito ocorre pelo agente do crime criando a vulnerabilidade da vítima infringindo assim seu bem jurídico da dignidade sexual, mostrando assim que o enquadramento na lei abre brechas para uma condenação mais branda. 

A lei 12.015 de 2009 em seu artigo 217-A discorre sobre a vulnerabilidade da vítima pode ser referente quando a um estado de anestesia e ela não consegue ter o livre arbítrio de defesa, no caso de um profissional de saúde que levou a vítima a esse estado, uma série de qualificadoras deveriam entrar em processo tornado o crime mais grave, como o caso de abuso de confiança, no qual o agente ativo usa o local e o sua profissão para abusar da vítima. O estudo sobre a gravidade do crime e suas peculiaridades, torna o tema importante tanto socialmente e academicamente, buscando assim sanar as vertentes que a legislação atual necessita discutir.

Esta pesquisa irá contribuir academicamente analisando o Código Penal Brasileiro e debatendo medidas possíveis para uma legislação no qual mensurar a punibilidade do crime seja passível de qualificantes mais complexos não somente incluindo o crime como estupro de vulnerável, mas sim abrangendo todos os paramentos que o colocaram nessa condição conforme a lei. 

O objetivo geral da pesquisa é analisar a legislação vigente diante da prática de crime de estupro de vulnerável no ambiente hospitalar, assim como apresentar o conceito e desenvolvimento histórico do estupro de vulnerável assim como posição no ordenamento jurídico, verificar legislação diante do crime em ambiente hospitalar e discutir as medidas jurídicas aplicáveis do crime de estupro de vulnerável em ambiente hospitalar.

A metodologia é o processo pelo qual se atinge este objetivo. É o caminho a ser trilhado para produzir conhecimento científico, dando as respostas necessárias de como foi realizada a pesquisa, quais métodos e instrumentos utilizados, bem como as justificativas das escolhas.

Utilizando-se a classificação de Marconi e Lakatos (2014, p. 116) tem-se que o método de abordagem a ser adotado será o dedutivo, que tem como definição clássica ser aquele que parte do geral para alcançar o particular, ou seja, extrai o conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a “hipóteses concretas”.

Tomando ainda por referência a classificação dos referidos autores será adotada a seguinte técnica de pesquisa neste projeto: documentação indireta – com observação sistemática, abrangendo a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias (doutrinas em geral, artigos científicos, dissertações de mestrado, teses de doutorado etc.), além de documentação oficial (projetos de lei, mensagem, leis, decretos, súmulas, acórdãos, decisões etc.). 

2. O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERAVÉL

O crime de estupro de vulnerável é considerado como um crime hediondo, pois nele é empregado uma violência sexual a uma pessoa que é considerada venerável. Ele está presente no artigo 217-A da lei 12015 de 2009. A legislação atual tenta englobar de forma geral desse crime, principalmente a menores de idade e pessoas com deficiência física ou mental, como figura vulnerável, a atualização da lei, considerou a vulnerabilidade quando empregada as vítimas através de meios que as tornem vulneráveis, sendo como no caso de estudo deste artigo, as vítimas que foram anestesiadas em ambientes hospitalares. Logo, os demais tópicos apresentam desde a evolução do crime de estupro, a legislação e como devemos visualizar um pequeno panorama de casos desse crime em ambiente hospitalar.

2.1 Evolução do conceito de crime de estupro de vulnerável 

Desde a antiguidade o estupro é considerado um ato repudiante contra a individualidade da pessoa de escolha com quem quer ter relações sexuais, ferindo sua dignidade humana. O consentimento é a maior característica da liberdade sexual, a Lei 12.015 de 2009, demonstra que o crime de estupro fere o princípio da dignidade humana, pois o corpo é um bem inviolável. Antes da atualização da lei em 2009, o estupro era tido como: “constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.” Tinha pena de 6 a 10 anos de reclusão (Alves, 2017).

A atualização da legislação denominou o crime de estupro como quem constrange alguém, diante de violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal, praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Levando assim que não apenas o ato praticado em si é considerado estupro, mas ao constrangimento de uma pessoa, no qual antes um atentado ao pudor passou a ser estupro e tornando-se um crime hediondo com pena mais alta. Ressalta-se que antes o crime era apenas visto com um agente passivo feminino e com a nova lei de 2009, o crime passou a ter mais visibilidade e importância. (Brasil, 2009).

No que diz respeito ao delito de “constranger à conjunção carnal”, o crime passa a ser comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa, podendo ser tanto o homem ou a mulher, pois a redação da Lei traz a palavra “alguém”, não especificando o gênero sexual, e também não desqualifica qualquer pessoa pela orientação ou profissão; o crime pode acontecer com prostitutas, namoradas com seus namorados, mulheres casadas com seu próprio marido, enfim, com qualquer pessoa, inclusive com os homens como já foi dito (Alves, 2017, p. 3).

No regime anterior da lei 12.015 de 2009 existiam dois crimes distintos, o Estupro (Art. 213), e o Atentado Violento ao Pudor (Art. 214), neste que se encontrava a figura de estupro de vulnerável, e incluiu a violência presumida do Art. 224, abrindo assim questionamentos se a violência era relativa ou absoluta, e quando dada como relativa, usava-se como argumentação que: “a conjunção carnal não foi realizada de forma violenta, que houve consentimento da vítima e até mesmo que a família tinha conhecimento do ato praticado” (Carneiro, 2022).

O crime de estupro de vulnerável foi então definido pelo Código Penal Brasileiro, no Título VI do Código, através da Lei n° 12.015 como um crime contra a dignidade sexual.  Os crimes contra a liberdade sexual são: Estupro (Artigo 213); Violação Sexual Mediante fraude (Art. 215); Assédio Sexual (Art. 216-A) e dispõe no Art. 217 – A Dos crimes contra vulnerável: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos: (Incluído pela Lei n° 12.015, de 2009), a pena prevista é de oito a quinze anos de reclusão. A lei também incluiu em 2009 como estupro de vulnerável, quem comete o delito contra pessoas que possuem enfermidade ou deficiência mental, não tendo discernimento para a prática do ato, incluso por último, que por qualquer outra causa a vítima não possa oferecer resistência. A vulnerabilidade citada na redação da lei está relacionada com a incapacidade de entendimento que a pessoa não tem discernimento psicológico para entender o caráter libidinoso do ato sexual, não tendo capacidade de decidir suas vontades para o ato sexual (Paim, 2017).

Alves (2017, p.4) acrescenta:

A alteração legislativa tutela a autonomia, a liberdade e a independência, garantidas pela Constituição Federal de 1988. Sendo o legislador quem deve se preocupar e se ocupar com os comportamentos graves que podem causar resultados drásticos para a coletividade. Entende-se que no campo de liberdade sexual estão sendo deixadas de lado as exigências penais que se exigiam há tempos pretéritos e pospostos.

Estando constituído dentro do Título VI do Código Penal Brasileiro, a legislação busca maior amparo ao cidadão, respeitando o direito a dignidade, não apenas ao crime de vulnerável, mas com os demais crimes antevistos no Título, e traz a proteção jurídica preservando a tutela da dignidade do indivíduo, sob o ponto de vista sexual. Destaca-se também que o Título VI do Código garante bens juridicamente tutelados pelo Artigo 217-A, visando a liberdade, dignidade sexual, desenvolvimento sexual saudável, com o objetivo de proteger aqueles que se se entende como vulneráveis para consentir com a prática do ato sexual (Paim, 2017).

2.2 Legislação brasileira e o estupro de vulnerável 

O estrupo de vulnerável conceitualmente é visto como violência cometida contra pessoas que não tem condições de consentir livremente ou entender o significado do ato sexual, como uma criança, adolescente, pessoa com deficiência intelectual ou uma pessoa em estado de inconsciência devido a drogas, álcool ou outra condição de saúde. No ponto de vista legal, é visto como um crime com penas severas previstas na legislação brasileira, no qual o código penal prevê a idade de consentimento para atividade sexual, ou seja, a idade que uma pessoa é considerada capaz de consentir livremente para o ato sexual. E o estupro de vulnerável no ponto de vista social é um problema completo e multifacetado, pois envolve questões de poder, desigualdade, abuso de autoridade, manipulação e coerção, nos quais as vítimas enfrentam dificuldade para denunciar o abuso devido a vergonha, falta de informação, medo, falta de acolhimento, entre outros, além que o estupro de vulnerável traz as vítimas consequências devastadoras para a saúde física, mental e emocional, exigindo apoio especializado e medidas de prevenção e enfretamento eficazes (Carneiro, 2022).

2.3 O código penal brasileiro mediante do crime de estupro de vulnerável e seus agravantes

O estupro de vulnerável está inserido no Código Penal desde 2009, através da Lei n° 12.015, conforme a redação:

§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

O crime de estupro de vulnerável é um crime considerado hediondo em todas as suas formas, conforme a Lei 8.072, art. 10, VI, portanto, a pena será cumprida inicialmente em regime fechado, após 2/5 (dois quintos) será feita a progressão, para o réu for primário e para reincidente é 3/5(três quintos). Em seu § 3º e § 4º  do Art. 217-A discorre que para que aumente a pena quanto ao estupro contra vulnerável resulta em lesão corporal de 10 a 20 anos de pena e quando resulta em morte com pena de 12 a 30 anos de reclusão (Carneiro, 2022).

Para analisarmos a legislação atual sobre o crime de estupro de vulnerável, devemos primeiramente comentar pontos importantes apresentados na lei. Na descrição os verbos empregados são ter e praticar que implicam diretamente nos casos de menores de 14 anos, no qual a situação de vulnerabilidade ganha contornos bem definidos, ou seja, a idade da vítima. Quanto ao último trecho do parágrafo, são empregados os mesmo verbos, mas a diferença é que a conduta do sujeito passivo é levada em consideração. Um exemplo disso é a conjunção carnal com o indivíduo desacordado, por excesso de drogas ou entorpecentes, moldando assim a última parte do parágrafo e a correta aplicação da pena de 8 a 15 anos de reclusão (Bezerra e Barros, 2023). 

Um dos pontos importantes que devem ser destacados diante do crime é a violência moral, segundo o Superior Tribunal de Justiça em 2013:

O delito imputado (estupro de vulnerável) ao recorrente teria sido praticado apenas mediante violência moral. Tais atos, por sua própria natureza, não deixam vestígios. Assim, se vestígios não há, não há como exigir-se a realização de exame pericial (STJ, RHC 33167 / AM, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j.07/02/2013).

Assim como o crime único ou continuidade delitiva (Art. 71 do Código Penal), pois no estupro de vulnerável, pode ocorrer a celeuma a respeito do crime único ou da continuidade delitiva, imaginando-se que em um mesmo contexto o agente submeta à vítima a conjunção carnal (introdução do pênis na vagina) e a outro ato libidinoso (coito anal), no caso prevalece a tese de crime único, no qual entende que o Art. 217-A é tipo penal misto alternativo e não cumulativo (Castro, 2014).

O Superior Tribunal de Justiça relata sobre :

HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADOS COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. LEI 12.015/09. NOVA TIPIFICAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. DESFAVORABILIDADE. MULTIPLICIDADE DE ATOS LIBIDINOSOS. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. A Lei 12.015/09 promoveu sensível modificação nos dispositivos que disciplinam os crimes contra os costumes no Código Repressivo, ao reunir em um só tipo penal as condutas antes descritas nos arts. 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor), ambos do CP. 2. Reconhecida a tese de crime único pela Corte Estadual, a quantidade de atos libidinosos deve ser sopesada na aplicação da reprimenda na primeira etapa da dosimetria, pela desfavorabilidade das circunstâncias do crime.

O STJ também enfatiza a condição objetiva prevista no Art. 217-A se encontra presente, no qual basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e mesmo assim tenha conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com ela, o que efetivamente se verificou in casu (fls. 1/2, 88/95 e 146/159), para se caracterizar como crime de estupro de vulnerável, conforme descrita no Art. 217- A do Código Penal (Castro, 2014).

Segundo Jurisprudência do STJ haverá consumação do crime de estupro de vulnerável não apenas com conjunção carnal propriamente dita, mas qualquer outra prática de ato libidinoso contra menor. (STJ, AgRg no REsp 1244672 / MG, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), j. 21/05/2013).

Conforme apresentado no tópico anterior, quando ocorreram os casos de estupro de vulnerável em ambiente hospitalar, os sujeitos ativos do crime se enquadraram com a parte final do parágrafo, no qual cita quando a vítima não tem capacidade de resistência. Analisando o caso dos médicos, ocorreu que a impossibilidade de resistência foi criada por eles mesmos, com o intuito de reduzir a vítima ao status de vulnerável. A gravidade é apresentada nesses casos ainda mais reprovável pelo fato de os praticantes do delito criar a situação de vulnerabilidade de forma artificial, com a única intenção de violência sexual (Bezerra e Barros, 2023). 

A legislação apresenta uma brecha diante desses casos, a lei não mensura a punibilidade da conduta do sujeito ativo, reduzindo assim o indivíduo vítima apenas em uma condição de vulnerável. Os elementos do iter criminis ou caminho do crime devem ser ampliados desde quando o agente comete os atos preparatórios visando à consecução do crime, o delito deve ser entendido como um tipo mais complexo ou qualificado, recebendo assim a exasperação da pena (Castro, 2014).

2.4 Qualificadoras do crime de estupro e a jurisprudência 

As qualificadoras no crime de estupro de vulnerável devem abranger elementos que comportam e se enquadram para que a pena seja mais grave. Um exemplo a ser estudado para uma atualização na legislação vigente é a qualificadora subjetiva do abuso de confiança, no caso dos médicos, a vítima confia no sujeito ativo do crime por ele ser um profissional de saúde e estar em um ambiente hospitalar, mostrando assim a vontade do agente criminoso de consumar o delito previsto no artigo 217-A. No crime de estupro de vulneral ainda não existe uma qualificadora que elenque a conduta pretérita do profissional de saúde ou o sujeito que cria a condição de vulnerabilidade sem a qual o crime não seria consumado (Bezerra e Barros, 2023). 

O Superior Tribunal de Justiça no informativo n. 553/ 2015 destaca:

Entendeu que, caso a vulnerabilidade seja momentânea, somente na ocasião da violência sexual, o crime é de ação penal pública condicionada à representação. Ex.: a vítima que possui discernimento para a prática de ato sexual, mas é estuprada enquanto está sob o efeito de substância que a manteve desacordada.

A senadora Simone Tebet apresentou um Projeto de Lei 2016/2022 para o aumento em até 2/3 a pena de estupro e abuso sexual cometido por médico e demais profissionais da área de saúde. Em 2023, a senadora Eliziane Gama, apresentou um Projeto de Lei 85/2023 que prevê que estupro cometido em ambiente hospitalar de saúde pública e privada com abuso de poder ou confiança a punição deve ser 50% maior do que prevê a legislação atual, com a proposta a pena pode chegar a 22,5 anos, além dos agravantes, essa proposta ainda não tem relator designado e não tem data prevista para deliberação, mas já dar uma esperança para uma maior punição diante dos casos em instituições de saúde. Outras duas proposições com o mesmo objetivo já tramitam no Senado:  o PL 1.998/2022, do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), aumenta em 50% a pena para todos os crimes contra a dignidade sexual praticados por profissional de saúde; e o PL 39/2022, do senador Messias de Jesus (Republicanos-RR), propõe o aumento da pena em 75% (Agência Senado, 2023).

3. SUJEITOS DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL E AS INSTITUIÇÕES DE SAÚDE

Na condição de praticante do crime, em questões como conjunção carnal ou prática de qualquer ato libidinoso, em polo ativo, qualquer sujeito pode praticar o crime sendo homem ou mulher. No caso de estupro de vulnerável, homem ou mulher, pode ser agente ativo do crime, incluindo pessoa do mesmo sexo. No polo passivo, a vítima deve obrigatoriamente ser uma pessoa considerada vulnerável (Bitencourt, 2015).

Segundo entendimento dos Tribunais Superiores, de presunção de violência absoluta (Juris et de jure) a priori, entende-se que os menores de 14 anos não possuem maturidade para consentir com a prática de atos sexuais. Entretanto, existe um desentendimento diante do Estatuto da Criança e do Adolescente no qual considera como adolescentes aqueles maiores de 12 anos de idade, e a partir desta idade deve ser concedida a capacidade para os atos da vida sexual, mas apesar dessa divergência, a maioria entende pela não relativização do consentimento e da presunção de violência (Paim,2017).

Também se entende por vulnerável aquele que por qualquer motivo não possa oferecer resistência, como a pessoa em estado de embriaguez, desde que não esteja em condições de consentir ou resistir diante do ato, e esta condição é analisada no momento do crime, não sendo relevante se a vulnerabilidade deixou de existir posteriormente. Adicionado a isso, os deficientes mentais ou enfermos também são sujeitos passivos do crime de estupro de vulnerável (Carneiro, 2022).

Conhecido os sujeitos do crime, os ambientes frequentados pelas vítimas podem ser desde escolas, clubes, instituições religiosas , ambientes hospitalares, entre outros. Destacando que as vítimas devem ter conhecimento dos locais para que possam buscar apoio e denunciar o delito. O ambiente hospitalar apresenta um número considerável de pessoas que se enquadram como vulneráveis, como crianças, idosos, pessoas com deficiência, além de pessoas que necessitam de cuidados de saúde. 

3.1 Casos de estupro de vulnerável em instituições de saúde

O Instituto de Segurança Pública (ISP) em uma pesquisa de 2015 a 2021 constatou a soma de 177 casos de estupro em ambiente hospitalar no estado do Rio de Janeiro, em que 86% desses números de vítimas eram mulheres e quase 50% corresponde ao delito de estupro de vulnerável. Com inúmeros casos de violência que estão sendo constados até o ano de 2023, a maioria tem o perfil dos profissionais de medicina parecidos, com as vítimas que estavam em sala de cirurgia e foram abusadas.

Em 2022, no Hospital Estadual da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, através de uma câmera oculta, foi flagrado em um vídeo gravado por enfermeiras da equipe médica, no qual o médico anestesista passava o órgão genital no rosto de uma paciente desacordada para ser submetida à cirurgia cesária para dar a luz ao seu filho. Após a finalização da cirurgia e a constatação através da gravação, o criminoso foi detido e encaminhado a Delegacia da Mulher de São João de Meriti, sendo conduzido a Cadeia Pública de José Frederico Marques, na zona norte do Rio de Janeiro (Antunes, et al., 2022).

Alves (2017, p. 21) relata:

Como o do enfermeiro que foi acusado de engravidar mulher que estava em estado de coma, ele foi contratado e estava encarregado de cuidados necessários da paciente à manutenção de sua vida vegetativa. Essas são algumas situações de pessoa em estado de vulnerabilidade, sedada, anestesiada, embriagada, drogada, alguém que não esteja sob controle de suas faculdades mentais, física e psicológicas. E que o agressor vai na intenção de ter a conjunção carnal ou de ato libidinoso com a vítima.

Outro caso parecido foi do médico de Recife, que anestesiava suas pacientes e mantinha conjunção carnal com ela, segundo a Polícia Civil, foram encontradas provas de nove pacientes entre 18 e 39 anos, no qual os pacientes estavam totalmente desacordados, e sem nenhuma resistência o médico abusava delas. Na mesma cidade outro médico foi denunciado no qual foram ouvidas 11 testemunhas e destes 11 casos, cinco homens foram vítimas deste médico (Meireles, 2018).

Os casos mostram semelhanças dos sujeitos do delito, pois eram médicos, na maioria anestesistas ou enfermeiros, atuavam na ginecologia/obstetrícia, utilizavam dosagens maiores que o necessário para tornar a vitima vulnerável e foram indiciados por estupro de vulnerável do Art. 217-A do Código Penal.

Podemos verificar que eles se enquadram na Lei n° 12.1015 de 2009: 

§ 1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

O caso deles se enquadra quando a vítima não pode oferecer resistência diante do ato. A gravidade que se depara diante desses casos é a perversão dos profissionais de saúde de criar a impossibilidade de resistência em suas vítimas, ou aproveitar-se de seu estado de inconsciência, como o caso do enfermeiro, reduzindo assim à vítima a vulnerabilidade, atentando contra o bem jurídico da dignidade sexual.

3.2 Análise de casos de estupros de vulneráveis cometidos por médicos anestesistas

Muitos dos casos de estupro de vulnerável se fazem diante de vítimas sedadas no qual, anestesistas através dessa “facilidade” acaba praticando o crime sem medo da punição. Sabemos que a pena atual do crime prevê entre 8 a 15 anos para qualquer conjunção carnal ou prática libidinosa com menor de 14 anos ou com a pessoa que por alguma causa não consegue oferecer resistência. O médico anestesista praticou estupro de vulnerável ao retirar a consciência da paciente e tirando assim qualquer possibilidade de defesa. 

Nos processos estudados para construção desse estudo podemos nos deparar com casos em que o criminoso usava sua profissão para criar confiança em sua vítimas, e casos em que esses médicos anestesistas solicitavam a retirada dos acompanhantes das vítimas da sala de cirurgia, no caso de partos, para pode prática o crime infringindo a dignidade sexual da vítima.

O caso do médico anestesista do Hospital da Mulher Heloneida Studart de Vilar dos Teles, abrange pontos citados anteriormente, ele pede para que o marido se retire da sala, e através de um biombo pratica o crime. O criminoso foi flagrado através de uma filmagem, não restando dúvidas da validade da prova produzida, retirando assim a suposta violação à intimidade do criminoso e nem a ilicitude por não ter sido previamente autorizada pela justiça.

Evidentemente, o registro fotográfico ou audiovisual de um flagrante delito é prova idônea e inequívoca de sua prática, além de perfeitamente lícita, a qual é utilizada costumeiramente para lastrear condenações consideradas válidas pela Justiça. A sala de parto pode até ser considerado um ambiente privado para o resguardo da intimidade da gestante, nunca do criminoso que a estuprou. Na ponderação de valores, a dignidade sexual da vítima e sua integridade física, assim como a do bebê, prevalecem sobre uma suposta e absurda garantia para o estuprador de não ser filmado cometendo a violência sexual.( CONSULTOR JURÍDICO, 2022).

O Inquérito policial analisou esse caso como crime de estupro de vulnerável, no qual a vitima estava em estado completo de vulnerabilidade, sem oferecer resistência, sendo assim a tipificação do artigo 217-A do Código Penal Brasileiro.

3.3 proteção para as vítimas do crime de estupro de vulnerável em ambiente hospitalar.

Como visto anteriormente, a lei 12.015/2009 atualizou a tipificação dos crimes contra a dignidade sexual e trouxe mais proteção às vítimas, incluindo penas mais severas para casos mais graves desse crime.

A jurisprudência tem levado em acordo com penas mais severas e reconhecendo a vulnerabilidade das vítimas quanto a casos que envolvam profissionais de saúde. Os órgãos responsáveis pela administração de hospitais e unidades de saúde também tem tido destaque para a atuação e apuração quanto as denuncias de crimes de estupro de vulneráveis por profissionais de saúde e que levam medidas adequadas e incluem demissão por justa causa (CARNEIRO, 2023).

Destaca-se a importância de criação de comissões internas para que seja realizada a investigação e julgar essas denúncias para que o processo administrativo tenha efetividade. Existe uma colaboração entre órgãos administrativos, polícia, jurisprudência para que se consiga a punição dos autores do crime e proteção da vítima. O código civil brasileiro pontua também que é responsabilidade do empregador os danos causados por seus empregados e prepostos, no exercício de seu trabalho, ou seja, em casos de ambientes hospitalares, cabe ao hospital verificar e analisar os fatos apresentados e assim agir de acordo com a lei visando a proteção da vítima (Antunes, et al., 2022).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A legislação atual a cerca do crime de estupro de vulnerável abrange pontos que estão em debate quanto a nocividade e agravamento do crime quando é cometido em instituições de saúde. Embora não tenhamos uma lei especifica que possa indiciar diretamente ao estupro feito por trabalhadores da saúde, existem projetos de lei que visam o agravamento da pena que hoje está entre 8 a 15 anos, com um aumento conforme seja cada caso.

A gravidade desse crime do estupro por si só já é um tema forte e hediondo, quando pesquisamos e avaliamos casos no qual o paciente é levado a se tornar vulnerável para que o sujeito ativo crime possa cometer tal atrocidade nos faz questionar ainda mais como a lei ainda precisa ser mais punitiva, levando em consideração fatos e agravamentos de casos em instituições de saúde acontecem.

A jurisprudência evidencia que casos de estupro de vulnerável são em sua maioria praticados por médicos anestesistas que se configuram como um agente de poder sobre a vítima, acabando criando a situação de vulnerabilidade para cometer o ato sexual sem consentimento da vítima, e que a vítima por está em um ambiente que considera seguro acaba jamais imaginando que seria anestesiada para que acontecesse tal ato. 

Portanto, o tema escolhido é se extrema importância, pois a lei deve ser mais rigorosa, considerando as variáveis dentro de cada caso e principalmente agravando o crime de estupro de vulnerável em instituições de saúde e fazendo com que o agente ativo desse delito seja julgado não apenas pelo crime mais por toda a elaboração para então cometer o crime, subjugando a vitima e deixando rastros na mesma pelo resto de sua vida.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASIL. Anestesista vira réu por crime de estupro de vulnerável no Rio. Agência Brasil, 16 jul. 2022. Disponível em: agenciabrasil.ebc.com.br/justiça/noticia/noticia/2022-07/anestesista-vira-reu-por-crime-de-estupro-de-vulneravel-no-rio. Acesso em: 20 fev. 2024.

AGÊNCIA SENADO. Pena para crime de estupro em instituições de saúde pode ser aumentada em 50%. Agência Senado, 23 fev. 2023. Disponível: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/02/23/pena-para-crime-de-estupro-em-instituicoes-de-saude-pode-ser-aumentada-em-50. Acesso em: 20 fev. 2024.

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: marcospaulot27/2gmail.com ORCID: 0009-0006-8918-2796.