REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410270937
Sandra Eliza de Lima Taveira¹
RESUMO: A Constituição Federal de 1988 fez emergir novos paradigmas à ordem constitucional. Construída com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade visa garantir uma sociedade justa e solidária. Buscou-se analisar como a justiça multiportas vêm sendo implementada no judiciário brasileiro O estudo foi realizado por meio de pesquisas bibliográficas e análises críticas. O pensar no todo para que cada indivíduo possa obter o melhor resultado se aplica tanto na mediação como na democracia participativa. O sistema multiportas de Resolução de Conflitos é um mecanismo de aplicação de meios alternativos dos conflitos. a principal diferencial da autocomposição e os demais métodos adequados de tratamento de conflitos é a celeridade processual, isso porque as partes por meio do diálogo conseguem solucionar o seu conflito, encontrando a solução mais adequado ao mesmo. A difusão dos direitos fundamentais preconizados na carta magna a toda sociedade pode contribuir com a disseminação da chamada constituição em rede, visando a democratização não só do acesso à justiça, mas também de uma comunidade mais participativa e consequentemente integrada na busca da pacificação social.
Palavras Chaves: Justiça. Direito fundamental. Multiportas. Resolução Conflitos
ABSTRACT: The Federal Constitution of 1988 gave rise to new paradigms for the constitutional order. Built on the principles of human dignity and solidarity, it aims to guarantee a fair and supportive society. We sought to analyze how multi-door justice has been implemented in the Brazilian judiciary. The study was carried out through bibliographical research and critical analysis. Thinking about the whole so that each individual can obtain the best result applies both in mediation and in participatory democracy. The multi-port Conflict Resolution system is a mechanism for applying alternative means of conflict. The main difference between self-composition and other appropriate conflict handling methods is procedural speed, because the parties through dialogue are able to resolve their conflict, finding the most appropriate solution for it. The dissemination of the fundamental rights recommended in the Magna Carta to the entire society can contribute to the dissemination of the so-called network constitution, aiming at the democratization not only of access to justice, but also of a more participatory community and consequently integrated in the search for social pacification.
Keywords: Justice. Fundamental right. Multiports. Conflict Resolution
I – INTRODUÇÃO
O acesso à Justiça é um direito fundamental e tem status de Direitos Humanos, imprescindível ao exercício da cidadania, como dispõe o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, devendo ser assegurado pelo Estado e está intimamente ligado a dignidade da pessoa humana.
Nesse passo a autocomposição e os demais métodos adequados de tratamento de conflitos possuem a capacidade de humanizar o judiciário na medida em que incentivam o diálogo e alteram o curso da cultura social do litígio, focando em uma cultura mais pacificadora, conciliadora e dialética. Repassa às partes o poder de adequarem a melhor solução para àquele conflito, sendo possível que a solução mais adequada às partes seja totalmente contraintuitiva, mas será a que extinguirá completamente o litígio e, portanto, a mais justa para as partes.
O contexto jurídico social está alicerçado na sentença impositiva, prolatada por um juiz togado, a qual acaba por gerar a dualidade do “ganha-perde”, o que gera descontentamento no ganhador e no perdedor também e, consequentemente enseja recursos e mais recursos que obstruem os tribunais com demandas repetitivas e tentativas de solucionar um problema dentre as quais a de muitas vezes impossível de ser resolvido pela via jurisdicional comum. Sabendo que o conflito se compõe de dois aspectos, objetivo e subjetivo, o sistema adjudicativo tão somente ataca o primeiro aspecto, enquadrando aquele conflito à norma jurídica, mas deixa de lado o aspecto subjetivo do conflito, portanto, não será resolvido completamente. Diante de tal deficiência, temos um círculo de conflito que ocorre de forma sistemática, sendo discutidos e rediscutidos no judiciário.
Por outro lado, os métodos autocompositivos e os demais métodos alternativos de tratamento de conflitos são opções em lugar da jurisdição comum, trazendo uma forma por vezes, mais adequada ao conflito, tendo como escopo solucionar definitivamente aquela demanda. Esses métodos, assistidos por um mediador ou conciliador que devem guiar as partes rumo a uma solução, combatem os dois aspectos do conflito, pois, ao passo que adequam o conflito à norma jurídica, também trabalham seu aspecto subjetivo, tratando com as partes os pontos mais sensíveis e que são o pano de fundo do conflito.
Para aparelhar as autocomposições e auxiliar a sociedade, o estado criou mecanismos, quais sejam, CNJ – Conselho Nacional de Justiça, NUPEMEC – Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflito e Cidadania.
Contudo, entende-se que a difusão dos direitos fundamentais preconizados na carta magna a toda sociedade pode contribuir com a disseminação da chamada constituição em rede, visando a democratização não só do acesso à justiça, mas também de uma comunidade mais participativa, e consequentemente integrada na busca da pacificação social.
II DESENVOLVIMENTO
II.1 A constitucionalização e a importância do acesso à justiça
Ao instituir o Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 se comprometeu logo no preâmbulo, a assegurar o exercício de importantes direitos sociais e individuais:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.(Grifo nosso)
Do texto depreende-se que mesmo quando, ainda, pouco se falava acerca dos métodos alternativos de solução de conflitos, já havia a preocupação com a solução pacífica das controvérsias.
Além disso, a Constituição Brasileira de 1988, também priorizou dentre seus objetivos fundamentais, a implementação de alternativas adequadas e céleres para resolução de conflitos (art. 5, LXXVIII).
Segundo Watanabe (2019) o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do art. 5º da CF, não assegura mero acesso aos órgãos do Poder Judiciário, e sim acesso qualificado que propicie a tutela efetiva, tempestiva e adequada.
Nesse passo o acesso à Justiça é um direito fundamental e tem status de Direitos Humanos, imprescindível ao exercício da cidadania, como dispõe o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, devendo ser assegurado pelo Estado e está intimamente ligado a dignidade da pessoa humana.
Considerando o dinamismo das relações sociais e, por consequência, o aumento e a diversificação dos tipos de conflitos, naturalmente se torna necessária a busca por métodos mais efetivos e humanizados.
Indissociável do direito de acesso à justiça, está o da duração razoável do processo, previsto no artigo 5º, inciso LXXVII, do mesmo dispositivo e o da eficiência, previsto no artigo 37, também da Carta Magna, devendo o Poder Judiciário atuar de forma célere, eficiente e humanizada.
Conforme depreendemos da exposição de motivos da Resolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça ,de 2010, instituindo a política judiciária nacional de tratamento adequado do conflitos, quanto ao acesso à justiça, significando acesso à ordem jurídica justa, assentou que os órgãos do Judiciário têm obrigação de oferecer os serviços de mediação e conciliação, sendo estes métodos importantes para o movimento da cultura de paz.
Cabe mencionar que o atual Código de Processo Civil também busca valorizar os direitos fundamentais e fomenta a solução consensual dos conflitos.
A política judiciária nacional está no movimento de organização na busca de vencer o desafio da superação da “cultura da sentença” ou “cultura do litígio” para a nova mentalidade da cultura da pacificação com o incentivo para a utilização dos métodos de solução consensual dos conflitos, tendo, assim, criado os Centros Judiciais de Solução de Conflitos (CEJUSC) com esta finalidade. O CEJUSC oferece serviços para a solução de conflitos na fase pré-processual, para fase processual e para a cidadania, sendo a última voltada para prestação de serviços de Informação e orietação às pessoas em seus problemas jurídicos, com a possibilidade do juiz coordenador firmar convênios para os serviços de orientação jurídica, emissão de documentos, serviços psicológicos e de assistência social. (LAGRASTA, 2020, p. 23)
Através dos Cejuscs, o Poder Judiciário tentar cumprir o comando constitucional de assegurar à comunidade o acesso à justiça, propondo a permissão de uma igualdade de oportunidades, o restabelecimento do diálogo, a celeridade do procedimento e a efetividade da própria solução que os indivíduos buscam para o conflito.
Os Centros Judiciais de Solução de Conflitos são de extrema importância para o alcance dos objetivos que compõe o novo paradigma da chamada Cultura de Paz, na medida em que se traduzem em ferramentas de estímulo ao diálogo e da pacificação social.
São palco para aplicação dos métodos autocompositivos, que por sua vez personificam a própria cultura de paz, possibilitando a autonomia dos indivíduos em encontrar soluções adequadas para os seus próprios conflitos, o exercício da cidadania e o respeito à dignidade da pessoa humana.
Cabe mencionar que conforme o disposto no art. 3º o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF/88) ao estabelecer que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. O § 3º do mesmo artigo, incentiva à prática da mediação, da conciliação e de outros métodos de solução consensual de conflitos, inclusive no curso do processo judicial, como um dever que deve recair sobre magistrados, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público, dentre outros profissionais do direito.
II.2 O acesso à justiça como direito fundamental
Os direitos e garantias fundamentais são expressamente previstos na Constituição Federal de 1988, o título II os discrimina em quatro capítulos: Da Nacionalidade; Dos direitos Políticos; Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.
Considera-se necessária a intervenção estatal para concretização de tais direitos, isso porque só a proteção formal destes direitos não implica em sua realização.
Nesse passo, conforme já descrito. surgem os direitos fundamentais de segunda geração, como o direito à seguridade social, à segurança, dentre outros. E posteriormente os direitos fundamentais de terceira geração cuja titularidade é difusa ou coletiva, e dizem respeito ao meio ambiente e a conservação do patrimônio cultural.
Em nosso país o direito de acesso à justiça é preconizado na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Nesse passo o acesso à Justiça é um direito fundamental e tem status de Direitos Humanos, imprescindível ao exercício da cidadania, como dispõe o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, devendo ser assegurado pelo Estado.
Entretanto, somente a partir de 2004, por força da Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004 que foi inserido como direito fundamental constitucional, a garantia a razoável duração do processo. Tal emenda deu origem ao inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal com a seguinte redação: LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Assim sendo, o direito de acesso à justiça caracteriza se como direito fundamental de segunda geração, isso porque se comprovou a necessidade do Estado proporcionar meios para que os outros direitos, fundamentais ou não, possam se concretizar.
No plano estadual, algumas constituições a ele fazem menção direta ou indireta.
Descreve a constituição paulista de 1989:
Artigo 2º – A lei estabelecerá procedimentos judiciários abreviados e de custos reduzidos para as ações cujo objeto principal seja a salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais.
Artigo 55 -Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia financeira e administrativa.
Parágrafo único -São assegurados, na forma do artigo 99 da Constituição Federal, ao Poder Judiciário, recursos suficientes para manutenção, expansão e aperfeiçoamento de suas atividades jurisdicionais, visando ao acesso de todos à Justiça.
Cabe ainda mencionar que no âmbito internacional, o acesso à justiça está previsto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
O artigo 8º da referida convenção assim preconiza:
Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza
II.3 O Sistema Multiportas de Resolução dos Conflitos
O sistema multiportas de Resolução de Conflitos é um mecanismo de aplicação de meios alternativos dos conflitos, no qual as partes têm à sua disposição diversas possibilidades de estabelecer acordos, respeitada a sua vontade e autonomia, com ou sem a intervenção de terceiros, entre eles mediadores, conciliadores, advogados, peritos etc.
Pode-se dizer que essas diversas possibilidades, são as diversas “portas” à disposição das partes para que decidam por qual desejam adentrar, lembrando que para cada conflito há uma abordagem adequada No Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos, a população tem várias possibilidades para resolver os seus conflitos, através de vários tipos de procedimentos. Na ideia do Sistema Multiportas, o cidadão entra por uma porta para resolver os seus conflitos, saindo por outra porta com a solução necessária, sem o estresse da vida cotidiana.
O diferencial do CEJUSC é o fornecimento dos serviços públicos essenciais a baixo custo, célere, informal, oral, facilitando o acesso da população, tais como: solução de conflitos através dos processos pré processuais de baixo custo por via de Mediação, Conciliação, Oficina de Parentalidade, Constelação Familiar e outros serviços. O Centro Cidadania oferece outros serviços públicos: PROCON, Cartórios Eleitorais, Poupa Tempo, etc.
A diferença na atuação do facilitador perante os Centros Judiciais de Solução de Conflitos consiste na capacitação dos profissionais, no treinamento, na oralidade e informalidade. Os profissionais são capacitados para atuar no CEJUSC, respeitando o Código de Ética do Mediador e do Conciliador.
As Câmaras de Arbitragem têm um custo e os profissionais são capacitados.
A Justiça do Trabalho e os Juizados Especiais possuem regras próprias de condução dos procedimentos. Os facilitadores são capacitados.
No entanto, nas Ações Voluntárias Comunitárias, os facilitadores são pessoas do povo e muitos não têm treinamento para atuar como profissional capacitado nos termos da Resolução n. 125/2010 do CNJ.
II.4 A atuação do advogado, no Cejusc- uma análise da conveniência desta atuação à luz do objetivo de facilicitação do acesso à Justiça e dos princípios deontológicos que regem a mediação e a conciliação
De acordo com o art. 10 da Lei 13.140/2015, nas demandas pré processuais não é obrigatória a presença de advogados ou defensores públicos, todavia, se uma das partes estiver acompanhado de advogado ou defensor público a outra parte deverá estar acompanhada de advogado, caso em que o mediador deverá suspender o procedimento até que todos estejam assistidos (art. 10, parágrafo único). Quando a presença do advogado não seja obrigatória, é importante que o mediador esclareça a parte que esteja desacompanhada de advogado que poderá optar em suspender a sessão para constituir ou consultar um advogado ou defensor público.
Em relação à realização de audiência de conciliação em processos judiciais, as partes deverão estar assistidas por advogados ou defensores públicos, exceto nas hipóteses previstas nas Leis dos Juizados Especiais n. 9.099/1995 e 10.259/2001 (art. 26 da Lei n. 13.140/2015).
No entanto o plenário do CNJ, em julgamento de recurso administrativo apresentado pela OAB (Proc. 0004837-35.2017.2.00.0000), decidiu não tornar obrigatória a presença de advogados e defensores públicos em mediações e conciliações conduzidas nos CEJUSCs. O ministro Dias Toffoli, então presidente do CNJ, defendeu, quanto ao atendimento dos Cejuscs, que:
(…) é a sociedade resolvendo seus conflitos e o Judiciário sendo apenas um instrumento de pacificação social daqueles conflitos que a própria sociedade, através da sua ciência e consciência, não conseguiu resolver com seus mediadores.
A atuação do advogado nas audiências de conciliação é de orientar a parte quanto aos seus direitos durante a audiência, trazendo uma segurança jurídica maior ao processo, já que é vedado ao conciliador e mediador fornecer orientação jurídica, papel reservado aos advogados das partes. A atuação dos advogados e da Defensoria Pública traz um fortalecimento nas relações em que há um desequilíbrio de poder, observando o art. 3º, § 2º, do CPC, a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”, para que traga a discussão seus argumentos e demais informações que possam ser úteis na construção de soluções viáveis.
Importante observar que há um projeto de lei em trâmite, que visa obrigar essa atuação, já aprovado pela Câmara, e ainda pendente de votação no Senado (PL 5.511/16). Os defensores do Projeto de Lei defendem a necessidade de assessoramento jurídico, para que as partes possam receber instruções sobre o impacto que suas decisões podem causar em suas vidas, de modo a permitir uma consciente tomada de decisão. Atualmente o PL encontra-se no Senado Federal, aguardando aprovação.
II.5 Diferenças dos efeitos jurídico-processuais das ausências das partes (autor e réu; ou requerente e requerido) à sessão de conciliação no âmbito do Cejusc e sob a disciplina da Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cível e Criminal)
Segundo a Lei dos Juizados Especiais, ausente o autor, os efeitos são de extinção do processo e condenação ao pagamento de custas e despesas processuais, nos termos do artigo 51, inciso I, da Lei 9.099/95 e do Enunciado 28 do FONAJE.
Quando ausente o réu, poderão ocorrer os efeitos da revelia, quando se presumem como verdadeiros os fatos articulados pela para autora. Porém, o magistrado tem livre convicção e a revelia não induz a procedência do pedido inicial e não impende o exame de outras circunstâncias dos autos
No procedimento comum, o mesmo não ocorre. Os efeitos da ausência injustificada, tanto para autor como para o réu são os mesmos, já que se considera ato atentatório a dignidade da justiça, que poderá ser sancionado com multa a teor do que dispõe o artigo 334, parágrafo 8º, do CPC.
Já nos procedimentos pré processuais, quando o réu não comparece, a reclamação é arquivada e a parte, querendo, poderá ingressar com ação pelas vias habituais, sendo necessário constituir advogado particular, ou ainda ser assistida por Defensor Público, mesmo que através do convênio com a DPE/OAB, caso a competência seja da Justiça Comum.
Caso a competência possa ser atribuída aos juizados, a parte poderá ingressar com a ação sem a assistência de um advogado, sendo o seu pedido reduzido a termo no balcão.
II.6 O juízo competente para a homologação dos acordos celebrados nos Cejuscs
Nas demandas pré processuais, é competente o Magistrado Coordenador do Cejusc – Não há regra de competência para distribuição.
No que tange as demandas judiciais deve se ater ao princípio do Juiz Natural, devendo o acordo ser homologado pelo Magistrado da unidade em que o processo tramita.
O princípio do juiz natural, previsto no artigo 5º, inciso XXXVII e LIII, da Constituição Federal, se traduz na utilização de regras objetivas de competência jurisdicional para garantir a independência e a imparcialidade do órgão julgador, ou seja, trata-se de um juiz exato, encarregado, na forma da lei, como competente para apreciação e julgamento de uma determinada lide, impedindo desta forma o abuso de poder.Não é possível a escolha ou exclusão de um magistrado deliberadamente.
II.7 A importância dos princípios, em especial, ao serem inseridos na Lei 13.140/15 (lei da mediação)
Os princípios aplicáveis à mediação encontram três marcos normativos, quais sejam, a Resolução nº 125/2010 do CNJ, o CPC e a Lei de 13.140/15. Interessante notar, no entanto, que esses instrumentos normativos não disciplinam de maneira uniforme os princípios, de modo que, enquanto uns princípios são comuns aos três marcos normativos, alguns se repetem em apenas dois marcos e outros têm previsão em apenas um. Não bastasse a nãocoincidência dos conjuntos de princípios orientadores, sobreleva destacar que os marcos não possuem a mesma abrangência: a Resolução nº 125/2010 do CNJ regulamenta apenas a mediação judicial; a Lei 13.140/15 regulamenta tanto a mediação judicial como a extrajudicial e o CPC regulamenta a mediação judicial realizada tanto nos Cejuscs como nas câmaras privadas (no que couber), sendo, porém, controvertida a sua aplicabilidade à modalidade extrajudicial. Seja como for, a presença desses princípios na Lei da Mediação serve de verdadeiro guia e orientação na condução do processo da mediação, devendo ser observados não apenas pelo próprio terceiro (mediador) como também pelos demais participantes. Destarte, conquanto apresentem certo grau deontológico, são dotados de coercibilidade, servindo de norte ético de atuação do mediador e demais envolvidos e, também, de regulador da sessão de mediação e do acordo a ser ali eventualmente obtido.
A Lei n. 13140/15 estabeleceu os princípios que devem orientar a mediação. São eles: (1) imparcialidade do mediador: o dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito; (2) isonomia entre as partes: tanto em seu aspecto formal, ou seja, de paridade de tratamento, quanto em sua perspectiva material, que enseja um efetivo equilíbrio entre as partes; (3) oralidade: prestígio às manifestações verbais, impondo ao mediador um dever de conduzir o procedimento de modo a estimular a interação verbal entre as partes; (4) informalidade: necessidade de remover protocolos não-obrigatórios que possam comprometer a espontaneidade da comunicação; (5) autonomia da vontade das partes: a decisão cabe exclusivamente às partes; (6) busca do consenso: busca do entendimento para facilitar a resolução do conflito; (7) confidencialidade: manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão; (8) boa-fé: dever de informar corretamente às partes a fim de que evitem compreensões equivocadas e de impedir condutas e ações desonestas das partes. Analisandose cada um dos conceitos apresentados, pode-se concluir que todos os princípios se referem direta e indiretamente às funções do mediador, porquanto impõem a ele um dever de atuação, um modus operandi na condução das sessões. No entanto, segundo a professora Valeria Lagrasta, dentre os princípios previstos na Lei 13.140/15, apenas os princípios da imparcialidade e confidencialidade estão relacionados de forma direta às funções do mediador.
O Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais restou estabelecido no Anexo III da Resolução n. 125/10 do CNJ.
As regras que regem o procedimento da conciliação/mediação são normas de conduta a serem observadas pelos conciliadores/mediadores para o bom desenvolvimento daquele, permitindo que haja o engajamento dos envolvidos, com vistas à sua pacificação e ao comprometimento com eventual acordo obtido. São elas: (1) informação: apresentar aos envolvidos, de forma clara, precisa e completa, o método a ser usado e seu Código de Ética; (2) autonomia da vontade: respeito à voluntariedade na aceitação do método e na escolha das decisões, podendo, inclusive, interrompê-lo a qualquer tempo; (3) ausência de obrigação de resultado: não forçar um acordo e não tomar decisões pelos envolvidos; (4) desvinculação da profissão de origem: esclarecimento de que sua função não está ligada à sua profissão de origem e, caso seja necessária orientação ou aconselhamento técnico, deverá ser chamado profissional competente, com o aceite de todos; (5) compreensão quanto à conciliação e à mediação: assegurar que os envolvidos, ao chegarem a um acordo, compreendam perfeitamente suas disposições. Não obstante a mediação seja regida pelo princípio da informalidade, os regramentos voltados para as boas práticas da Mediação devem ser seguidos pelo mediador, independentemente do contexto de atuação do mediador, sob pena de responsabilização do terceiro facilitador, nos termos do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais, e de comprometimento da própria validade da mediação.
Tanto na aplicação dos princípios como dos deveres éticos acima explicitados, sobressai e perpassa o diálogo como veículo propulsor da efetividade dos meios adequados de solução de conflitos.
II.8 A democracia participativa e a Constitucionalização em rede
A democracia participativa auxilia o diálogo, uma vez que cada indivíduo traz consigo uma experiência de vida e consequentemente uma verdade.
A diversidade advinda da democracia faz com que os indivíduos envolvidos busquem um consenso para chegar a um denominador comum.
O bom senso deve estar presente tanto na democracia participativa quanto na mediação.
O pensar no todo para que cada indivíduo possa obter o melhor resultado se aplica tanto na mediação como na democracia participativa.
Na sociedade contemporânea a cidadania é o princípio norteador, redefine a dimensão social e política.
Essa mesma sociedade fez aumentar a desigualdade social, consequência da globalização.
A pacificação social e a inclusão social são grandes desafios nessa sociedade desigual.
A digitalização, a globalização trazem o acesso a diversas sociedades, diversas culturas e modo de viver.
Essa diversidade muitas das vezes traz o conflito pois cada individuo tem a sua própria crença, seu ponto de vista.
Isso gera conflitos sociais e até mesmo pessoal advindo dessas divergências.
O desafio é entender o outro, ter empatia para compreender o modo de pensar
Ouvir e ao mesmo controlar seus pensamentos referentes ao cotidiano da vida em sociedade é o desafio do mediador e/ou conciliador.
A diferença no modo de pensar muitas vezes é a origem do conflito.
Compreender a origem do conflito é essencial para uma boa solução.
Entende-se que a difusão dos direitos fundamentais preconizados na carta magna a toda sociedade pode contribuir com a disseminação da chamada constituição em rede, visando a democratização não só do acesso à justiça, mas também de uma comunidade mais participativa e consequentemente integrada na busca da pacificação social.
III DISCUSSÃO
A Constituição Federal de 1988 fez emergir novos paradigmas à ordem constitucional. Construída com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade visa garantir uma sociedade justa e solidária.
Frente a esses novos paradigmas tem-se o Estado Social, que trouxe consigo um repensar das normas infraconstitucionais e consequente repensar do Direito material e do Instrumental.
Nesse passo, tanto o Código Civil de 2002 como o Novo Código de Processo Civil (de 2015) nasceram sob a égide dos referidos princípios constitucionais, especialmente a solidariedade e a dignidade da pessoa humana visando, dentre outras coisas, a cultura da pacificação, em cujo contexto se insere a mediação, como forma de solução dos conflitos.
Entretanto, em que pese essas mudanças citadas, a solução judicial ainda ocupa a maioria das demandas.
O desafio é sobretudo a mudança de mentalidade da sociedade buscando a compreensão que o “ganha ganha” nem sempre e vantajoso e que uma sentença judicial por vezes não é melhor solução.
Por outro lado, o conflito é inerente às relações entre os indivíduos, é possível positivar o conflito refletindo sobre a situação (contexto), procurar agir com empatia e mudar o olhar em relação ao acontecido (verificar o que pode trazer de benéfico, diversidade de pontos de vista pode construir soluções mais sólidas/aprendizagem). Detectar os pontos de convergência entre as partes para possibilitar o restabelecimento do diálogo e chegar a um acordo, tornando as partes sujeitos na solução de seus conflitos, preservando a dignidade e pacificando a relação.
O pensar no todo para que cada indivíduo possa obter o melhor resultado se aplica tanto na mediação como na democracia participativa.
E nesse sentido a nossa constituição social de 1988 muito contribuiu preconizando, dentre outros diretos, o acesso à Justiça que como já dito é um direito fundamental e tem status de Direitos Humanos, imprescindível ao exercício da cidadania, como dispõe o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, devendo ser assegurados pelo Estado e estão intimamente ligados a dignidade da pessoa humana.
Cabe destacar que a disseminação dos direitos fundamentais exarados na carta magna a todos pode favorecer a chamada constituição em rede e a democratização do acesso à justiça, com vistas a uma comunidade mais participativa.
IV CONSIDERAÇÕES FINAIS
A constituição cidadã de 1988 trouxe diversas mudanças e vem adquirindo espaço em nosso país, especialmente pela implementação de alterações nas legislações infraconstitucionais tais como, a autocomposição e os demais métodos adequados de tratamento de conflitos, nos quais o foco é a vontade das partes envolvidas na lide.
Destaca-se que a principal diferencial da autocomposição e os demais métodos adequados de tratamento de conflitos é a celeridade processual, isso porque as partes por meio do diálogo conseguem solucionar o seu conflito, encontrando a solução mais adequado ao mesmo.
Frisa-se que o sistema multiportas de resolução de conflitos não afronta as garantias constitucionais do Estado Democrático Brasileiro, pelo contrário, corrobora em muito para que esse Estado aconteça de fato e de direito.
Nesse cenário, a capilaridade dos órgãos de atendimento do sistema multiportas, através dos NUPEMEC e CEJUSC espalhados pelo território nacional constitui uma rede que contribui para a maior efetividade da prestação jurisdicional, em uma visão mais ampla do que o mero acesso ao Poder Judiciário na sua acepção tradicional.
Por fim, cumpre salientar que na sociedade contemporânea a cidadania é o princípio norteador, redefine a dimensão social e política com vistas a contribuir com a chamada constituição em rede e a democratização do acesso à justiça.
V REFERÊNCIAS
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¹FADISP – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo, Mestrado em Função Social do Direito, sandraelizalima@gmail.com.