IMPACTOS DAS ALTERAÇÕES RECENTES NA LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS NOVAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO ÀS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

IMPACTS OF RECENT CHANGES TO THE MARIA DA PENHA LAW: A CRITICAL ANALYSIS OF THE NEW PROTECTION MEASURES FOR WOMEN VICTIMS OF DOMESTIC VIOLENCE Abstract 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202410231023


Paulo Rolon de Lima


Resumo 

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é um marco no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, sendo reconhecida internacionalmente por sua relevância. No entanto, ao longo dos anos, foi necessário adaptá-la para enfrentar novos desafios e garantir sua efetividade. Esta pesquisa analisa as alterações realizadas na Lei, buscando identificar as potencialidades e limitações dessas mudanças no fortalecimento das medidas de proteção às mulheres vítimas de violência. O objetivo desta pesquisa é compreender o impacto dessas alterações no combate à violência doméstica e familiar e na proteção das mulheres. Para isso, utilizou-se como metodologia a revisão bibliográfica, complementada pela análise detalhada das leis que modificaram a Lei Maria da Penha. A relevância desta pesquisa está na necessidade de avaliar os avanços legislativos no enfrentamento da violência de gênero, um problema social profundamente enraizado na cultura brasileira. A pesquisa justifica-se pela urgência de analisar a eficácia das mudanças legislativas, considerando o contexto social e a importância de aprimorar as políticas públicas voltadas à proteção das mulheres. Os resultados evidenciam que as principais modificações mais recentes incluem a melhoria do atendimento policial e pericial, a criminalização do descumprimento das medidas protetivas de urgência e a ampliação da aplicação da lei, independentemente da condição ou motivação dos envolvidos. 

Palavras-chave: Proteção. Direitos. Assistência. 

Abstract

The Maria da Penha Law (Law No. 11,340/2006) is a milestone in the fight against domestic and family violence against women in Brazil, and is internationally recognized for its relevance. However, over the years, it has been necessary to adapt it to face new challenges and ensure its effectiveness. This research analyzes the changes made to the Law, seeking to identify the potentialities and limitations of these changes in strengthening protection measures for women victims of violence. The objective of this research is to understand the impact of these changes on the fight against domestic and family violence and on the protection of women. To this end, a bibliographic review was used as a methodology, complemented by a detailed analysis of the laws that modified the Maria da Penha Law. The relevance of this research lies in the need to evaluate legislative advances in addressing gender-based violence, a social problem deeply rooted in Brazilian culture. The research is justified by the urgency of analyzing the effectiveness of legislative changes, considering the social context and the importance of improving public policies aimed at protecting women. The results show that the main recent changes include improvements in police and forensic services, criminalization of non-compliance with emergency protective measures and increased enforcement of the law, regardless of the condition or motivation of those involved. 

Keywords: Protection. Rights. Assistance. 

INTRODUÇÃO 

A lei 11.340/2006, conhecida pela população geral como lei Maria da Penha (LMP), consolidou seus 14  anos  de  criação  no dia  7  de  agosto  de  2020, e a  sua  instituição significou  uma  significativa intervenção  política  e  teórica  das organizações  feministas  e  demais  mulheres  no  contexto brasileiro. Isso se justifica na medida em que  foi  instituída  por intermédio  de  uma  proposta  do  Consórcio  de  ONGs feministas,  abrangentemente  debatida  junto  aos  movimentos  de  mulheres,  ao  Parlamento brasileiro e também com especialistas do direito dispostos a tratar questões sobre a proteção desse grupos contra a violência doméstica (Brasil, 2006; Campos; Jung, 2020). 

Nessa senda, a Lei Maria da Penha representa o resultado de mais de quatro décadas de reivindicações políticas direcionadas ao combate da violência doméstica, uma vez que esta até então, era mantida e tolerada pelo Estado brasileiro. Ademais, representa também uma significativa intervenção teórica, porquanto traz perspectivas relacionadas à complexidade da violência doméstica perpetuada por mais de quarenta anos de pesquisas e investigações acadêmicas realizadas por organizações feministas (Machado; Oliveira Costa, 2023). 

Nesse contexto, a presente pesquisa tem como objetivo geral analisar as alterações recentes na Lei Maria da Penha, discutindo seus impactos na proteção às mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil. Para isso, propõem-se os objetivos específicos voltados para a avaliação de  como as novas medidas legais visam fortalecer a proteção e a assistência às vítimas de violência doméstica; a discussão sobre as potencialidades e as limitações das alterações legislativas na efetivação dos direitos das mulheres e; a comparação das alterações recentes com as legislações anteriores, destacando avanços e desafios na implementação dessas medidas. 

Para tanto, realiza-se pesquisa qualitativa, por meio de revisão bibliográfica, complementada pela análise da legislação e demais normas e jurisprudências relacionadas ao tema. Por meio dessa abordagem, faz-se possível consolidar uma fundamentação sólida para a compreensão da importância dessas alterações que vão sendo concretizadas à medida que evoluem as sociedades e a proteção dos direitos das mulheres contra a opressão e a violência. 

1 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NA LEI MARIA DA PENHA E O FORTALECIMENTO DA PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS 

Em vigor desde 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha (LMP) classifica como crime a violência doméstica e familiar contra a mulher, definida como “toda ação ou omissão relacionada ao gênero que cause morte, ferimentos, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de danos morais ou patrimoniais”. Esse texto legal adota a definição prevista na Convenção de Belém, introduzindo assim o conceito normativo de violência de gênero. Para combater a violência doméstica e familiar, a lei trouxe inovações ao estabelecer diversas medidas de proteção a serem aplicadas pelo Poder Judiciário, além de implementar ações de prevenção e assistência que devem ser transformadas em políticas públicas, especialmente em níveis municipal e estadual (Marques; Erthal, 2020). 

A nova legislação trouxe diversas inovações, com destaque para a tutela penal exclusiva voltada para mulheres, que visa proteger, apoiar e reprimir a violência contra elas. Dessa forma, essa proteção não pode ser utilizada em benefício dos homens. A terminologia “vítima” foi substituída por “mulher em situação de violência”, buscando dar protagonismo às mulheres e evidenciar sua capacidade de superar as circunstâncias de violência. A Lei de Proteção à Mulher excluiu os crimes relacionados à violência doméstica da lista de crimes considerados de menor potencial ofensivo, o que impede a aplicação dos mecanismos de conciliação, transação penal e suspensão condicional dos processos, conforme previsto na Lei 9.099/1995. Além disso, a legislação agora inclui a possibilidade de processar parceiras por violência doméstica e familiar em relações homoafetivas (Campos; Jung, 2020). 

Até fevereiro de 2012, a Lei Maria da Penha assegurava às mulheres o direito de decidir se iriam ou não depor contra o agressor (a ação penal pública era condicionada à representação). Essa norma legal possibilitava que a vítima buscasse uma solução em decorrência de uma situação que a envolvesse. Em 9 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu classificar os crimes previstos na Lei Maria da Penha como de ação penal pública incondicionada. Essa modalidade de ação penal pública é caracterizada por ser uma denúncia promovida pelo Ministério Público, que atua em nome do Estado. O termo “incondicionada” indica que essa ação não está sujeita a quaisquer condições ou à vontade da vítima, tornando a oposição dela ou de terceiros irrelevante (Campos; Jung, 2020). 

No ano de 2014, a Lei Maria da Penha completou 8 anos desde sua promulgação. Apesar de ser considerada relativamente recente, ela foi mencionada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em um relatório recente sobre a situação das mulheres ao redor do mundo (BBC BRASIL, 2011), sendo reconhecida como uma das iniciativas pioneiras na promoção dos direitos femininos (Marques; Erthal, 2020). 

Nesse sentido, Campos e Jung (2020, p. 114) explicam: 

Introduziu a previsão de a companheira ser processada por violência doméstica e familiar em relações  homossexuais. Por  fim,  previu  a  criação  dos  juizados  especializados  de  VDFCM  com competência  civil  e criminal  para  abranger também a dissolução  de  união  estável,  divórcio, guarda  e  alimentos provisionais, considerando que a violência produz consequências penais e cíveis. Essas  são  as  principais  mudanças  no  tratamento  jurídico  da  violência  doméstica  e familiar  contra  a  mulher  estabelecidas  pela  LMP.  Como  destacado,  foram  11  anos  sem  que houvesse alteração legislativa na lei graças ao esforço de organizações feministas, da SPMPR e  da  bancada  feminina  no  Congresso  Nacional.  Essa  advocacia  feminista  bem-sucedida pode  ser  comprovada,  tendo  em  vista  que  a  primeira  mudança  ocorreu somente  em  2017,  com  a  Lei  13.505,  que  incluiu  os  artigos  10-A  e  12-A.1Até  o  momento,2foram dez alterações na lei, que serão comentadas a seguir. 

Nesse sentido, a alteração realizada pela instituição da Lei  13.505,  de 8 de novembro de  20171, a qual foi criada também para reforçar a proteção com relação à violência doméstica e familiar, dispõe acerca do atendimento que passou a ser estabelecido como um direito legal amparado pela legislação. Nesse cenário, a partir da instituição da norma, as mulheres que fossem vítimas desse tipo de violência passaram a ter garantido o atendimento especializado, tanto de policiais quando da perícia responsável por investigar e apurar os fatos, a fim de assegurar que o episódio de violência fosse devidamente registrado e investigado (Omena Neto, 2023). 

Esse serviço policial e de perícia também passou a ser previsto legalmente como sendo preferencialmente realizado por profissionais do sexo feminino, para que fosse garantido que as vítimas ficassem mais à vontade e também fossem recebidas e tratadas com mais empatia e sensibilidade. Outrossim, esse atendimento também seria ininterrupto, sendo previsto como devidamente prestado a qualquer dia e horário, e sendo conduzido de forma que tanto a integridade física quanto mental da mulher fosse cuidada e preservada durante o atendimento e as investigações (Brasil, 2017)2

Ademais, a lei também garante que a mulher vítima de violência ou as pessoas que testemunharem tais práticas serão protegidos do agressor ou de pessoas que venham a ser próximas a ele, fazendo com que seja mitigado o medo da mulher ou das testemunhas de prosseguirem com o processo e com a investigação com receio de haver qualquer represália. Nesse sentido, há uma preocupação legislador em fazer com que as investigações não sejam postergadas ou impedidas por meio de mais violência ou ameaça, na medida em que são comuns os casos em que a vítima retira a denúncia por medo de sofrer mais violências do agressor enquanto a investigação estiver em andamento3 (Brasil, 2017). 

A seguir, no ano de 2018, a Lei nº 13.641/2018 introduziu uma significativa alteração no ordenamento jurídico brasileiro ao tipificar como crime a conduta de descumprimento das medidas protetivas de urgência (MPUs) previstas na Lei Maria da Penha4. Conforme o disposto no artigo 24-A5, essa norma estabelece que a infração a uma medida protetiva de urgência é crime, independentemente da competência civil ou criminal do magistrado que a decretou. Essa modificação legislativa respondeu a uma demanda recorrente de promotores e promotoras das varas e juizados especializados em violência doméstica, que vinham enfrentando dificuldades em coibir tal prática, especialmente diante do entendimento de muitos magistrados e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que a conduta, por não estar tipificada como crime, não poderia ser punida adequadamente (Brasil, 2018; Campos; Jung, 2020). 

Anteriormente à Lei nº 13.641/2018, o descumprimento das medidas protetivas era visto, em muitos casos, como mera infração processual, o que limitava as possibilidades de aplicação de sanções penais. A ausência de uma previsão expressa no ordenamento jurídico era um fator que fragilizava a eficácia das medidas protetivas de urgência, comprometendo a proteção das vítimas de violência doméstica e familiar. Ao tipificar essa conduta como crime, a legislação preencheu uma lacuna normativa importante, fornecendo um instrumento mais eficaz para a tutela dos direitos das vítimas e reforçando a função preventiva e repressiva das medidas protetivas (Castro; Ferreira, 2021). 

A pena prevista para o descumprimento das MPUs, conforme estabelecido pela nova legislação, varia de 3 (três) meses a 2 (dois) anos de detenção. Embora não seja considerada uma pena elevada, sua existência desempenha um papel fundamental ao estabelecer uma resposta penal clara e direta para os casos de violação das ordens judiciais. O caráter dissuasório dessa medida é relevante para fortalecer o cumprimento das decisões judiciais que visam à proteção das vítimas, garantindo maior segurança e estabilidade no contexto da violência doméstica. Dessa forma, a tipificação do descumprimento das medidas protetivas de urgência representa um avanço significativo no combate à violência doméstica e na efetivação das garantias estabelecidas pela Lei Maria da Penha (Rodrigues, 2021). 

Tais medidas, conforme afirma Rodrigues (2021, p. 103), funcionam como um mecanismo essencial para mitigar impactos da perpetuação de uma cultura patriarcal perpetuada por longos períodos, a qual deu origem à normalização da violência doméstica: 

A objetificação da mulher, junto com a ideia de que esta seria o sexo frágil, criou um estigma de  inferioridade  que  embasava  um  suposto direito  de  propriedade do  homem  sobre  a  figura feminina.  O  papel  prescrito  às  mulheres  na  família  patriarcal  burguesa  atravessou  séculos, quando durante a infância, é vista como propriedade do pai ou dos familiares, na vida adulta passa a ser vista como propriedade do marido, ou seja, a figura feminina deveria ser vista como a cuidadora do lar, do marido e dos filhos .Infelizmente, a Teoria do Patriarcado está presente em nossa sociedade, a mulher vista como propriedade, vista como um objeto que se pode dispor da maneira que achar mais conveniente pelo  marido,  sendo  esta  concepção  a  base  da  violência  doméstica  contra  a  mulher  segundo estudiosos da área das Ciências Sociais. 

No ano de 2023, A Lei nº 14.5506, de 19 de abril de 2023, trouxe aprimoramentos importantes à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, ao reforçar e ampliar as medidas protetivas de urgência e estabelecer diretrizes claras quanto à aplicação da referida legislação, independentemente das causas ou motivações dos atos de violência, bem como das condições pessoais do ofensor ou da ofendida. Tal modificação normativa revela um avanço significativo no âmbito do enfrentamento à violência doméstica e familiar, reafirmando o compromisso do Estado com a proteção integral das vítimas e com a efetivação de seus direitos fundamentais (Brasil, 2023). 

Um dos aspectos centrais da alteração promovida pela Lei nº 14.550/2023 é a determinação expressa de que a causa ou a motivação dos atos de violência, assim como a condição do agressor ou da vítima, não podem ser invocadas como argumentos para excluir a aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Essa inclusão normativa atua para evitar interpretações restritivas ou subjetivas que possam relativizar a proteção conferida às vítimas de violência doméstica, fortalecendo a compreensão de que a proteção jurídica não deve ser condicionada a fatores externos ou justificativas que diminuam a gravidade dos atos praticados (Cabral; Oliveira, 2023). 

Ademais, a lei reforça a eficácia das medidas protetivas de urgência, que são instrumentos fundamentais no processo de salvaguarda da integridade física, psicológica e moral das vítimas. Ao especificar que tais medidas devem ser aplicadas independentemente das circunstâncias ou características individuais envolvidas, a nova disposição legislativa busca garantir uma resposta célere e incondicional por parte das autoridades competentes, assegurando que a proteção à vítima seja sempre a prioridade absoluta (Cabral; Oliveira, 2023). 

Essa modificação normativa reflete um avanço em termos de igualdade e justiça, tentando, mais uma vez, mitigar os impactos da cultura patriarcal mencionada por Rodrigues (2021) e também eliminando possíveis brechas que poderiam ser exploradas para eximir o agressor de sua responsabilidade ou mitigar as consequências de seus atos. Outrossim, a Lei nº 14.550/2023 reafirma a premissa de que a violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema de ordem pública e uma violação dos direitos humanos, exigindo uma resposta rigorosa e padronizada por parte do sistema de justiça, independentemente de quaisquer particularidades que envolvam as partes. 

Nessa senda, durante a observação das alterações legislativas e da própria instituição da Lei Maria da Penha, torna-se possível evidenciar que as modificações introduzidas nos anos de 2017, 2018 e 2023 na Lei Maria da Penha representam uma tentativa contundente de atenuar os danos causados pela violência histórica e sistemática perpetuada contra as mulheres. Podem-se perceber tais alterações legislativas como normas que buscaram fortalecer os mecanismos de proteção e, é claro, ampliar as medidas protetivas de urgência e tipificando condutas antes desconsideradas no contexto jurídico, como o descumprimento das medidas protetivas, agora reconhecido como crime. Ademais, essas mudanças são evoluções para superar a omissão histórica do Estado e da sociedade frente à vulnerabilidade das mulheres, reforçando a importância de um ordenamento jurídico que responda de forma efetiva e intransigente à violência de gênero. 

2 DISCUSSÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES E AS LIMITAÇÕES DAS ALTERAÇÕES COM RELAÇÃO À SUA EFICÁCIA E EFETIVIDADE 

As alterações realizadas na Lei Maria da Penha, nos anos de 2017, 2018 e 2023, representam avanços importantes no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, e serão tratadas nesta seção como sendo avanços que acompanham as evoluções e desconstruções patriarcais perpetuadas historicamente.  

Em 2017, a Lei nº 13.505 promoveu uma ampliação do escopo das medidas protetivas de urgência, reforçando a necessidade de atendimento especializado e a devida acolhida das vítimas nos serviços de proteção à mulher. Essa alteração buscou atenuar a revitimização das mulheres em processos judiciais e administrativos, promovendo uma abordagem mais humanizada e acolhedora. Embora essa iniciativa tenha representado um avanço significativo em termos de atendimento às vítimas, sua efetividade ainda é limitada pela falta de infraestrutura e de capacitação adequada dos profissionais que atuam na rede de proteção. A implementação dessas medidas depende, em grande parte, da existência de recursos e de políticas públicas coordenadas que assegurem a disponibilidade de serviços especializados, o que ainda constitui um grande desafio em diversas regiões do país (Brasil, 2017; Menezes; Novais, 2023). 

A modificação de 2018, por meio da Lei nº 13.641, trouxe um marco importante ao tipificar como crime o descumprimento das medidas protetivas de urgência. Antes dessa alteração, muitas vítimas enfrentavam uma situação de desamparo quando seus agressores ignoravam as ordens judiciais, uma vez que a violação dessas medidas não era criminalizada de forma explícita. Com essa nova tipificação, estabeleceu-se uma punição clara para aqueles que violassem as determinações, conferindo maior peso jurídico às medidas protetivas. Contudo, mesmo com essa criminalização, uma limitação significativa persiste: a capacidade de aplicação da lei depende do funcionamento eficaz do sistema de justiça criminal, o qual enfrenta dificuldades como a sobrecarga de processos, a lentidão na resposta judicial e a insuficiência de recursos para uma fiscalização efetiva. Além disso, a pena prevista para o descumprimento das medidas protetivas, que varia de três meses a dois anos de detenção, é considerada por alguns especialistas insuficiente para inibir comportamentos reincidentes, uma vez que, em muitos casos, a sensação de impunidade ainda prevalece entre os agressores (Brasil, 2018; Wermuth; Mezzari, 2021). 

A alteração mais recente, realizada em 2023 pela Lei nº 14.550, buscou consolidar um entendimento mais inclusivo e abrangente quanto à aplicação da Lei Maria da Penha, ao dispor que as causas ou motivações dos atos de violência, assim como a condição pessoal do agressor ou da vítima, não excluem a aplicação das medidas protetivas. Esse aprimoramento é significativo porque impede interpretações jurídicas que possam limitar o alcance da proteção legal baseada em justificativas ou particularidades que relativizem a violência sofrida. Dessa forma, a lei reafirma a necessidade de que a aplicação das medidas protetivas seja objetiva e incondicional, reforçando o papel do Estado como garantidor da integridade e da segurança das mulheres. Contudo, apesar do avanço conceitual proporcionado por essa mudança, a sua implementação plena depende da conscientização e da formação contínua dos operadores do direito, além de uma mudança cultural que desafie estereótipos de gênero profundamente enraizados na sociedade (Brasil, 2023; Fernandes; Cunha, 2023). 

Além das questões de implementação, as alterações realizadas na Lei Maria da Penha enfrentam desafios relacionados à falta de integração e coordenação entre os diversos atores envolvidos na rede de proteção às mulheres. A eficácia das medidas protetivas depende, em grande medida, de uma articulação eficiente entre o sistema judiciário, as forças de segurança, os serviços de saúde e assistência social, e outras instituições envolvidas no atendimento às vítimas de violência. Quando essa integração é falha, há um risco elevado de que as mulheres continuem desprotegidas e vulneráveis, mesmo com a existência de um arcabouço legal robusto. Portanto, o sucesso dessas alterações legais não está apenas na sua formulação, mas também na capacidade do Estado de garantir a efetiva implementação e fiscalização dessas normas (Wermuth; Mezzari, 2021; Fernandes; Cunha, 2023; Menezes; Novais, 2023).  

Por fim, conclui-se que um aspecto importante a ser considerado é o de que a necessidade de políticas públicas que complementem as mudanças legislativas, focando em ações preventivas e educativas que possam atacar as raízes da violência de gênero. Embora as alterações na Lei Maria da Penha sejam fundamentais para a proteção das mulheres, elas, por si só, não são suficientes para resolver o problema da violência doméstica, sendo também necessário que haja um investimento contínuo em campanhas de conscientização, programas educativos e medidas socioeconômicas que promovam a igualdade de gênero e empoderem as mulheres em todos os aspectos de suas vidas. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Por meio da presente pesquisa, tornou-se possível observar que as alterações na Lei Maria da Penha nos anos de 2017, 2018 e 2023 representaram avanços importantes na construção de um arcabouço jurídico mais completo e eficaz no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil.  

Foi possível evidenciar também que cada uma das modificações trouxe consigo um foco específico que contribuiu para a evolução da Lei Maria da Penha. A alteração de 2017 enfatizou a necessidade de um atendimento especializado e acolhedor às vítimas, destacando a importância de não revitimizá-las no processo de busca por justiça. Em 2018, com a criminalização do descumprimento das medidas protetivas, buscou-se garantir que as ordens judiciais fossem respeitadas, trazendo maior segurança às mulheres que dependem dessas medidas para proteger suas vidas e integridade física. Já em 2023, a nova legislação trouxe um enfoque inclusivo, reforçando que a motivação ou condição pessoal dos envolvidos não deve excluir a aplicação da Lei Maria da Penha, o que contribui para uma interpretação mais objetiva e justa do direito das mulheres à proteção. 

Essas modificações, embora fundamentais para aprimorar os mecanismos de proteção, ainda enfrentam limitações que precisam ser superadas para que seu impacto seja mais significativo. Entre os desafios, destaca-se a necessidade de políticas públicas que acompanhem as mudanças legislativas, garantindo uma implementação prática e efetiva das normas, além de um fortalecimento contínuo dos serviços de atendimento às vítimas. A falta de infraestrutura, a capacitação inadequada dos profissionais e a desigualdade no acesso aos serviços de proteção em diferentes regiões do país são obstáculos que comprometem a aplicação universal e equânime das medidas protetivas previstas em lei. 

Portanto, apesar dos avanços indiscutíveis proporcionados pelas alterações na Lei Maria da Penha, demonstra-se imprescindível que se continue investindo em estratégias que não apenas aperfeiçoem o aparato legal, mas também promovam mudanças culturais e sociais de longo prazo. A violência de gênero já foi apontada como sendo um problema complexo e repleto de nuances históricas e culturais, que exige uma abordagem integrada e coordenada, envolvendo tanto o poder público quanto a sociedade civil, para que as mulheres tenham garantida a segurança e dignidade que lhes são de direito. Somente com um compromisso conjunto e contínuo será possível transformar as conquistas legislativas em uma realidade concreta e tangível para todas as mulheres, reduzindo as barreiras históricas que ainda perpetuam a violência de gênero. 


1Acrescenta dispositivos à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino.
2Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino.
Art. 2º A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) , passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 10-A, 12-A e 12-B:
“ Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencialmente do sexo feminino – previamente capacitados.
3§ 1º A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:
I – salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;
II – garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;
III – não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.
§ 2º Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento:
I – a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;
II – quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;
III – o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.”
4Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência.
5Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.
§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.”
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
6Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da Lei.

REFERÊNCIAS 

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