REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410212058
Janeti Fraga de Oliveira*
Professora e Orientadora: Gislene de Laparte Neves**
RESUMO
O delegado de polícia natural como um dos garantidores dos direitos fundamentais da pessoa humana, previsto implicitamente na Constituição Federal de 1988, mas também é trazido pela doutrina e por meio da Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013, que introduz o delegado como o importante garantidor da imparcialidade e do devido processo legal dos direitos fundamentais do cidadão. O papel do delegado encontra-se respaldo de atuação ao do juiz natural e do promotor natural, haja vista que o princípio da imparcialidade assegura que o delegado conduza uma investigação livre de qualquer influência estatal ou de terceiros interessados e garante também a proteção dos direitos individuais do cidadão por já estar previamente investido no cargo, coibindo qualquer juízo de exceção, e com isso, contribui para uma justiça justa e democrática em um Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Delegado de polícia natural, princípios, garantias constitucionais e dignidade humana.
ABSTRACT
The natural police chief as one of the guarantors of the fundamental rights of the human person, implicitly provided for in the Federal Constitution of 1988, but is also brought by doctrine and through Law No. 12,830, of June 20, 2013, which introduces the police chief as the important guarantor of impartiality and due legal enforcement of citizens’ fundamental rights. The role of the delegate is supported by that of the natural judge and the natural prosecutor, given that the principle of impartiality ensures that the delegate conducts an investigation free from any state influence or interested third parties and also guarantees the protection of individual rights of the citizen by already being previously invested in the position, preventing any exception judgment, and with this, contributing to fair and democratic justice in a Democratic State of Law.
Key-words: Natural police chief, principles, constitutional guarantees, and human dignity.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O princípio do delegado natural e as garantias constitucionais está implícito na Constituição Federal de 1988, por meio do qual dispõe que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. E porque o delegado não pode ser o assegurador deste direito, uma vez que ele é o primeiro na linha da persecução criminal a garantir que os direitos fundamentais sejam protegidos, para não haver interferência estatal, imparcialidade das investigações, independência e inamovibilidade.
Vejam, se o princípio do delegado natural não existe, não há que se falar em Estado Democrático de Direito no ordenamento jurídico brasileiro, porque a sociedade sofrerá as arbitrariedades da intromissão do Estado ao iniciar um inquérito. Muito menos, não há que se falar no primado da dignidade da pessoa humana, conforme está descrito no Pacto de São José da Costa Rica, da qual a República Federativa do Brasil – RFB faz parte, se o próprio investigado não tem garantias de uma investigação digna de ser humano.
Ressalta-se a importância do princípio do delegado natural no ordenamento jurídico brasileiro introduzido pela Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispõe sobre a investigação conduzida pela autoridade competente, sendo ele exclusivamente do delegado de polícia. Além disso, a Constituição Cidadã dispõe expressamente em seu art. 5º, inciso LIV, a garantia de um processo justo e previamente legal. Logo, se o delegado natural é detentor dessas prerrogativas, e não as põem em prática, há uma grave violação dos direitos fundamentais.
Desse modo, se de um lado temos no ordenamento pátrio a previsão constitucional do juiz natural, do promotor natural, até mesmo o defensor natural, por qual razão não teria o
princípio do delegado natural? Sendo este, ter a missão de apresentar a verdade possível de forma justa e objetiva, sem qualquer preconceito ou favoritismo. Entretanto, existem entendimentos de que não há que se falar em princípio do delegado natural, haja vista, sendo um ato administrativo desenvolvido por determinada autoridade policial previamente designada.
Para realização deste trabalho, utiliza-se metodologia dedutiva, pois parte de uma premissa maior que faz conexão com uma premissa menor. Além disso, o método quantitativo apresenta dois tipos: averiguar os números e coletar dados para alcançar o objetivo.
Por outro lado, a pesquisa qualitativa, tem por base o caráter subjetivo, porque utiliza-se narrativas escritas e faladas como fonte primária, utilizando-se como conteúdo de revistas – sites – livros – jurisprudências. Adota-se ainda, as normas constitucionais, supralegais e infraconstitucionais, combinado com entendimentos contrários a este princípio, tendo como referência a pesquisa bibliográfica para ampliar o conhecimento e contribuir com a pesquisa acadêmica.
O DELEGADO DE POLÍCIA
O delegado de polícia é autoridade legalmente constituída para presidir uma investigação desde o início da denúncia, ou até mesmo quando há um crime que precisa ser elucidado. Ou seja, é o responsável pela persecução criminal, trazendo para a sociedade e o Estado, o esclarecimento de como ocorreu, quais as garantias que podem ser sustentadas por ele, como profissional investido para aquela função. Todavia, este profissional trabalha para garantir a imparcialidade na justiça e de uma investigação transparente, coletando dados, ouvindo as testemunhas, suspeitos e autores, até esclarecer os fatos concretos.
Filho (2020, p. 23) […] demonstra-se o munus do Delegado de Polícia na concretização dos direitos fundamentais, por exemplo, a defesa técnica e garantias ligadas ao devido procedimento investigatório criminal […].
A atuação do delegado, pauta-se pela imparcialidade e independência, assim como o juiz natural e o promotor natural, uma vez que detém autonomia para decretar ou não a manutenção de uma prisão em flagrante, levando em conta sempre a constitucionalidade e a legalidade do ato. Nesta seara, esta autoridade é o primeira a fazer um juízo de admissibilidade de um fato, ou seja, do seu enquadramento em algum tipo penal, e também cabe ao delegado em um prazo de 24 horas fazer a comunicação ao juiz competente, à família do preso, conforme descritos no Código de Processo Penal – CPP, §1º, art. 306.
O que comprova a importância do princípio do delegado natural, foi a interferência recentemente no alto-comando do Departamento de Polícia Federal – DPF, que determinou a remoção do superintendente da Polícia Federal – PF de suas funções de ofício, o que é permitido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais, precisamente no art. 36 da Lei 8.112/1990, e posteriormente, encaminhado e relotado em outro estado diferente do que havia sido lotado, no momento em que tomou posse no concurso público, como delegado.
Na visão de LOPES JR.; GLOECKNER, (2014), mencionado por Filho (2020, p. 80), “a polícia estar vulnerável a contaminação política, em especial do governo, e às pressões dos meios de comunicação oportunizaria, respectivamente, sua inapropriada utilização como instrumento de perseguição política e injustiças decorrentes de rápidas investigações em virtude de pressão da mídia.”
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Inquestionavelmente a transferência só ocorreu em razão do servidor público (delegado) ter desempenhado seu trabalho, ou seja, apenas porque deflagrou uma operação para combater os crimes ambientais, que resultou em uma das maiores apreensões de madeira ilegal na região norte do país. Surpreendentemente, saiu em defesa dos infratores, a pessoa que estava investida na função estatal (ministro), quem realmente deveria proteger a Amazônia Legal, mas não o fez, logo, vai na contramão do entendimento do Supremo Tribunal Federal.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS N. 10.704/94 E N. 10.818/94 DO ESTADO DO PARANÁ. CRIAÇÃO DE CARGOS COMISSIONADOS DE “SUPLENTES DE DELEGADOS”, POSTERIORMENTE DENOMINADOS ASSISTENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA. A TRIBUIÇÃO DAS FUNÇÕES DE DELEGADO DE POLÍCIA A ASSISTENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. […]”Assistentes de Segurança Pública”, atribui as funções de delegado a pessoas estranhas à carreira de Delegado de Polícia. 2. Este Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade da designação de estranhos à carreira para o exercício da função de Delegado de Polícia, em razão de afronta ao disposto no artigo 144, § 4º, da Constituição do Brasil. Precedentes. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada totalmente procedente. (STF – ADI: 2427 PR, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 30/08/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 10/11/2006).
Todavia, esta intromissão dificultou o trabalho de fiscalização do Poder Público. Posteriormente a esta operação, o presidente do inquérito, qual seja, o delegado de polícia natural, sofreu interferências políticas por sua atuação, ocasionando a transferência para outra localidade que não pudesse ser empecilhos nos desmandos que estão transformando as questões políticas deste país, ficando claro que a função do delegado natural tem que ser preservada, como já determina a Lei nº 12.830/2013 que é essencial ao Estado de Direito.
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Nesta seara, de um lado temos juristas, doutrinadores e tribunais entendendo que o princípio do delegado natural, não passa de apenas mera conduta administrativa, e portanto, é um servidor público como qualquer outro com a função de chefiar as polícias civis e federal. Por outro lado, a doutrina, ainda que minoritária, opina no sentido de que este profissional é peça fundamental no processo criminal, como vimos em outras autoridades, tais como o promotor natural, juiz natural e defensor natural.
Nas palavras do professor e doutrinador Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, juiz federal, alertam sobre a entrada da norma constitucional, ainda que acanhada, mas com ideologia democraticamente, entendem que no ordenamento está escancarado o princípio do delegado natural, diante do que dispõe o art. 2º, parágrafo 4º da lei nº. 12.830/2013.
§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
Por consequência, o promotor natural se embasa nas provas apresentadas nos autos para formalizar a opinião e realizar a denúncia sobre um crime de representação incondicionada, no mister do MP, razão pela qual, o delegado natural é peça extremamente importante na condução dos trabalhos. Logo, este profissional ocupa papel crucial na salvaguarda dos direitos, pois mesmo sendo um procedimento administrativo que antecede a fase processual, é o elo entre o Estado, a sociedade e o infrator.
HISTÓRIA DO DELEGADO DE POLÍCIA NO BRASIL
Em um contexto histórico, convém apresentar que chega ao Brasil no século XVI, no ano de (1530) a comitiva de Dom João III, comandada por um militar e administrador português Martin Afonso de Souza, para estabelecer a colônia portuguesa no Brasil. Neste mesmo ano foi iniciado o serviço de policiamento no território brasileiro criado pelo militar, onde um dos principais compromissos era promover a justiça e manter a ordem pública nas terras habitadas recém-conquistadas.
“ De acordo com (BRENE, 2019), citado por Filho (2020, p.141) […] no período imperial, a carreira de delegado foi iniciada com modelo conectado à magistratura […] possuindo poder jurisdicional criminal, […] a figura do delegado prosseguiu com atribuição de preparo processual até a sentença criminal”.
Nos anos seguintes, a instituição policial passou por diversas reformulações para adaptar-se às necessidades da colônia e às mudanças na administração portuguesa. E, consequentemente, nos anos posteriores foram marcados por momentos importantes de reestruturação e ajustes nos serviços policiais, refletindo a evolução das demandas e a expansão territorial da colônia, contudo, preocupados com a espionagem de outras potências mundiais como a França e o Reino Unido, das quais eram inimigos por conta do período napoleônico.
Posteriormente, para resguardar a segurança da Corte portuguesa que estava no Brasil, no ano 1808 no século XIX, foi criada a Intendência Geral de Polícia, que tinha como chefe, um desembargador que era nomeado pela família Real Portuguesa para o cargo de Intendente Geral de Polícia (autoridade policial). Entretanto, esta autoridade desempenhava várias funções, dentre elas, a de administrar, investigar e julgar.
De acordo com Filho (2020, p. 84), criou-se a Intendência Geral de Polícia não só para investigação criminal, mas também para chefiar e desenvolver funções administrativas, e tal cargo tinha como líder um desembargador que delega a outrem a representação nas províncias, daí parte da doutrina entender ser o início da figura do delegado de polícia.
Com o advento da Constituição de 1824, foi extinto o então cargo de delegado de polícia, e em seu lugar foi introduzido o juiz de paz. As diferenças entre as essas duas autoridades era que este era eleito pela localidade, por sua vez, aquele era nomeado pelo monarca. O único objetivo era afastar o poder central da investigação e, possivelmente, retirar do monarca o poder de mando para apurar as possíveis ilicitudes.
Nas palavras de (BRENE, 2019), mencionado por Filho (2020, p. 84), […] em conjunto com o poder da magistratura como consequência do surgimento do cargo de juiz de paz que, escolhido via eleições municipais, substitui os ministros nomeados pelo monarca. O cargo de juiz de paz criado em 1827 […] possuía atribuições para exercer funções judiciais, investigativa (policial) e administrativa.
Nesse período o sistema atribui vários poderes nas mãos de uma única pessoa, a exemplo disso estava na autoridade policial e judiciária que era uma única pessoa que desenvolvia as duas funções, isso significa, investigava e julgava ao mesmo tempo, não existindo aqui o princípio da imparcialidade, que perdurou até 1832. Posteriormente, em 1841 foi introduzido por meio da Lei nº 261, determinava expressamente as atribuições das autoridades policiais, nomeados entre juízes e cidadãos respeitáveis, e oficialmente, criou-se as denominações de chefe de polícia, delegado de polícia e subdelegado de polícia.
Doravante, criou-se a distinção formal entre a polícia administrativa e a polícia judiciária, por meio do Regulamento nº 120/1842, dando a esta última o poder de prender denunciados, expedir mandado de busca e apreensão, procedimento de corpo de delito e julgar crimes de competência do Poder Judiciário. Logo, exercida por juízes togados, as funções criminais e de execução, não havia separação, tudo estava em poder da monarquia, e isso perdurou mais de 300 anos.
Mas somente em 1871 que ocorreu a separação de funções judiciais e policiais, que trouxe a vedação de julgamento por ilícitos penais pelas autoridades policiais, constituído de forma geral e irrestrita, o inquérito policial como principal para apurar de qualquer fato criminoso. Em razão disso, com a advento da promulgação da Constituição Federal de 1891, as forças policiais passaram para os estados-membros, esse modelo antigo aplica-se até os dias atuais à autoridade policial concentrada na tradicional figura do delegado de polícia, inclusive o inquérito policial.
Na vigência do período colonial no Brasil, as investigações tinham como formas os institutos da devassa, querela e denúncia, ambos realizados por juízes e magistrados, nomeados para realizar as atividades típicas de delegado de polícia. Desse modo, a denúncia era utilizada apenas em crimes políticos, feita em juízo contra o imputado sem teor probatório algum. Por sua vez, a querela é o que utilizamos na atualidade, ou seja, é a queixa-crime, que atua nos delitos de menor potencial ofensivo, como se utiliza nos dias atuais no Juizado Especial Criminal (JECRIM), reportado entre acusado e acusador.
E por último, a devassa era uma comunicação feita diretamente ao juiz competente, que levava ao pé da letra, qualquer denúncia, a exemplo disso, menciona-se a Inconfidência Mineira, a qual executou Tiradentes. Esse modelo foi utilizado por muito tempo, com um único objetivo, de maquiar a atuação estatal por seus interesses. Entretanto, a devassa tinha poder de investigação ordinária, não se falava em indícios de autoria dos delitos, de modo que a querela investiga de forma sumária, com indicação de indícios e autoria.
Nesta seara, incumbe ao delegado de polícia, a tripla função como titular do Estado Investigação: Proteção ao bem jurídico mais importante, que a vida, diante do extremo descontrole humano – apurar de forma imparcial, com obediência aos preceitos fundamentais do sistema processual das partes, e com zelo perante o sistema acusatório – Trabalha para proteger a gama probatória de poderá elucidar um fato delitivo, ainda que seja para proteger o suspeito, investigado, até mesmo os excesso do Estado, sendo o primeiro a garantir o direito dos indivíduos.
DA IMPARCIALIDADE
Um dos princípios mais importantes na carreira de servidor público, diante dos serviços imbuídos na função estatal, é o princípio da imparcialidade, que tem previsão legal na Carta Magna de 1988, mas também no ordenamento jurídico brasileiro, como forma de frear o poder de mando do Estado. Razão pela qual, diz que todos são iguais perante a lei, que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, inciso LIII-CF/88).
Filho (2020, p. 83), é enfático ao afirmar que “a história brasileira registra diferentes momentos, como a escravidão negra e períodos de governos de exação, em que condutas violadoras de direito humanos foram acobertadas pelo manto estatal.”
De igual modo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, preceitua que o indivíduo tem o direito de ser ouvido por um profissional competente, independente e imparcial, pré-estabelecido por lei (art. 8º CADH). Ainda falando da Constituição Cidadã, especificamente no art. 5º, inciso XXXV, dispõe que não será excluído do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, logo, conclui-se que deve ser de forma justa e imparcial.
Nas palavras de (BARRETO, 2013), citado por Filho (p.29, 2020), “ o núcleo dos direitos fundamentais é a dignidade da pessoa humana, e, o princípio da dignidade humana compõe a fonte legitimadora dos outros direitos fundamentais”.
Da mesma forma, art. 5º, inciso LV da CF/88, preceitua que será assegurado aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, ou seja, mais uma vez reafirma a imparcialidade do processo judicial ou administrativo. Assim também, no Código de Processo Penal – CPC, art. 139, inciso IV, reforça o tratamento equitativo e imparcial das partes durante a investigação criminal, como um dos pilares do processo justo em defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos.
A imparcialidade se vincula a um código de conduta do ser, e a ele não basta ser imparcial, tem que parecer, demonstrar, cada princípio do Estado tem um história, e a imparcialidade é um dever de não preferir uma parte a outra, mas para isso o sistema público tem que dar condições, em outras palavras, precisa funcionar bem, é uma regra que conduzirá o caso concreto.
Filho (2020, p. 69) ‘é enfático ao afirmar: “ a imparcialidade do órgão jurisdicional é imprescindível ao regular desenvolvimento do processo e a reta resposta judicial”.
Sob o mesmo ponto de vista, o art. 252-CP, determina que a autoridade que tenha interesse direto ou indireto no resultado de qualquer investigação ou processo, deve-se afastar, pois evidencia a imparcialidade e o interesse pessoal. Assim, a importância de assegurar um processo isonômico entre as partes e a imparcialidade do processo, que contribuem para a construção de um Estado Democrático de Direito. Nas palavras de Filho (2020, p.35) “é imprescindível uma análise material do processo democrático, no sentido de ir além da vontade da maioria, compreendê-lo como meio garantidor de direitos”.
Neste caso, o que é imparcialidade? Se não a exigência de que todos os agentes do sistema jurídico, em especial, o juiz natural, o promotor natural, e o delegado natural, dentre outros devem atuar de forma justa, neutra, e sem interferências externas, em outras palavras, realizar suas atividades com base na lei, sem deixar opiniões ou interesses particulares. Neste contexto, a imparcialidade não é somente o alicerce das garantias constitucionais, mas também o cerne de um processo justo.
Por sua vez, nas palavras de Lenza (2014, p. 1.413), apud Meireles (2014, p. 1.413) diz que o “meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igualdade oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo”. Nesse ínterim dispões o CPP.
Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.
Inquestionavelmente, a pergunta que se faz é, em que momento o direito processual morre quando falta imparcialidade? Não podemos falar em jurisdição legítima se não tiver imparcialidade, melhor dizendo, o direito precisa dela. Enfim, é uma condição de confiança, de vida, do direito da administração da justiça. Pouco depois a demanda vai parar no judiciário, quando há ausência deste princípio, intrinsecamente, o Estado de Direito necessita da imparcialidade.
Por fim, em virtude da atuação do delegado, não há que se falar em dissonância cognitiva diante de uma decisão que possa vir a penalizar o réu, apenas fará seu trabalho de forma imparcial. Portanto, caminham de mãos dadas com o juiz natural, promotor natural e o defensor natural, porque não pode o Estado escolher a seu bel-prazer, quem investigará o caso, a persecução criminal será conduzida por uma autoridade imparcial e isenta de motivações, ainda que pessoais.
DA INAMOVIBILIDADE
Ao se falar do princípio da inamovibilidade, não quer dizer que o delegado não será removido nunca, mas verifica-se a razoabilidade dessa remoção, quais os motivos de fato, quais as ações que levam o Poder Público a tomar tais medidas. Por isso, a motivação deve ser fundamentada, em outras palavras, deve ter a exposição clara dos motivos que levaram a Administração Pública a tomar tais medidas.
Sobre a remoção arbitrária do delegado, segundo Filho (2020, p. 146) “ além da prerrogativa da inamovibilidade, atinge outras garantias, inclusive dos sujeitos da investigação, maculando o princípio do delegado natural. […] cita-se a decisão judicial reconhecendo o princípio do delegado natural, como direito fundamental da sociedade, e das pessoas investigadas, e a imprescindibilidade de libertar o delegado de qualquer espécie de pressão política”. (apud ANSELMO, et. al., 2017, p.57).
Em razão disso, não basta simplesmente o motivo, todavia, deve apresentar uma lógica e os fundamentos por trás das decisões administrativas. Ao exigir que o Estado justifique suas decisões, visa proteger não só os direitos fundamentais do cidadão, mas as consequências negativas que pode ocasionar na família que é base da sociedade, e vamos além, busca fortalecer o Estado Democrático de Direito, conforme está disposto na Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito federal.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:[…] § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
De igual modo, caso haja indícios suficientes para que ocorra o afastamento do servidor, os objetos devem atender aos princípios da transparência, onde permite que os agentes saibam as razões por trás das decisões – controle e fiscalização que fica a cargo do Poder Judiciário, que analisa apenas a legalidade, dos atos administrativos, vigorando a premissa de que houve o respeito aos direitos do indivíduo, podendo ser consideradas injustas ou inadequadas.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
DELEGADO DE POLÍCIA. REMOÇÃO EX OFFICIO. ATO ADMINISTRATIVO SEM QUALQUER REFERÊNCIA AOS MOTIVOS QUE LHE DERAM ENSEJO. ILEGALIDADE. INOBSERVÂNCIA DO ART. 50, I, DA LEI 9.784/99. MOTIVAÇÃO APRESENTADA SOMENTE NAS INFORMAÇÕES EM QUE NÃO HÁ CONGRUÊNCIA ENTRE O MOTIVO E A FINALIDADE DO ATO, ALÉM DE EVIDENCIAR ELEVADO GRAU DE SUBJETIVISMO À REVELIA DE CONCRETA DEMONSTRAÇÃO DE QUE A TRANSFERÊNCIA ATENDE A ALGUMA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 26, II, DA LEI ESTADUAL 4.122/99. ATO ADMINISTRATIVO QUE, APESAR DE DISCRICIONÁRIO, SUJEITA-SE AO CONTROLE DE JURIDICIDADE. PRECEDENTES. 1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança contra ato do Secretário da Segurança Pública do Estado de Sergipe que determinou a remoção ex officio do Delegado de Polícia impetrante sem a correspondente motivação. 2. Integra o bloco de jurisdicidade do ato administrativo – ainda que discricionário – a explicitação das razões que levaram a Administração Pública à sua prática. Precedentes. […]Delegado removido saber o motivo e a finalidade de sua transferência. Ilegalidade revelada pela inobservância do disposto no art. 50, I, e § 1º, da Lei 9.784/99. […] Não havendo demonstração concreta sobre a forma como os desentendimentos entre o impetrante e seu coordenador afetam o serviço, e inexistindo instauração de processo disciplinar, a remoção se mostra ilegal em qualquer dessas duas hipóteses. Impõe-se, pois, reconhecer a violação do direito líquido e certo do impetrante em ser removido apenas nos casos determinados por lei – art. 26 da Lei Estadual 4.122/99 – mediante ato administrativo devidamente motivado, elementos esses não presentes in casu. […] 7. Recurso Ordinário provido.(STJ – RMS: 37327 SE XXXXX/XXXXX-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 20/08/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2013)
Desse modo, o princípio da transparência é tão importante para a sociedade e para a Administração Pública, que o legislador criou a Lei da Transparência de nº 12.527/2011 com objetivo de tornar ainda mais públicos os atos de gestão pública, por esta razão, se o cidadão necessitar de informações por parte da administração, vai se socorrer desta lei para responder a determinadas condutas, todavia, este princípio poderá ser restringido para o atos processuais em defesa da intimidade e do interesse social.
Este princípio é um elo fundamental que veio para fortalecer a democracia, assim dizendo, no contexto da gestão pública (aqui jaz a atuação do delegado natural) é um dos mecanismos disponíveis que veio para reforçar e fortalecer o combate à corrupção, mas também para promover a participação da população nas decisões do governo de forma transparente.
Nas palavras de Filho (2020, p. 146) “Nos termos da ideia geral do princípio da autoridade natural (como ocorre com o juiz, o promotor e o defensor), o ordenamento jurídico brasileiro positivou a noção de delegado natural como autoridade pública presidente do inquérito policial. […] a excessiva discricionariedade que havia na avocação de procedimentos investigativos e a possibilidade de designação de um delegado diferente com atribuição original passou a ser limitado pelo princípio do delegado natural positivado no sistema jurídico brasileiro”. (apud TÁVORA, ALENCAR, 2020).
Por conseguinte, para que ocorra a remoção do delegado, deve-se atentar as bases legal que ampara a remoção de forma motivada, ao que parece, parte da doutrina entende não haver este princípio, mas no que dispõe o ordenamento pátrio e a legislação esparsa, está mais do que comprovado que princípio do delegado natural existe e está positivado, como está sendo demonstrado neste artigo, precisamente no art. 2º , §5º da Lei 12.830/2013.
Para confirmar a existência do princípio do delegado natural, e que este encontra-se em pela eficácia, menciona-se as jurisprudências do STF, nas ADI 3441 e ADI 2427, designando que a direção das investigação só podem serem realizadas por delegados de carreira, assentando que, nenhuma outra autoridade (agente público) poderá desempenhar suas funções atribuídas exclusivamente ao delegado de polícia.
PRINCÍPIO DO DELEGADO NATURAL
Em primeiro lugar, esse princípio busca estabelecer critérios objetivos para a designação de um delegado para a condução de uma investigação criminal. Aqui a ideia é de garantia da imparcialidade e da legalidade do caderno investigativo, para evitar a escolha arbitrária do investigador. Vale relembrar as palavras do ministro Celso de Mello quando disse que “o delegado de polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça” (STF, HC 84.548, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 21/06/2012).
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. RECENTE ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPETRAÇÃO ANTERIOR À ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE DO ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. REPRESENTAÇÃO DE AUTORIDADE POLICIAL. EXPLORAÇÃO DE SÍTIO COM BUSCA E REGISTRO DE DADOS. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA AO JUÍZO DA 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO ONDE TRAMITAVA O IPL Nº 06/2003. PRINCÍPIO DO DELEGADO DE POLÍCIA NATURAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL OU LEGAL. LEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL.
RECONHECIMENTO. RELAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS REQUERIDAS NOS OFÍCIOS PROVENIENTES DA DIRETORIA DE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL COM O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO DO IPL. 06/2003. DECISÃO QUE RECONHECEU A COMPETÊNCIA PARA APRECIAR A MEDIDA CAUTELAR SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
Em outras palavras, a questão é: assim como o juiz deve ser imparcial e escolhido por critérios objetivos, o mesmo deveria ser aplicado ao delegado de polícia na condução das investigações criminais. Sob o mesmo ponto de vista, o princípio do juiz natural, garante que a causa seja julgada por um juízo competente, escolhido conforme determina a lei, sem que haja qualquer tipo de interferências e ou influência, ou ainda escolhas arbitrárias.
Filho (2020, p. 110), enfatiza que “a natureza jurídica da carreira e o dever legal de proceder à análise técnico-jurídica ao concluir a investigação criminal da Lei 12.830/2013, expressa que a atuação do delegado deve enquadrar-se à natureza garantista da Constituição Federal”.
Nas palavras de FERRAJOLI (2002) , citado por Filho ( 2020, p.82), destaca a necessidade de uma polícia eficiente, personalizada e protegida de ingerência do Executivo ou outros poderes. Assim como a garantia da obrigatoriedade da ação penal e de sua obediência, somente a lei, compreende-se, igualmente, a inteira autonomia do órgão investigativo em relação a outros poderes.
Nesse sentido, a Lei 12.830/2013 só veio para ratificar o que está previsto na Carta Magna de 1988, determinando a condução da investigação criminal pelo delegado de polícia. Nas palavras de Filho (p.106, 2020) é competência reservada constitucionalmente, isso significa, que o constituinte atribuiu função residual entre as polícias civil e federal (art. 144, §4º-CRFB), quer dizer que a polícia civil possui atribuição investigatória.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
De igual modo, a Lei 12.830/2013 no artigo 2º, parágrafo 1º, atribui ao delegado de polícia, como autoridade policial, a responsabilidade pela condução da investigação criminal, utilizando o inquérito ou outros procedimentos legais. Assim, o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) é um exemplo de uma espécie de procedimento investigatório da Polícia Judicial.
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Da mesma forma, a Lei 9.099/1995, Lei dos Juizados Especiais (JECRIM), como era de se esperar, manteve nas mãos do delegado de polícia a função de conduzir a investigação criminal, ao dispor que a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência, lavrará o termo circunstanciado, conforme apregoado no artigo 69 na lei do JECRIM.
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
ARAÚJO (2012), citado por Filho (2020, p. 111) “a consecução de seu múnus constitucional, resguardando a dignidade da pessoa humana tanto da sociedade quanto de eventuais autores de delito, a Polícia Judiciária pode se valer de três procedimentos investigatórios distintos: Inquérito Policial, Verificação Preliminar de Informações (CPP) e Termo Circunstanciado de Ocorrência (Lei 9.099/1995)”.
Com o único propósito é eliminar qualquer situação que cause dificuldade quanto a questão que envolve a análise da imparcialidade do delegado de polícia em relação a possíveis interferências estatais em sua atuação. Por conseguinte, se aplica ou não os mesmos princípios do promotor natural e do juiz natural na atuação do delegado de polícia, podendo ser visto pela separação entre as funções de investigar, acusar, defender e julgar.
Para (BONAVIDES, et. al., 2009), citado por Filho (2020, p. 117), “importante ressaltar que o legislador constituinte de 1988, ao determinar, no art. 144, §4º, da CRFB, que, unicamente, delegados de polícia de carreira, necessariamente bacharéis em Direito, poderão dirigir a Polícia Civil, impossibilitou fato pretérito corriqueiro de Oficial da Polícia Militar chefiar a unicidade”.
Nas palavras de (NICOLITT, 2016), mencionado por Filho (2020, p. 124), “ a autoridade policial prevista no Código de Processo Penal com atribuição para a instauração do inquérito policial é o delegado de polícia. […] é importante diferenciar o ato administrativo formal que instaura (portaria ou APFD) e o motivo da investigação criminal (notitia criminis)”.
Em termos mais abrangentes, a autoridade policial (delegado de polícia), é o primeiro na linha do tempo em que analisará a tipicidade de uma conduta delitiva, todavia, pautandose sempre no bem jurídico que deve ser protegido pelo Estado-Investigador. Desse modo, requer deste profissional a demonstração da tipicidade material e formal, digo, uma análise mais ampliada do direito penal, para que não ocorra punições desproporcionais.
Em virtude deste princípio, ao delegado de polícia é incumbindo o papel de identificar os crimes e contravenções, cabendo a ele indicar o tipo penal que se amolda à conduta delitiva. Igualmente tem a eventualidade ou não de determinar fiança e os valores que serão arbitrados. Isto é, nas palavras de (NUCCI, 2019) “a autoridade policial, ao receber a notitia criminis, ou delatio criminis, constata a existência de um fato bruto. Investigando, deve, se for o caso, dar a sua definição jurídica, classificando-o” (Filho, 2020, p. 158).
Ao comentar este dispositivo assim aduzem:
“[…] o § 4º, do seu art. 2º, que suscita a ideia de um princípio do delegado natural, na esteira noção mais geral de um princípio da autoridade natural (juiz natural, promotor natural e defensor natural).
Mais adiante segue afirmando:
“Conquanto haja resistências da jurisprudência e da doutrina majoritária em admitir tal princípio do delegado de polícia natural, entendemos que já se trata de princípio positivado no sistema.”
Finalmente, nos entendimentos jurisprudenciais dos tribunais superiores (STF n.115.015 e do STJ n. 47984) certifica que o delegado de polícia é a autoridade privativa na investigação criminal, que formará a seu livre convencimento, a análise técnica-jurídica do caso, indicando a autoria, a materialidade e as circunstâncias. Todavia, ressalta-se que esses procedimentos devem ser realizados na presença do indiciado (investigado), ou seja, na forma direta, mas, pode ser de forma indireta, quando o indiciado estiver em lugar incerto e não sabido.
Por outro lado, tem-se a interpretação da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entende que não se aplica este princípio, qual seja, princípio do delegado de polícia natural. Assim, a preferência constitucional ao sistema acusatório pode ser vista pela separação entre as funções de investigar, acusar, defender e julgar (NESTOR; ALENCAR, 2020).
“[…] HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. […]. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA AO JUÍZO DA 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO ONDE TRAMITAVA O IPL Nº 06/2003. PRINCÍPIO DO DELEGADO DE POLÍCIA NATURAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL OU LEGAL. LEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL. RECONHECIMENTO. RELAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS REQUERIDAS NOS OFÍCIOS PROVENIENTES DA DIRETORIA DE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL COM O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO DO IPL. 06/2003. […]4. Não há previsão no ordenamento jurídico pátrio da figura do “Delegado de Polícia Natural”. (STJ – HC: 145040 RJ 2009/0160822-0, Relator: Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), Data de Julgamento: 13/08/2013, T5 – QUINTA TURMA)
Portanto, o delegado de polícia natural é um princípio essencial para a eficácia das funções policiais, da proteção da sociedade e do próprio Estado. Ele auxilia a reduzir as interferências políticas nas investigações, em especial, nas mais relevantes, como as que ocorrem aqui no Brasil. Assim, relembramos as palavras do Ministro Celso de Mello ao dizer que “o delegado de polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da Justiça” (STF, HC 84.548, DJ 21/06/2012.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, o princípio do delegado de polícia natural é fundamental para o bom funcionamento das instituições de segurança pública, mas também, é a salvaguarda dos direitos e da sociedade. Ao estabelecer uma autonomia nas investigações, esse princípio busca garantir que a condução de casos não seja influenciada por interesses políticos, ou interesses externos.
Além disso, a independência do delegado fortalece a legitimidade das investigações, assegurando que as ações policiais sejam baseadas em critérios técnicos, legais e jurídicos, e não sob pressão externa. Assim, o princípio atua para combater a corrupção e a interferência estatal, manipulação política, propiciando um ambiente policial com maior transparência e proteção aos direitos fundamentais.
Em vista disso, o princípio da inamovibilidade dos delegados de polícia, não quer dizer que eles não serão removidos, isto é, tal remoção deve ter fundamentação clara e razoável. Essa necessidade objetiva tanto a proteção dos direitos do indivíduo quanto a integridade do sistema democrático, rechaçando decisões opressoras que possam comprometer a imparcialidade das investigações. Enfim, a lei estabelece que os atos administrativos devem ser transparentes e devidamente fundamentados, permitindo controle de legalidade pelo Poder Judiciário.
Diante do exposto, o princípio do delegado natural é fundamental para assegurar a imparcialidade e a legalidade nas investigações criminais. Esse conceito propõe que a escolha do delegado que conduzirá uma investigação, deve ser autoridade competente, contudo, deve se basear em critérios objetivos, evitando a arbitrariedade, mas garantindo que o processo investigativo seja conduzido de forma justa. Como salientou o ministro Celso de Mello, o delegado é visto como o primeiro responsável por assegurar a legalidade e a justiça, o que reforça a importância do princípio, contudo a sua autonomia.
Portanto, esse princípio é análogo ao princípio do juiz natural, promotor e defensor natural, assegurando que as causas que sejam de competência do delegado, não seja usurpado de forma abrupta, simplesmente por interferências externas. Assim, a Constituição Cidadã (1988) e a Lei n. 12.830/2013 reafirmam que a condução das investigações deve ser responsabilidade exclusiva dos delegados de polícias, que devem atuar de acordo com as diretrizes legais. A existência deste princípio, busca evitar qualquer forma de interferências, seja ela estatal, particular ou não, com único objetivo de um sistema justo e eficiente.
Diante disso, o regramento jurídico brasileiro dispõe que os delegados de polícias como autoridade incumbida de conduzir um implacável processo de avaliação técnica e jurídica ao investigar crimes. Para tanto, eles devem identificar os delitos, classificar as condutas, definir eventuais medidas cautelares que serão tomadas, a exemplo disso, menciona-se a permissão de fiança. Dessa forma, a decisão entre as funções de investigar, acusar, defender e julgar é fundamental para a manutenção da plenitude do sistema penal, tornando possível que a ação policial não seja sugestionada por intimidações extrínsecas.
Outrossim, embora existam divergências na interpretação do princípio do Delegado de Polícia Natural, diversos entendem que a sua aplicação é imprescindível para a autonomia do processo investigatório. A percepção desse princípio pelos tribunais superiores consolida o posicionamento do delegado como autoridade exclusiva com poder de decisão no comando das investigações, garantindo que os procedimentos sejam cumpridos com base em princípios, fundamentos técnicos e jurídicos.
Destarte, a inserção do princípio do Delegado de Polícia Natural é imprescindível para a eficácia das atribuições e a salvaguarda dos direitos da coletividade. Além disso, ao limitar as intromissões políticas e garantir a imparcialidade nas investigações, esse princípio auxilia para a caminhada de um sistema de justiça transparente, translúcido, honesto e leal a seu povo. Portanto, a ilustre figura do delegado como garantidor da legalidade e da justiça social (juridicidade), fundamental para o fortalecer ainda mais o Estado democrático.
Logo, os delegados de polícias (civil e federal) exercem a atividade policial de Estado Investigador por expressa autorização constitucional e legal, conforme apregoado nos artigos 4º do Código de Processo Penal e artigo 144 da Constituição Federal de 1988, mas também no estatuto do delegado natural por meio da Lei n. 12.830/2013 que ratifica este princípio como basilar para a condução do caminho do crime (persecutio crimini).
Portanto, assegurar ao Estado-investigador que trabalhe resguardado de forma soberana, traz tranquilidade nas investigações policiais, com a finalidade de que sejam justos e isentos de qualquer comando institucional, política, administrativa no exercício do seu mister. Assim, a proteção dessa autonomia é essencial para o desenvolvimento de um povo que preza e valoriza a justiça.
Por fim, tem-se a existência real do princípio do delegado natural, e ele é crucial para assegurar a imparcialidade, a inamovibilidade e a legitimidade nas investigações criminais. Assim, sua aplicabilidade garante e reafirma que tão somente o delegado de polícia de carreira vai comandar inquéritos, vetando excesso de discricionariedade, com um único objetivo de garantir a integridade das instituições, do sistema jurídico e a proteção aos direitos do cidadão nos termos que cada diploma legal existente no ordenamento jurídico brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
______. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Investigação Criminal conduzida pelo Delegado de polícia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20/06/2013. Diário Oficial da União – acessado entre 05/08/2024 a 08/10/2024;
ARAÚJO, Moacir Martini. Princípio do Delegado Natural como efetivação do Estado Democrático de Direito: https://dspace.mj.gov.br, DSpace MJ. Ano 2012. Disponível em https://dspace.mj.gov.br/bitstream, data do acesso entre 05 a 30/04/2024 – acessado entre 10/09/2024 a 20/09/2024;
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988;
FILHO, Eljecio C. L. Funções da Polícia Judiciária no Processo Penal Brasileiro – O papel do Delegado de Polícia na efetivação dos direitos fundamentais. THOTH Editora;
https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/161218/02_principio_delegado_natural_araujo.pdf – acessado entre 09/09/2024 a 08/10/2024;
https://brasilescola.uol.com.br/historiab/corte-portuguesa.htm – acessado entre 10/08/2024 a 08/10/2024;
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/04/15/diretor-da-pf-troca-chefe-no-amazonas-quepediu-investigacao-contra-salles.ghtml
https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia- acessado entre 08/09/2024 a 08/10/2024;
https://www.conjur.com.br/2015-out-06/academia-policia-delegado-natural-principio-basilarinvestigacao-criminal – acessado entre 08/09/2024 a 08/10/2024;
https://www.conjur.com.br/2015-out-27/academia-policia-inamovibilidade-prerrogativa-delegadogarantia-cidadao 08/09/2024 a 08/10/2024;
https://www.eduardorgoncalves.com.br/2018/06/principio-do-delegado-de-policia-natural.html – 08/09/2024 a 08/10/2024;
https://www.eduardorgoncalves.com.br/2018/06/principio-do-delegado-de-policia-natural.html – 08/09/2024 a 08/10/2024;
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/principio-do-delegado-natural-positivacao-policial-ejurisdicional – acessado entre 15/09/2024 a 30/09/2024;
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/principio-do-delegado-natural-positivacao-policial-ejurisdicional – – acessado entre 15/09/2024 a 30/09/2024;
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- – acessado entre 15/09/2024 a 30/09/2024;
https://www.policiacivil.se.gov.br/historia-da-policia- – acessado entre 15/09/2024 a 30/09/2024;
https://www.stf.jus.br, disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador, data do acesso entre 05/04 a 03/05/2024.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/ – – acessado entre 15/09/2024 a 30/09/2024;
LENZA. P. Direito Constitucional. São Paulo. Editora Saraiva, 2014.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar R. Curso de Processo Penal e Execução Penal. 17ª edição. Editora, Jus PODIVM. Ano 2022;
*Estudante do curso de Direito na FIMCA JARU janeti_fraga@hotmail.com
*Acadêmica do curso de Direito
** Professora e orientadora do curso de Direito