REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410211042
Ildamar Batista da Silva¹;
Orientador(a): Lilian Rolim Figueiredo².
RESUMO
O presente estudo analisa o papel do assistente social nas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs), explorando os desafios e as perspectivas do método humanizador proposto por essas instituições no contexto penal brasileiro. Historicamente, o sistema prisional convencional no Brasil tem sido caracterizado por superlotação, violência e condições desumanas, o que reforça a necessidade de métodos alternativos de ressocialização. As APACs surgem como uma alternativa inovadora, propondo um modelo de execução penal centrado na dignidade humana e na reintegração social dos condenados. O trabalho do assistente social nas APACs é multifacetado, abrangendo desde o acompanhamento psicossocial até a implementação de programas educacionais e de capacitação profissional. No entanto, este profissional enfrenta desafios significativos, como a escassez de recursos, resistência institucional e a estigmatização dos condenados pela sociedade. A pesquisa utiliza uma abordagem metodológica mista, incluindo uma revisão bibliográfica e entrevistas com assistentes sociais atuantes nas APACs, para investigar como esses profissionais contribuem para a promoção da reintegração social e quais inovações podem ser adotadas para otimizar suas práticas. Os resultados indicam que, apesar das dificuldades, a atuação dos assistentes sociais é fundamental para o sucesso do método APAC, destacando a importância de uma abordagem holística e personalizada que respeite a dignidade dos apenados e promova sua ressocialização de maneira efetiva e humanizadora.
Palavras-chave: APAC, Assistente Social, Ressocialização, Justiça Restaurativa, Sistema Penal Brasileiro.
ABSTRACT
This study examines the role of social workers in the Associations for the Protection and Assistance to the Convicted (APACs), exploring the challenges and perspectives of the humane method proposed by these institutions within the Brazilian penal context. Historically, the conventional prison system in Brazil has been characterized by overcrowding, violence, and inhumane conditions, reinforcing the need for alternative methods of resocialization. APACs emerge as an innovative alternative, proposing a penal execution model centered on human dignity and the social reintegration of the convicted. The work of social workers in APACs is multifaceted, ranging from psychosocial support to the implementation of educational and professional training programs. However, these professionals face significant challenges, such as a lack of resources, institutional resistance, and the stigmatization of convicts by society. The research employs a mixed methodological approach, including a literature review and interviews with social workers in APACs, to investigate how these professionals contribute to promoting social reintegration and what innovations can be adopted to optimize their practices. The results indicate that despite the difficulties, the role of social workers is crucial to the success of the APAC method, highlighting the importance of a holistic and personalized approach that respects the dignity of the convicted and promotes effective and humane resocialization.
Key-words: APAC, Social Worker, Resocialization, Restorative Justice, Brazilian Penal System.
1 INTRODUÇÃO
O sistema penal brasileiro, historicamente marcado por superlotação, violência e condições desumanas, tem sido alvo de críticas severas que apontam para a necessidade urgente de métodos alternativos de ressocialização. Nesse cenário, as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs) surgem como uma alternativa inovadora, propondo um modelo de execução penal centrado na dignidade humana e na reintegração social dos condenados, buscando romper com os padrões punitivos tradicionais.
Diante da crise do sistema prisional convencional e das críticas sobre sua eficácia na ressocialização dos apenados, surgem questões fundamentais: como o método APAC, com sua abordagem humanizada, pode efetivamente contribuir para a reintegração social dos condenados? Quais são os desafios enfrentados pelos assistentes sociais nas APACs, e de que forma essas dificuldades impactam a implementação de práticas de humanização dentro do contexto de encarceramento alternativo?
Diferente do sistema prisional convencional, as APACs oferecem um ambiente que valoriza a recuperação e a ressocialização dos apenados por meio de um método que combina disciplina, trabalho e educação. Esse modelo não apenas transforma a experiência de cumprimento de pena, mas também coloca o assistente social em uma posição central no processo de humanização e reintegração social, destacando-se como um agente essencial na promoção dessas mudanças.
A atuação do assistente social nas APACs é multifacetada, abrangendo desde o acompanhamento psicossocial dos reeducandos até a implementação de programas educacionais e de capacitação profissional. Além disso, o assistente social desempenha um papel crucial na mediação familiar e comunitária, facilitando a reconstrução de laços sociais que muitas vezes foram rompidos em decorrência da condenação criminal. Esse trabalho de mediação é fundamental para o sucesso da reintegração social, pois estende o processo para além dos muros da instituição.
Entretanto, a atuação dos assistentes sociais nas APACs não está isenta de desafios. A escassez de recursos, a resistência institucional e a visão estigmatizada que a sociedade mantém em relação aos condenados são obstáculos significativos que podem comprometer a eficácia das intervenções sociais e, por consequência, a reintegração dos reeducandos. Esses desafios estruturais e culturais exigem que os profissionais desenvolvam estratégias inovadoras para superá-los e garantir a continuidade e a efetividade do método APAC.
Nesse sentido, este trabalho reveste-se de grande importância tanto para o campo acadêmico quanto para a prática profissional, ao contribuir para o aprofundamento do conhecimento sobre o papel do assistente social em contextos de encarceramento alternativo. Além disso, oferece insights valiosos para o fortalecimento das APACs como um modelo de justiça criminal mais humanizado, alinhado às demandas contemporâneas de uma sociedade que busca alternativas mais eficazes e justas para o cumprimento da pena.
Este estudo se propõe a investigar essas questões, buscando identificar as práticas de humanização implementadas pelos assistentes sociais, compreender os desafios enfrentados e explorar as potenciais inovações que podem ser adotadas para otimizar o papel desses profissionais na promoção da reintegração social dos condenados. A pesquisa visa também entender como as práticas e os desafios relatados se alinham com os conceitos teóricos e metodológicos presentes na literatura sobre justiça restaurativa e sistemas penais alternativos.
Para alcançar os objetivos propostos, foi realizada uma abordagem metodológica mista. A primeira parte da pesquisa consistiu em uma revisão bibliográfica abrangente de artigos acadêmicos, livros e documentos oficiais que tratam do sistema prisional e das APACs, com foco no papel do assistente social. Essa revisão permitiu uma compreensão teórica aprofundada dos conceitos envolvidos.
Diante dessas dificuldades, torna-se imperativo analisar as perspectivas de mudança e melhoria no método APAC, com ênfase na atuação do assistente social, baseando-se tanto nos dados empíricos coletados quanto nas contribuições teóricas levantadas pela revisão bibliográfica.
2 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DAS APACS NO BRASIL
As Associações de Proteção e Assistência aos Condenados surgiram no Brasil como uma resposta às crescentes críticas ao sistema prisional tradicional, amplamente considerado ineficaz e desumano (GRECO, 2017). A primeira unidade desse tipo foi fundada em 1972 na cidade de São José dos Campos, no estado de São Paulo, por Mário Ottoboni, um advogado e ex-juiz (FERREIRA, 2016). Ottoboni, juntamente com um grupo de voluntários da Pastoral Carcerária, desenvolveu um modelo de execução penal que visava não apenas punir, mas também recuperar os condenados, oferecendo-lhes uma segunda chance de reintegração na sociedade (FERREIRA, 2016).
A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210 de 1984, estabelece diretrizes para a execução das penas impostas e busca a ressocialização dos condenados, defendendo a dignidade e os direitos humanos. As Associações de Proteção e Assistência aos Condenados seguem essa premissa, proporcionando um ambiente de recuperação e reintegração social dos apenados, em conformidade com o que dispõe a LEP (BRASIL, 1984). A filosofia dessas associações é fundamentada em princípios cristãos, embora não exija a adesão religiosa por parte dos reeducandos (SANTOS; FERREIRA, 2018). O modelo criado baseia-se na premissa de que todo ser humano é capaz de se recuperar, desde que lhe sejam oferecidas as condições adequadas. Essas condições incluem um ambiente de disciplina, trabalho, educação e espiritualidade, bem como o apoio constante de voluntários e profissionais, como assistentes sociais e psicólogos. Desde a sua criação, esse modelo tem se expandido significativamente, com mais de 100 unidades em funcionamento no Brasil, além de várias iniciativas internacionais que adaptaram o modelo em outros países (FERREIRA, 2016).
Além disso, essa abordagem adota uma forma mais humanizada de tratamento, baseada no respeito e na valorização da dignidade dos reeducandos (VENERAL, 2012). Enquanto o sistema prisional convencional tende a despersonalizar os indivíduos, tratando-os como números ou casos, essas associações buscam resgatar a identidade e a autoestima dos condenados, incentivando-os a refletir sobre seus erros e a buscar uma transformação pessoal (SOUZA, 2015). Esse processo de humanização é visto como essencial para a ressocialização e a prevenção da reincidência criminal (NUCCI, 2017).
Os resultados obtidos ao longo dos anos têm sido bastante positivos, especialmente quando comparados com os do sistema prisional tradicional (GRECO, 2017). Uma das métricas mais significativas é a taxa de reincidência criminal. Enquanto no sistema prisional convencional a taxa de reincidência no Brasil pode ultrapassar 70%, nessas unidades ela fica em torno de 15% a 20% (FERREIRA, 2016). Esse dado sugere que o modelo adotado é mais eficaz na reabilitação dos condenados, contribuindo para a redução da criminalidade e para a segurança pública (GRECO, 2011).
Outro impacto importante desse modelo é o efeito positivo que ele tem sobre a saúde mental e emocional dos reeducandos (SOUZA, 2015). Muitos dos que passam pelo sistema prisional convencional relatam experiências traumáticas, como violência física e psicológica, que agravam seu estado emocional e dificultam a reintegração social (VENERAL, 2012). Nessas associações, o ambiente mais acolhedor e o apoio psicológico oferecido ajudam a minimizar esses traumas, proporcionando aos reeducandos uma maior estabilidade emocional, o que é fundamental para a sua recuperação (FERREIRA, 2016).
As unidades em questão também têm se mostrado eficazes na promoção da reintegração familiar dos reeducandos. O modelo incentiva a participação ativa das famílias no processo de recuperação, promovendo visitas regulares e o fortalecimento dos laços familiares. Essa abordagem é crucial, pois muitos condenados vêm de contextos familiares desestruturados, e o apoio familiar pode ser um fator determinante para o sucesso da ressocialização (NETO, 2012). Além disso, o envolvimento das famílias contribui para a criação de uma rede de apoio que facilita a reintegração dos reeducandos na sociedade após o cumprimento da pena (SANTOS; FERREIRA, 2018).
Em termos de custo, o modelo também apresenta vantagens significativas em relação ao sistema prisional convencional (GRECO, 2017). De acordo com estudos, o custo de manutenção de um reeducando nessas unidades é significativamente menor do que no sistema tradicional. Isso se deve, em parte, ao fato de que essas organizações operam com o apoio de voluntários e dependem menos do aparato de segurança caro e extensivo que caracteriza o sistema prisional convencional (FERREIRA, 2016).
Ao longo dos anos, esse modelo tem ganhado reconhecimento tanto no Brasil quanto internacionalmente. Diversos países têm mostrado interesse em adaptar o modelo, e algumas unidades foram implantadas em nações como Estados Unidos, Alemanha e Noruega (FERREIRA, 2016). Esse reconhecimento global reforça a eficácia e a inovação do método como uma alternativa mais humana e eficaz ao encarceramento tradicional (GRECO, 2017).
Apesar dos inúmeros benefícios e do sucesso obtido, o modelo adotado também enfrenta desafios (SANTOS; FERREIRA, 2018). A expansão dessas unidades depende do apoio governamental e da adesão de comunidades locais, que nem sempre compreendem ou aceitam a filosofia do modelo (ROCHA, 2015). Além disso, a formação e o treinamento dos profissionais que atuam nessas unidades, incluindo os assistentes sociais, são essenciais para garantir a qualidade do atendimento e a continuidade do sucesso do programa (RODRIGUES, 2012).
Outro desafio enfrentado por essas associações é a resistência cultural e institucional ao modelo (CORREIA, 2010). O sistema prisional tradicional, com sua ênfase na punição e no controle, está profundamente enraizado na cultura jurídica e penal do Brasil (GRECO, 2017). Convencer autoridades e a sociedade em geral de que esse modelo, com seu enfoque na recuperação e na humanização, pode ser mais eficaz na prevenção da criminalidade, é uma tarefa complexa que exige um esforço contínuo de sensibilização e educação. Os resultados obtidos por essas unidades, incluindo taxas de reincidência significativamente mais baixas, reforçam a eficácia desse modelo e destacam a importância de continuar investindo e expandindo essa abordagem (GRECO, 2011).
2.1 Fundamentos teóricos da ressocialização
Os fundamentos teóricos da ressocialização no contexto penal são construídos a partir de uma ampla gama de conceitos e teorias que buscam entender e melhorar os processos de reabilitação de condenados (NUCCI, 2017). A ressocialização refere-se ao conjunto de práticas e intervenções destinadas a reintegrar indivíduos que cometeram crimes de volta à sociedade de maneira produtiva e não prejudicial. Este conceito é sustentado por várias teorias criminológicas e sociais que enfatizam a transformação e reabilitação do comportamento criminoso através de intervenções educativas, psicossociais e laborais (ROCHA, 2015).
Uma das teorias mais influentes na área da ressocialização é a teoria da rotulação, proposta por Howard Becker, que sugere que a sociedade cria criminosos ao rotular certos comportamentos como desvios e os indivíduos que os cometem como desviantes (FERREIRA, 2016). Essa teoria implica que, ao invés de focar exclusivamente na punição, o sistema penal deveria trabalhar para evitar que os indivíduos sejam rotulados de forma que impeça sua reintegração social. A rotulação negativa pode reforçar a identidade criminosa e aumentar a probabilidade de reincidência, tornando a ressocialização uma alternativa crucial para reduzir a criminalidade (SANTOS; FERREIRA, 2018).
Além da teoria da rotulação, a teoria da anomia de Robert K. Merton também contribui significativamente para a compreensão da ressocialização. Merton argumenta que o comportamento desviante resulta da tensão entre os objetivos culturalmente prescritos e os meios institucionalmente disponíveis para alcançá-los (CORREIA, 2010). Em contextos onde o acesso aos meios legítimos é limitado, os indivíduos podem recorrer a comportamentos ilegítimos. Nesse sentido, a ressocialização deve focar em fornecer meios legítimos para que os indivíduos possam alcançar seus objetivos de forma legal e aceitável, o que inclui a educação, capacitação profissional e apoio psicossocial (RODRIGUES, 2012).
Comparar a ressocialização com a punição no sistema penal revela diferenças fundamentais na filosofia e nos resultados esperados. A punição, tradicionalmente, é vista como uma forma de retribuição pelo crime cometido, onde a severidade da pena é proporcional à gravidade do crime (GRECO, 2011). Esta abordagem, influenciada pelo modelo retributivo de justiça, enfatiza a expiação e a imposição de sofrimento ao infrator como forma de reparação moral e dissuasão. No entanto, essa perspectiva muitas vezes falha em considerar os fatores sociais, econômicos e psicológicos que contribuem para o comportamento criminoso (GRECO, 2017).
Em contraste, a ressocialização foca na reabilitação do indivíduo e na sua reintegração na sociedade. Esta abordagem é sustentada pela teoria da oportunidade diferencial, que sugere que a criminalidade pode ser reduzida ao aumentar as oportunidades legítimas e ao reduzir as influências criminais (NUCCI, 2017). A ressocialização visa transformar a mentalidade do infrator, promover habilidades de vida e oferecer suporte contínuo para garantir que, após cumprir sua pena, o indivíduo esteja preparado para contribuir positivamente para a sociedade. Ao contrário da punição que pode perpetuar o ciclo de criminalidade, a ressocialização busca quebrar esse ciclo através de intervenções positivas (SOUZA, 2015).
Abordagens humanísticas na justiça penal destacam-se por seu foco na dignidade e no valor intrínseco de cada indivíduo, independentemente dos crimes cometidos (VENERAL, 2012). Essas abordagens são baseadas nos princípios de justiça restaurativa, que se concentram na reparação do dano causado e na reconciliação entre o ofensor e a vítima, ao invés de apenas punir o infrator. A justiça restaurativa envolve processos como círculos de paz e mediação vítima-ofensor, que permitem que os infratores entendam o impacto de seus crimes, assumam a responsabilidade e trabalhem ativamente para reparar o dano (NETO, 2012).
Carl Rogers, um dos fundadores da abordagem humanística3, propôs a teoria da terapia centrada na pessoa, que tem implicações significativas para a ressocialização (SANTOS; FERREIRA, 2018). Rogers argumentou que os indivíduos possuem uma tendência inerente ao crescimento e à realização de seu potencial. Aplicada ao contexto penal, essa teoria sugere que os infratores, quando fornecidos com um ambiente de apoio e compreensão, são capazes de auto-reflexão e mudança positiva (FERREIRA, 2016). Programas de ressocialização que incorporam princípios humanísticos focam em criar um ambiente onde os reclusos se sentem valorizados e motivados a mudar (SOUZA, 2015).
As abordagens humanísticas também enfatizam a importância do relacionamento e da comunidade na ressocialização (GRECO, 2017). O trabalho de Emile Durkheim sobre a solidariedade social sugere que a coesão social é fundamental para a estabilidade da sociedade e para a integração dos indivíduos (ROCHA, 2015). Programas de ressocialização que promovem a inclusão comunitária, a construção de redes de apoio e a participação ativa na sociedade podem ser mais eficazes na reintegração dos reclusos (FERREIRA, 2016).
A ressocialização eficaz requer uma abordagem integrada que combine educação, apoio psicossocial, capacitação profissional e envolvimento comunitário (GRECO, 2017). A abordagem multidisciplinar permite que os reclusos desenvolvam um conjunto diversificado de habilidades e recursos, aumentando suas chances de sucesso após a libertação (FERREIRA, 2016).
Outro aspecto crucial da ressocialização é o acompanhamento pós-penal. A transição do ambiente prisional para a vida em liberdade é um período crítico, e o suporte contínuo pode fazer a diferença entre a reincidência e a reintegração bem-sucedida (SANTOS; FERREIRA, 2018).
3 O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NO SISTEMA PENAL NA APAC
O papel do assistente social no sistema penal é de extrema importância, atuando como um agente de transformação dentro de um ambiente frequentemente marcado por violência, exclusão e marginalização. No contexto penal, as atribuições do assistente social vão além do simples cumprimento de funções burocráticas; envolvem um compromisso com a promoção dos direitos humanos, a dignidade dos indivíduos encarcerados e a busca por alternativas que favoreçam a ressocialização. Os assistentes sociais são responsáveis por avaliar as condições sociais e econômicas dos reclusos, desenvolver planos de intervenção que visam à reintegração social e fornecer suporte emocional e psicossocial tanto para os apenados quanto para suas famílias (NOGUEIRA, 2018).
Dentro do sistema penal, o assistente social desempenha várias funções, incluindo o atendimento individualizado aos presos, a articulação com outros profissionais da equipe técnica e a mediação entre o detento e sua família. Este profissional é encarregado de realizar estudos de caso, elaborar relatórios sociais, acompanhar a progressão de penas e propor medidas que contribuam para a reabilitação dos reclusos. Além disso, o assistente social atua na promoção de atividades educativas, culturais e de capacitação profissional, que são fundamentais para a preparação dos apenados para o retorno à sociedade (MARTINS, 2017).
Um dos principais desafios enfrentados pelos assistentes sociais nas prisões tradicionais é a superlotação, que dificulta o atendimento individualizado e a implementação de programas de ressocialização. As prisões brasileiras, conhecidas por suas condições precárias, muitas vezes não oferecem o ambiente necessário para a realização do trabalho do assistente social, que exige privacidade, tempo e recursos para ser eficaz. A falta de estrutura, aliada à escassez de profissionais, faz com que muitos assistentes sociais sejam sobrecarregados, comprometendo a qualidade do atendimento prestado (SILVA, 2019).
Outro desafio significativo é a resistência institucional ao trabalho do assistente social. Em muitos contextos prisionais, a cultura organizacional ainda é marcada por uma visão punitivista, que valoriza o controle e a repressão, em detrimento da reabilitação e da reintegração social. Essa mentalidade dificulta a implementação de programas que visam à humanização do sistema penal e à promoção de uma justiça mais restaurativa. Os assistentes sociais, ao proporem práticas que fogem do padrão punitivo, muitas vezes enfrentam resistência por parte de outros profissionais do sistema, como agentes penitenciários e até mesmo gestores (SANTOS, 2020).
A estigmatização dos presos pela sociedade também representa um desafio para os assistentes sociais. A visão predominante de que os reclusos são indivíduos irrecuperáveis contribui para a marginalização das políticas de ressocialização, dificultando a obtenção de recursos e o apoio necessário para a implementação de projetos eficazes. Essa estigmatização também se reflete na falta de oportunidades para os egressos do sistema prisional, que encontram barreiras significativas na reintegração ao mercado de trabalho e na reconstrução de suas vidas (CARVALHO, 2016).
Apesar dos desafios, o assistente social tem um papel crucial na ressocialização dos apenados. Suas intervenções são fundamentais para a promoção da autoestima, do autocuidado e da capacidade de autogestão dos reclusos. Além disso, o assistente social trabalha para fortalecer os laços familiares, que são essenciais para o sucesso da reintegração social (ALMEIDA, 2021).
A educação e a capacitação profissional são outras áreas em que o assistente social contribui significativamente para a ressocialização. Ao implementar programas educativos e de qualificação dentro das prisões, o assistente social ajuda a preparar os reclusos para uma vida produtiva após o
cumprimento da pena. Esses programas não apenas fornecem as habilidades necessárias para o mercado de trabalho, mas também promovem a autoestima e a confiança dos apenados, aumentando suas chances de sucesso na sociedade (PEREIRA, 2019).
O assistente social também desempenha um papel importante na mediação de conflitos dentro do ambiente prisional. As prisões, frequentemente caracterizadas por violência e tensão, são locais onde os conflitos interpessoais são comuns. O assistente social, ao intervir nesses conflitos, não só contribui para a manutenção da ordem, mas também promove a construção de um ambiente mais seguro e cooperativo. Essa mediação é essencial para a criação de um espaço onde os reclusos possam se concentrar em sua reabilitação, sem a constante ameaça de violência (AMARAL, 2017).
Outro aspecto importante do trabalho do assistente social no sistema penal é a promoção da justiça restaurativa. Este modelo de justiça, que se concentra na reparação do dano causado e na reconciliação entre vítima e ofensor, é uma alternativa ao sistema punitivo tradicional. O assistente social, ao promover práticas de justiça restaurativa, contribui para a criação de um ambiente mais humanizado e menos retributivo, onde a reabilitação é vista como um objetivo primário (RIBEIRO, 2022).
Além disso, o assistente social trabalha para conectar os reclusos com os serviços de apoio disponíveis na comunidade, facilitando a transição do sistema prisional para a vida em liberdade. Esta conexão é crucial para garantir que os egressos tenham acesso a moradia, emprego, saúde e outros serviços essenciais, que são fundamentais para a sua reintegração social. Ao criar uma rede de suporte fora da prisão, o assistente social ajuda a prevenir a reincidência e a promover uma reentrada bem-sucedida na sociedade (SILVA, 2019).
A atuação do assistente social também é vital no acompanhamento póspenal, onde o profissional continua a oferecer suporte aos egressos, auxiliandoos na adaptação à vida fora do sistema prisional. Este acompanhamento é crucial para a consolidação da ressocialização, uma vez que o período logo após a liberação é crítico para o sucesso ou fracasso da reintegração. O suporte contínuo oferecido pelo assistente social pode fazer a diferença entre um recomeço bem-sucedido e o retorno ao crime (SOUZA, 2018).
4 METODOLOGIA
A presente pesquisa caracteriza-se como um estudo de natureza bibliográfica e qualitativa, complementado pela aplicação de uma entrevista com questionário aberto. A escolha por essa abordagem metodológica deve-se à necessidade de aprofundar a compreensão sobre o papel do assistente social Marinilda Bonfim P. de Araújo nas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs) e explorar os desafios e as perspectivas do método adotado por essas instituições. Para alcançar esse objetivo, foram utilizadas duas estratégias principais: a revisão de literatura e a coleta de dados empíricos por meio de uma entrevista com uma assistente social Marinilda Bonfim P. de Araújo atuante nas APACs.
A revisão bibliográfica foi conduzida a partir de um levantamento de diversas fontes, incluindo livros, artigos científicos, teses, dissertações, legislações pertinentes e documentos institucionais, consultados em bases de dados renomadas como Scielo, Teses USP, e plataformas especializadas em Serviço Social e Ciências Criminais. Além disso, foram utilizados materiais disponíveis em bibliotecas digitais de instituições de ensino superior e revistas científicas que abordam diretamente temas como ressocialização, a atuação do assistente social no sistema penal, e as especificidades do método APAC.
Para complementar os dados teóricos, foi realizada uma entrevista semiestruturada com uma assistente social que atua diretamente em uma unidade APAC. Utilizando um questionário aberto, essa técnica permitiu a coleta de dados qualitativos valiosos, proporcionando uma visão detalhada das experiências e desafios enfrentados pela profissional no contexto de ressocialização dos apenados. A entrevista buscou explorar as práticas cotidianas, as dificuldades encontradas e as possíveis áreas de melhoria dentro do método APAC.
A análise dos dados coletados, tanto da revisão bibliográfica quanto da entrevista, foi realizada de forma qualitativa, com enfoque na interpretação crítica dos conteúdos relevantes para a pesquisa. Essa interpretação relacionou as informações obtidas com a prática observada na APAC, além de dialogar com as teorias e debates contemporâneos sobre ressocialização e justiça penal.
A combinação dessas abordagens metodológicas permitiu a construção de uma base teórica e empírica sólida, fundamental para a contextualização do problema de pesquisa e para a formulação de contribuições significativas ao campo de atuação do Serviço Social nas APACs.
4.1 Resultados e discussões
A entrevista realizada com uma funcionária do Serviço Social da APAC de Imperatriz destaca a atuação essencial desse setor no contexto prisional, onde o assistente social desempenha um papel central na garantia dos direitos humanos e no processo de ressocialização dos internos. A participação do assistente social nas equipes multiprofissionais, responsáveis pela captação de novos recuperandos nas unidades prisionais, foi apontada como um ponto chave, corroborando com Almeida (2021), que ressalta a importância do trabalho do assistente social para a reabilitação de pessoas privadas de liberdade.
Durante a entrevista, foi mencionado que o Serviço Social realiza rodízios entre as unidades prisionais, como a Unidade Prisional de Ressocialização de Davinópolis, Itamá Guará e UPRI (CCPJ), desenvolvendo atividades focadas na avaliação e seleção dos internos aptos a ingressar na metodologia APAC. Este modelo fundamenta-se na transformação pessoal do indivíduo e no seu interesse pela ressocialização. Ferreira e Santos (2018) explicam que o método APAC busca promover a humanização do cumprimento de pena e enfatiza a reintegração social como um processo contínuo e colaborativo. O aspecto subjetivo de avaliação, mencionado pela entrevistada, revela a complexidade do papel do assistente social, que deve identificar o desejo genuíno do recuperando de mudar sua vida, conforme também discutido por Greco (2017).
Um dos principais desafios enfrentados pelo assistente social, conforme relatado pela funcionária durante a entrevista, é o trabalho relacionado à emissão de documentos para os internos, muitos dos quais chegam às prisões sem documentos devido às suas condições de vida anteriores. A falta de identidade formal dificulta o acesso a direitos sociais, e é nesse ponto que o assistente social atua como mediador, facilitando a emissão gratuita de documentos, uma prática essencial para a restauração da cidadania. Neto (2012) também ressalta que a reabilitação social começa com o resgate da identidade civil do preso, um fator crucial para sua futura reintegração.
Outro ponto relevante abordado na entrevista foi a importância do vínculo familiar no processo de ressocialização, amplamente discutido na literatura (NETO, 2012). A funcionária destacou que o Serviço Social da APAC desempenha um papel ativo na reaproximação dos internos com seus familiares, muitas vezes responsáveis pelo primeiro abandono após a prisão. Veneral (2012) reforça que o fortalecimento dos laços familiares é um dos pilares para o sucesso da reintegração social dos presos, sendo um fator determinante para a redução da reincidência criminal. Nesse sentido, as visitas domiciliares realizadas pelos assistentes sociais são essenciais para a construção de um diagnóstico sociofamiliar, permitindo desenvolver estratégias adequadas para restabelecer esses vínculos.
Além disso, a assistência às famílias dos internos, mencionada pela entrevistada, envolve a distribuição de cestas básicas e o apoio em situações de vulnerabilidade social, como dificuldades financeiras e problemas de saúde. O contato direto do assistente social com as famílias permite uma avaliação mais precisa das necessidades, conforme também discutido por Carvalho (2016), que afirma que o assistente social precisa atuar como uma ponte entre o interno e sua rede de apoio familiar, garantindo que esse vínculo seja fortalecido durante o período de cumprimento da pena.
Por fim, os resultados da entrevista reforçam que o trabalho do Serviço Social na APAC de Imperatriz vai além da intervenção no contexto prisional. Ao promover a ressocialização dos internos por meio da reintegração familiar, do acesso a documentos e da assistência social, o Serviço Social se estabelece como peça fundamental na construção de uma rede de apoio abrangente e humanizada. Como afirma Santos (2020), embora o assistente social enfrente resistência institucional, seu papel é crucial para a implementação de um modelo de justiça restaurativa e o resgate da dignidade humana, conforme proposto pela Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984).
Assim, a prática do Serviço Social no sistema APAC, conforme discutido na entrevista, exemplifica como o modelo de ressocialização pode se basear em um tratamento mais humanizado e eficaz, contribuindo para a redução da reincidência e promovendo uma verdadeira reintegração dos indivíduos à sociedade.
5 CONCLUSÃO
Este estudo ressalta a necessidade de mais recursos e maior apoio institucional para os assistentes sociais nas APACs, garantindo um ambiente propício para a ressocialização eficaz dos recuperandos. A continuidade das ações é essencial para que o método APAC siga como referência em humanização penal.
A análise das respostas da assistente social Marinilda Bonfim de Araújo da APAC revela a complexidade e a importância de seu papel no processo de ressocialização dos apenados. Suas principais atribuições, como o acolhimento inicial, o acompanhamento psicossocial, a mediação de conflitos e a promoção de práticas de justiça restaurativa, são fundamentais para criar um ambiente de recuperação que respeite a dignidade humana e promova uma verdadeira reintegração social.
Contudo, os desafios enfrentados, incluindo a resistência inicial dos apenados, a falta de recursos e o estigma social, indicam a necessidade de estratégias inovadoras e de maior apoio institucional para otimizar a eficácia das intervenções dos assistentes sociais. Essas dificuldades destacam a importância de uma abordagem holística que leve em conta tanto os aspectos individuais quanto contextuais para garantir o sucesso do modelo da APAC.
Em conclusão, o modelo diferenciado e humanizador de execução penal da APAC oferece uma alternativa promissora ao sistema prisional tradicional. O trabalho dos assistentes sociais é crucial para o sucesso desse modelo, pois eles estão na linha de frente do processo de transformação dos apenados, contribuindo significativamente para a redução da reincidência criminal e para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Para fortalecer ainda mais esse modelo, é essencial investir em formação contínua para os profissionais, aumentar os recursos disponíveis e sensibilizar a comunidade sobre a importância da reintegração dos exapenados. Com essas melhorias, o método da APAC pode se consolidar como uma referência eficaz em justiça restaurativa e ressocialização, promovendo mudanças significativas no sistema de justiça penal.
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¹Acadêmica do Curso de Bacharel em Serviço Social pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – UNISULMA. E-mail: ildamarmedeiros@gmail.com
²Professora Orientadora. Mestra em Formação Docente e Práticas Educativas (UFMA). E-mail: lilianfigueiredo.as12@gmail.com