REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409230753
Marcella Lemos Barbosa;
Orientador: Profª. Drª. Giane Maria da Silva
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar estudo realizado em uma turma do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Irmã Lucília, localizada no município de Arraias-TO, destacando a importância da afetividade no ensino e na aprendizagem para o desenvolvimento das crianças. O intuito principal desde trabalho é tentar sensibilizar professores e gestores a realizar um trabalho educativo em sala de aula de forma que as relações afetivas sejam privilegiadas, tanto na resolução dos conflitos quanto na facilitação do processo de ensino e aprendizagem das crianças pequenas. Este estudo foi realizado a partir de uma pesquisa bibliográfica, dialogando com alguns teóricos clássicos e contemporâneos que abordam a questão da afetividade. Para o desenvolvimento da pesquisa, foi utilizada a observação do ambiente escolar, anotações em diário de campo e a realização de entrevistas com uma professora e com a coordenadora pedagógica, ambas servidoras no CMEI Irmã Lucília. O trabalho aborda a relação professor-aluno, a importância do educador no processo de ensino, bem como a descrição pormenorizada de situações observadas pela pesquisadora na turma investigada.
Palavras-chave: Afetividade; aprendizagem; educação infantil.
ABSTRACT
This article aims to present a study carried out in a group of the Municipal Center of Early Childhood Education (CMEI) Sr. Lucília, located in the municipality of Arraias-TO, highlighting the importance of affectivity in teaching and learning for the development of children. The main aim of this work is to try to make teachers and managers aware of the importance of doing an educational work in the classroom so that affective relations are privileged, both in resolving conflicts and facilitating the teaching and learning process of young children. This study was carried out based on a bibliographical research, dialoguing with some classic and contemporary theorists that approach the question of affectivity. For the development of the research, it was used the observation of the school environment, notes in field diary and interviews with a teacher and with the pedagogical coordinator, both serving in the CMEI Sister Lucília. The work addresses the teacher-student relationship, the importance of the educator in the teaching process, as well as the detailed description of situations observed by the researcher in the class investigated.
Keywords: Affectivity; learning; child education.
INTRODUÇÃO
O presente artigo refere-se à afetividade na educação infantil e à sua importância no desenvolvimento da criança. Neste texto, serão abordados aspectos importantes sobre a escola, destacando a importância da afetividade no ensino e na aprendizagem das crianças. Para, além disso, o trabalho aborda a relação professor-aluno, a importância do educador no processo de ensino, bem como a descrição pormenorizada de situações observadas pela pesquisadora no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Irmã Lucília, durante a realização da pesquisa.
O intuito principal desde trabalho é tentar sensibilizar professores e gestores a realizar um trabalho educativo em sala de aula de forma que as relações afetivas sejam privilegiadas tanto na resolução dos conflitos, quanto na facilitação do processo de ensino e aprendizagem das crianças pequenas.
Esta pesquisa fundamenta-se em alguns autores, como Zabalza (2007), Mahoney e Almeida (2007), Almeida (2010), Wallon (1968), Vygotsky (1993), Campos (2013) e Fernández (1991), que tratam da afetividade e da aprendizagem como fator de desenvolvimento humano.
1. O CONCEITO DE AFETIVIDADE E SUA IMPORTÂNCIA
Neste trabalho, adotamos o conceito de afetividade destacado por Almeida (2010), a saber:
[…] afetividade é o termo utilizado para identificar um domínio funcional abrangente e, nesse domínio funcional, aparecem diferentes manifestações: desde as primeiras, basicamente orgânicas, até as diferenciadas como as emoções, os sentimentos e as paixões (ALMEIDA, 2010, p.5).
De acordo com Almeida (2010), a emoção constitui-se em relação instantânea e efêmera que se diferencia entre alegria, tristeza e medo, enquanto a paixão e o sentimento são manifestações afetivas que se apresentam como reguladoras ou estimuladoras da afetividade psíquica.
Nos primeiros anos de vida, a criança passa por diversas etapas físicas, mentais, sociais e emocionais, as quais são fundamentais para o seu desenvolvimento e influenciam na formação de sua personalidade, tornando-a um indivíduo único.
A afetividade é uma parte importante no processo de formação de todo ser humano, sendo assim, torna-se importante que o educador tenha consciência do quanto os sentimentos e a relação de afetividade são importantes para o desenvolvimento da criança, pois a sua influência se torna indispensável para a formação da personalidade desse sujeito.
Entende-se que a emoção influencia diretamente no comportamento da criança, sobretudo no nível de segurança, pois segundo Zabalza (2007), essa é a plataforma sobre a qual se constrói todos os desenvolvimentos psíquicos e motores na vivência escolar. O autor pontua que “[…] tudo na Educação Infantil é influenciado pelos aspectos emocionais: desde o desenvolvimento psicomotor, até o intelectual, o social e cultural” (ZABALZA, 2007, p.51).
Considera-se que a criança quando se sente valorizada dentro da sala de aula a aprendizagem torna-se facilitada. Para complementar tal afirmação, de acordo com Almeida (2010), o inicio do processo de aprendizagem se estabelecesse pelo vinculo afetivo entre criança e adulto. Da mesma maneira acontece no processo de aprendizagem na escola, pois é através da interação que a criança tem acesso ao mundo simbólico e conquista o avanço no âmbito cognitivo.
Autores como Mahoney e Almeida (2007) definem afetividade como sendo a capacidade, a disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo/interno por efeitos vinculados a tonalidades agradáveis ou desagradáveis. Mahoney e Almeida (2007) destacam ainda que há três momentos importantes e sucessivos no enriquecimento da afetividade, como emoção, sentimento e paixão. Esses três momentos culminam em fatores orgânicos e sociais e correspondem a configurações diferenciadas entre si.
De acordo com tais concepções, é possível inferir que as emoções podem interferir diretamente no processo de aprendizagem, sendo papel do educador mediar e estimular as crianças de maneira correta, para que elas aprendam a desenvolver suas habilidades expressivas e motoras.
A educação infantil requer cuidados especiais no convívio escolar, pois as instituições escolares são espaços que devem ser usados como fonte integradora da criança ao meio, por isso tal importância da afetividade no processo de ensino e aprendizagem.
Para melhor compreensão, as concepções do médico francês Henry Wallon, e do educador e psicólogo russo Lev Vygotsky são de extrema importância para o pensamento sobre o desenvolvimento da criança. Cada um deles traz aspectos relevantes sobre o valor da afetividade, como destacamos a seguir.
Na concepção de Wallon (1968), a evolução da criança se dá em quatro etapas de estágio e em cada um deles a criança mantêm algum tipo de interação, seja com as interações sociais ou com o meio físico. As manifestações afetivas que predominam em cada estágio ocorrem em virtude das necessidades e possibilidades permitidas pelo grau de maturidade da criança. São eles: impulsivo, emocional, personalismo, puberdade e adolescência.
Assim define Wallon (1968) os estágios de desenvolvimento e as suas características predominantes: no primeiro estagio, o impulsivo, as expressões/reações comuns e indiferentes são o bem estar e o mal estar. O segundo, o emocional, é marcado pela distinção das emoções, com as reações ou atitudes de alegria, tristeza, medo. Durante o terceiro estágio, o personalismo e o quarto, da adolescência e puberdade, ficam evidenciadas as reações mais marcantes.
Em todos os estágios citados por Wallon (1968), a forma de afetividade requer a colocação de limites. Cada estágio deve ser acompanhado pelos pais e professores para que haja imposição de limites, pois eles contribuem amplamente para o processo de ensino e aprendizagem e isso também se torna uma expressão de afetividade.
Lev Vygotsky (1993) também fez estudos sobre a afetividade, pois contestava as teorias das emoções existentes. Segundo esse autor, essas teorias se concentravam nas manifestações basicamente orgânicas, sem levar em conta o aspecto psicológico dos processos emocionais. Ele acreditava que o afetivo estava fortemente ligado ao desenvolvimento cognitivo e que não havia uma diferença entre ambas. Para o autor,
A separação das dimensões cognitiva e afetiva enquanto objeto de estudos é uma das principais deficiências da psicologia tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um fluxo autônomo de pensamentos que pensam a si próprios, dissociados da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das inclinações e dos interesses pessoais, das inclinações e dos impulsos daquele que pensa (VYGOTSKY, 1993, p. 6).
A partir dos estudos realizados por Vygotsky (1993) foi possível perceber a complexidade que permeia o desenvolvimento das emoções humanas e que o desenvolvimento está em acordo com a distinção entre os processos psicológicos inferiores e superiores e sua concepção de desenvolvimento cognitivo. O que o autor defende é que a emoção não deixa de existir, mas que elas evoluem para o mundo do simbólico, e está fortemente ligada com os processos do desenvolvimento cognitivo do humano.
Para fundamentar o conceito de aprendizagem apresentado por Campos (2013) e Fernández (1991), foi postulado que “a aprendizagem pode ser definida como uma modificação sistemática do comportamento, por meio da prática ou experiência, com um sentido de progressiva adaptação ou ajustamento” (CAMPOS, 2013, p.30).
Para Fernández, a aprendizagem está fortemente ligada à afetividade, já que acontece a partir das interações sociais, num processo vincular.
Para aprender, necessitam-se dois personagens (ensinante e aprendente) e um vínculo que se estabelece entre ambos. (…) Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar” (FERNÁNDEZ, 1991, p.47;52).
Nota-se que o processo de ensino-aprendizagem ocorre mais facilmente quando a criança se sente confortável na presença do professor, quando há relação de vínculo afetivo. Assim, ao se estabelecer a confiança entre eles, a aprendizagem acontece de forma facilitada.
2. PERCURSO METODOLÓGICO
O presente estudo foi realizado a partir de uma pesquisa bibliográfica, dialogando com alguns teóricos clássicos e contemporâneos que abordam a questão da afetividade no processo de ensino e aprendizagem. Destaca-se o papel da pesquisa bibliográfica, pois ela possibilita ao pesquisador um embasamento teórico para uma possível compreensão da realidade estudada. Para o desenvolvimento da pesquisa, foi utilizada a observação do ambiente escolar durante duas semanas, anotações em diário de campo e a realização de entrevistas com uma professora (ANEXO A) e com a coordenadora pedagógica (ANEXO B), ambas servidoras no Centro Municipal de Educação Infantil Irmã Lucília, localizada no município de Arraias-TO.
O trabalho caracteriza-se como um estudo de caso. Segundo Yin Robert (2015), o estudo de caso é utilizado em diversas situações para contribuir com nosso conhecimento acerca dos fenômenos individuais, grupais, organizacionais e sociais. O autor ressalta que o estudo de caso é uma indagação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do contexto da vida real, estando presente a utilização do estudo de caso em estudos exploratórios e descritivos.
Como instrumento de coleta de dados, utilizamos também a entrevista semiestruturada que, segundo Martins (2000), trata-se de um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção da informação por parte do outro, o entrevistado.
Esta pesquisa possui abordagem qualitativa, pois, segundo as autoras Tolfo e Córdova (2005), pesquisas dessa natureza não têm a preocupação de obter dados numéricos, mas sim o aprofundamento e a compreensão de um determinado problema de um grupo social. Por esse motivo, os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa se opõem à ideia de um único modelo de pesquisa, já que as ciências naturais têm suas especificidades.
Os pesquisadores que utilizam o método de pesquisa qualitativa buscam explicar, analisar e compreender o porquê das coisas, mas não quantificam os dados e nem se submetem a provas, pois os dados analisados são de diferentes abordagens. Daí a importância da pesquisa qualitativa no âmbito educacional, pois isso implica dizer que a mesma tem caráter exploratório e busca analisar os vários pontos de um problema.
A partir da visão dessa pesquisadora, são descritas experiências e sentimentos sobre as relações de afetividade entre uma professora e uma turma de crianças no Centro de Educação Infantil já mencionado. A entrevista foi gravada com a autorização das entrevistadas, e posteriormente, transcritas.
2.1 Definindo o local de pesquisa
Por termos realizado o primeiro estágio de observação do curso de Pedagogia, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), no ano de 2016, em uma sala de aula da educação infantil, no ano seguinte, este local foi escolhido como campo de pesquisa deste trabalho. Ficou evidente no primeiro estágio a dificuldade que alguns alunos manifestavam em aprender devido aos conflitos afetivos entre colegas e professora. No segundo estágio, realizado no Centro Municipal de Educação Infantil Irmã Lucília, foi notório o quanto a professora era afetiva com as crianças. Essa relação muito próxima entre professora e crianças despertou a nossa curiosidade em tentar aprofundar nossos estudos sobre a importância da afetividade no processo de ensino e aprendizagem, bem como tentar compreender como se estabelecia essa relação entre os sujeitos, a partir da observação das aulas e dos adultos diretamente envolvidos no processo: a professora e a coordenadora pedagógica que acompanha cotidianamente o trabalho dessa professora. A partir desse momento surgiu a
seguinte questão: a afetividade é um fator crucial de desenvolvimento das crianças em uma sala de aula na educação infantil? Sendo esta uma questão complexa, esta pesquisa objetivou analisar o comportamento afetivo de crianças nos primeiros anos de vida no ambiente escolar.
2.2 A escola
O Centro Municipal de Educação Irmã Lucília foi fundado em 01 de agosto de 1990, renomeado por Lei sob o número 761/2007, de 17 de setembro de 2007, e está localizado em Arraias, no sudeste do estado de Tocantins, na Rua 20, Quadra 23, Lote 14, Setor Parque das Colinas.
Essa escola atende crianças na faixa etária de um a cinco anos de idade, funcionando com as turmas maternal I (matutino, vespertino e integral), maternal II (matutino, vespertino e integral) pré I e II (matutino e vespertino).
O Projeto Político Pedagógico (PPP) do CMEI Irmã Lucília tem como base teórica os estudos de Celéstin Freinet, Piaget e Vygotsky. De acordo com esse documento, a escola prima pelo respeito ao indivíduo e às suas diferenças; o desenvolvimento de uma consciência critica acerca do mundo; a autonomia com responsabilidade; a descoberta do novo, a busca natural por respostas; experiências lúdicas, alegres, engraçadas e que respondam a curiosidade e invenção da criança. Diante do exposto, pode-se observar que os princípios norteadores do PPP têm como foco principal o bem estar da criança pautada na relação ensino-aprendizagem.
O CMEI Irmã Lucília possui oito salas de aula, uma biblioteca com acervo bibliográfico e mobiliário que, segundo o PPP são insuficientes para o atendimento à comunidade escolar. Conta ainda com uma sala para professores e coordenadores pedagógicos, uma sala para a secretaria e outra para a direção, um almoxarifado, uma cozinha com depósito para alimentos, um pátio coberto e três áreas de circulação interna, dois banheiros amplos e adaptados para alunos com deficiência física, três banheiros para funcionários, uma área de serviço.
2.3 A observação das aulas
A observação das práticas cotidianas da professora foi realizada durante duas semanas, no período vespertino, na turma do Pré I da educação infantil que atende crianças entre 4 e 5 anos de idade. A turma era composta por 21 alunos. Trata-se da única escola pública de educação infantil na cidade de Arraias-TO.
No período de observação do ambiente escolar e das aulas da professora regente, foram feitos registros em diário de campo. A partir desses registros, foram destacados alguns fatos marcantes observados durante as duas semanas, como a relação afetiva em sala de aula, o cuidado com as crianças, seu compromisso com a educação de qualidade e entre outros aspectos.
Durante esse tempo, foi notório o quanto a professora fazia questão de receber seus alunos na chegada sempre muito carinhosa com os pequenos, distribuindo beijos e abraços entre eles. Com essa manifestação diária de afeto, percebemos que as crianças se sentiam mais valorizadas, amadas, contentes e, além de tudo, acolhidas no ambiente escolar.
Em todas as atividades propostas pela professora, tais como, interpretação oral, leitura de imagem e o alfabeto, notou-se que as crianças se esforçavam para realizá-las corretamente e como recompensa do acerto recebiam abraços da professora. Nesse momento ficou evidente para nós como havia um vínculo afetivo muito forte entre a professora e seus alunos, pois as crianças buscavam realizar as atividades com entusiasmo e interesse, culminando em aprendizagem para eles e deixava a professora satisfeita.
Observamos ainda que os alunos tinham muito respeito e admiração pela professora, todo o relacionamento consistia em equilíbrio, pois foram estabelecidas regras de convivência, por exemplo, se desculpar se magoar ou machucar o colega, pedir licença, não gritar e não desrespeitar a professora. Tais limites eram propostos pela professora de modo amável, e no caso de descumprimento, ela chamava a criança para conversar em particular a respeito.
2.4 Caracterização da turma observada
A turma era composta por 21 crianças, alunos muito comunicativos, que adoravam relatar fatos de sua vivência cotidiana. A professora fazia questão de dialogar com cada um deles sobre seus relatos dentro e fora do ambiente escolar, dando-lhes atenção e confiança, o que acreditamos refletir diretamente no sentimento de segurança em estar na sala de aula.
Durante a observação notou-se que se tratava de uma turma agitada A organização do espaço físico da sala de aula era minimamente cuidada pela professora, com alfabeto ilustrado, sequência numérica e atividades realizadas pelas crianças fixadas nas paredes. Organizado de acordo com as necessidades da turma.
3. A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO EM UMA TURMA DO CMEI IRMÃ LUCÍLIA
Durante o período de observação, todos os dias, a professora se preocupava em organizar as carteiras de tal forma que os alunos que possuíam mais dificuldade na realização das atividades se sentassem na frente da sala, próximos à mesa dela. Observamos, com essa atitude, seu compromisso com a turma, a preocupação em oferecer uma educação de qualidade para que todos terminassem o ano com o mesmo nível de conhecimento.
O recreio que acontece após o horário do lanche, com aproximadamente 15 minutos de duração, é um momento de descontração, com brincadeiras dirigidas ou livres. As crianças se aproximavam da professora a todo momento para conversar, brincar ou abraçá-la, inclusive ex-alunos. Em um desses momentos, a pesquisadora perguntou a uma aluna se ela gostava do ambiente escolar e da atual professora. A criança respondeu: “amo minha professora; quando não venho para creche eu fico muito triste”. Ficou evidente nessa fala a presença da relação afetiva entre a aluna e a professora. A professora é vista pelas crianças como uma espécie de amiga preferida no espaço escolar, pois ela priorizava sempre o amor ao próximo e a boa convivência dentro da sala de aula.
A professora sempre se mantinha atenta aos problemas vivenciados por seus alunos dentro e fora do ambiente escolar. Com postura cuidadosa, ela estava sempre atenta para perceber algum tipo de conflito e procurava a melhor maneira de ajudar as crianças, mantendo sempre o diálogo entre família e escola.
Pôde-se observar que além dos conteúdos obrigatórios, seus planos de aula eram flexíveis e ela trabalhava fatos ocorridos durante as aulas como, por exemplo, a importância do “perder e ganhar”. Em um dado momento, observamos que uma aluna chorou muito por ter perdido no jogo pedagógico proposto para a turma. Para ajudá-la a ficar mais tranquila e a não dar tanta importância para a perda no jogo, a professora contou uma história e deu alguns exemplos que ajudaram a criança a superar esse momento.
A partir desse fato, destacamos que os educadores precisam ter sensibilidade para observar quando as crianças estão passando por algumas dificuldades familiares e quando possuem alguma dificuldade de convivência. Infere-se que utilizando a amizade e o afeto, o educador tem a possibilidade de dialogar com a criança e com a família na resolução do problema, para que esses não interfiram no desenvolvimento e na aprendizagem.
Em outra ocasião, observamos que em nenhum momento os alunos se sentiram inseguros ou constrangidos ao fazerem perguntas à professora em relação às atividades propostas por ela. Percebe-se assim que se não houvesse essa construção afetiva e acolhedora, os alunos poderiam se sentir retraídos e, consequentemente, ao não se expressarem, não tirariam suas dúvidas, o que poderia diminuir a possibilidade de aprendizagem. Essa proximidade entre aluno-professor faz com que a criança se sinta confiante e encorajada na execução das atividades.
Durante a observação, foi possível perceber que a professora desenvolvia bem o seu trabalho pedagógico juntamente com a turma e era muito próxima da turma, com olhar e ouvidos atentos sempre. De fato, seu comprometimento com uma educação de qualidade se tornou essencial para o desenvolvimento escolar e afetivo das crianças. E para finalizar a semana observamos que ela realizou um cineminha, com filmes de curta metragem infantis que as crianças gostavam, acompanhados de pipoca e suco. As atividades prazerosas que a professora realizou, além de contribuírem amplamente para o processo educacional, certamente marcam a vida escolar da turma como uma experiência positiva e motivadora.
4. O QUE DIZEM OS SUJEITOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA QUANDO QUESTIONADOS SOBRE O TEMA AFETIVIDADE?
4.1 A fala da professora
A professora observada e entrevistada possui o curso Normal Superior e é pós graduada em Educação infantil. Foi feita uma única entrevista com a professora, de forma semiestruturada para procedermos à análise acerca das relações observadas na sala de aula entre professora e alunos, analisando o envolvimento dos alunos durante as aulas, o desenvolvimento da aprendizagem a partir dessa relação e a importância da afetividade nesse contexto.
As aulas desta professora foram observadas durante duas semanas, em uma turma do Pré I “E” vespertino, onde a professora leciona. A entrevista foi realizada após o término do período de observação e ao longo do desenvolvimento desse trabalho foram realizadas várias tentativas de entrevistá-la, mas por motivos maiores, como compromissos inadiáveis da professora, somente na terceira tentativa a entrevista foi finalmente realizada. As perguntas obedeceram a uma estrutura pré-formulada, formada por seis questões estruturadoras. Além das questões pré-elaboradas, no decorrer da entrevista outras informações foram sendo acrescentadas à conversa como forma de enriquecimento do trabalho.
Em um determinado momento da entrevista, a professora se referiu à importância de manter a relação de respeito dentro da sala de aula, buscando trabalhar sempre em duas vertentes, como limites e amor, para assim alcançar todos os objetivos pretendidos. Segundo a professora:
[…] eu trabalho em duas vertentes, limites e amor, não é somente amor e deixar a criança fazer tudo que deseja, tem limites para tudo. Mas o princípio básico de tudo é o amor que faz chegar lá, a gente consegue o aprendizado do aluno partindo pelo amor, não só com as crianças, mas na vida também.
Ao falar de afetividade, a professora enfatizou que trata-se de se preocupar com o aluno e também de impor regras e limites, tais como: respeitar os direitos do outro e conhecer direitos e deveres. Tal cuidado favorece sua constituição como indivíduo. Nota-se em sua fala referências de autores como Wallon (1968), Vygotsky (1993) e Piaget (1975), que tratam dessa temática.
Segundo relatado pela professora, ela deseja estar sempre presente na vida e no cotidiano dos seus alunos, buscando sempre saber sobre a realidade familiar de cada um, para assim tentar entender as dificuldades apresentadas no processo de ensino e aprendizagem.
Segundo Piaget (1975), é incontestável que o afeto desempenha um papel essencial no funcionamento da inteligência. Além disso, o desenvolvimento psíquico da criança dá-se através do meio social em que ela convive. Autores como Wallon (1968) observam que através das emoções que se unem a criança ao meio social.
A todo tempo a professora ressaltou a importância da relação professor-aluno. Para ela, ser lembrada e reconhecida como uma professora que ensinou através do afeto estabelecido em sala de aula é de suma importância em sua prática docente. Em uma de suas fala ela destaca tamanha importância da valorização da criança e o reconhecimento do seu trabalho:
O preocupante não é só ensinar o ABC para criança e sim deixá-la feliz, valorizada, e saber que ela vai voltar e que vai falar para a sua mãe que ama a tia Lia, assim ela vai perceber aquele cuidado, aquele carinho que a gente tem com a criança.
A relação professor-aluno, por sua natureza antagônica, oferece riquíssimas possibilidades de crescimento, visto que propicia confiança e respeito pelo profissional, culminando em aprendizagem para os alunos e melhor desenvolvimento das aulas, beneficiando ambas as partes (ALMEIDA, 2001).
A professora acredita que a afetividade tem total influência no processo de ensino e aprendizagem e que a ausência desse afeto pode influenciar negativamente no desenvolvimento integral da criança, conforme observado por ela durante a entrevista. Nesse sentido, de acordo com Piaget (1975), “cada um dos personagens do meio ambiente da criança ocasiona em suas relações com ela, uma espécie de esquema afetivo, isto é, resumos ou moldes dos diversos sentimentos sucessivos que esse personagem provoca” (PIAGET, 1975, p.226).
Considerando que a afetividade é amplamente responsável pelo desenvolvimento da aprendizagem, destacamos que as relações afetivas provocam maior interesse entre as crianças, melhoram o desempenho escolar e despertam maior atenção delas durante as aulas.
4.2 A fala da coordenadora pedagógica
A coordenadora é graduada em pedagogia, com ênfase em supervisão escolar, e pós graduada na área da gestão escolar. Assim como com a professora, a entrevista com a coordenadora foi feita de forma semiestruturada, tratando também sobre o tema afetividade e aprendizagem e a relação professor-aluno.
Após autorização da diretora, o primeiro contato com a coordenadora foi para convidá-la a colaborar com a pesquisa e, em seguida, a assinatura do termo de autorização para a utilização das informações obtidas. A coordenadora se disponibilizou para a realização da entrevista a qualquer momento.
As perguntas obedeceram à mesma sequência e estrutura de uma entrevista semiestruturada, que se trata de uma estrutura pré-formulada, também formada por seis questões, sendo elas pré-elaboradas no decorrer da entrevista para que outras informações fossem captadas, como forma de enriquecer o trabalho. Um dos objetivos da entrevista foi compreender a importância da afetividade no processo de ensino e aprendizagem da criança e como ela avaliava o trabalho realizado pela professora da instituição nesse aspecto.
Em sua fala, a coordenadora destacou a importância da afetividade para a adaptação das crianças nos primeiros dias na escola, pois, para ela, tal afeto é de suma importância nesse contexto. Destaca a coordenadora que:
Quando a criança chega à creche, ele está saindo de casa, deixando os pais, então para eles isso chega a ser um impacto muito grande, essa separação da família para passar um período na escola. Então nós temos que ser bem receptivos, para que eles possam se sentir a vontade, temos que dar carinho, conversar muito e dar atenção a elas.
Nos anos iniciais da criança, a afetividade se torna imprescindível, pois é o primeiro contato da criança com o ambiente escolar, tudo se torna novo e diferente da sua vida familiar, o que poderá gerar medo e insegurança na escola. Somente a escola, juntamente com o professor e a família, poderão romper com aspectos negativos que possam surgir, transformando-os em estímulo para a aprendizagem.
Ao falar sobre a importância da afetividade, a coordenadora ressaltou acreditar na sua influência no processo de ensino e aprendizagem, chegando a concordar com Piaget (1997), destacando que a afetividade é o motor ou o freio da inteligência. O intelectual e o afetivo são estreitamente encaixados e devem ser aceitos e educados como tal.
Em umas das perguntas da entrevista, ao tentar apreender mais informações que nos levasse a compreender melhor a afetividade demonstrada pela professora investigada, a coordenadora afirmou que naquele ambiente escolar havia professores que as crianças adoravam e falou sobre uma professora em especial. Ela não chegou a revelar o nome da mesma, mas afirmou que tal professora era admirada e adorada pelas crianças, destacando que as crianças adoravam passar o tempo do intervalo próximo a tal professora, coincidindo com os registros que fizemos no diário de campo sobre esse apego com a professora pesquisada. Isso nos fez acreditar que tanto a coordenadora quanto a pesquisadora estavam se referindo à mesma pessoa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A finalidade primordial deste trabalho foi expor uma discussão teórica acerca da afetividade e mostrá-la como um aspecto que facilita o processo de ensino e aprendizagem, de acordo com a realização do estudo bibliográfico sobre vários autores clássicos e contemporâneos, bem como a realização da pesquisa de campo.
O estudo destaca que o trabalho educativo em sala de aula deve valorizar as relações afetivas entre adultos e crianças de modo que os conflitos sejam amenizados, evitando assim o comprometimento do processo de ensino e aprendizagem e que cabe ao professor conhecer e compreender os aspectos afetivos da dimensão humana de tal forma que seja possível conhecer e intervir nas práticas que considerem a complexidade da psique humana e suas relações com a afetividade.
Foi evidente encontrar nos depoimentos, tanto da professora quanto da coordenadora, referências ao respeito, à colaboração, à valorização de cada um e o desejo de compreender o outro, tomando as pessoas e os acontecimentos como são, aprendendo-os como necessários, a fim de que possam promover uma aprendizagem significativa.
Acreditamos, portanto, que a afetividade é uma parte importante no processo de formação de todo ser humano. Sendo assim, torna-se imprescindível que o educador tenha consciência do quanto os sentimentos e a relação de afetividade são importantes para o desenvolvimento da criança, pois a sua influência se torna indispensável para a formação integral da criança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1968.
YIN, Robert. Estudo de caso, planejamento e métodos. Porto Alegre-RS: Bookman, 2015.
ZABALZA, Miguel A. Qualidade em educação infantil. São Paulo: Artmed, 2007.
ANEXOS
ANEXO A – Roteiro de entrevista semiestruturada realizada com a professora
1- Qual a sua formação?
2- Como é o seu relacionamento com a turma? Como você se aproxima das crianças?
3- Como professora, você se envolve nas dificuldades vivenciadas por seus alunos em seu cotidiano? Como isso ocorre?
4- Fale um pouco sobre a sua relação com os alunos no aspecto afetivo.
5- Você acredita que afetividade influencia no processo de ensino e aprendizagem do aluno? Fale um pouco sobre isso.
6- Quais dicas você para daria para um profissional que estivesse começando?
ANEXO B – Roteiro de entrevista semiestruturada realizada com a coordenadora pedagógica
1- Qual é a sua formação?
2- Que avaliação você faz sobre a afetividade na educação infantil?
3- A partir de sua experiência profissional, você acredita que a afetividade possa influenciar no processo de ensino e aprendizagem? De que maneira? Fale-me um pouco sobre isso.
4- Com o trabalho que realiza na escola como coordenadora, você percebe se há alguma(s) professora(s) que se preocupa(m) mais com essa questão da afetividade com as crianças pequenas? Se sim, você poderia nos falar um pouco sobre o trabalho que ela(s) realiza(m) e o que lhe chama a atenção nessa(s) profissional (is)?
5- Há algo sobre o tema afetividade que eu não mencionei e que você gostaria de comentar um pouco mais?