MILITARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL:IMPLICAÇÕES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS – UM ESTUDO NO COLÉGIO CALDAS MARQUES, EM PENALVA/MA, 2024

MILITARIZATION OF PUBLIC EDUCATION IN BRAZIL: IMPLICATIONS, CHALLENGES, AND PERSPECTIVES – A STUDY AT CALDAS MARQUES SCHOOL IN PENALVA/MA, 2024

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11410157


Amarildo Silveira Pereira1
Tutor: Professor Doutor Javier Numan Caballero Merlo2


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a militarização da educação pública no Brasil, com foco nas escolas cívico-militares, investigando suas implicações, desafios e perspectivas. Originada da dissertação em fase final de elaboração com previsão de apresentação em julho de 2024, no contexto do programa de Mestrado em Educação da Universidade Autônoma de Assunção, este estudo tem como propósito primordial examinar a satisfação dos professores e alunos do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, no ano de 2024. A delimitação teórico-metodológica do estudo compreendeu a utilização de questionários dirigidos aos professores e alunos do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho. Esta pesquisa está inserida na esfera do modelo de gestão compartilhada civil-militar, um sistema educacional que visa integrar métodos de ensino civis e militares para promover uma formação completa dos discentes. Diante da ampla adoção desse modelo em várias instituições de ensino no Brasil, tornou-se fundamental investigar os efeitos e a receptividade dos diversos atores envolvidos, oferecendo elementos para uma análise crítica e fundamentada sobre suas vantagens/desvantagens e desafios. A análise revelou que a militarização da educação pública no Brasil reflete uma abordagem específica para a gestão escolar, pautada em princípios como disciplina, hierarquia e valores militares. As escolas cívico-militares surgem como uma alternativa para promover a qualidade e a segurança nas instituições de ensino, além de buscar o fortalecimento da formação cívica e moral dos estudantes. Contudo, essa modalidade de ensino também enfrenta críticas e preocupações, especialmente no que diz respeito aos princípios democráticos e aos direitos individuais dos alunos. A imposição de regras rígidas e a supressão de manifestações individuais podem gerar questionamentos sobre a liberdade e a diversidade no ambiente escolar. A revogação do Decreto nº 10.004, que instituía o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, por meio do Decreto nº 11.611, representa uma mudança significativa na política educacional brasileira. Esta medida demonstra uma reavaliação das estratégias adotadas anteriormente e uma preocupação com a garantia de uma educação pública pautada nos princípios democráticos e na promoção da emancipação dos estudantes.

Palavraschave: Militarização da Educação, Escolas Cívico-Militares, Políticas Educacionais, Democracia.   

Abstract

This article aims to analyze the militarization of public education in Brazil, focusing on military-civil schools, investigating their implications, challenges, and prospects. Originating from a dissertation in its final stage of preparation with a presentation scheduled for July 2024, within the context of the Master’s Program in Education of the Universidad Autónoma de Assunção, this study aims to examine the satisfaction of teachers and students of the 9th grade of the Military College 2 de Julho – Unit XIX – Caldas Marques, in the year 2024. The theoretical-methodological delimitation of the study involved the use of questionnaires directed to teachers and students of the 9th grade of the Military College 2 de Julho. This research is inserted into the sphere of the civil-military shared management model, an educational system that aims to integrate civilian and military teaching methods to promote a comprehensive education of the students. Faced with the widespread adoption of this model in various educational institutions in Brazil, it became essential to investigate the effects and receptivity of the various actors involved, providing elements for a critical and informed analysis of its advantages and challenges. The analysis revealed that the militarization of public education in Brazil reflects a specific approach to school management, based on principles such as discipline, hierarchy, and military values. Military-civil schools emerge as an alternative to promote quality and safety in educational institutions, as well as to seek to strengthen the civic and moral education of students. However, this type of education also faces criticism and concerns, especially regarding democratic principles and the individual rights of students. The revocation of Decree No. 10,004, which instituted the National Program of Military-Civil Schools, through Decree No. 11,611, represents a significant change in Brazilian educational policy. This measure demonstrates a reassessment of previously adopted strategies and a concern with ensuring a public education based on democratic principles and the promotion of student emancipation.

Keywords: Militarization of Education, Military-Civil Schools, Educational Policies, Democracy.

1. Introdução

A presente investigação, derivada da dissertação em processo de finalização com previsão de defesa em julho de 2024, no âmbito do programa de Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias de la Educación y la Comunicación da Universidad Autónoma de Asunción, tem como objetivo principal avaliar a satisfação dos professores e estudantes do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, no ano de 2024. Este estudo se insere no contexto do modelo de gestão compartilhada civil-militar, um sistema educacional que busca integrar práticas pedagógicas civis e militares para promover uma formação integral dos alunos. Com a crescente implementação desse modelo em diversas instituições de ensino no Brasil, tornase essencial investigar os impactos e a receptividade dos diferentes agentes envolvidos, fornecendo subsídios para uma análise crítica e informada sobre suas contribuições e desafios.

As preocupações deste estudo estão voltadas para a análise da satisfação dos professores e alunos do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, localizado em Penalva/MA, durante o ano de 2024, no contexto de uma gestão compartilhada civil-militar. Esta análise considerou os aspectos pedagógicos, administrativos e socioemocionais presentes na instituição de ensino.

A pesquisa foi delimitada para investigar o contexto educacional do município de Penalva, no estado do Maranhão, Brasil. Penalva apresenta características socioeconômicas específicas que influenciam diretamente o seu sistema educacional. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024), a taxa de escolarização de crianças entre 6 e 14 anos em 2010 era de 97,8%, enquanto o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) para os anos iniciais do ensino fundamental na rede pública, em 2021, foi de 4,7 e, para os anos finais, foi de 4,3.

O Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques foi escolhido como objeto de estudo devido ao seu contexto específico de gestão compartilhada civil-militar, permitindo uma análise aprofundada dos aspectos pedagógicos, administrativos e socioemocionais sob essa abordagem. 

Conforme Santos (2020), a metodologia de um trabalho acadêmico inicia-se com a definição do objetivo geral a ser alcançado, juntamente com os objetivos específicos. A partir disso, delineiamse as etapas e os resultados alcançáveis, que em conjunto estabelecem o que se pretende alcançar e quais métodos e estratégias serão utilizados pelo pesquisador.

Assim, a delimitação teórica-metodológica da pesquisa envolveu a aplicação de questionários aos docentes e discentes do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho. Optou-se por utilizar uma amostra intencional, a qual, segundo Santos (2018), é caracterizada pela seleção deliberada da população a ser estudada pelo pesquisador, especialmente em circunstâncias específicas. Em determinadas situações de pesquisa, é comum recorrer a amostras não probabilísticas, com destaque para a amostra intencional. Nesse contexto, o pesquisador identifica e seleciona uma amostra capaz de fornecer as informações necessárias para o estudo:

Essa metodologia se refere a pesquisas com sujeitos que participam de uma ação […] As técnicas de amostragem não probabilística são intencionais e não intencionais. Realizamse entrevistas com grupos de sujeitos escolhidos pelo investigador por serem representantes de uma população em particular (Santos, 2018, p. 31).

Para fundamentar a análise crítica, foram consideradas as contribuições teóricas de autores como Santos e Alves (2022), Rosa (2022),entre outros das áreas de educação, sociologia, psicologia, pedagogia e gestão escolar. Essas contribuições abordam desde o panorama nacional da militarização da educação pública no Brasil até o impacto da disciplina e da vigilância nas escolas militarizadas, proporcionando um arcabouço teórico robusto para a análise proposta.

Destaca-se que a investigação proposta visa preencher lacunas existentes na compreensão da satisfação de professores e alunos dentro do modelo de gestão compartilhada civil-militar. A análise detalhada dos aspectos pedagógicos, administrativos e socioemocionais no contexto específico do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, em Penalva/MA, busca contribuir para uma avaliação crítica da eficácia e dos desafios desse modelo de gestão.

Espera-se que os resultados deste estudo proporcionem subsídios importantes para a reflexão sobre a implementação e os impactos do modelo de gestão compartilhada em instituições de ensino similares. Ao evidenciar a satisfação dos agentes educacionais envolvidos, o artigo poderá oferecer recomendações práticas para a melhoria das práticas pedagógicas e administrativas, contribuindo para a formulação de políticas educacionais mais eficazes. Dessa forma, a pesquisa não apenas adiciona conhecimento ao campo da educação, mas também pode influenciar positivamente a qualidade do ensino em contextos civis e militares.

Problemática da pesquisa

As escolas militares no Brasil possuem uma história extensa e significativa, remontando ao período colonial. Contudo, a militarização das escolas públicas é um fenômeno recente e controverso, adotado por alguns governos estaduais e municipais com o objetivo de melhorar o desempenho acadêmico e a disciplina dos alunos.

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), criado durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, foi instituído com a justificativa de aprimorar a qualidade da educação básica por meio de um modelo de gestão compartilhada entre civis e militares nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa, contando com a adesão “voluntária” de estados, municípios e Distrito Federal.

Esse programa tinha como público-alvo escolas em situação de vulnerabilidade social e com baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). De acordo com o Ministério da Educação do governo Bolsonaro, o objetivo era implementar 216 escolas cívicomilitares até 2023, das quais 203 já estavam em funcionamento e 89 em fase de implantação (Wanderley Junior, 2021).

Entretanto, esse modelo foi alvo de críticas de pesquisadores, entidades de classe, parte significativa da sociedade e educadores, que questionaram seus fundamentos pedagógicos, políticos e sociais. Entre os principais argumentos contrários à militarização das escolas públicas estavam a violação do princípio da gestão democrática da educação, garantido pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ao transferir parte da administração escolar para agentes externos à comunidade educativa, e a submissão de professores e estudantes a uma hierarquia rígida e autoritária. Além disso, destacava-se a imposição de uma cultura militarizada que valoriza a disciplina, o respeito à ordem, o trabalho em equipe e a higiene corporal como qualidades não cognitivas dos alunos, em detrimento da autonomia, da criatividade, da diversidade e da criticidade.

Os críticos, incluindo diversos pesquisadores, apontam a ausência de evidências concretas que confirmem a eficácia do modelo militarizado na melhoria da qualidade da educação pública. Eles argumentam que as vantagens observadas nas escolas militarizadas, como processo seletivo rigoroso, maior orçamento, melhor infraestrutura, maior número de profissionais e menor exposição à violência, não são decorrentes da militarização em si, mas de condições privilegiadas. Também é destacada a perpetuação de uma lógica excludente e segregacionista que reforça as desigualdades sociais e educacionais entre as escolas públicas e entre os estudantes de diferentes classes, raças, gêneros e orientações sexuais.

Por outro lado, os defensores do modelo afirmam que a militarização das escolas públicas visa melhorar a qualidade da educação, especialmente em regiões com alta vulnerabilidade social e baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Eles sustentam que o modelo promove valores como disciplina, respeito, hierarquia, patriotismo e civismo entre estudantes, professores e gestores, o que contribuiria para a redução dos índices de violência, evasão escolar, indisciplina e uso de drogas, criando um ambiente mais seguro e propício para o aprendizado. Além disso, argumentam que a gestão compartilhada entre o corpo docente e uma equipe militar, atuando nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa, seria benéfica.

No contexto da pesquisa, emergiu uma problemática decorrente do confronto entre defensores e opositores do modelo cívico-militar. Esse embate envolve professores, estudantes, membros da equipe escolar e a comunidade em geral, levantando questões sobre um paradigma educacional que compromete a autonomia pedagógica, perpetua uma cultura autoritária e repressiva entre os estudantes, negligencia a diversidade, desvaloriza os profissionais da educação e viola os direitos humanos.

Considerando esses aspectos, a análise da satisfação de professores e alunos no contexto educacional revelou-se relevante para compreender os fatores que influenciam o processo de ensino-aprendizagem e a qualidade da educação. No caso das escolas militarizadas, esse tema assume ainda mais importância, pois aborda questões de disciplina, hierarquia, valores e identidade que podem impactar de maneira positiva ou negativa a relação entre os agentes educacionais.

Neste contexto, o estudo propôs examinar criticamente a satisfação de professores e alunos do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, na cidade de Penalva – MA, uma escola que adotou o modelo de gestão cívico-militar, em relação ao processo de aprendizagem e ao desenvolvimento educacional, didático-pedagógico e administrativo, visando aprimorar a qualidade do ensino.

A pesquisa teve como objetivo quantificar o percentual de satisfação ou insatisfação em cada item abordado nos questionários, investigando fenômenos sociais e educacionais. Para isso, foram utilizados questionários fechados, respondidos por docentes e discentes do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques.

Ao final do estudo, buscou-se responder aos seguintes questionamentos: Qual é o nível de satisfação de professores e estudantes do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques em relação ao modelo de gestão compartilhada civil-militar, segundo o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM)?

Objetivo da investigação

O objetivo deste artigo, derivado da pesquisa de mestrado citada, é apresentar resultados quantitativos da análise quanto a satisfação de docentes e discentes do 9º ano no Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, situado em Penalva/MA, no ano de 2024, diante de uma gestão compartilhada cívico-militar, considerando os aspectos pedagógicos, administrativos e socioemocionais. 

1.1 Educação Militar no Brasil: breve histórico

Nos países ao redor do mundo, os exércitos historicamente desempenharam papéis políticos dentro dos Estados nacionais. No contexto do Brasil e de outros países latino-americanos, essa relação entre o Exército e a política adquiriu características peculiares ao longo do século XX, caracterizadas pelo fenômeno do militarismo. Esse termo abrange não apenas golpes militares e governos liderados por militares, mas também um conjunto de princípios, ações e valores militares que são estendidos para além das instituições castrenses, influenciando a sociedade e seu sistema político (Santos, 2016).

No Brasil, essa interação entre a política, o Exército e a sociedade é uma característica histórica.

No século XIX, o poder civil exercia um controle efetivo sobre as instituições militares, com o Legislativo debatendo e definindo políticas relacionadas ao orçamento, recrutamento e organização militar. No entanto, essa relação nem sempre foi harmoniosa, com exemplos como a criação de forças paramilitares vinculadas aos proprietários de terras, que buscavam garantir a ordem regional de forma independente das tropas regulares (Castro, 2002).

Até o século XIX, as instituições militares no Brasil enfrentavam um certo desprestígio entre a população e as elites. Diante desse contexto, Santos (2016) diz que a instituição militar buscou se profissionalizar e se aprimorar, expandindo seu sistema educacional e tornando seu ensino mais técnico. Esse movimento contribuiu para que jovens de diversas origens sociais tivessem acesso à carreira militar, reduzindo a aristocratização das forças armadas. Paralelamente, a instituição militar construiu uma autoimagem associada a valores como honestidade, patriotismo e imunidade à corrupção, afastando-se das elites parlamentares e buscando uma identificação com a população.

Com o decorrer do tempo, as intervenções militares passaram a ser encaradas como salvadoras e instauradoras da ordem social em questões como o progresso industrial, a abolição da escravidão e a moralização da política. Os ideais de lealdade, hierarquia, disciplina e patriotismo foram disseminados pela instituição militar como características intrínsecas aos militares, conquistando aceitação na sociedade (Castro, 2002).

O golpe militar de 1964 foi justificado pelas Forças Armadas como uma medida necessária para proteger a integridade dos militares diante da suposta ameaça representada pelo governo civil. Nesse contexto, a disciplina e a hierarquia foram utilizadas como argumentos para justificar a intervenção militar. Durante esse período, os militares ocuparam espaços políticos significativos, assumindo comandos em diversas instituições, o que lhes conferiu uma maior autonomia e poder de influência. No entanto, essa ascensão ao poder também foi marcada pelo uso de violência e transgressões dos direitos civis e sociais, incluindo práticas como tortura, cassação de mandatos e exílio de opositores políticos (Bandeira, 1964; Gullar, 2014).

Conforme Nogueira (2014), a identidade do Exército Brasileiro (EB) é notável em sua estrutura organizacional, que muitas vezes se assemelha a uma comunidade autônoma dentro da sociedade. O EB possui seus próprios Centros de Formação Profissional, sistema habitacional para os militares e uma ampla rede de assistência à saúde para militares e familiares, além de assistência religiosa. Um destaque é o Sistema dos Colégios Militares do Brasil (SCMB), que oferece educação para filhos de militares e, mais recentemente, para filhos de civis, evidenciando a independência relativa da instituição militar em relação à sociedade civil.

Em 1792, o Conde de Resende estabeleceu na cidade do Rio de Janeiro a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, tornando-se a primeira Escola Militar das Américas. A história da educação militar no Brasil está intimamente ligada ao desenvolvimento do Exército Brasileiro e à formação das Forças Armadas, cujas origens remontam à chegada da Família Real ao Brasil em 1808. Segundo Tavares (2008), o conceito moderno de Exército, conforme entendido nos padrões contemporâneos, surgiu no século XIX, consolidando-se no contexto brasileiro após a chegada da Família Real.

Em 1795, foi estabelecida a criação de uma Academia Militar dedicada exclusivamente à formação de oficiais da Arma de Infantaria. Essa iniciativa surgiu devido à inadequação dos alunos de infantaria às aulas ministradas na Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho.

Segundo relatos de Pirassinunga (1958), a nova academia, chamada Nova Academia de Aritmética, Geometria Prática, Fortificação, Desenho e Língua Francesa, foi fundada na Cidade do Rio de Janeiro em 1795.

Uma característica marcante da Nova Academia Militar era a rigidez no tratamento dos alunos, conforme estipulado em decreto pelo Conde de Resende em 20 de junho de 1797. Esse decreto determinava que qualquer estudante, independentemente de sua graduação, que faltasse às aulas sem justificativa seria suspenso de suas funções e encarcerado em uma fortaleza, recebendo apenas metade de seu soldo. A justificativa para tal medida residia na crença de que os recursos investidos pelo Estado na manutenção do Exército não deveriam ser desperdiçados com indivíduos incapazes ou prejudiciais, os quais, ao se entregarem aos vícios, não poderiam se submeter aos princípios da virtude, coragem, patriotismo e conhecimento (Pirassinunga, 1958).

Com a transição do Império para a República, uma parte da oficialidade do Exército começou a ser instruída na Escola Militar da Capital Federal (1889–1898), anteriormente conhecida como Escola Central desde 1858. Esta instituição de ensino, priorizando estudos de matemática e ciências físicas e naturais, relegou o treinamento militar profissional a uma posição secundária. Posteriormente, a Escola Militar da Capital Federal foi substituída pela Escola Militar do Brasil (1898–1905), mantendo as características de suas predecessoras (Rodrigues, 2008).

A criação da Real Academia Militar enfrentou diversos desafios, incluindo a falta de professores e materiais didáticos, altas taxas de reprovação, baixa quantidade de graduados e críticas crescentes à sua abordagem pedagógica excessivamente teórica e à falta de atividades práticas militares (Luchetti, 2006).

A dissolução da Real Academia Militar foi concretizada por meio do Decreto nº 2.116, de 1º de março de 1858, que estabeleceu a criação da Escola Central do Exército, também sediada na cidade do Rio de Janeiro. Como descrito por Motta (1998), a Escola Central do Exército, como sucessora da Real Academia Militar, passou a funcionar em dois locais distintos: na Praia Vermelha, voltada para a formação de oficiais militares, e no Largo de São Francisco, onde era concentrada a formação de engenheiros civis, representando o único centro desse tipo na época.

Os constrangimentos metodológicos e estruturais do presente estudo impedem uma exploração minuciosa de todos os aspectos dos estágios iniciais da instrução militar no Brasil. Contudo, buscou-se estabelecer um fundamento para entender o contexto histórico e as influências que delinearam o ensino militar no país. Tal compreensão histórica se revela essencial para uma análise crítica do estado contemporâneo da matéria, especialmente no que diz respeito à gestão compartilhada civil-militar nas escolas, objeto de estudo desta pesquisa.

1.2 Colégios militares no Brasil na contemporaneidade

Os Colégios Militares no Brasil, subordinados ao Exército Brasileiro, têm como principal propósito oferecer educação voltada para a Educação Básica, compreendendo o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Predominantemente frequentados por filhos de militares, essas instituições refletem as necessidades profissionais das famílias militares, proporcionando apoio preparatório e assistencial. A legislação brasileira, especificamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9394 de 20 de dezembro de 1996), regulamenta o ensino militar, permitindo a equivalência de estudos de acordo com as normas dos sistemas educacionais (Brasil, 1996).

O ingresso nos colégios militares é restrito aos dependentes de militares, sendo necessário passar por um processo seletivo anual que abrange do 6º ano do ensino fundamental até a 1ª série do ensino médio. Cerca de 22 mil candidatos, entre dependentes de militares e civis, concorrem às vagas a cada ano, sendo atendidos aproximadamente 14.500 alunos de ambos os sexos. O corpo docente dos Colégios Militares é constituído por civis e militares, integrantes do Magistério do Exército. Os militares são parte do Quadro Complementar de Oficiais do Magistério, enquanto os professores temporários são divididos em Oficiais Técnico Temporários e Prestadores de Tarefa por Tempo Certo, além de uma pequena porcentagem de professores em comissão (Rosa, 2022).

Os filhos e dependentes de oficiais das Forças Armadas têm acesso prioritário a essas vagas, e caso não sejam preenchidas por eles, é realizado um processo seletivo, geralmente por meio de provas, para admitir filhos de civis. A ênfase na natureza assistencial dessas escolas militares federais é destacada nos documentos disponíveis no site da Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército (DEPA), como evidenciado na Portaria nº 9.006 de 2018.

Segundo informações do DEPA, uma das principais missões das escolas militares federais é proporcionar uma educação fundamentada em “valores militares” aos filhos e dependentes de oficiais das Forças Armadas, os quais necessitam de uma escola com um projeto políticopedagógico consistente em suas diversas unidades. Isso se deve ao fato de que esses alunos frequentemente precisam se deslocar de uma escola para outra quando seus pais são transferidos para diferentes localidades para cumprir obrigações institucionais de suas respectivas corporações. Por exemplo, se um responsável pelo aluno é um oficial das Forças Armadas em missão militar em Manaus (AM) e é transferido para o Rio de Janeiro (RJ), seu filho poderá ser remanejado do Colégio Militar de Manaus para o Colégio Militar do Rio de Janeiro, minimizando assim os impactos negativos em sua trajetória acadêmica.

Um dos traços distintivos do ensino militar em relação ao civil é a ênfase em disciplina, patriotismo, civismo, hierarquia e ordem, seguindo um modelo tradicional de ensino. As escolas militares estabelecem regras rígidas em seu regimento interno, que devem ser seguidas pelos alunos, abrangendo desde questões relacionadas ao código de vestimenta até comportamentos sociais, como a proibição de namoro dentro das instalações do colégio. O desempenho dos alunos das escolas militarizadas em avaliações nacionais, como o ENEM e o IDEB, se mostraram positivos, contribuindo para a reputação dessas instituições como algumas das melhores em seus respectivos estados (Ferreira & Paro, 2017; Souza, 2019). Os Colégios Militares alcançaram um IDEB de 6,5, superando significativamente o índice das escolas estaduais, que foi de 4,1, destacando-os como modelos educacionais voltados para a excelência (Ferreira & Paro, 2017; Souza, 2019).

No entanto, a gestão democrática, preconizada como um dos princípios fundamentais na Constituição brasileira de 1988, representa um contraponto relevante à militarização da educação. Esse modelo de gestão, conforme delineado por Cury (2002), é caracterizado pela abertura na comunicação, pelo engajamento coletivo e pelo diálogo na formulação de decisões. Na gestão democrática da escola, como destacado por Libâneo (2008), a participação da comunidade escolar é fundamental, possibilitando a construção conjunta de metas e práticas educacionais, em um ambiente de interlocução e busca por consenso. Portanto, a militarização da educação pública representa uma ameaça aos princípios democráticos fundamentais, substituindo-os por uma cultura de conformidade rígida e hierarquia autoritária, que restringe a participação e a autonomia da comunidade escolar.

De acordo com Cabral (2018), a crescente quantidade de escolas militares de ensino fundamental e médio reflete não apenas o fortalecimento, mas também a expansão do autoritarismo por parte do Estado brasileiro. Sob essa análise mais abrangente, o surgimento de mais instituições militares de ensino básico também pode ser interpretado como um elemento da chamada “militarização da sociedade”.

Conforme apontado por Ferreira e Paro (2017), as instituições militarizadas enfatizam a disciplina e a hierarquia como pilares essenciais, refletindo os valores das organizações militares. A hierarquia é observada como uma forma de expressar respeito aos militares, funcionários civis, professores e autoridades em geral, tanto dentro quanto fora do ambiente escolar, independentemente do uso do uniforme. A disciplina é aplicada por meio de incentivos e sanções: alunos que se destacam academicamente recebem maior reconhecimento, enquanto aqueles que não alcançam os objetivos estabelecidos são encaminhados para atividades de reforço, fora do horário regular de aulas. Essa postura disciplinar, internalizada pelos alunos das escolas militarizadas, manifesta-se em sua adesão às normas da escola, da família e da sociedade, promovendo a busca por níveis satisfatórios de aprendizado e progressão na hierarquia escolar (Ferreira & Paro, 2017).

Observa-se que essas instituições de ensino geralmente contam com recursos humanos, como profissionais da educação, e até mesmo com infraestrutura física, como prédios, fornecidos pelas secretarias de educação. Em estados onde os recursos públicos são mais disputados, como nas unidades federativas, existe uma pressão para que as corporações não utilizem fundos destinados à segurança pública para financiar escolas militares de educação básica (Santos, 2022).

A militarização das escolas públicas no Brasil adotou abordagens diversas em cada unidade federativa, resultando em diferentes configurações de militarização. Embora o país esteja sujeito a um ordenamento jurídico nacional, cada estado pode promulgar suas próprias leis, desde que estejam em conformidade com a legislação federal (Brasil, 1988).

Essa variedade de abordagens decorre do fato de que cada ente federado busca estratégias específicas para contornar as normas nacionais de educação, o que frequentemente contraria os princípios estabelecidos pelo Artigo 205 da Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996. Esses princípios incluem a gratuidade, a gestão democrática, a qualificação dos profissionais da educação, a liberdade de ensinar e aprender, bem como a igualdade de acesso e permanência dos alunos (Brasil, 1988; 1996).

De acordo com Paro (2017), os estudantes que frequentam essas instituições são obrigados a seguir regras específicas e estão sujeitos a punições caso não as cumpram. No entanto, ao contrário das escolas convencionais, onde as punições geralmente envolvem suspensões, nas escolas militarizadas, os alunos são designados a realizar tarefas para corrigir suas transgressões. Algumas das infrações incluem desrespeitar o padrão militar em relação ao corte de cabelo e uniforme, usar esmaltes e acessórios chamativos, mascar chicletes, falar palavrões e utilizar gírias. Essas penalidades são cumpridas durante o período oposto às aulas regulares do aluno, dentro do ambiente escolar.

No cenário sociopolítico atual, surge a necessidade de examinar a interseção entre democracia e educação pública. Com a redemocratização do Brasil nas últimas décadas e a consequente democratização do ensino, é importante avaliar os progressos, retrocessos e desafios enfrentados pelo sistema educacional.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o acesso e a permanência dos alunos nas escolas públicas têm sido considerados avanços significativos nas políticas educacionais. No entanto, ao refletirmos sobre a finalidade da educação, conforme proposto por Adorno (1995), torna-se evidente que a mera presença do aluno na escola não garante sua formação emancipatória.

Apesar da democratização da sociedade brasileira ter promovido o acesso à educação em diversos níveis, não necessariamente resultou na formação de indivíduos capazes de exercer um controle consciente sobre suas vidas. Em outras palavras, não houve um desenvolvimento do senso crítico necessário para capacitar os indivíduos a influenciarem ativamente seu ambiente profissional, seus valores pessoais e padrões de comportamento (Zanotto, Scapinelli & Trevisol, 2023).

Segundo Adorno (1995), a verdadeira essência da democracia reside na existência de uma sociedade composta por indivíduos emancipados. Assim, uma democracia genuína não apenas existe, mas opera de acordo com seu conceito intrínseco, o que demanda cidadãos emancipados. O autor destaca que uma educação verdadeiramente democrática não se restringe à formatação de indivíduos ou à simples transmissão de conhecimentos, visto que essa abordagem pode ser considerada estéril. Pelo contrário, a educação democrática busca promover a formação de uma consciência autêntica, representando, portanto, uma demanda política. Em uma democracia eficaz, não há espaço para ideais que se contraponham à emancipação e à capacidade de decisão consciente de cada indivíduo, sendo considerados antidemocráticos aqueles que defendem tais ideais.

Com o intuito de atender às demandas conservadoras da Política Educacional, foi concebido o Programa de Escolas Cívico-Militares, que começou a ser estruturado no primeiro semestre de 2019 (Decreto nº 10.004, de 2019), por meio da criação da Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, incumbida de desenvolver e implementar um modelo de escola de alto padrão como projeto nacional, baseado nos padrões de ensino e modelos pedagógicos adotados pelos colégios militares (Brasil, 2019).

Considerando a semelhança com os princípios de uma política neoconservadora, é possível inferir que o Programa visou minimizar as perspectivas de realização de uma educação pública e democrática, justa e igualitária, bem como de emancipação – requisito essencial para a democracia. Portanto, tornou-se imprescindível identificar e analisar os elementos contraditórios presentes no Programa que contrariam os princípios democráticos.

Contudo, o Decreto nº 10.004 foi revogado pelo Decreto nº 10.611, de 2023, resultando na suspensão das diretrizes e ações propostas pelo Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) (Brasil, 2023). Emitido em 19 de julho de 2023, o Decreto nº 11.611 representa uma mudança significativa na política educacional brasileira ao revogar o Decreto nº 10.004, de 5 de setembro de 2019, que instituía o referido programa. Sob a gestão do Vice-Presidente da República, em exercício como Presidente da República, o novo decreto reflete uma decisão estratégica no âmbito da administração pública, fundamentada na legislação educacional, particularmente o artigo 8º, § 1º, da Lei nº 9.394/1996.

A revogação do Decreto nº 10.004, de 2019, representa uma mudança de direção nas políticas educacionais, indicando uma revisão das abordagens anteriores em relação ao modelo de escolas cívico-militares. O Ministério da Educação foi encarregado de desenvolver um plano de transição após a publicação do Decreto nº 11.611, em colaboração com as secretarias estaduais, distritais e municipais responsáveis pelas escolas vinculadas ao programa anterior. Essa medida objetivou garantir o encerramento ordenado das atividades reguladas pelo programa anterior, demonstrando uma preocupação com a transição suave e eficiente para todas as partes envolvidas.

1.3 Discussão dos dados empíricos

A análise dos dados obtidos nesta investigação proporcionou uma compreensão aprofundada das percepções dos docentes e discentes em relação à dinâmica da escola cívico-militar. Ao examinar e comparar os dados, buscamos identificar padrões e sutilezas que esclareceram como esses dois grupos percebem o ambiente escolar e a gestão implementada.

A amostra utilizada para esta pesquisa foi selecionada de forma a ser representativa do contexto específico do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, situado na cidade de Penalva/MA. Composta por 31 alunos do 9º ano no período da manhã, juntamente com 7 professores, ela nos proporcionou dados sobre as dinâmicas e percepções presentes nesse ambiente educacional. 

Durante esse processo analítico, foi essencial considerar uma variedade de conceitos-chave que permeiam a experiência escolar, como satisfação, motivação, clima escolar, relação professoraluno e gestão escolar. Cada um desses elementos desempenha um papel fundamental na percepção e na vivência dos indivíduos dentro da instituição educacional.

Após a análise dos dados provenientes dos questionários aplicados aos estudantes do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques, algumas conclusões relevantes podem ser inferidas acerca da satisfação desses estudantes em relação ao modelo de gestão compartilhada civil-militar.

Em primeiro lugar, observa-se uma diversidade de percepções entre os estudantes em relação ao modelo de gestão adotado pela escola. Enquanto alguns alunos demonstram elevados níveis de satisfação, indicando uma boa adaptação e aceitação do modelo, outros apresentam respostas mais neutras ou até mesmo insatisfação em relação a determinados aspectos.

Um aspecto destacado positivamente pelos alunos é a disciplina, que parece ser valorizada dentro do contexto da gestão compartilhada civil-militar. Muitos reconhecem a importância da disciplina para um ambiente de aprendizagem produtivo e percebem que o modelo contribui para manter um ambiente escolar mais organizado e focado.

Por outro lado, algumas áreas de preocupação também são perceptíveis. A comunicação entre os diferentes setores da escola, por exemplo, é citada como um aspecto que pode ser aprimorado. Alguns alunos expressam dificuldade em se sentirem ouvidos e compreendidos pela administração da escola, sugerindo que há espaço para melhorias nesse sentido.

Ademais, a percepção dos alunos sobre a qualidade das aulas ministradas no modelo de gestão compartilhada é variada. Enquanto muitos reconhecem aspectos positivos, como o compromisso dos professores e a variedade de métodos de ensino, outros demonstram insatisfação com certos aspectos, como a falta de diversidade de conteúdo ou metodologia.

Destaca-se que a satisfação dos alunos em relação ao modelo de gestão compartilhada civil-militar pode ser influenciada por uma série de fatores individuais, como experiências pessoais, expectativas e valores. Portanto, ao buscar melhorias e ajustes no modelo existente, é essencial considerar essas diversas perspectivas. Os dados coletados fornecem uma visão abrangente das percepções dos alunos do 9º ano do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques em relação ao modelo de gestão compartilhada civil-militar, destacando áreas de aceitação e desafios.

A partir da análise detalhada dos dados provenientes dos questionários aplicados aos professores, é possível extrair algumas conclusões importantes sobre a satisfação destes em relação ao modelo de gestão compartilhada civil-militar. Em geral, os professores expressam uma diversidade de percepções sobre o modelo adotado pela escola. Enquanto alguns demonstram alto nível de satisfação, ressaltando aspectos positivos como disciplina, eficiência administrativa e participação dos alunos em atividades extracurriculares, outros levantam preocupações e críticas.

Alguns professores apontam desafios na comunicação entre os diferentes setores da escola, sugerindo a necessidade de melhorias nesse aspecto para garantir uma maior eficácia na implementação do modelo. Além disso, há preocupações com a autonomia profissional e a participação nas decisões da escola, indicando uma possível insatisfação nesse sentido. Outra questão abordada nos dados é a percepção dos professores sobre a qualidade do ensino e o nível de aprendizagem dos alunos dentro do modelo de gestão compartilhada, onde algumas preocupações com as metodologias de ensino e avaliação do aprendizado são expressas.

Deve-se ressaltar que as percepções dos professores podem ser influenciadas por uma série de fatores, incluindo experiências pessoais, valores profissionais e expectativas em relação ao ambiente de trabalho. Portanto, é fundamental considerar essas perspectivas diversas ao analisar o modelo de gestão compartilhada civil-militar. Os dados coletados oferecem uma visão abrangente das percepções dos professores do Colégio Militar 2 de Julho – Unidade XIX – Caldas Marques em relação a esse modelo. Essas percepções variadas destacam áreas de sucesso e desafios, proporcionando conhecimentos para aprimorar a experiência profissional dos docentes dentro desse contexto específico.

Os dados provenientes dos questionários aplicados tanto aos estudantes quanto aos professores permitem traçar algumas conclusões importantes sobre a satisfação de ambos os grupos em relação ao modelo de gestão compartilhada civil-militar. Os resultados indicam que os estudantes têm percepções variadas sobre o modelo adotado pela escola. Enquanto alguns expressam satisfação com aspectos como disciplina, comunicação e participação em decisões importantes, outros demonstram insatisfação com determinados aspectos do modelo. Essas percepções refletem uma variedade de experiências e perspectivas dos estudantes dentro do contexto escolar.

Quanto aos professores, também são observadas opiniões diversas em relação ao modelo de gestão compartilhada. Alguns demonstram satisfação com a disciplina, a eficiência administrativa e o engajamento dos alunos, enquanto outros expressam preocupações com a comunicação entre os diferentes setores da escola, a autonomia profissional e a participação nas decisões. Ao comparar as percepções dos estudantes e dos professores, é possível identificar áreas de convergência e divergência. Ambos os grupos reconhecem a importância da disciplina e da participação dos alunos no ambiente escolar, mas divergem em questões como comunicação e autonomia profissional. Esta pesquisa ressalta a importância de considerar as perspectivas de ambos os grupos ao avaliar e aprimorar o modelo de gestão compartilhada civil-militar.

Apesar das aparentes respostas positivas dos alunos e professores em relação ao modelo de gestão compartilhada cívico-militar, pode-se adotar uma abordagem crítica para uma compreensão mais aprofundada dessas percepções aparentemente favoráveis. Ao analisar os dados coletados, tornase evidente a necessidade premente de explorar além das respostas superficiais e investigar os possíveis fatores subjacentes que podem influenciar essas opiniões.

Uma das principais preocupações que emergem ao examinar os resultados é a possibilidade de que os alunos se sintam coagidos a expressar uma satisfação superficial devido ao ambiente autoritário que pode prevalecer no contexto do colégio militar. O temor de retaliação ou punição por parte das autoridades militares pode levar os estudantes a adotar uma postura de conformidade, ocultando quaisquer insatisfações legítimas que possam ter em relação ao modelo de gestão. Essa dinâmica de poder desigual pode criar uma falsa impressão de consenso e contentamento, mascarando potenciais problemas subjacentes.

Além disso, é fundamental considerar o papel dos professores na perpetuação desse ambiente. É possível que alguns docentes, em busca de uma convivência mais harmoniosa e uma experiência profissional menos conflituosa, optem por não questionar ou desafiar abertamente o modelo de gestão cívico-militar. Essa possível acomodação por parte dos educadores pode resultar em uma falta de voz crítica dentro da instituição, contribuindo para a manutenção do status quo e a supressão do pensamento divergente.

Portanto, é imperativo que os resultados dessas análises sejam interpretados com um olhar crítico e reflexivo, levando-se em conta o contexto mais amplo em que as percepções foram formadas. Essas constatações sugerem a necessidade urgente de promover um ambiente escolar que valorize e incentive a expressão livre de ideias, o pensamento crítico e a diversidade de opiniões. Somente por meio de uma abordagem mais inclusiva e democrática é que podemos garantir uma educação de qualidade que verdadeiramente empodere os estudantes e prepare-os para enfrentar os desafios do mundo real.

Conclusões

Diante das análises realizadas neste estudo sobre a militarização da educação pública no Brasil, é possível observar que a implementação de escolas cívico-militares suscitou debates acalorados em diversos setores da sociedade. A partir da análise das políticas educacionais vigentes, foi identificado um contexto complexo, no qual se entrelaçam diferentes perspectivas e interesses.

As escolas cívico-militares representam uma abordagem específica para a gestão da educação, fundamentada em princípios como disciplina, hierarquia e valores militares. Esta modalidade de ensino é percebida como uma alternativa para promover a qualidade e a segurança nas escolas públicas, além de buscar o fortalecimento da formação cívica e moral dos estudantes.

Contudo, observa-se que a militarização da educação também suscita críticas e preocupações, especialmente no que se refere aos princípios democráticos e aos direitos individuais dos alunos. A imposição de regras rígidas, a ênfase na hierarquia e a supressão de manifestações individuais podem gerar questionamentos sobre a liberdade e a diversidade no ambiente escolar.

A revogação do Decreto nº 10.004, que instituía o Programa Nacional das Escolas CívicoMilitares, por meio do Decreto nº 11.611, representa uma mudança significativa na política educacional brasileira. Esta medida demonstra uma reavaliação das estratégias adotadas anteriormente e uma preocupação com a garantia de uma educação pública pautada nos princípios democráticos e na promoção da emancipação dos estudantes.

Diante desse panorama, é importante considerar os desafios e as oportunidades que se apresentam para o futuro da educação no país. Nesse sentido, faz-se necessário um diálogo amplo e democrático entre os diferentes atores envolvidos no processo educacional, visando à construção de um sistema de ensino inclusivo, equitativo e comprometido com o desenvolvimento integral dos estudantes.

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1 Penalva/MA, Brasil, professoramarildosilveira@hotmail.com

2 Tutor: Professor Doutor, Universidad Autónoma de Asuncion, PY. Javiernuman18@hotmail.com