A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR COMO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE PARA A ABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NO ÓRGÃOS DO PODER EXECUTIVO DE RONDÔNIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11406456


Marcos Aurélio Santos de Oliveira¹;
Andréia Alves de Almeida².


RESUMO

O presente estudo busca analisar a investigação preliminar no âmbito do direito administrativo, levantando a problemática concentrada na falta de normatização da Investigação Preliminar como juízo de admissibilidade para a abertura do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nas instituições públicas do Estado de Rondônia. Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo demonstrar que um procedimento investigatório malconduzido pode levar a inconsistências e/ou até mesmo à anulação do Processo Administrativo Disciplinar subsequente.  A investigação preliminar visa coletar elementos para verificar a existência de indícios suficientes que justifiquem a abertura de uma Sindicância ou um PAD. A Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) destaca a importância de uma base mínima de provas para evitar a instauração injustificada de investigações e processos. Assim, é importante assegurar o devido processo legal e evitar abusos, promovendo a eficiência e eficácia na administração pública. Utilizou-se o método dedutivo e descritivo, com base em fundamentos teóricos encontrados em pesquisas bibliográficas, como documentos públicos, livros, artigos científicos e dados da internet.

Palavras-chave: Investigação Preliminar; Processo Administrativo Disciplinar; Juízo de Admissibilidade; Regulamentação; Servidores Públicos; Rondônia.

ABSTRACT

The present study seeks to analyze the preliminary investigation within the scope of administrative law, raising the problem focused on the lack of standardization of the Preliminary Investigation as a judgment of admissibility for the opening of the Disciplinary Administrative Process (PAD) in public institutions in the State of Rondônia. In this sense, this research aims to demonstrate that a poorly conducted investigative procedure can lead to inconsistencies and/or even the annulment of the subsequent Administrative Disciplinary Process.  The preliminary investigation aims to collect elements to verify the existence of sufficient evidence to justify the opening of an Inquiry or a PAD. The Abuse of Authority Law (Law No. 13,869/2019) highlights the importance of a minimum basis of evidence to avoid the unjustified initiation of investigations and prosecutions. Therefore, it is important to ensure due legal process and avoid abuses, promoting efficiency and effectiveness in public administration. The deductive and descriptive method was used, based on theoretical foundations found in bibliographical research, such as public documents, books, scientific articles and internet data.

Keywords: Preliminary Investigation; Disciplinary Administrative Process; Admissibility Judgment; Regulation; Public Servants; Rondônia. 

INTRODUÇÃO

A investigação preliminar, no contexto do direito administrativo, configura-se como um procedimento essencial para a apuração de possíveis infrações cometidas por servidores públicos. Seu objetivo principal é reunir informações e evidências necessárias para a avaliação da necessidade de instauração de um processo administrativo disciplinar. No entanto, a ausência de uma regulamentação específica para esse procedimento no Estado de Rondônia destaca a relevância deste estudo, que busca preencher essa lacuna normativa e propor melhorias para o sistema de justiça administrativo estadual, oferecendo uma análise detalhada sobre a investigação preliminar e o juízo de admissibilidade, e sugerindo diretrizes para uma regulamentação mais efetiva e justa.

Desta forma, definiu-se uma problemática para o presente tema: Como a falta de normatização da Investigação Preliminar como juízo de admissibilidade para a abertura do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nas instituições públicas do Estado de Rondônia pode levar a inconsistências e/ou até mesmo à anulação do Processo Administrativo Disciplinar subsequente?

Para isso, este estudo se baseia na Portaria Normativa CGU nº 27, de 11 de outubro de 2022, na Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) e na Lei Complementar nº 068/92, bem como em outras legislações e doutrinas relevantes.

Pois, a Investigação Preliminar visa reunir informações necessárias à apuração de fatos nas hipóteses de não haver elementos de convicção suficientes para instauração de PAD, além de seguir basicamente os mesmos ritos da Sindicância Administrativa Investigativa (SAI), no entanto sem tanta formalidade e embora seja uma realidade na administração estadual rondoniense, muitas vezes encoberta em ambiguidade e falta de padronização e normatização. Isso levanta questões críticas sobre a eficácia, justiça e transparência do processo. Dada a sua importância e as implicações para os envolvidos, tornando imperativo investigar qual a normatização da investigação preliminar como um juízo de admissibilidade para abertura do Processo Administrativo Disciplinar nos Órgãos do Poder Executivo do Estado de Rondônia.   

Uma vez que, de acordo com a Lei Complementar nº 068, de 09 de dezembro de 1992, no âmbito dos Órgãos do Poder Executivo do Estado de Rondônia, há outro passo preliminar que atua como um filtro com o intuito de constatar a veracidade da denúncia ou a existência de irregularidades praticadas por servidores públicos, a chamada Sindicância Administrativa Investigativa, a qual traz mecanismo para decidir quais casos são dignos de avançar para o estágio do processo administrativo disciplinar, poupando tempo e recursos ao eliminar casos sem fundamento.

Assim, ao analisar a falta de normatização das aberturas de investigações preliminares para posterior instauração de processos administrativos disciplinares em desfavor de agentes públicos do Estado de Rondônia, percebe-se que há uma grande fragilidade na condução processual e posterior penalização dos responsáveis, haja visto que o Processo  Administrativo Disciplinar é uma das ferramentas mais eficazes para garantir a ética, transparência e responsabilidade nas ações de servidores públicos. O juízo de  admissibilidade representado pela investigação preliminar é, portanto, um passo crucial nesse processo, pois define quais casos são dignos de avançar para um PAD.

É importante destacar que a eficácia do processo administrativo disciplinar é crucial para a preservação da integridade nas instituições públicas, haja vista que a atuação dos agentes públicos pode ser tanto de uma forma regular quanto de forma irregular. Assim uma investigação preliminar bem conduzida serve como filtro inicial que tanto pode desencorajar práticas irregulares realizadas por agentes públicos, quanto permitir que outros sejam submetidos a um processo disciplinar desgastante e estigmatizante desnecessariamente.

O presente artigo será dividido em cinco capítulos, no primeiro capítulo intitulado “Investigação Preliminar e o Imprescindível Juízo de Admissibilidade” discute-se a importância da investigação como coleta de indícios de provas para abertura do Processo Administrativo Disciplinar. No segundo capítulo intitulado como:

“Investigação Preliminar no âmbito do Estado de Rondônia” buscou-se mostrar a lacuna na legislação estadual. No terceiro capítulo denominado: “Necessidade do Processo Legislativo para a Implementação da Investigação Preliminar de Modo Formal” traz a necessidade da regulamentação da investigação preliminar na esfera estadual. O quarto capítulo escrito como: “Regulamentação da Investigação

Preliminar com Garantia para evitar Instauração de Processo Apuratório Abusivo” trouxe a necessidade de indícios de provas suficientes para abertura do processo administrativo disciplinar, visando o cumprimento da Lei de Abuso de Autoridade. Já o quinto e último capítulo chamado: “Sindicância Administrativa e Processo Administrativo Disciplinar na Esfera Pública do Estado de Rondônia” aborda os procedimentos investigatórios e processuais regulamentados no estado rondoniense.  

A metodologia adotada para este trabalho é de caráter exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa, utilizando-se de revisão bibliográfica e análise documental. A pesquisa busca examinar a legislação vigente, a doutrina especializada e casos práticos para fundamentar a necessidade de regulamentação da investigação preliminar e do juízo de admissibilidade no Estado de Rondônia. A justificativa para este estudo está na importância de garantir a eficiência, a transparência e a justiça no tratamento das infrações administrativas, assegurando os direitos dos servidores e a correta aplicação das normas.

1 INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR E O IMPRESCINDÍVEL JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

 A investigação preliminar, no âmbito do direito administrativo, trata-se de um procedimento cujo objetivo é o levantamento de informações referentes à possível violação de deveres funcionais por parte dos servidores públicos. Portanto, desde que preenchidos determinados requisitos legais, ela poderá ensejar em instauração de processo administrativo disciplinar em face de servidores por atos comissivos ou omissivos no exercício das suas funções.

Dada a inexistência de texto normativo que regule a matéria no âmbito jurídico do Estado de Rondônia – justamente o objeto de discussão do presente trabalho – torna-se necessário, primacialmente, buscar definições em outros entes federados. Nesse sentido, especialmente, por meio da Portaria Normativa CGU nº 27, de 11 de outubro de 2022. Ipsis literis:  

Art. 40. A Investigação Preliminar Sumária – IPS constitui procedimento investigativo de caráter preparatório no âmbito correcional, não contraditório e não punitivo, de acesso restrito, que objetiva a coleta de elementos de informação para a análise acerca da existência dos elementos de autoria e materialidade relevantes para a instauração de processo correcional. Parágrafo único. No âmbito da IPS podem ser apurados atos lesivos cometidos por pessoa jurídica contra a Administração Pública e falta disciplinar praticada por servidor ou empregado público federal.

Durante uma investigação preliminar, o(s) servidor(es) designados, podem realizar oitivas, coletar documentos e adotar outras evidências pertinentes, como a realização de diligências in loco, por exemplo. O objetivo não é esgotar o esclarecimento da possível transgressão em questão, afinal de contas, isso se dará, caso necessário, no transcurso da futura sindicância ou processo administrativo disciplinar, em cognição exauriente. 

Portanto, o objetivo da investigação preliminar reveste-se em verificar, se há, de fato, o conjunto de elementos necessários ao juízo de admissibilidade, formado a partir da justa causa. Weinand (2021, p. 205) leciona que “Apesar de ser um conceito jurídico indeterminado, a justa causa, como visto, é tratada como a existência de um mínimo de provas para instauração de processo disciplinar”. 

A Lei de Abuso de Autoridade, nº 13.869/2019, prescreve que não apenas a

instauração de processo administrativo disciplinar sem fundamento constitui ilícito penal, mas a própria instauração de investigação também.

Art. 27.  Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: (Vide ADIN 6234) (Vide ADIN 6240) Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

(…);

Art. 30.  Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: (Promulgação partes vetadas)  

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

À investigação preliminar, imprescindível para a instauração de processo administrativo disciplinar, consoante texto normativo supracitado, também é imprescindível o mínimo de indícios, sob pena de responsabilização penal à autoridade que extrapolar os limites do exercício dos poderes nos quais se encontre investida. 

Ao examinar a Lei Complementar nº 68/1992 – Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Rondônia, constata-se que mesmo havendo o juízo de admissibilidade, nem sempre haverá a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em função da possibilidade de celebração de Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

Art. 192-A. Fica instituído o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC para fins disciplinares, cujo procedimento para a sua aplicação se dará nos termos desta Lei Complementar. (Redação dada pela Lei Complementar nº 993, de 24/08/2018).

Art. 192-B. O Ajustamento de Conduta não possui caráter punitivo e, sempre que cabível, poderá ser adotado, a qualquer tempo, como forma de compor a irregularidade ou infração. (Redação dada pela Lei Complementar nº 993, de 24/08/2018).

§ 1º. O Ajustamento de Conduta proposto ao servidor dispensa instauração de Sindicância Administrativa e de Processo Administrativo Disciplinar, exclui eventual aplicação de pena e leva em conta a possibilidade de melhora do agente e aperfeiçoamento do serviço, mediante a compreensão da transgressão por parte do infrator. (Redação dada pela Lei Complementar nº 993, de 24/08/2018).

Mesmo em sede de Processo Administrativo Disciplinar, onde o servidor é formalmente acusado, ainda assim, restará a possibilidade de celebração de Termo de Ajuste de Conduta com o órgão ou entidade ao qual se encontre subordinado. 

2 INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NO ÂMBITO DO ESTADO DE RONDÔNIA

No Estado de Rondônia, a Lei Complementar nº 68/1992 é a norma que baliza a matéria disciplinar aplicável aos servidores civis da administração direta, indireta, fundacional e autárquica. 

A alteração mais recente do diploma legal deu-se no ano de 2022. Ao todo, desde o início de sua vigência, a lei fora alterada em seu texto por 30 vezes, sem contudo haver uma reforma ou adequação no rol das infrações e penalidades, o que conota a defasagem do texto, pois as infrações disciplinares evoluem senão no mesmo ritmo, mas da mesma forma que a sociedade. Explica-se. 

Nos dias atuais, é possível se ter “o mundo na palma das mãos”, por meio dos Smartphones e até mesmo em seu próprio pulso, com a efusão de relógios digitais. No entanto, a Lei Complementar nº 68/1992, sequer tipifica como infração disciplinar a violação, quebra da integridade ou mau uso de equipamentos eletrônicos e digitais da repartição pública. Na ocorrência de tais fatos, como uma espécie de malabarismo semântico, a conduta se amolda à “inobservância do dever funcional previsto em lei ou regulamento”, prescrita no Art. 166, I.

A partir do Título V, Capítulo I, a Lei Complementar nº 68/1992, prescreve:

Art. 181. A autoridade que tiver ciência de irregularidades no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo disciplinar. (Redação dada pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996).

Parágrafo único. A instauração de sindicância é de competência do Secretário de Estado ou titular do órgão a que pertence o servidor, para apuração preliminar de infrações disciplinares, podendo ensejar, ou não, a imediata imputação de pena, desde que assegurada, ao acusado, ampla defesa, e não restem dúvida quanto à culpabilidade, nos termos do Capítulo II, deste Título. (Redação dada pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996). 

Consoante exposto em tópico anterior, a Lei Complementar nº 68/1992 encontra-se defasada. A constatação, em específico, salta aos olhos por meio da leitura dos dispositivos do Art. 181, supracitado, pois o texto normativo é expresso ao inscrever como instrumentos apuratórios a sindicância e o processo administrativo disciplinar. Os legisladores estaduais, conclui-se, não acompanharam a evolução das discussões jurídicas acerca do tema. Em pesquisa de publicações atuais sobre o tema, diz o autor:

Os procedimentos disciplinares investigativos mais comumente utilizados pela autoridade instauradora são a investigação preliminar e a sindicância investigativa. Em virtude da impossibilidade de serem aplicadas penalidades por meio desses instrumentos, prescindem da ampla defesa e do contraditório. Além disso, não interrompem o prazo prescricional. (Weinand, 2021, p. 205).

Da publicação, nem tão recente, depreende-se que o procedimento investigatório preliminar encontra-se difundido no âmbito do serviço público, em qualquer das esferas dos entes federados. 

A expressividade da investigação preliminar ganhou contornos ainda mais marcantes a partir da promulgação da Lei de Abuso de Autoridade, que se comentará adiante. 

3 NECESSIDADE DO PROCESSO LEGISLATIVO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR DE MODO FORMAL

Constatada a lacuna legislativa quanto ao procedimento de investigação preliminar no âmbito do Estado de Rondônia, especialmente no escopo da Lei Complementar nº 68/1992, é mister se debruçar sobre a possível solução jurídica para o caso. 

Em primeiro lugar, a Constituição Federal de 1988 traz um rol exemplificativo dos direitos e garantias dos brasileiros e estrangeiros residentes no país em seu Art. 5º. Dele decorrem diversos princípios fundamentais para o Direito e que balizam as relações jurídicas em caso de colisão de direitos. Para a presente discussão, basta citar o princípio do devido processo legal, inscrito no Art. 5º LIV. 

No momento em que o Estado de Rondônia não se atenta à necessidade de realizar a inovação legislativa para a positivação legal do procedimento de investigação preliminar – imperioso que é enquanto procedimento que trará à lume a justa causa que fundamentará o juízo de admissibilidade para a abertura de processo administrativo disciplinar – incorre na fragilização do próprio procedimento, seja pela possível violação à ampla defesa e ao contraditório, que mais do que princípios, são normas cogentes, expressas na Constituição Federal, não por acaso, justamente no Art. 5º, LV.  

Ademais, a Constituição Federal de 1988 dispõe claramente que cada ente da federação exercerá, em caráter privativo, a competência legislativa quanto ao regime jurídico que disciplinará os seus servidores.   

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

Sem embargo, somente com o efetivo exercício do poder legislativo com vistas ao aditamento da investigação preliminar ao rol taxativo de procedimentos inscritos na Lei Complementar nº 68/1992 – por meio de outra lei de mesma espécie – e os meios pelos quais será desenvolvida, é que a questão será superada em âmbito estadual. 

Não obstante, enquanto o Estado permanece inerte quanto a necessidade de promover a alteração na Lei Complementar nº 68/1992 para a regulamentação da investigação preliminar, as autoridades disciplinares dos órgãos estaduais se vêem num cenário em que a aplicação subsidiária da Lei Complementar 8.112/1990 que trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, é a saída cabível para suprir a lacuna legal. 

4 REGULAMENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR COMO GARANTIA PARA EVITAR INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO APURATÓRIO ABUSIVO

Convém trazer ao debate e relevância de outro princípio norteador das relações jurídicas, o da duração razoável do processo, inscrito no Art. 5º, LXXVIII. Nesse sentido, se não há a prescrição do procedimento de investigação preliminar no Regime Jurídico dos Servidores Civis do Estado de Rondônia, Lei Complementar nº 68/1992, evidentemente não haverá a estipulação de prazo para o feito. 

Contudo, se por um lado a aplicação da investigação preliminar em âmbito estadual é realizada por meio da aplicação da lei especial federal (8.112/1990), por outro, quanto ao prazo, compreende-se que não deve ser superior ao que prevê a normativa estadual para a Sindicância, tendo que vista que esse procedimento, caso hajam bastantes indícios, seria capaz de dispensar a investigação preliminar. 

Art. 189. § 2º O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por mais 5 (cinco) dias, a critério da autoridade superior. (Incluído pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996)

A esse respeito, no rol exemplificativo de crimes, a Lei de Abuso de Autoridade, nº 13.869/2019 tipifica a seguinte conduta:

Art. 31.  Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado: (Vide ADIN 6234) (Vide ADIN 6240) Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.

Em consonância com excerto, o legislador impôs uma obrigação negativa à autoridade disciplinar, sob pena de incorrer em ílicio penal. Nota-se o objetivo de responsabilizar os agentes que usurpem a função pública, por meio do estrapolamento dos poderes em que se encontrem investidos, para realizar perseguições à desafetos pessoais ou servidores situados em posição inferior na escala hierárquica.   

A Lei Complementar nº 68/1992 prescreve que quando uma sindicância for oriunda de um fato infundado esta será arquivada.  

§ 1º O processo de sindicância será arquivado quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, ou quando evidenciada a falta de indício suficiente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar. (Incluído pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996). 

Sublinha-se a flagrante incoerência do dispositivo supramencionado, tendo em vista que uma Sindicância será arquivada justamente pela ausência do juízo de admissibilidade. Ou seja, a Comissão sindicante terá empenhado horas de serviço, realizado gasto de material de expediente (antigamente os processos eram formalizados por meio físico e consumiam resmas e mais resmas de papel, e cartuchos de impressão), provocado despesas com a concessão de diárias para deslocamentos com vistas a realizar diligências e oitivas, com o consequente consumo de combustível para o veículo oficial, além de fazer com que servidores que figurem como testemunhas ou informantes se desvencilhem da sua atividade laboral para prestar esclarecimentos ou informações. 

Tudo isso, para, no fim, caso não haja indício mínimo de irregularidade, fazer arquivar um processo trabalhoso e oneroso. Ressalta-se, então, a salutaridade de promover a normatização do procedimento de investigação preliminar, sobretudo, para a padronização nos órgãos do poder público do Estado de Rondônia.  

Tal medida, conforme se vê, atenderia ao princípio constitucional da eficiência, ao evitar despesas desnecessárias ao estado e perda de tempo com denúncias infundadas. 

5 SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA E PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NA ESFERA PÚBLICA DO ESTADO DE RONDÔNIA

Sindicância é um procedimento administrativo conduzido por uma autoridade competente, geralmente em instituições públicas ou privadas, para investigar e esclarecer possíveis irregularidades, violações de normas ou condutas inadequadas. É o instrumento de que dispõe a administração pública para apurar qualquer fato supostamente ilícito ocorrido na sua esfera, relacionado a qualquer matéria que trate a administração (mesmo não sendo disciplinar), da qual teve conhecimento sendo de maneira formal ou por meio de terceiros.

No Estado de Rondônia, de acordo com o artigo 189, da Lei Complementar nº 068, de 09 de dezembro de 1992, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis, a Sindicância é o meio eficaz para apuração das possíveis irregularidades em primeiro plano, nestes termos: 

Art. 189. A sindicância é meio eficaz para apurar, em primeiro plano, a veracidade de denúncias ou a existência de irregularidades passíveis de punição, podendo ensejar a abertura de Processo Administrativo Disciplinar. (Redação dada pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996) 

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é um instrumento pelo qual a administração pública apura a responsabilidade de agentes públicos por atos contrários às normas administrativas. Segundo Fábio Medina Osório, em sua obra “Teoria do Processo Administrativo”, o PAD é uma das ferramentas mais relevantes para garantir o princípio da legalidade e moralidade dentro da Administração Pública. A Lei Complementar nº 068/92, que rege os servidores públicos no Estado de Rondônia, em seu artigo 192, diz que o PAD é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, a saber:

Art. 192. O Processo Administrativo Disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido, assegurando-se, ao denunciado, ampla defesa. (Redação dada pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996)

E o referido processo administrativo será conduzido por uma comissão composta por servidores designados pela Autoridade Competente do Órgão, conforme preconiza o artigo 194, da referida lei: 

Art. 194. O Processo Administrativo Disciplinar será conduzido por uma comissão composta de 3 (três) servidores dentre os componentes da Comissão Permanente de Processo Administrativo Disciplinar – CPPAD, designados pelo Coordenador Geral, indicando, entre seus membros o respectivo Presidente. (Redação dada pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996) § 1º A designação da comissão será feita por meio de portaria da qual constará, detalhadamente, o motivo da instauração do processo. (Redação dada pela Lei Complementar n. 164, de 27/12/1996)

 Ademais, no Estado de Rondônia, qualquer servidor público ao submeter-se a algum procedimento administrativo punitivo, seja ele sindicância ou processo administrativo disciplinar, ao final das apurações, restando comprovada a sua culpabilidade poderá sofrer penalidades conforme o artigo 166, da Lei Complementar nº 068/92, nestes termos: 

Art. 166. São penalidades disciplinares: 
I – repreensão; 
II – suspensão;
III – demissão;
IV – cassação de disponibilidade; (Redação dada pela Lei Complementar n. 906, de 29/11/2016) 
V – destituição de cargo em comissão; 
VI – destituição de função gratificada;

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação preliminar é uma etapa crucial no âmbito do direito administrativo, especialmente no que diz respeito à apuração de infrações disciplinares por servidores públicos. No Estado de Rondônia, a ausência de regulamentação específica para este procedimento ressalta a necessidade de se adotar uma legislação clara e objetiva que direcione a atuação das autoridades competentes.

A análise detalhada demonstra que a investigação preliminar deve ser conduzida com rigor e critérios bem definidos, para garantir a existência de elementos mínimos de autoria e materialidade antes da instauração de um processo administrativo disciplinar. Este cuidado é essencial para assegurar o respeito aos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, fundamentais para a justiça e a eficácia do sistema disciplinar.

A Lei de Abuso de Autoridade reforça a importância de uma base sólida de indícios para a instauração de investigações e processos, prevenindo abusos e perseguições indevidas. Além disso, a comparação com outras normas federais, como a Lei Complementar 8.112/1990, revela a necessidade urgente de atualização e adequação da legislação estadual.

Assim, é imperativo que o Estado de Rondônia promova uma reforma legislativa que inclua a investigação preliminar de forma explícita na Lei Complementar nº 68/1992. Tal medida não apenas padronizaria os procedimentos investigativos, mas também garantiria maior segurança jurídica e eficiência administrativa, evitando gastos desnecessários e processos infundados. A regulamentação adequada desse procedimento fortalecerá a integridade e a transparência na gestão pública, contribuindo para um ambiente mais justo e equitativo na administração estadual.

Pois, a ausência de normatização para a realização de investigações preliminares no âmbito administrativo em um estado como Rondônia pode acarretar várias consequências negativas, dentre elas podemos citar:

  1. Falta de Direcionamento: Sem diretrizes claras, os órgãos administrativos podem enfrentar dificuldades para conduzir investigações de forma consistente e eficaz, o que pode levar a procedimentos desorganizados e inconsistentes.
  2. Insegurança Jurídica: A falta de normatização pode criar incerteza quanto aos procedimentos a serem seguidos, gerando insegurança jurídica tanto para os investigadores quanto para os investigados.
  3. Possível Arbitrariedade: Sem regras claras, existe o risco de que as investigações sejam conduzidas de maneira arbitrária ou tendenciosa, o que pode resultar em injustiças ou violações dos direitos dos envolvidos.
  4. Dificuldades de Prestação de Contas: A falta de procedimentos padronizados pode dificultar a prestação de contas sobre as investigações realizadas, tornando mais difícil para as autoridades administrativas explicarem e justificarem suas ações.
  5. Riscos de Litígios: A falta de normatização pode aumentar a probabilidade de que os resultados das investigações sejam contestados judicialmente, o que pode resultar em litígios prolongados e custosos para o Estado.
  6. Impacto na Credibilidade Institucional: A falta de procedimentos claros e transparentes para investigações administrativas pode minar a credibilidade das instituições governamentais aos olhos do público e prejudicar a confiança nas autoridades.

Portanto, para mitigar esses problemas, é importante que o Estado de Rondônia desenvolva e implemente normativas específicas para orientar a condução de investigações preliminares no âmbito administrativo, garantindo assim uma abordagem consistente, transparente e justa para lidar com questões disciplinares e outras irregularidades.

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¹Acadêmico de Direito. E-mail: marcosaurelio1205@gmail.com Artigo apresentado a Faculdade UNISAPIENS, como requisito para obtenção de título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
²Professora Orientadora. Professora do Curso de Direito. Doutora em Ciência Jurídica DINTER entre FCR e UNIVALI. Mestre em Direito Ambiental pela UNIVEM/SP. Especialista em Direito Penal UNITOLEDO/SP Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNIR. Especialista em Direito Militar pela Verbo Jurídico/RJ. E-mail: almeidatemis.adv@gmail.com