TRIBUNAL DO JÚRI E ÍNTIMA CONVICÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A TEORIA DA DECISÃO À LUZ DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO

JURY COURT AND INTIMATE CONVICTION: A STUDY ON DECISION THEORY IN LIGHT OF THE PRINCIPLE OF MOTIVATION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11391969


Luiz Ricardo Teixeira Rolim¹;
Maria Eduarda Gabbay Lobato²;
Profº orientador: Yuri Serra Teixeira.


Resumo: O Tribunal do Júri é instituto constitucionalmente admitido no escopo do Processo Penal brasileiro, sendo ele responsável pelo processamento e julgamento de crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. Tem-se por primazia das decisões emitidas pelo Tribunal do Júri a sua soberania, ainda que não absoluta, dada a possibilidade de contestação por via recursal. Prezando pela legalidade das decisões proferidas no Processo Penal, tem-se o princípio da motivação das decisões. Princípio este que, no Tribunal do Júri, ganha contorno elementar diante da necessidade de não incidência arbitrária da convicção íntima, sendo essa uma questão que provoca celeuma entre juristas que questionam a constitucionalidade deste princípio perante a íntima convicção assegurada às decisões do Tribunal do Júri. O objetivo geral desta pesquisa foi analisar a importância do princípio da motivação à luz das decisões proferidas dentro do Tribunal do Júri. Utilizou-se das metodologias de revisão bibliográfica e de análise documental para fundamentar a pesquisa com resultados enxertados de outros estudos científicos, de doutrinas e de legislações pertinentes. Esta foi uma pesquisa qualitativa, de natureza básica, com objetivo descritivo e realizado sob procedimento bibliográfico. Os resultados encontrados após análise dos materiais selecionados indicam que o princípio da motivação é de extrema importância nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, pois, ainda que se tenha como soberanas tais decisões, é preciso que elas sejam devidamente fundamentadas, amparadas por motivações reais e que se acople à legalidade exigida pela própria Constituição, de modo que se evite decisões impulsionadas por convicções íntimas. Nas suas considerações finais a pesquisa inclina para o reconhecimento da alta relevância do princípio da motivação para as decisões do Tribunal do Júri, devendo elas serem fundamentadas em convicções reais, assim como as demais decisões do Processo Penal brasileiro.

Palavras-chave: Brasil. Direito penal. Princípio da motivação. Tribunal do júri.

Abstract: The Jury Court is constitutionally admitted in the scope of the Brazilian Criminal Procedure, being responsible for the prosecution and judgment of intentional crimes against life, consummated or attempted. The primacy of the decisions issued by the Jury Court is its sovereignty, although not absolute, given the possibility of challenge by appeal. Valuing the legality of the decisions rendered in the Criminal Procedure, there is the principle of motivation of the decisions. This principle that, in the Jury Court, gains elementary contour in view of the need for non-arbitrary incidence of the intimate conviction, which is an issue that causes a stir among jurists who question the constitutionality of this principle in the face of the intimate conviction guaranteed to the decisions of the Jury Court. The general objective of this research was to analyze the importance of the principle of motivation in the light of the decisions rendered within the Jury Court. The methodologies of literature review and document analysis were used to support the research with results grafted from other scientific studies, doctrines, and pertinent legislation. This was qualitative research, of a basic nature, with a descriptive objective and carried out under a bibliographic procedure. The results found after the analysis of the selected materials indicate that the principle of motivation is extremely important in the decisions rendered by the Jury Court, because, even if such decisions are considered sovereign, it is necessary that they are duly grounded, supported by real motivations and that they are coupled with the legality required by the Constitution itself, so that decisions driven by intimate convictions are avoided. In its final considerations, the research leans towards the recognition of the high relevance of the principle of motivation for the decisions of the Jury Court, which must be based on real convictions, as well as the other decisions of the Brazilian Criminal Procedure.

Keywords: Brazil. Criminal law. Principle of motivation. Jury trial.

1 INTRODUÇÃO

Os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, são julgados pelo Tribunal do Júri. Essa é uma determinação legal contida no parágrafo primeiro, do art. 74, do Código de Processo Penal (CPP) brasileiro, de 1941 (Brasil, 1941). O Tribunal do Júri é um instituto constitucionalmente reconhecido no escopo do ordenamento jurídico brasileiro, com disposição normativa inserida no inciso XXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal (CF) de 1988 (Brasil, 1988). Integra o corpo do Júri civis representantes da população local, para que possam participar do julgamento e proferirem o sentenciamento motivado pelas partes.

De acordo com Gonçalves (2021), o Tribunal do Júri, assim como os demais ritos do Processo Penal, deve observar os valores jurídicos de alguns princípios que encontram assento na própria norma constitucional em vigência. Um destes princípios assegura a soberania das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, as quais não podem ser contrariadas pelo magistrado que presidiu o julgamento (Rangel, 2012). Todavia, Nucci (2020) menciona que, assim como os demais direitos e princípios, a soberania incutida nas decisões proferidas pelo Júri não possuem absolutismo invicto, podendo elas, caso apresentem erros formais, serem contestadas por vias recursais.

Badaró (2022) inclina o seu pensamento doutrinário em defesa do princípio da motivação nas decisões do Tribunal do Júri. Ocorre que, tal princípio produz celeuma diante da existência da garantia de livre convencimento (Corrêa, 2018). Há não uniformidade entre a doutrina acerca da constitucionalidade do princípio da motivação nas decisões do Júri e, por outro lado, há doutrinadores, como Rangel (2012), que inclina-se ao reconhecimento da inconstitucionalidade da convicção íntima nas decisões do Júri.

Tendo como assimétricos os entendimentos acerca da admissão ou não do princípio da motivação nas decisões do Tribunal do Júri, é de grande relevância verificar a sua eficácia para tais decisões, tendo por base a necessidade da legalidade nestas decisões. Por isso, esta pesquisa predefiniu como problema de investigação o seguinte: Qual a importância do princípio da motivação à luz das decisões proferidas dentro do plenário do Tribunal do Júri pelos jurados?

O objetivo geral da pesquisa concentrou-se em responder a pergunta problema. No primeiro capítulo far-se-á uma análise acerca do surgimento do salão dos passos perdidos, onde será desenvolvida a ideia de como o Tribunal do Júri se apresenta dentro do constitucionalismo brasileiro.

No segundo capítulo serão feitas abordagens acerca dos sistemas do acusatório, inquisitório e absolutismos monárquico, mais especificamente sobre como esses sistemas possuem relação na forma como os jurados dentro do Tribunal do Júri tomam suas decisões baseados na íntima convicção.

Por fim, no terceiro capítulo far-se-á uma comparação entre íntima convicção e motivação das decisões judiciais, buscando-se argumentar acerca de como seria mais favorável ao acusado por crime doloso contra a vida receber uma decisão motivada e não apenas baseada na íntima convicção, já que, como será mencionado, diversos fatores externos podem influenciar na decisão do conselho de sentença.

Tem-se por justificativa social desta pesquisa a relevância da matéria em análise, considerando que as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri implicam em intervenções altamente significativa para os direitos fundamentais dos cidadãos e, em casos de decisões arbitrárias e injustas, podem produzir inconstitucionalidades e retrocesso na garantia de legalidade no Processo Penal brasileiro. Por justificativa acadêmica, destaca-se a necessidade de se incentivar os futuros profissionais jurídicos na produção de conteúdo científico que seja capaz de contribuir para esclarecer pontos de imbróglios em questões da área.

Utilizou-se das metodologias de revisão bibliográfica e de análise documental para fundamentar esta pesquisa com resultados extraídos de outros estudos científicos, doutrinas e legislações. Os estudos científicos foram buscados na base de dados do Google Acadêmico, com ano de publicação entre 2018 e 2023, no idioma português. No rol das doutrinas utilizadas, encontram-se obras produzidas pelos seguintes autores: Aury Lopes Jr. (2020); Gustavo Badaró (2022); Guilherme Nucci (2020); Paulo Rangel (2012; 2022); e outros. As legislações consultadas no site do Planalto foram a CF de 1988, o Código Penal (CP) de 1940 e o CPP de 1941.

O desenvolvimento da pesquisa foi organizado em uma seção com cinco subseções e respectivos subitens, os quais trabalham pontos relativos aos objetivos da pesquisa, estruturados de forma estratégica. Nesta seção, são apresentados resultados que trazem esclarecimentos acerca do Tribunal do Júri, dos princípios de assento, da relação entre os princípios do livre convencimento e da motivação nas decisões do Júri, destacando ao final a importância do princípio da motivação nestas decisões.

Por fim, conforme já mencionado, disponibiliza-se as considerações finais, onde busca-se indicar a resposta encontrada para o problema investigado e retoma aos principais resultados para demonstrar o atendimento dos objetivos da pesquisa, sob emissão de um posicionamento científico de natureza crítica.

2 DA ÍNTIMA CONVICÇÃO À MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES

Inicialmente, incube mencionar que Rangel (2012) cita que as origens do Tribunal do Júri são antigas, datadas desde a Grécia Antiga, sendo remodelado ao formato hoje conhecido desde a Inglaterra Medieval. No Brasil, o Tribunal do Júri é legalmente reconhecido desde o ano de 1832, quando foi introduzido no CPP pela primeira vez (Lopes Jr., 2020). Desde então, trata-se de um instituto jurídico reconhecido no rito do Processo Penal brasileiro, responsável por julgar os crimes de maior comoção social, que são justamente os crimes que atentam contra a vida humana.

Outro princípio incutido ao Tribunal do Júri, é o da íntima convicção, previsto no art. 472, do CPP, o qual possibilita que as provas sejam apreciadas pelo corpo do Júri de forma livre, sem o emprego de critérios avaliativos, utilizando-se meramente de crenças e costumes, diante do apreço da manifestação das partes no julgamento (Brasil, 1941). Para alguns autores, a exemplo de Badaró (2022), Lopes Jr. (2020) e Rangel (2012), a livre convicção no Tribunal do Júri manifesta inconstitucionalidade, dada a maior probabilidade de incidência de decisões arbitrárias e injustas.

No escopo normativo do inciso IX, do art. 93, da CF de 1988, o constituinte destacou o princípio da motivação das decisões judiciais, o qual exige que toda decisão judicial emitida em sentença seja devidamente fundamentada, na lei (Brasil, 1988). Lopes Jr. (2020) cita que, considerando a alta nocividade da interferência produzida pelas penas aplicadas em sentenças criminais, a motivação das decisões judiciais no Processo Penal é uma garantia maior de legalidade para as decisões proferidas.

Dessa forma, faz-se importante estudar mais a fundo o surgimento do Tribunal do Júri no constitucionalismo brasileiro, sendo necessária a análise dos sistemas acusatório, inquisitório, abolicionismo monárquico e sua relação com a íntima convicção. Desde já, ressalta-se que este trabalho não visa levantar ideais que apontem para a inconstitucionalidade do rito do Tribunal do Júri, ao contrário, o objetivo é apenas apontar possíveis hipóteses para sua melhoria, através da análise do direito comparado e dos sistemas supramencionados.

2.1 O SURGIMENTO DO SALÃO DOS PASSOS PERDIDOS

O instituto do Tribunal do Júri não é recente, mas, encontra raízes axiológicas em civilizações mais antigas. Rangel (2012) cita que estudos datam a origem embrionária do Tribunal do Júri desde a Grécia Antiga. Lopes Jr. (2020) menciona que civilizações mais antigas já utilizavam-se de sistemas de julgamento populares que assemelhavam-se com as raízes originais do Tribunal do Júri grego. No seu berço de nascedouro, as decisões proferidas pelo Júri não eram estimuladas por normas jurídicas e noções de legalidade, mas, possuíam alto teor de vingança, motivada pelo exacerbado clamor público, estimulado por questões éticas e morais impostas à época (Rangel, 2012).

Nos moldes como hoje é conhecido, o Tribunal do Júri distancia-se das origens gregas, mas aproxima-se do formato identificado na Inglaterra Medieval (Rangel, 2012). Contudo, ainda neste período pretérito, coexistia irrestrições que atribuíam às decisões do Júri alta carga de arbitrariedade, o que implicava em decisões injustas (Badaró, 2022). No Brasil, Lopes Jr. (2020) cita que a primeira norma criminal a citar expressamente o Tribunal do Júri foi o CPP de 1812. Desde então, o instituto possui validade dentro do CPP brasileiro, estando expresso no texto legal do CPP de 1941, ora vigente (Brasil, 1941).

É no Capítulo II, Seção I, do atual CPP que a legislação pátria dispõe de dispositivos relativos aos procedimentos do Tribunal do Júri no Brasil (Brasil, 1941). Mas, é no parágrafo primeiro, do art. 74, da mesma norma jurídica, que o legislador infraconstitucional fala acerca da competência do Tribunal do Júri.

Recorrendo ao texto normativo do CP de 1940, com vistas para os artigos citados acima, pode-se então compreender que, ao Tribunal do Júri, compete o julgamento de crimes contra a vida, consumados ou tentados, sendo eles: a- o crime de homicídio (art. 121, §§ 1º e 2º, CP); b- o crime de automutilação (art. 122, parágrafo único, CP); c- o crime de infanticídio (art. 123, CP); d- o crime de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127) (Brasil, 1940). Lopes Jr. (2020) menciona que, fica sob encargo do Tribunal do Júri os crimes de maior teor ofensivo socialmente, justamente os que lidam com o direito à vida.

Para Gonçalves (2021) atribuiu-se maior necessidade de legalidade formal ao Tribunal do Júri a partir da constitucionalização de sistemas jurídicos. No Brasil, o Tribunal do Júri é instituto mencionado pela CF vigente, que assegura a validade legal deste, assim como dispõe sobre princípios a ele aplicados (Brasil, 1988). Badaró (2022) entende que a norma constitucional delineia a competência e os limites do Tribunal do Júri, uma vez que seus procedimentos não podem estar dissociados das premissas constitucionais válidas no Estado brasileiro.

2.1.1 O Tribunal do Júri no constitucionalismo brasileiro

Em um sistema constitucional, há de se compreender que todo o sistema jurídico será conduzido sob efeitos da Constituição vigente. Inclui-se essa noção nos ensinamentos providos por Kelsen (2009), que, sob a sua teoria pura do Direito, entende que a norma constitucional rege todo o sistema jurídico de um Estado. Submete-se então à validade da Constituição todas as demais normas e procedimentos jurídicos conduzidos em um Estado constitucionalizado (Dezem, 2018). Do contrário, inadequações irão provocar inconstitucionalidades que colocam em risco a própria estrutura legal do país (Lopes Jr., 2020).

Das palavras produzidas por Reis e Gonçalves (2013, p. 421), é possível extrair o seguinte fragmento de texto doutrinário, na íntegra da sua conotação:

Fiel à tradição do direito brasileiro, a Constituição Federal reconheceu a instituição do júri como garantia individual (art. 5º, XXXVIII, da CF), atribuindo-lhe a competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Tratando-se de garantia fundamental, a instituição do júri não pode ser suprimida do ordenamento pátrio nem mesmo por emenda constitucional, pois se cuida de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF). O júri é órgão jurisdicional de primeiro grau da Justiça Comum Estadual e Federal, composto por cidadãos (juízes leigos) escolhidos por sorteio, que são temporariamente investidos de jurisdição, e por um juiz togado (juiz de direito).

Os grifos acima aplicados assentam o mesmo entendimento de Kelsen (2009), indicando o tradicionalismo da incorporação de dispositivos jurídicos pela norma constitucional. Entende-se então que o Tribunal do Júri passou a ser encorpado por alto valor constitucional, o qual lhe atribuiu competência específica que, para Reis e Gonçalves (2013), trata-se de uma competência mínima, reduzida aos crimes dolosos contra a vida, quer sejam consumados ou tentados. Para Lopes Jr. (2020), ao ser incorporado ao texto constitucional, o Tribunal do Júri passou a lidar com maior carga de responsabilidade quanto a adequação dos seus procedimentos aos liames constitucionais postos na sociedade brasileira, devendo suas decisões, por exemplo, respeitas aos princípios gerais da formalidade e da legalidade, em preservação aos direitos e garantias tutelados pela CF de 1988.

Ainda que sem valor normativo, o prefácio da CF de 1988 traz uma noção relevante para o diálogo estabelecido por esta pesquisa e, por isso, cabe aqui recortá-lo em sua íntegra, sendo apresentado abaixo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (Brasil, 1988).

Do grifo acima aplicado é possível extrair noção de que, sob a estrutura do Estado Democrático de Direito instituído no Brasil, todas as suas normas devem ser destinadas a assegurar a preservação dos direitos fundamentais, humanos e sociais (Brasil, 1988). Ao ser citado, o direito à liberdade é um dos afetados por penas privativas de liberdade aplicadas por condenações do Processo Penal brasileiro, incluindo sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri (Rangel, 2012). Ora merece indicar que, apesar de ser um direito humano e fundamental previsto em norma internacional ratificada pelo Brasil, o direito à liberdade não é absoluto (Lopes Jr., 2020).

Relativiza-se o direito à liberdade diante de condutas comissivas ou omissas que repercutiram em atos delituosos passíveis de condenação por penas privativas da liberdade (Badaró, 2022). Rangel (2012) destaca que, todos os crimes apreciados pelo Júri, são crimes que, se sentenciados como procedentes, sofrerão as consequências de penas privativas da liberdade. Desta forma, ao constitucionalizar o Tribunal do Júri, a CF de 1988 produz sobre ele todos os efeitos aplicados aos trâmites legais do Processo Penal brasileiro, com ressalva de algumas garantias, como a soberania das decisões (Nucci, 2020).

Lopes Jr. (2020) afirma, no entanto que, para assegurar a constitucionalidade das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, exige-se que estas observem os liames estabelecidos pela legalidade dos atos decisórios processuais, em consonância com ditames legais válidos e também constitucionalizados no Brasil. Em palavras mais simplórias, Rangel (2012) cita que é preciso que o Tribunal do Júri seja conduzido dentro do rigor constitucional exigido, pois, infringindo norma constitucional posta ou infraconstitucional respaldada pela CF de 1988, estará incorrendo em gravidade jurídica. Isto porque, não se dá competência irrestrita a nenhum órgão jurídico, sob riscos de inconformidades constitucionais (Oliveira, 2016).

É no inciso XXXVIII, do art. 5º, que a CF de 1988 destaca que “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei […] (Brasil, 1988).” Nota-se que o constituinte se limitou a validar o Tribunal do Júri na norma constitucional posta, mas, deixou ao encargo de lei infraconstitucional o desenho da sua organização (Rangel, 2021). Neste caso, a lei referida é o próprio CPP de 1941, que, entre os seus arts. 406 e 497, traz dispositivos específicos que contribuem para desenhar todas as diretrizes acerca do Tribunal do Júri e seus procedimentos (Brasil, 1941). É justamente no CPP de 1941 que a legislação nacional traz o desenho sobre a competência e demais critérios de composição do Júri.

2.2 A PERMANÊNCIA DO SISTEMA INQUISITÓRIO

O sistema inquisitório persiste no direito processual penal brasileiro há muitos anos, refletindo uma cultura jurídica estabelecida na herança que remete aos períodos de autoritarismo que o Brasil passou ao longo de sua história. Tanto os operadores do direito quanto a sociedade em geral precisam mudar de perspectiva para substituir essa cultura autoritária, a qual prioriza a punição em detrimento dos direitos individuais por uma cultura de garantismo que valoriza a presunção de inocência e o devido processo legal.

A desigualdade social, que limita o acesso à justiça, deve ser combatida por políticas públicas que garantam oportunidades iguais. Ademais, isso inclui garantir que todos possam ter acesso a advogados e receber defesa adequada, independentemente de sua condição socioeconômica. A falta de infraestrutura, que dificulta a investigação e a aplicação dos princípios acusatórios, deve ser abordada por meio de investimentos substanciais no sistema de justiça criminal. O controle social do sistema criminal é essencial para garantir transparência e responsabilidade. É um desafio complexo que requer uma abordagem multifacetada, e a sociedade civil deve desempenhar um papel ativo na supervisão do sistema penal brasileiro. Nesse sentido, um sistema de justiça mais forte pode ser construído com determinação e dedicação suficientes.

Portanto, na busca de um sistema de justiça mais justo, surgiu o Tribunal do Júri, o qual desempenhou um importante papel na superação do sistema inquisitivo, sendo que os seus fundamentos possuem estreita relação com a ideia de democracia. No entanto, no Brasil, algumas partes do Tribunal do Júri são marcadas por contornos inquisitoriais, decorrentes da influência do Código Napoleônico e, recentemente, do Código Penal fascista.

O sistema inquisitivo se caracteriza pela concentração das funções de acusação, defesa e julgamento em uma única figura, geralmente o juiz. Isso pode levar a uma parcialidade, uma vez que não existe o contraditório pleno. Em contraste, o Tribunal do Júri busca a separação dessas funções, garantindo a imparcialidade do magistrado, que atua como um terceiro imparcial cuja função pública está centrada na análise da prova produzida pelas partes.

No entanto, existem, ainda, alguns pequenos traços inquisitivos presentes no Tribunal do Júri, em contraposição aos seus fundamentos democráticos, tal qual a influência de fatores externos ao processo, que podem acabar por comprometer a isenção necessária para que se tenha uma decisão final justa.

Ademais, a atual redação do artigo 473 do CPP, que autoriza que o magistrado togado inicie os questionamentos em plenário do júri, pode dar azo ao reconhecimento da nulidade da instrução em juízo, tenha a ação ocorrido no rito comum ou perante o Tribunal do Júri. Portanto, pode-se concluir que embora o Tribunal do Júri tenha sido criado para superar o sistema inquisitório, ainda existem traços do mesmo presentes em sua prática, o que pode levar a distorções de julgamento, entretanto, a adoção do rito do Tribunal do Júri para julgar crimes dolosos contra vida ainda representa um grande fortalecimento para o sistema acusatório.

2.2 DO SISTEMA ACUSATÓRIO E SUA ADOÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO

O Código de Processo Penal de 1988 criou o sistema acusatório, que é um importante passo em direção a um processo penal mais justo e democrático. Este sistema tem funções claras entre o Ministério Público, o juiz e o acusado. Nesse sentido, como órgão responsável pela ação penal pública, o Ministério Público é responsável pela persecução criminal e pela apresentação de acusações formais.

No sistema jurídico penal, o juiz desempenha um papel crucial como um árbitro imparcial, protegendo os direitos de todas as partes envolvidas e supervisionando o processo para assegurar que ele seja conduzido de acordo com os princípios processuais. O réu, por sua vez, tem o direito de se defender, apresentar provas que possam favorecê-lo e contestar as provas apresentadas contra ele, mantendo-se a presunção de inocência até que se prove o contrário.

Apesar da adoção formal do sistema acusatório, existem vários obstáculos que impedem sua implementação total, alguns estudiosos, como Guilherme de Souza Nucci (2020), entendem que o Brasil adota um sistema misto. Isso significa que o inquérito é marcado pelo sistema inquisitório, enquanto na instrução, vigora o acusatório.

Outra parte da doutrina, liderada por Aury Lopes Junior (2018), entende que se trata de um sistema neo inquisitório, na medida em que, apesar de possuir aspectos do sistema acusatório, é significativamente mais inquisitório O sistema inquisitório ainda deixa sua marca no sistema jurídico brasileiro, priorizando a busca pela verdade em detrimento dos direitos do acusado. Além disso, a profunda desigualdade social no Brasil cria barreiras ao acesso à justiça para os mais vulneráveis, dificultando o exercício pleno de seus direitos no processo penal.

A falta de recursos humanos e materiais na justiça criminal prejudica a qualidade das investigações e julgamentos, bem como a defesa adequada dos acusados, o princípio da presunção de inocência é violado e a prisão preventiva abusiva, muitas vezes decretada com base em meras suposições, assim aumentando, assim, a superlotação o sistema carcerário.

Dessa forma, o sistema acusatório tem uma relação direta e fundamental com o Tribunal do Júri, já que nesse sistema o juiz atua como um terceiro imparcial, enquanto a acusação e a defesa apresentam seus argumentos. O referido sistema é adotado pelo nosso ordenamento jurídico e veda expressamente que o juiz tenha iniciativa na fase investigativa e que na fase processual atue em substituição ao órgão de acusação.

No Tribunal do Júri, este sistema se manifesta de maneira específica. Um princípio importante é o da correlação entre a acusação e a sentença, que garante que ninguém será condenado para além da imputação inicial, sendo assim, este princípio decorre do sistema acusatório, que conta com um acusador distinto do julgador, caracterizado pela neutralidade e imparcialidade.

Na primeira fase do procedimento do Júri, o magistrado não pode fazer constar na decisão de pronúncia elementos não trazidos pela acusação, sob pena de nulidade absoluta. Na segunda fase, a acusação está adstrita aos limites impostos pela pronúncia, não admitindo inovação por parte do órgão acusador. Portanto, percebe-se, por fim, que o sistema acusatório é fundamental para garantir a imparcialidade do julgamento e a justiça da decisão proferida pelos jurados dentro no Tribunal do Júri.

2.4. DO ABSOLUTISMO MONÁRQUICO E SUA PROXIMIDADE COM A ÍNTIMA CONVICÇÃO

Ao mencionar a expressão “absolutismo monárquico”, ela nos remete a um chamado “poder soberano”, o qual era exercido pelos reis na época da idade média.

Acerca do assunto, Maquiavel (1513, p. 102) teceu o seguinte pensamento:

[…] Daí resulta que um príncipe não se deve afligir se, por motivo da violência com que procura manter os seus súditos unidos e fiéis, ganhar reputação de sanguinário.

Nesse sentido, existia na Idade Média a teoria do direito divino dos reis, utilizada para justificar as decisões arbitrárias e absolutistas que advinham dos monarcas, já que os mesmo seriam a “representação do Deus vivo na terra”, sendo suas decisões, portanto, divinas e irrefutáveis, devendo ser obedecidas por todos.

Data vênia, ao estudar acerca das decisões proferidas dentro do Tribunal do Júri pelos jurados, percebe-se que no momento de decidir pela condenação ou absolvição, os inclítos jurados não utilizam nada mais do que sua íntima convicção, ou seja, decidem a seu bel prazer, tal como faziam os antigos reis absolutistas, já que não necessitam dar explicações do porque chegou-se àquele veredicto.

Em que pese a falta de motivação na decisão dos jurados, o Tribunal do Júri é popularmente conhecido como “Tribunal do povo”, vez que um integrante da sociedade será julgado por seus iguais e não por um juiz togado, mas fica o seguinte questionamento: até que ponto esse julgamento lhe é mais benéfico?

Os reis absolutistas foram marcados por sua arbitrariedade e decisões autoritárias, imotivadas, que careciam de qualquer explicação, o que trouxe uma série de acontecimentos problemáticos na época medieval. O Tribunal Júri busca dar ao acusado uma chance de ter seus crimes perdoados por aqueles que representa “a sociedade”, mas a utilização da íntima convicção não dá ao acusado a chance de saber o motivo que culminou na sua absolvição ou condenação por aquele conselho de sentença.

2.5 DOS PRINCÍPIOS DA ÍNTIMA CONVICÇÃO X PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Importas saber, em primeiro plano, que ambos os princípios da íntima convicção e da motivação são amparados pela norma constitucional vigente, mas, no âmbito dos diálogos proferidos sobre o Tribunal do Júri, estes princípios apresentam antagonia que produz dúvidas acerca da validade e cabimento da motivação nas decisões proferidas dentro do Júri. Por isso, nos subitens abaixo, esta pesquisa limitou-se a contextualizar ambos os princípios, para que a compreensão acerca deles seja estabelecida, de modo que na subseção seguinte seja possível dialogar sobre a importância do princípio da motivação nas decisões do Tribunal do Júri.

2.3.1 Do princípio da íntima convicção

O princípio da íntima convicção aplica-se ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, sendo um princípio que se comunica diretamente com o sistema de apreciação de provas em julgamento conduzido pelo Júri (Badaró, 2022). Sua previsão normativa consta no art. 472, do CPP e seu parágrafo único, que trazem o seguinte verbete normativo, abaixo apresentado em sua íntegra:

Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça.

Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão:

Assim o prometo.

Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo (Brasil, 1941, grifado).

Trata-se então de um sistema por meio do qual as provas utilizadas no Tribunal do Júri serão apreciadas de forma livre pelos jurados, sem critérios avaliativos, tendo por base as suas crenças e costumes, não dependendo da motivação das suas decisões (Badaró, 2022). Lopes Jr. (2020) assevera em sua doutrina que o sistema regido pela íntima convicção não possui limites a serem observados na valoração das provas, no qual os jurados estão completamente livres para valorar a prova, não precisando fundamentar a decisão proferida, muito menos respeitar a critérios de valoração de provas.

Badaró (2022, p. 423) menciona que esse princípio já era adotado pelo Código Napoleônico, desde o ano de 1808 e, no atual sistema jurídico do Brasil, “a única previsão de julgamento pela íntima convicção é o do Tribunal do Júri”. Flores e Turella (2019) destacam que as demais decisões proferidas pelos tribunais, por regra absoluta, devem ser devidamente motivadas, fundamentadas. De modo que, a não fundamentação destas decisões implica em nulidade do ato processual de sentença (Corrêa, 2018). Alguns doutrinadores aderem ao reconhecimento da inconstitucionalidade do princípio da íntima convicção, a exemplo de Rangel (2012) que, em sua doutrina, traz a seguinte concepção justificante:

O que caracteriza a Constituição do século XX e do início deste século XXI, frente à Constituição do século XIX, são exatamente as garantias constitucionais asseguradas aos indivíduos, ou seja, o júri, se é garantia do cidadão (art. 5º, XXXVIII), deve se conformar como texto constitucional em sua plenitude (art. 93, IX, da CR). Todo o júri está no plano constitucional, e o direito processual penal, por ser o direito constitucional aplicado, deve efetivar essas regras. A força normativa da Constituição impõe uma releitura do júri no Código de Processo Penal, a fim de que os princípios constitucionais possam, efetivamente, ser aplicados e não somente normatizados (Rangel, 2012, p. 267).

Os grifos acima aplicados revelam a adequação formal do Júri à norma constitucional vigente e, portanto, o referido doutrinador passa a questionar a constitucionalidade de decisões não fundamentadas. Em outro fragmento textual extraído da sua doutrina, tem-se a concepção de que “no Estado de Direito, as decisões estatais devem ser transparentes e fundamentadas, logo, objeto de discussão entre os integrantes do Conselho de Sentença (RANGEL, 2012, p. 267).” Não questiona-se a constitucionalidade do Tribunal do Júri, posto que ela é matéria constitucional expressa, com competência legitimada, mas questiona-se a legalidade da íntima convicção em suas sentenças (Lopes Jr., 2020). Fala-se aqui do princípio da motivação das decisões judiciais, atrelados via de regra com todas as sentenças judiciais, exceto as sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri (Badaró, 2022).

2.3.2 Do princípio da motivação das decisões judiciais

Diferente da íntima convicção, o princípio da motivação das decisões judiciais é, por regra normativa, aplicado a todas as sentenças proferidas por tribunais distintos ao Tribunal do Júri. É no inciso IX, do art. 93, da CF de 1988, que o constituinte menciona que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”, planificando assim no texto constitucional o princípio da motivação das decisões judiciais, impondo por regra constitucional que as decisões sejam fundamentadas (Brasil, 1988). Para Badaró (2022, p. 59) “motivar é justificar as circunstâncias fáticas e jurídicas que determinaram as razões de decidir.”

Nas palavras de Lopes Jr. (2020) a fundamentação dos atos decisórios também abarca as decisões interlocutórias, não apenas as sentenças, deve portanto ser tomadas no curso processual, principalmente para as decisões que venham a implicar na restrição de direitos e de garantias fundamentais, a exemplo das que restringem a liberdade dos indivíduos. Gomes Filho (2013) entende esse princípio como um limitador da arbitrariedade judicial, de modo que se assegure a imparcialidade do julgador, tendo por base unicamente as provas produzidas. De acordo com Badaró (2022, p. 60):

A motivação confere “transparência” à decisão judicial, permitindo um controle generalizado e difuso sobre o modo pelo qual o juiz administra a justiça. Sob este aspecto, não é uma garantia exclusiva das partes, ou de seus advogados, ou mesmo dos juízes, mas principalmente da opinião pública.

No plano constitucional, a transparência e a legalidade das decisões judiciais são critérios requeridos para que se conserve a constitucionalidade das decisões, principalmente das decisões que inferem em restrição de direitos e garantias fundamentais (Corrêa, 2018). De acordo com Lima (2020), tratando-se de decisões penais, é de se esperar que a limitação sobre direitos fundamentais seja efeito por elas produzidos e, com isso, tem-se a preocupação com a legalidade dos meios motivadores das decisões criminais. Nessa linha de pensamento, Monteiro (2020) defende a relevância de aplicabilidade do princípio da motivação das decisões no Tribunal do Júri, apesar de Marchiori (2019) indicar o conflito existente entre esse princípio geral e o específico da íntima convicção.

2.3.3 Da importância do princípio da motivação à luz das decisões proferidas dentro do tribunal do júri

Para Corrêa (2018) a liberdade de convicção atribuída ao Tribunal do Júri abre margem para arbitrariedades e injustiças, providas por fatores internos e mesmo externos, que se destoam do teor de legalidade idealizado pela Constituição vigente. Nessa mesma esteira de pensamento, Flores e Turella (2019) mencionam que a liberdade de valoração das provas, dispensando a fundamentação da decisão motivada, abre margem para que algumas decisões do Júri possam produzir injustiças. Para Rangel (2012) a apreciação das provas pela íntima convicção é uma afronta ao princípio constitucional das decisões fundamentadas, que tem por condão axiológico o controle da transparência e da legalidade destas decisões.

Lopes Jr. (2020) assevera que a não fundamentação nas decisões proferidas dentro do Júri incorre como prejuízo à própria democracia, violando a um princípio constitucional utilizado por regra para todo o demais sistema processual. Corrêa (2018) cita que a exceção aplicada às decisões do Tribunal do Júri é sustentada por uma norma infraconstitucional construída desde o século passado, a qual, nos moldes democráticos atuais, fere diretamente aos liames da Constituição vigente, violando ainda a própria vedação constitucional de que norma infra possa inferir em prejuízos da sua supremacia num Estado Democrático de Direito.

Sobre a violação da íntima convicção ao princípio constitucional da motivação das decisões, Corrêa (2018, p. 28) destaca que:

Tal violação se mostra prejudicial à justiça, pois, sem motivar as decisões, nos aproximamos de decisões injustas e arbitrárias, uma vez que a fundamentações das decisões é o que demonstra que a sentença levou em consideração as razões de fato e de direito contidas nos autos para decidir, não elementos externos ao processo, como a crença religiosa.

Gomes Filho (2013), em sua doutrina, chama atenção para o amplo teor de nocividade das sanções criminais, diante disso, o autor defende a motivação de todas as decisões penais proferidas no país, principalmente as decisões emitidas pelo Tribunal do Júri. Um dos argumentos aderidos para esta defesa, é o próprio desconhecimento do Conselho de Sentença acerca de questões legais, sendo os jurados motivados pela manifestação das partes, fato esse que pode induzir em interpretações equivocadas e contrárias às leis (Monteiro, 2020).

Outra questão é a probabilidade de incidência de influências externas, sobre essa questão, Franco e Júnior (2023) mencionam a influência da mídia em determinados casos, que pode influenciar na decisão do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, provendo assim decisões arbitrárias ou injustas. Tais eventos são elementos suficientes para demonstrar a fragilidade das decisões proferidas dentro do Júri (Lopes Jr., 2020). O que leva Badaró (2022) e Lopes Jr. (2020) a indicarem a inconstitucionalidade do princípio da íntima convicção diante da obrigatoriedade de legalidade formal das decisões judiciais.

O estudo de Corrêa (2018) também indica a inconstitucionalidade do princípio da livre convicção diante da necessidade constitucional de fundamentação das decisões judiciais e, além disso, menciona que a importância da motivação nas decisões do Júri pode ser justificada pela ampla violação que decisões arbitrárias podem produzem para os direitos e garantias fundamentais, sendo esse um cenário de retrocesso diante de um Estado Democrático regido pela rigidez de um sistema constitucionalizado. Marchiori (2020) indica que, no confronto entre ambos os princípios, deve prevalecer o princípio de maior valor jurídico que, dentro do sistema constitucional vigente, é o da motivação das decisões.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados alcançados pela pesquisa contribuíram para emitir resposta ao problema investigado. Cabe aqui então retomar ao problema, tendo ele sido predefinido como “Qual a importância do princípio da motivação à luz das decisões proferidas dentro do Tribunal do Júri?”, para responder com base nos resultados que a importância da aplicação deste princípio nas decisões do Tribunal do Júri se dá pela necessidade de controle da transparência e da legalidade destas decisões, de modo que se evite prejuízos constitucionais por decisões arbitrárias e injustas.

No atendimento dos objetivos da pesquisa, os resultados demonstraram o Tribunal do Júri é sistema de julgamento legalmente reconhecido pela própria norma constitucional em vigência, sendo ele regido pelos princípios da plenitude da defesa, do sigilo das votações, da soberania dos veredictos e da competência para julgar crimes dolosos contra a vida. Princípios estes de assento constitucional e que estruturam os procedimentos do Júri, indicados pelo CPP de 1941.

De acordo com o art. 472 do CPP, as decisões do Tribunal do Júri serão motivadas pela íntima convicção que, em palavras simplórias, é a permissão para que os jurados possam emitir suas decisões sem a necessidade de fundamentá-las, tendo por referência suas crenças e costumes sociais. Princípio esse que, de acordo com os estudos analisados e com a doutrina majoritária, confronta o princípio constitucional da motivação das decisões judiciais, consagrado pelo inciso IX, do art. 93, da CF de 1988.

Os resultados demonstraram que fatores internos e externos, ou mesmo subjetivos, podem influenciar em decisões arbitrárias e injustas no Tribunal do Júri, prejudicando assim os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos em condição de réu. Identificou-se crenças religiosas ou influência midiática como dois destes fatores, os quais podem estimular os jurados a produzirem decisões desconexas com a realidade posta em um dado caso apreciado por julgamento do Tribunal do Júri.

Revelou-se por meio dos resultados a insegurança que se tem diante da íntima convicção e, validando a necessidade de transparência e de legalidade em decisões que incorrem em limitação de direitos e garantias fundamentais, como as decisões judiciais, a importância da aplicação do princípio constitucional da motivação das decisões judiciais ficou demonstrada à luz das decisões proferidas dentro do Tribunal do Júri.

Nesse sentido, a pesquisa demonstrou que a íntima convicção é sinônimo de arbitrariedade, remetendo-se à idade média, na qual monarcas autoritários proferiam decisões infundadas, mas que eram obedecidas sem questionamento, tal qual a decisão do conselho de sentença, que é considerada como a “decisão da sociedade” frente àquele crime doloso contra vida, dessa forma, ela não precisa de motivação, devendo apenas ser baseada na íntima opinião daquele membro da sociedade que compõe o conselho de sentença.

Conclui-se então a pesquisa pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da íntima convicção, indicando aqui a necessidade de aplicabilidade da motivação nas decisões do Júri, sob riscos de arbitrariedades que podem inferir em prejuízos constitucionais, sendo assim de alta importância que haja maior controle pela transparência da fundamentação das decisões dos julgamentos no Tribunal do Júri.

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¹Autor do artigo científico, graduando em Direito. E-mail: luiz21060230@aluno.cesupa.br
²Autor do artigo científico, graduando em Direito. E-mail: maria22060206@aluno.cesupa.br