REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11194314
Neuza Silva Da Silva;
Orientador Prof. MSc. Marcelo Augusto Andrade de Oliveira
RESUMO
A importunação sexual sofrida por mulheres em transportes coletivos é uma questão social e jurídica relevante nos dias atuais. Apesar dos esforços em criar ambientes seguros, casos de importunação ainda persistem, colocando em evidência a responsabilidade das empresas de transporte e do Estado em proteger os passageiros. Este trabalho busca compreender como a responsabilidade civil é aplicada nesse contexto e examina as possibilidades de reparação às vítimas. A motivação para essa pesquisa surge da urgência em compreender as lacunas existentes na legislação e nas práticas adotadas pelas empresas de transporte coletivo no combate à importunação sexual. A ausência de uma abordagem eficaz para lidar com essas situações demanda uma análise aprofundada para promover mudanças significativas. O objetivo geral deste estudo é investigar como a responsabilidade civil é aplicada às empresas de transporte coletivo diante de casos de importunação sexual contra mulheres, identificando pontos de fragilidade e oportunidades de melhoria na proteção das vítimas. A metodologia empregada envolveu uma revisão bibliográfica detalhada, análise de legislação e jurisprudência pertinente. Os resultados revelam uma série de desafios enfrentados pelas vítimas de importunação sexual, a negligência por parte das empresas de transporte e a insuficiência de medidas preventivas. Conclui-se que a responsabilidade civil do transporte coletivo é fundamental na proteção das mulheres contra a importunação sexual, destacando a importância de medidas preventivas, políticas de capacitação e canais de denúncia acessíveis. A pesquisa ressalta a urgência em promover uma cultura de respeito e segurança nos transportes públicos, visando garantir o direito das mulheres a uma mobilidade livre de importunação sexual.
Termos-chave: Importunação, Responsabilidade, Transporte.
ABSTRACT
The sexual harassment suffered by women on public transport is a relevant social and legal issue today. Despite efforts to create safe environments, cases of harassment still persist, highlighting the responsibility of transport companies and the State to protect passengers. This work seeks to understand how civil liability is applied in this context and examines the possibilities of reparation for victims. The motivation for this research arises from the urgency to understand the gaps in legislation and practices adopted by public transport companies to combat sexual harassment. The absence of an effective approach to dealing with these situations demands in-depth analysis to promote significant changes. The general objective of this study is to investigate how civil liability is applied to public transport companies in cases of sexual harassment against women, identifying points of weakness and opportunities to improve the protection of victims. The methodology used involved a detailed bibliographical review, analysis of relevant legislation and jurisprudence. The results reveal a series of challenges faced by victims of sexual harassment, including the lack of adequate reporting channels, negligence on the part of transport companies and insufficient preventive measures. It is concluded that the civil liability of public transport is fundamental in protecting women against sexual harassment, highlighting the importance of preventive measures, training policies and accessible reporting channels. The research highlights the urgency of promoting a culture of respect and safety in public transport, aiming to guarantee women’s right to mobility free from harassment.
Key terms: harassment,l liability, transport.
INTRODUÇÃO
A importunação sexual sofrida pelas mulheres em transportes coletivos já é um tema bastante conhecido da população brasileira, haja vista que esse tipo de transporte, por ser um espaço público e de ampla interação entre os diversos indivíduos, que se dá de forma aleatória e muito rápida em um curto espaço de tempo, possibilita que pessoas de má índole possam atuar de forma libidinosa.
Muitas vezes os importunadores permanecem no anonimato sem que seus atos gerem consequência, sem contar que na maioria das vezes, o transporte comporta um número de pessoas muito maior que a sua capacidade, obrigando os cidadãos que utilizam esse serviço ao desconforto de enfrentar sua jornada em pé, espremidos como sardinhas em lata, tudo isso facilita a ação da importunação sexual.
Dessa forma, torna-se relevante abordar essa temática, levando-se em consideração que o transporte coletivo é o principal meio de locomoção utilizado pela população brasileira, logo, presume-se que deveria ser um ambiente seguro para todos os seus passageiros, resguardando assim, os seus direitos constitucionais conforme preceitua o artigo 5º e seus incisos, da nossa Carta Magna. Sendo assim, o presente trabalho visa pôr enfoque na responsabilidade civil das empresas de transportes urbanos frente aos episódios de importunação sexual suportados pelas mulheres dentro dos ônibus.
Infelizmente, no Brasil, assim como em várias partes do mundo, apesar das várias conquistas históricas das mulheres no decorrer das décadas, ainda está profundamente enraizada em nossa sociedade a cultura machista. Uma pesquisa realizada pela Organização das Nações de Unidas (ONU) em 2016 mostrou que para 94,8% das mulheres e 81,2% dos homens existe uma cultura machista enraizada na população de menosprezar e sexualizar as mulheres (ONU MULHERES, 2016, p. 09, online), sendo assim, em uma sociedade predominantemente patriarcal, as mulheres são vistas como inferiores, devendo ser submissas e do lar, ou mesmo ainda, vistas como procriadoras apenas.
Dentro dos transportes coletivos, as mulheres encontram-se em situação de vulnerabilidade, pois muitas vezes estão viajando sozinhas, sem amigos ou parentes que possam lhe fornecer algum apoio moral, ou mesmo alguma segurança. Haja vista que culturalmente as mulheres são vistas como inferiores ou frágeis, por este motivo são consideradas um alvo fácil para predadores, passíveis de sofrerem algum tipo de abuso, seja ele físico ou verbal, ou como no tema trazido à enfoque, importunação sexual, que, de acordo com o Código Penal, em seu artigo 215-A, caracteriza-se pela prática contra alguém e sem sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Acontece que em uma sociedade predominantemente machista, a sociedade acaba por normalizar esse tipo conduta lasciva, vendo como corriqueira e até aceitável, escusando o homem, por ser “coisa de homem” o que acaba por desencorajar a mulher a denunciar as práticas de importunação sexual, haja vista isto ser tratado como algo menor, sem grandes prejuízos, no entanto, o emocional da vítima fica abalado, sendo necessário que haja responsabilização pelo dano decorrente deste ato.
A mulher sempre foi, senão a escrava do homem ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condições; e ainda hoje, embora sua condição esteja evoluindo, a mulher arca com um pesado handicap. Em quase nenhum país, seu estatuto legal é idêntico ao do homem e muitas vezes este último a prejudica consideravelmente. Mesmo quando os direitos lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito impede que encontrem nos costumes sua expressão concreta. (BEAUVOIR, 2009, p. 21).
Tendo isso em mente, chegamos ao questionamento: como o nosso ordenamento jurídico pode proteger a intimidade e a honra da mulher, direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, de maneira verdadeiramente eficaz, frente a situação abordada no referido tema? Diante deste cenário, a presente monografia pretende analisar os dispositivos legais existentes em nosso ordenamento jurídico, que visam sanar a problemática da importunação sexual sofrida pelas mulheres e a responsabilização dos transtornos sofridos em decorrência do da importunação. E ainda, mostrar conflitos de entendimentos sobre o tema.
Nesse contexto, é fundamental realizar uma análise detalhada do histórico da importunação sexual na sociedade brasileira, contextualizando sua evolução ao longo do tempo dentro da legislação nacional. O assunto demanda uma investigação minuciosa das mudanças legislativas e sociais que ocorreram, destacando os marcos e avanços conquistados.
Além disso, é imprescindível examinar a legislação brasileira atual que têm como objetivo garantir a proteção das mulheres em situações de importunação. É importante avaliar a eficácia dessas leis e propostas para identificar lacunas e possíveis melhorias no sistema jurídico brasileiro.
Outro aspecto relevante é a explanação sobre os tipos de responsabilidade civil aplicáveis de acordo com nosso ordenamento jurídico. Isso envolve analisar as diferentes formas de responsabilização de agressores e instituições no contexto da importunação sexual, ressaltando a importância da reparação dos danos causados às vítimas.
Ademais, é necessário apresentar dados estatísticos relevantes sobre o tema, evidenciando a frequência e gravidade da importunação sexual no Brasil. Esses dados são essenciais para embasar os argumentos apresentados na monografia, fornecendo uma base sólida para as análises e conclusões propostas.
Em síntese, a abordagem desses pontos fornecerá uma visão abrangente e aprofundada sobre a importunação sexual no contexto brasileiro, contribuindo para o entendimento do problema e para o desenvolvimento de soluções eficazes e justas.
O presente trabalho é de suma importância, pois objetiva colaborar com o debate acerca da violência contra a mulher, trazendo visibilidade a esse tema tão sério e ao mesmo tempo tão delicado, principalmente no que se refere a importunação sofrida dentro dos transportes coletivos, pois apesar de ser de conhecimento público que esse tipo de situação ocorre há anos, ainda assim é pouco divulgado, tendo em vista o silêncio das vítimas que muitas vezes preferem manter-se inertes frente a essas circunstâncias, por medo ou vergonha. Além disso, através dos dispositivos jurídicos podemos observar fundamentos para justificar a necessidade de medidas mais enérgicas e eficazes para combater a importunação sexual.
1 CONTEXTO HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
A mulher desde os primórdios da humanidade até os dias de hoje é desvalorizada, muitas vezes vista como um objeto. Observa-se as mais variadas práticas contra a existência da mulher, independentemente de cor, classe social ou religião, oriundas de uma estrutura patriarcal.
Segundo Leite e Noronha (2015), historicamente as mulheres eram vistas como figuras inferiores, apenas com a função de servir ao lar e a sua família. Sem autonomia e opinião sobre suas próprias vidas, seus corpos e seus destinos pertenciam unicamente aos seus maridos, que as tratavam com subalternidade.
A violência contra a mulher envolve diversas questões sociais, não se sabe os fatores que dão aos homens a sensação de liberdade e direito sobre uma mulher, para que possam agredi-las e violentá-las, fisicamente ou psicologicamente.
Durante muitos anos, constava na Constituição Federal algumas leis que legitimavam os abusos e excessos de autoridade dos homens sobre a vida das mulheres, como, a indispensabilidade da permissão do cônjuge para viajar ou trabalhar. De acordo com Porto e Amaral (2014), por volta do ano de 1916, era determinado pelo Código Civil à aplicação de leis que colocava a figura masculina em posição de detentor de suas esposas, tendo em vista, que a 4 mulher que exercesse serviços fora do lar ou qualquer atitude que ia de contra aos bons costumes da época, poderiam desonrar a reputação da família.
Vale salientar, que essa violência não se estabiliza apenas na agressão física, existem várias formas que também devem ser levadas a sério, como por exemplo, a violência psicológica, que possui uma maior subjetividade para a sua identificação, às vezes, são manifestadas de formas mais sutis, como também de maneiras que podem causar danos irreversíveis à saúde mental da vítima, logo, essas agressões acarretam em perda de autoestima e estabilidade emocional, tento em vista, as humilhações sofridas diariamente, encarando o medo como algo presente em suas vidas, em face das ameaças e pressões psicológicas manifestadas por seus parceiros (OLIVEIRA, PAES, 2014).
As estatísticas revelam a gravidade da falta de segurança que as mulheres enfrentam no Brasil, segundo dados da Agência Patrícia Galvão com base no 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, trinta mulheres sofrem agressão física por hora; uma mulher é vítima de estupro a cada 10 minutos; três mulheres são vítimas de feminicídio a cada um dia e; uma travesti ou mulher trans é assassinada no país a cada dois dias. Além disso, 90% das mulheres declaram ter medo de violência sexual.
1.1 A importunação sexual nos transportes públicos
A importunação pode ser configurada através do toque em qualquer parte do corpo feminino, cantadas maldosas e encoxadas do órgão genital masculino nas mulheres, mas, a forma como a sociedade ignora esse tipo de situação, encarando como coisas do cotidiano, acabam desencorajando a realização de denúncias, em vários casos, a própria polícia trata episódios como esses com desinteresse.
De acordo com Silva (2017) toda violência sofrida pelas mulheres nos espaços públicos, inviabilizam a ruptura do ciclo de pobreza que vive impedido a sua entrada nas redes de ensino e no mercado de trabalho, em face do crescimento da insegurança no Brasil como um todo, aumentando, gritantemente quando se é mulher. Segundo a ONU Mulheres, o crescimento dos crimes sexuais contra o gênero feminino se dá pela negligência dos órgãos competentes, trazendo danos irreversíveis ao longo de suas vidas. A autora ainda afirma, que a normalidade que a sociedade encara a violência contra a mulher é fatídica e inquestionável, no qual, a partir do momento que essa violência é expressa através da importunação, em sua maioria, o caso em questão se torna ainda mais banalizado.
Ainda não é possível calcular os reflexos negativos que a violência sexual e todos os abusos trazem ao psicológico da mulher que utiliza o meio de transporte público, e de que modo, sua liberdade individual e independência são limitadas em seu cotidiano por conta disso, mas é possível coletar relatos de vítimas que afirmam que após os assédios, adquiriram traumas, insegurança de transitar pelas ruas, vergonha, repulsa da figura masculina, medo e a sensação de objetificação e menos valia.
E em caso de importunação, para se proteger muitas vezes essas mulheres são obrigadas a usarem a força física, como cotovelada, arremessar a bolsa contra o importunador, descer do transporte assim que possível, como também, aumentar o tom de voz para chamar atenção dos demais passageiros presentes.
Na Figura 1 a seguir retrata uma manifestação que destaca a importunação sofrida por mulheres no metrô da capital mais populosa do Brasil, São Paulo.
Figura 1 – Mulheres protestam na estação Sé contra o assédio sexual que vêm sofrendo dentro dos vagões e imediações das estações do Metrô
Fonte: VEJA. (2018). Uma em cada 4 mulheres já sofreu assédio no transporte coletivo. Disponível em: [//vejasp.abril.com.br/cidades/assedio-transporte-coletivo-sao-paulo/].
1.2 Contexto histórico – Leis que amparam as mulheres
Antes da década 30 as mulheres não possuíam os mesmos direitos dos homens, pois elas eram inferiorizadas em equiparação aos homens, não possuía prioridade na aquisição de herança ou privilégios sociais.
A sociedade veio a ter uma visão da mulher como cidadã com o Código Eleitoral de 1932, e depois com a Constituição de 1934, onde ambos garantiram direitos políticos e o voto feminino, sendo concebido o direto das mulheres ocuparem espaços públicos com poder determinante emitido pelo voto.
Durante muitos anos, a própria Constituição Federal possuía algumas leis que legitimavam os abusos e excessos dos homens sobre a vida das mulheres, como, a indispensabilidade da permissão do cônjuge para viajar ou trabalhar.
No Brasil, os anos 2000 foram marcados pela crescente discussão sobre as formas para proteção à vida das mulheres. Um dos grandes marcos históricos quando o assunto é violência de gênero, sem dúvida, foi o surgimento da Lei Maria da Penha, que provocou uma mudança no paradigma institucional.
Entretanto, houve mudanças desde o processo constituinte de 1988, com a participação massiva de organizações feministas, seguindo os anos 90, marcado pela criação das secretarias específicas para as mulheres, culminando em uma nova secretaria de políticas, com status de ministério, na primeira metade dos anos 2000.
Assim, foram criadas outras novas leis para tentar garantir a segurança da mulher, que são:
Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104, 2015), alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio.
Lei do Minuto Seguinte (Lei nº 12.845/2013), dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Lei nº 13.718/2018, tipifica os crimes de importunação sexual de divulgação de cena de estupro;
Lei nº 13.642/2018, atribui à Polícia Federal atribuição para investigação de crimes praticados na rede mundial de computadores, que difundam conteúdo misógino definidos como aqueles que propagam ódio ou aversão às mulheres;
Lei nº 13.931/2019, dispõe sobre a notificação compulsória dos casos de indícios ou confirmação de violência contra a mulher, atendida em serviços de saúde públicos e privados;
Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012), dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos.
Lei Joana Maranhão (Lei nº 12.650/2015), a finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes. Lei Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica (Lei nº 14.188/2021), Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher Lei nº 14.192/2021, estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, para dispor sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais;
Lei nº 14.324/2022, institui o dia 13 de março como Dia Nacional de Luta contra a Endometriose;
Lei nº 14.326/2022, altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para assegurar à mulher presa gestante ou puérpera tratamento humanitário antes e durante o trabalho de parto e no período de puerpério, bem como assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido.
São inúmeras as leis com o intuito de proteger a mulher, porém, mesmo diante de todas essas tentativas de proteção, ainda assim, não é suficiente, pois muitas mulheres são assediadas diariamente nos transportes públicos no Brasil, e o problema não está somente dentro dos vagões e ônibus, mas também do lado de fora, nas estações e plataformas.
O transporte exclusivo para mulheres é umas das políticas públicas sugeridas pela representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, para diminuir o assédio em público, que já é utilizado em São Paulo e Distrito Federal.
Contudo, essa não é a solução do problema, pois ao separar e isolar mulheres em um único vagão, ocorre a culpabilização dessas mulheres e também a limitação de seu espaço, o agressor poderá andar livremente em todos os vagões, enquanto a mulher ficará confinada. A segregação equivale a afirmar que as mulheres são culpadas pelo assédio que sofrem. E que a implantação de vagões exclusivos poderia até mesmo encorajar investidas nos vagões comuns, sob o pretexto de que as passageiras a bordo estariam se arriscando a passar por esse constrangimento
1.3 Dados estatísticos
A importunação sexual é uma realidade persistente na vida da maioria das mulheres brasileiras. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, com o apoio da Uber, sobre violência contra a mulher no transporte, 71% das mulheres conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em espaço público. Além disso, um alarmante 97% das mulheres entrevistadas relataram já terem sido vítimas de assédio em meios de transporte.
Esses números revelam uma situação preocupante e indicam a urgência de medidas para enfrentar essa questão. A pesquisa, que ouviu 1.081 brasileiras que utilizaram transporte público e por aplicativo nos três meses anteriores à data do início do estudo, busca entender os obstáculos e desafios enfrentados pelas mulheres em sua locomoção diária pelas cidades. Essas informações são cruciais para o desenvolvimento de políticas públicas e ações que visem garantir a segurança e o bem-estar das mulheres durante seus deslocamentos cotidianos. A seguir na Figura 2 apresentação gráfica das informações abordadas.
Figura 2 – Situações pelas quais as mulheres já passaram em meios de transporte
Fonte: Instituto Patrícia Galvão/Locomotiva. (2019). 97% das mulheres já sofreram assédio em meios de transporte. Disponível em: [https://claudia.abril.com.br/sua-vida/mulheres-assedio-transporte/].
A pesquisa confirma que, lamentavelmente, a importunação sexual no transporte é uma realidade presente na vida das mulheres brasileiras. Para elas, que em sua maioria estudam e trabalham fora de casa, a segurança no deslocamento é uma questão fundamental. É crucial não apenas aplicar a legislação que criminaliza essa prática, mas também desenvolver políticas e mecanismos de prevenção, a fim de garantir que as brasileiras possam se sentir seguras ao exercerem seu direito de ir e vir assegurando também seu direito a uma vida sem violência.
A pesquisa, conduzida pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Locomotiva e com o apoio da Uber, entrevistou 1.081 brasileiras com 18 anos ou mais, das classes A, B, C e D, de todas as regiões do país. As entrevistadas utilizaram transporte público e por aplicativo pelo menos uma vez nos últimos três meses. O período de coleta de dados foi em fevereiro de 2019.
Neste sentido há também, segundo levantamento, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, 7,78% das mulheres foram assediadas fisicamente dentro de coletivos, o que representa cerca de 16 milhões de brasileiras que sofreram algum tipo de violência durante o ano passado, totalizando aproximadamente 27,35% da população feminina do país. A preocupação do setor responsável pelo transporte diário de 40 milhões de passageiros no Brasil é conscientizar e orientar as mulheres e demais usuários do sistema a denunciarem os abusos, além de dissuadir potenciais assediadores.
O presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Vieira da Cunha Filho, anunciou que a entidade, em parceria com o SEST SENAT (Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), atualizou as peças da campanha iniciada em 8 de março de 2018. O foco agora é na criminalização do ato de importunação sexual, que está tipificado na lei com pena de 1 a 5 anos de prisão. A seguir na Figura 3 traz a ilustração na campanha em questão.
Figura 3 – Casos de assédio nos coletivos
Fonte: Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. (2019). Setor alerta para a criminalização do assédio em ônibus. Disponível em: [https://www.gvbus.org.br/setor-alerta-para-a criminalizacao-do-assedio-em-onibus/].
Além da campanha, o SEST SENAT desenvolve uma capacitação para profissionais do setor de transporte, especialmente motoristas e cobradores. O objetivo é orientar sobre como lidar com casos de violência sexual e de gênero, em um esforço conjunto para inibir tais ocorrências dentro do transporte público e prestar melhor atendimento às vítimas.
Os materiais da campanha incluem cartazes, folhetos distribuídos a bordo e nos terminais de passageiros, busdoor (com conteúdo para uso interno e externo), cards para redes sociais, vídeos e outros recursos. Todas as peças publicitárias contêm números de telefone para denúncias e destacam a severidade da lei que tipifica o assédio sexual como crime. A iniciativa visa mobilizar as mais de 500 empresas associadas e entidades filiadas à NTU.
1.4 Definição e tipos de importunação sexual
A sociedade vive em constante transformação. Ao longo dos anos, as culturas e as normas sociais vão se modificando de acordo com as necessidades dos indivíduos que convivem em comunidade. No que diz respeito às leis, elas são criadas de acordo com os costumes e modos de vida levados por aqueles que compõem o social.
Se tratando de um Estado democrático de direito, as questões sociais e a importância de garantir a dignidade humana foi ganhando mais relevância, portanto, entende-se que a liberdade sexual das pessoas precisava obter uma. Maior proteção, criando novas leis e tipificando crimes para assegurar a defesa de cada cidadão.
Logo, a sociedade passou a não tolerar comportamentos que ferem a dignidade sexual do indivíduo. Por outro lado, a realidade nacional de crimes sexuais só aumenta ao decorrer dos anos, principalmente para com as mulheres brasileiras, onde a influência de uma sociedade sexista agride brutalmente todo o seu desenvolvimento e crescimento, causando limitações e desigualdade para alçar os mesmos lugares que os homens possuem o privilégio de ter (MOREIRA et al., 2018).
A importunação sexual é qualquer prática de cunho sexual que é realizada sem o consentimento da vítima para satisfazer o próprio prazer ou de terceiros. Ela é caracterizada por condutas invasivas de natureza sexual que ocorrem sem o consentimento da vítima e que têm o objetivo de constrangê-la ou intimidá-la.
A importunação sexual passou a ser considerada crime no Brasil somente em 2018, anteriormente considerada apenas uma contravenção penal. Tal tema ficou em foco entre 2017 e 2018 na cidade de São Paulo, quando começaram ocorrer denúncias de homens se masturbando no transporte público.
Lei 13.718 estabeleceu o crime de importunação sexual e alterou o Código Penal acrescentando o Artigo 215-A, que diz: Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Alguns tipos de importunação sexual incluem: “passar a mão”, apalpar, beijar à força, ejacular em público, entre outras ações, que acontecem sem o consentimento da vítima e sem violência física ou grave ameaça. No entanto, o ato libidinoso não precisa, necessariamente, de contato físico entre importunador e vítima.
Lei nº 13.718/2018- Lei brasileira sobre importunação sexual até o ano de 2018, não havia previsão legal específica para as condutas praticadas contra a dignidade sexual das vítimas, sendo que, na maioria das vezes, os casos eram praticados contra as mulheres.
Em virtude da inserção do tipo penal importunação sexual, a Lei 13.718/18 revoga a contravenção penal do art. 61 do Decreto-lei 3.688/41 (importunação ofensiva ao pudor). No entanto, não há o que se falar em abolitio criminis relativa à contravenção, pois estamos à frente do princípio da continuidade normativo-típica. O tipo do Art. 61 da Lei de Contravenção Penal é formalmente revogado, porém o conteúdo do tipo migra para outra figura para que a importunação seja punida adequadamente.
Já há alguns anos em que tem sido comum algumas situações em que as pessoas são surpreendidas, de forma negativa, com divulgações de imagens da intimidade na rede mundial de internet, seja pelo fato da pessoa, em sua inocência, se deixar fotografar/filmar por alguém em quem confia, ou ainda enviando imagens íntimas a alguém próximo de sua confiança. Nessas situações, acaba acarretando na surpresa no que tange a deslealdade, seja por violação da intimidade sem o conhecimento do interessado, como por exemplo o caso da atriz Carolina Dieckmann. Há ainda os casos de estupros registrados pelos próprios autores e depois divulgados. Obviamente, o que se depreende dessas diversas situações, é o agravamento da ofensa à dignidade sexual da vítima.
Concernente aos crimes que ferem a dignidade sexual, anteriormente não havia nada que pudesse indicar uma conduta típica. Por exemplo: quando alguém passava a mão em uma mulher/homem dentro no transporte coletivo, não havia solução jurídica capaz de responder de forma proporcional à gravidade do fato.
No caso exemplificado acima, ou era solucionado como uma conduta como estupro, ou então era considerada uma conduta como contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor. Na questão do estupro, era uma forma equivocada juridicamente de se solucionar, dada a ausência de violência ou grave ameaça, e é um crime considerado hediondo.
Ainda considerando a problemática da importunação ofensiva ao pudor, é importante destacar que, embora essa conduta pudesse ser considerada a tipificação mais técnica à época, ela carecia de dispositivos penais que oferecessem sanções proporcionais à gravidade do ocorrido. Na verdade, a legislação então vigente previa apenas a imposição de pena de multa, tratando o delito como uma contravenção penal. Essa característica da legislação revelava uma lacuna importante no sistema legal, uma vez que não fornecia meios adequados para lidar com a seriedade do delito, deixando muitas vezes as vítimas desamparadas diante de situações de violência sexual. Com o novo tipo penal, há uma unidade mais eficaz, que é a pena de reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos para quem praticar o crime da importunação sexual, englobando, assim várias condutas que se encontravam num limbo protetivo.
Evidentemente, a não criminalização de certas condutas sexuais que ofendiam a dignidade sexual das mulheres, faziam com que, de certa forma, as mulheres que passavam por essas situações delicadas, deixassem de denunciar os assédios vivenciados. Muitas das vezes, não o faziam por sentir uma certa vergonha e até mesmo por medo de que os assediadores não seriam punidos de forma mais rigorosa. A falta de denúncias influenciava grandemente no aumento das condutas contra a dignidade sexual das mulheres, e causava uma certa privação de liberdade de ir e vir nos meios de transportes coletivos, espaços públicos e outros.
Com o advento da Lei, a proteção da dignidade sexual ficou mais eficaz, pois após sua promulgação, houveram vários casos amplamente denunciados de importunação sexual, e acarretou na “liberdade” feminina para chamar atenção aos casos.
2 ANÁLISE SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL
O conceito de responsabilidade civil está estreitamente ligado ao princípio de não prejudicar o próximo.
Responsabilidade ressalta o princípio da proibição de ofender (“neminem laedere“), fundamental para a manutenção da ordem e do respeito mútuo em uma sociedade. Isso evidencia a aplicabilidade da responsabilidade civil, que se presta não apenas à reparação de danos decorrentes de atos ilícitos, como também àqueles oriundos de descumprimentos contratuais.
É, nesse cenário, um instrumento de justiça e equilíbrio nas relações sociais e econômicas. No âmago dessa concepção, a responsabilidade civil pode ser entendida como o conjunto de princípios e normas que regem as obrigações legais de reparação dos danos causados a terceiros em decorrência das ações ou omissões de um agente.
Dessa forma, a responsabilidade civil abrange não apenas a obrigação de compensar os prejuízos materiais ou morais, mas também a ideia mais ampla de restabelecer a situação anterior à ocorrência do dano, tanto quanto possível. Trata se, portanto, de um mecanismo essencial para promover a justiça e a equidade nas relações sociais e jurídicas.
Para Silvio Venosa (2021) a responsabilidade civil é resultado de um dano, que pode ser direto ou indireto, causado a patrimônio de terceiro, por dolo, culpa ou simples fato, que deve ser ressarcido.
O Código Civil, em seu artigo 186 traz os elementos que configuram a responsabilidade civil, mas não será trazido todos os elementos que a englobam, somente o necessário para exposição do tema. Portanto, quando diz “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, então aqui se tem três variáveis, a conduta humana, o dano e o nexo.
O mesmo dispositivo legal prevê a responsabilização de quem lesa interesse ou direito de outro, em seu artigo 927 “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo”.
Sobre a responsabilidade civil, Diniz (2003, p. 34) nos ensina que:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).
Conforme Venosa (2021), a responsabilidade objetiva e subjetiva são dois desdobramentos desse tema, sendo que a primeira resulta do dano e do nexo causal, formando a teoria do risco, e a última está centrada na ideia de culpa (lato sensu).
2.1 Responsabilidade civil subjetiva
Na responsabilidade civil subjetiva, a culpabilidade do agente é o principal critério determinante. No entanto, além da culpa, é essencial comprovar a intenção do agente para que surja o dever de indenizar. Isso significa que não basta apenas demonstrar que o agente agiu de forma negligente, imprudente ou imperita; é preciso também evidenciar que ele agiu com a intenção deliberada de causar dano à vítima ou de infringir um dever legal ou contratual. Essa exigência de prova da intenção do agente implica uma análise mais aprofundada das circunstâncias do caso, buscando evidências claras de que o agente agiu de forma consciente e intencional. Assim, na responsabilidade civil subjetiva, a comprovação da culpa do agente é apenas o primeiro passo; a prova da intenção do agente é o elemento crucial para determinar se há ou não dever de indenizar.
Silvio Rodrigues (2002, p. 11) ensina que “se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na ideia de culpa”. Sendo assim a concepção tradicional da responsabilidade do agente causador de dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente, de modo que é necessário que haja prova da culpa do dano causado para haver o dever de indenização. Sendo assim, diz-se responsabilidade subjetiva pois depende do comportamento do agente, da intenção deliberada de cometer o ato danoso.
Importante notar que a intenção de causar dano (dolo) não é um requisito para a configuração da responsabilidade civil, que pode ocorrer mesmo em casos de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), onde não há a intenção de prejudicar.
2.2 Responsabilidade civil objetiva
A teoria da responsabilidade objetiva é caracterizada pela ausência de culpa para que haja responsabilidade, nesse conceito, a relação de causalidade entre o ato do agente e o dano causado gera o dever de indenizar. Em alguns casos, a culpa será presumida ou desnecessária a sua prova, sendo assim, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao autor da ação provar somente a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu (GONÇALVES, 2003).
O Código Civil tem como regra geral a responsabilidade subjetiva, porém, em seu artigo 927, parágrafo único, traz a responsabilidade civil objetiva baseada na teoria do risco quando afirma que existe obrigação de reparar o dano quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, sendo assim, o elemento relevante para que surja o dever de indenizar é o fato e não a culpa. Silvio Rodrigues (2002, p. 10) define a responsabilidade objetiva da seguinte forma:
Na responsabilidade objetiva, a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.
Para Silvio Rodrigues (2003) a teoria do risco está atrelada a responsabilidade objetiva, pois o agente que em razão de sua atividade, cria risco de dano para outra pessoa, deve ser obrigado a repará-lo, mesmo que isento de culpa. Avalia-se a situação, e se verificada a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano causado, gera o dever de ser indenizar.
A teoria do risco, ligada à responsabilidade objetiva, representa um avanço significativo no campo da responsabilidade civil, especialmente em situações onde a vítima enfrenta dificuldades em provar a culpa do agente causador do dano. Ela se fundamenta na ideia de que certas atividades, por sua natureza, podem gerar riscos que devem ser suportados pelo agente que as realiza, independentemente de ter agido com culpa.
Isso significa que, se a atividade em si cria um risco para terceiros e esse risco se materializa causando danos, o agente responsável pela atividade deve indenizar a vítima. Essa abordagem busca garantir uma reparação adequada para as vítimas, mesmo em casos onde a culpa não possa ser claramente atribuída ao agente, promovendo assim maior segurança jurídica e proteção aos indivíduos prejudicados.
2.3 Responsabilidade civil da transportadora
O dever de indenização não se limita a penalizar o agente causador do dano, mas visa principalmente permitir que a vítima se restabeleça ao seu estado anterior ao dano ou, ao menos, em condições similares.
O código do consumidor aborda essa questão, estabelecendo que o Estado tem a obrigação de fornecer um serviço adequado, competente e seguro, conforme estipulado no artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
As transportadoras têm uma relevância substancial nesse contexto mencionado no artigo, pois os usuários do transporte público possuem uma gama de direitos fundamentais assegurados pela legislação em vigor, especialmente aqueles relacionados à segurança, saúde e integridade física.
Vale destacar que essa relação contratual traz consigo uma variedade de expectativas por parte dos passageiros, que almejam receber um serviço de alto padrão, eficaz e seguro ao fazer uso do transporte público. Diante disso, as transportadoras assumem um compromisso tanto legal quanto moral de assegurar a integridade física e a segurança dos passageiros ao longo de toda a viagem.
Em situações em que ocorra o não cumprimento total ou parcial das obrigações, as empresas serão responsáveis por reparar os danos, conforme previsto no parágrafo único desta disposição “Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”.
Logo, é de responsabilidade das prestadoras de serviços a qualidade, e segurança, porém a realidade para as mulheres que utilizam dos transportes não é de segurança, mas o oposto.
O Estado tem a obrigação de fornecer esse serviço à sociedade de maneira a beneficiar todos os cidadãos, não apenas disponibilizá-lo, mas também garantir eficiência tanto na prestação quanto na manutenção. Essa responsabilidade está estipulada em lei. O artigo 37 da Constituição Federal estabelece:
Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Assim, as empresas prestadoras de serviços não apenas devem garantir a qualidade na entrega de seus serviços, mas também são responsáveis pelos danos causados, conforme mencionado no parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição. No entanto, é fundamental que o Estado forneça um serviço de excelência, a fim de promover uma fiscalização eficaz da prestação de serviços à sociedade, garantindo a segurança e evitando incidentes.
Os danos resultantes da falta de segurança na prestação de serviços podem ser irreversíveis para a sociedade, especialmente para as mulheres, muitas vezes gerando medo e inseguranças ao continuar a viver em sociedade. Entretanto, o dano é um elemento essencial da responsabilidade civil, pois sua existência é fundamental para discutir sobre o assunto em questão. Afinal, o objetivo da responsabilidade civil é garantir a reparação do dano causado.
Além de ter direitos iguais, também dispõe o inciso XV, sua liberdade de locomoção;
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
Todos possuem o direito à livre locomoção, porém, para as mulheres, as dificuldades são constantes em seu cotidiano, seja para trabalhar, estudar ou simplesmente sair. A Figura 3 a seguir ilustra como as mulheres podem ser facilmente assediadas no transporte público.
Figura 3 – Assédio sexual contra as mulheres
Fonte: RBA. (2018). Assédio às mulheres no metrô acompanha aumento de crimes sexuais em São Paulo. Disponível em: [https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/assedio-as-mulheres-no-metro de-sao-paulo-acompanha-aumento-de-crimes-sexuais/].
O sexo feminino é quem constantemente enfrenta a perspectiva de se tornar mais uma vítima, apenas mais um número, porque algum homem acreditou ter direitos sobre seu corpo. Viver com medo é a realidade de todas ao sair de casa.
Neste sentindo Jessyca Byanca Basílio Moreira (2017, p. 41) pontua que: Os vagões de metrô e ônibus lotados são desculpa para que os homens se encostem desnecessariamente nas mulheres e aproveitem-se delas. Qualquer mulher que já utilizou os transportes coletivos em horário de pico, sabe que esse comportamento é uma realidade latente e que não pode ser negada. O que seria um direito de ir e vir livremente, se torna algo de perturbação, medo e temores para as mulheres.
Outra questão relevante nos transportes coletivos é a escassez de veículos para atender à demanda das grandes cidades, o que contribui para o aumento dos casos de importunação sexual dentro desses meios de transporte. Como se não bastasse este fato, por muito tempo esse tipo de comportamento foi tido como natural: ausência de amparo às vítimas e de punição aos culpados. A importunação sexual contra as mulheres nos coletivos é algo que é de extrema preocupação perante a população feminina afinal, segundo um estudo realizado pela Rede Nossa de São Paulo (2020) mostrou que 43% das mulheres relatam já terem sofrido assédio dentro do transporte público.
O transporte público permanece como o local em que as mulheres sentem maior risco de sofrer algum tipo de assédio (46%); seguido de rua (24%). Em outro patamar, bares e casas noturnas são citados por 8% das mulheres; pontos de ônibus por 7%; trabalho por 5%; transporte particular (como táxi, Uber, Cabify, Easy e 99) por 3%; e ambiente familiar, também, por 3%. Corroborando esse sentimento de risco, confirma-se a tendência de crescimento do assédio em todas as situações avaliadas, sendo assédio no transporte coletivo (43%) e importunação sexual (31%) como os mais frequentes. (REDE NOSSA SÃO PAULO, 2020, online)
A importunação sexual no transporte público ocorre de forma discreta, aproveitando-se do fato de ser um ambiente de circulação popular e frequentemente lotado, o que permite aos agressores explorar as vítimas. Eles se aproveitam do contato próximo com as vítimas para cometerem crimes como encoxadas, toques em áreas íntimas e, em casos extremos, até mesmo ejaculação sobre as mulheres.
A influência direta da cultura machista no Brasil está intrinsecamente relacionada aos casos de importunação. O patriarcado promove a ideia de posse sobre as mulheres, minimizando atos criminosos como se fossem inofensivos. Por exemplo, no transporte público, em um ambiente lotado, o simples ato de encostar em alguém é considerado algo comum.
Logo, o que facilita as ações dos abusadores, muitas vezes, são ônibus e vagões lotados, já demonstrando uma enorme falha na prestação do serviço, uma vez que, há limites definidos para a quantidade de pessoas que podem ser transportadas simultaneamente.
3 CONFLITO ENTRE ENTENDIMENTO DO STJ E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Mesmo explanandosobre todos os fatores que fazem com que a transportadora seja a responsável pela importunação sexual que as mulheres sofrem no transporte público, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), possui divergências sobre o tema.
Ademais, há julgados favoráveis, onde o entendimento da corte sobre o tema, estabeleceu que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas. (REsp 1.662.551).
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO LIBIDINOSO PRATICADO CONTRA PASSAGEIRA NO INTERIOR DE UMA COMPOSIÇÃO DE TREM NA CIDADE DE SÃO PAULO/SP (“ASSÉDIO SEXUAL”). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. NEXO CAUSAL. ROMPIMENTO. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE CONEXIDADE COM A ATIVIDADE DE TRANSPORTE. 1. Ação ajuizada em 02/07/2014. Recurso especial interposto em 28/10/2015 e distribuído ao Gabinete em 31/03/2017. 2. O propósito recursal consiste em definir se a concessionária de transporte de trens metropolitanos da cidade de São Paulo/SP deve responder pelos danos morais sofridos por passageira que foi vítima de ato libidinoso ou assédio sexual praticado por outro usuário, no interior de um vagão. 3. Os argumentos invocados pela recorrente não demonstram como o acórdão recorrido violou os arts. 212, IV, do CC/02 e 334, IV, do CPC/73, o que inviabiliza o julgamento do recurso especial quanto ao ponto. Aplica-se, na hipótese, a Súmula 284/STF. 4. A cláusula de incolumidade é ínsita ao contrato de transporte, implicando obrigação de resultado do transportador, consistente em levar o passageiro com conforto e segurança ao seu destino, salvo se demonstrada causa de exclusão do nexo de causalidade, notadamente o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. 5. O fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. Exclui-se a responsabilidade do transportador quando a conduta praticada por terceiro, sendo causa única do evento danoso, não guarda relação com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, equiparando-se a fortuito externo. De outro turno, a culpa de terceiro não é apta a romper o nexo causal quando se mostra conexa à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando fortuito interno. 6. Na hipótese, conforme consta no acórdão recorrido, a recorrente foi vítima de ato libidinoso praticado por outro passageiro do trem durante a viagem, isto é, um conjunto de atos referidos como assédio sexual. 7. O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito por socorro das mulheres, vítimas costumeiras desta prática odiosa, que poderá no futuro ser compartilhado pelos homens, também objetos potenciais da prática de assédio. 20 8. É evidente que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas. 9. Mais que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual. Em tal contexto, a ocorrência desses fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação do serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, a qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se sujeitos. 10. Na hipótese em julgamento, a ocorrência do assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela recorrida CPTM e, por se tratar de fortuito interno, a transportadora de passageiros permanece objetivamente responsável pelos danos causados à recorrente. 11. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1662551/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 25/06/2018).
No Recurso Especial 1.662.551, discute-se a responsabilidade de uma concessionária de transporte de trens metropolitanos da cidade de São Paulo por danos morais sofridos por uma passageira vítima de assédio sexual no interior de um vagão de trem
Em seguida, a decisão aborda a cláusula de incolumidade, que é inerente ao contrato de transporte e implica a obrigação do transportador de garantir a segurança e o conforto do passageiro durante a viagem. Essa obrigação de resultado só pode ser excluída em casos de causa de exclusão do nexo de causalidade, como o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
O texto destaca que o fato de terceiro pode ou não romper o nexo de causalidade. A responsabilidade do transportador é excluída quando a conduta do terceiro não guarda relação com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, configurando um fortuito externo. Por outro lado, a culpa de terceiro não é capaz de romper o nexo causal quando está conectada à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando um fortuito interno.
No caso em julgamento, o acórdão conclui que a ocorrência do assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela concessionária de transporte e, portanto, configura um fortuito interno. Assim, a transportadora de passageiros permanece objetivamente responsável pelos danos causados à passageira.
Essa decisão reflete uma sensibilidade para com a questão do assédio sexual no transporte público, reconhecendo-o como um risco da atividade que as transportadoras devem enfrentar e prevenir. Ao responsabilizar a empresa pelo assédio sofrido pela passageira, o tribunal reforça a importância de garantir a segurança e o bem-estar dos passageiros durante suas viagens.
No entanto, há também decisões desfavoráveis, na qual a corte entendeu que o ato criminoso sexual como fato doloso de terceiro, rompendo com o nexo de causalidade e consequentemente, excluindo a responsabilidade civil da empresa transportadora. (REsp 1.833.722 e REsp 1.748.295).
REsp 1.833.722. CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO LIBIDINOSO PRATICADO POR USUÁRIO CONTRA PASSAGEIRA NO INTERIOR DE ESTAÇÃO DE TREM METROPOLITANO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO E ESTRANHO AO CONTRATO DE TRANSPORTE. FORTUITO EXTERNO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. A responsabilidade decorrente do contrato de transporte de pessoas é objetiva (CC, arts. 734 e 735), sendo obrigação do transportador a reparação do dano causado ao passageiro quando demonstrado o nexo causal entre a lesão e a prestação do serviço, pois o contrato de transporte acarreta para o transportador a assunção de obrigação de resultado, impondo ao concessionário ou permissionário do serviço público o ônus de levar o passageiro incólume ao seu destino. É a chamada cláusula de incolumidade, que garante que o transportador irá empregar todos os expedientes que são próprios da atividade para preservar a integridade física do passageiro contra os riscos inerentes ao negócio, durante todo o trajeto, até o destino final da viagem. Essa responsabilidade, entretanto, não é por risco integral. 2. A teor da Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal: “a responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. Compreende-se na responsabilidade objetiva do transportador “pelo acidente com o passageiro”, qualquer acontecimento casual, fortuito, inesperado inerente à prestação do serviço de transporte de pessoas, ou seja, acidente que tenha nexo causal com o serviço prestado, ainda que causado por terceiro, desde que caracterize o denominado fortuito interno. A expressão “acidente com o passageiro” não atrai a responsabilidade do transportador quanto a eventos, causados por terceiro, sem que tenham mínima relação direta com os serviços de transporte, isto é, por ocorrências estranhas ao serviço de transporte, provocadas por terceiro, as quais fujam completamente ao alcance preventivo do transportador, pois caracterizam o chamado fortuito externo. 3. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, estatui: “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela Documento: 1985971 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 15/03/2021 Página 1de 8 reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços”, não sendo responsabilizado quando provar “a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro” (art. 14, caput e § 3º). 4. Portanto, o ato, doloso ou culposo, estranho à prestação do serviço de transporte, causado por terceiro, não guarda nexo de causalidade com o serviço prestado e, por isso, exonera a responsabilidade objetiva do transportador, caracterizando fortuito externo. Noutro giro, o ato, doloso ou culposo de terceiro, conexo com a atividade do transportador e relacionado com os riscos próprios da atividade econômica explorada, caracteriza o chamado fortuito interno, atraindo a responsabilidade do transportador. 5. Assim, nos contratos onerosos de transporte de pessoas, desempenhados no âmbito de uma relação de consumo, o fornecedor de serviços não será responsabilizado por assédio sexual ou ato libidinoso praticado por usuário do serviço de transporte contra passageira, por caracterizar fortuito externo, afastando o nexo de causalidade. 6.Recurso especial a que se nega provimento. (online, acessado 10 fev. 2024).
O Recurso Especial 1.833.722 trata de um caso de responsabilidade civil do transportador em relação a um ato libidinoso praticado por um usuário contra uma passageira no interior de uma estação de trem metropolitano. O cerne da questão reside na atribuição de responsabilidade ao transportador diante desse incidente. A decisão deixa claro que a responsabilidade do transportador não é absoluta. A Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal estabelece que a responsabilidade contratual do transportador não é afastada pela culpa de terceiro, contra o qual o transportador tem ação regressiva. Isso significa que, mesmo que o dano seja causado por um terceiro, o transportador ainda pode ser responsabilizado, desde que haja nexo causal com o serviço prestado e caracterize um “fortuito interno”. O recurso também ressalta o papel do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que o fornecedor de serviços é responsável pela reparação dos danos causados aos consumidores, independentemente da existência de culpa. No entanto, essa responsabilidade não se aplica quando o fornecedor provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Assim, o acórdão conclui que, nos contratos de transporte de pessoas, o fornecedor de serviços não será responsabilizado por atos libidinosos praticados por usuários do serviço contra passageiras, pois isso caracteriza um “fortuito externo”, ou seja, um evento estranho à prestação do serviço de transporte e que não guarda nexo de causalidade com o serviço prestado.
Portanto, o recurso especial foi negado, mantendo a decisão de que o transportador não é responsável pelo ato libidinoso praticado por um usuário contra uma passageira no interior da estação de trem metropolitano.
REsp: 1.748.295 RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ATO LIBIDINOSO PRATICADO CONTRA PASSAGEIRA NO INTERIOR DE UMA COMPOSIÇÃO DE TREM DO METRÔ PAULISTA – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA – FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO E ESTRANHO AO CONTRATO DE TRANSPORTE – PRECEDENTES DO STJ. INCONFORMISMO DA AUTORA. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, não há responsabilidade da empresa de transporte coletivo em caso de ilícito alheio e estranho à atividade de transporte, pois o evento é considerado caso fortuito ou força maior, excluindo-se, portanto, a responsabilidade da empresa transportadora. Precedentes do STJ. 2. Não pode haver diferenciação quanto ao tratamento da questão apenas à luz da natureza dos delitos. 3. Na hipótese, sequer é possível imputar à transportadora eventual negligência pois, como restou consignado pela instância ordinária, o autor do ilícito foi identificado e detido pela equipe de segurança da concessionária de transporte coletivo, tendo sido, inclusive, conduzido à Delegacia de Polícia, estando apto, portanto, a responder pelos seus atos penal e civilmente. 4. Recurso especial desprovido. (STJ – 45 REsp: 1.748.295 SP 2018/0094032-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento 13/12/2018, Data de Publicação: Dje 13/02/2019)
E assim se tem entendido porque o fato culposo de terceiro se liga ao risco do transportador, relaciona-se com a organização do seu negócio, caracterizando o fortuito interno, que não afasta a sua responsabilidade.
O direito à segurança e ao transporte público é um direito de todos os cidadãos. Ao considerar os artigos que abordam a legislação sobre transporte público e a segurança como direito social, fica evidente a importância do serviço fornecido pelo Estado e pelas empresas de transporte, uma vez que a qualidade do serviço oferecido aos usuários está diretamente condicionada à segurança e à eficácia do transporte.
É imprescindível que as empresas de transporte assegurem que seus usuários cheguem aos seus destinos de forma segura e sem incidentes. Portanto, para fornecer um serviço de qualidade, não basta apenas realizar o transporte de um ponto a outro, mas também garantir a segurança e a integridade dos passageiros ao longo de toda a viagem.
É evidente que os danos ocorridos dentro do transporte coletivo são de responsabilidade civil da empresa, sendo seu dever assumir a responsabilidade por tais incidentes. Como prestadora de serviços, a empresa responde objetivamente por essas ocorrências.
Portanto, para determinar se a concessionária de transporte público deve ser responsabilizada civilmente pela importunação sexual praticada por terceiros, é crucial investigar as medidas efetivamente adotadas pela empresa para garantir a segurança dos passageiros, bem como a assistência prestada quando tais crimes ocorrem.
CONCLUSÃO
Em primeiro lugar, foi abordada a evolução histórica dos costumes e das leis, destacando a cultura de supremacia masculina que prevaleceu no Brasil. Esse contexto histórico influenciou diretamente o número significativo de casos de violência contra a mulher, uma vez que o patriarcado moldou o pensamento dos homens em relação à posse sobre as mulheres.
Essas questões históricas explicam em grande parte a criação de leis machistas e patriarcais, que tratavam as mulheres de forma injusta. Na época em que essas leis foram elaboradas, os crimes sexuais eram considerados transgressões aos costumes, ligados aos valores individuais. Como resultado, as leis protegiam apenas as mulheres consideradas “puras”, deixando as demais desamparadas.
Devido à ótica machista que permeava a sociedade, os crimes de violência contra a mulher eram tratados de maneira superficial, com penas irrelevantes em relação ao dano causado às vítimas. Essa abordagem negligente refletia a visão distorcida que a sociedade tinha sobre a violência de gênero.
No entanto, é essencial compreender que as leis precisam evoluir junto com a sociedade. Atos contra a sexualidade não podem mais ser tolerados, uma vez que a sociedade está em constante evolução e reconhece a importância da igualdade de gênero. A luta contra a violência de gênero deve ser permanente, visando à construção de uma sociedade mais justa e equitativa para todos. Em seguida foi abordada a necessidade das leis se adequarem à sociedade contemporânea, onde legislações que tratavam crimes contra a sexualidade de forma negligente não são mais aceitas pela sociedade, devido à evolução social e à percepção de que a supremacia masculina é antiquada. Verifica-se que a falta de projetos e políticas públicas para combater os assédios e importunações sexuais leva a um aumento significativo de casos. A importunação no transporte público é uma realidade, causando medo entre as mulheres, especialmente nas grandes cidades.
No início da elaboração da tese, foi crucial explorar o machismo arraigado e o contexto social do Brasil, evidenciando que a cultura do assédio é aceita como algo natural, o que é compatível com a realidade atual e futura, perpetuando um sentimento de inferioridade nas mulheres para obter vantagens indevidas e libidinosas. A mobilidade é essencial para a vida humana, sendo um dos motivos fundamentais para a inclusão do transporte como direito social pela Emenda Constitucional nº 90/2015, que o insere no rol dos direitos sociais estabelecidos pelo artigo 6º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil. O direito à segurança e à mobilidade pública é um direito de todos os cidadãos. Ao examinar os dispositivos legais que tratam do transporte público e da segurança como direitos sociais, percebe-se que o serviço prestado pelo Estado e pelos operadores de transporte é de extrema importância, pois é influenciado pela qualidade do atendimento oferecido aos passageiros.
É essencial que as empresas de transporte assegurem que seus passageiros cheguem aos seus destinos com segurança e sem incidentes. Portanto, para fornecer um serviço de excelência, não basta apenas transportar as pessoas de um lugar para outro, mas também garantir qualidade. A maioria dos usuários percebeu que a qualidade do serviço oferecido era insatisfatória e, além da lotação, da falta de estrutura e de investimento, há uma reclamação frequente sobre a falta de segurança, especialmente por parte das mulheres que necessitam viajar em grupos.
A maior parte dos passageiros que enfrentam um atendimento ruim são mulheres, que claramente não estão contentes com o serviço recebido. Mulheres em todo o Brasil sofrem assédio sexual, especialmente em locais públicos. Assim, considerando o artigo 6º da Constituição Federal brasileira, que estabelece a segurança como um direito social, essa situação parece estar comprometida. A falta de segurança amedronta as mulheres e as deixa vulneráveis. No entanto, elas não podem se dar ao luxo de parar de trabalhar ou estudar, e por isso continuam sujeitas ao risco de assédio. Algumas tentam ignorar, mas continuam expostas ao que deveria ser uma situação segura.
A cultura brasileira, lamentavelmente, ainda trata a importunação sofrida pelas mulheres de forma neutra. Existem várias razões para isso. Um aspecto significativo é que, devido à falta de informação e intervenção nesse comportamento, a importunação só foi reconhecida como crime há pouco tempo. A Lei nº 13.780/18, que instituiu o crime de importunação sexual, foi promulgada há apenas três anos. Isso representa um avanço no campo do direito penal.
No entanto, há uma grande divergência jurisprudencial, pois parte entende que estes acontecimentos não se correlacionam com a atividade comercial desempenhada, por isso estão aptas a afastar a obrigação do prestador de serviços em indenizar as vítimas. Por oportuno, é nítido que nas ações criminosas ocorridas no interior dos veículos públicos coletivos, há conexão com a atividade prestada, por isso, a posição mais acertada seria aquela em que se responsabiliza o transportador, por reconhecer que o delito ocorrido se relaciona com a operação fornecida. A importunação sexual é uma realidade enfrentada por todas as mulheres no seu cotidiano no transporte público. Um exemplo disso ocorreu em São Paulo em 2017, quando um homem ejaculou no pescoço de uma vítima em um transporte público. Esse ato, aparentemente, era contemplado pelo artigo 213 do Código Penal. Anteriormente, a importunação sexual era regulamentada pela Lei de Contravenções Penais, que era considerada de menor gravidade.
Em 2016, a senadora Vanessa Grazziotin já havia proposto o Projeto de Lei 5.452/2016 e, no mesmo ano, logo após os eventos em São Paulo, o projeto foi debatido e aprovado pelo Senado Federal, sendo sancionado pelo Presidente da República em setembro de 2018. É evidente que a responsabilidade civil pelo dano ocorrido no transporte coletivo recai sobre a empresa, que deve assumir essa responsabilidade, ou ao menos buscar tranquilizar as mulheres e implementar políticas públicas para lidar com a questão.
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