CAPITALISMO DE ESTADO NO BRASIL – UMA PERSPECTIVA CRONOLÓGICA

STATE CAPITALISM IN BRAZIL – A CHRONOLOGICAL PERSPECTIVE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11193867


Pedro Trus Mendes1


RESUMO

Este artigo busca investigar a evolução do capitalismo de estado no Brasil, destacando sua influência nas dinâmicas econômicas e políticas desde o período pré-Vargas até os governos recentes. Através de uma revisão narrativa da literatura, é feita uma análise do papel do Estado brasileiro como agente econômico e suas oscilações entre práticas estatistas e neoliberais. Inicialmente, o texto analisa a literatura acadêmica que diz sobre as raízes do capitalismo de estado no Brasil, enfatizando a era Vargas e seus sucessores, que solidificaram a participação estatal na economia, estabelecendo importantes estatais para minimizar a dependência de recursos importados e promover a industrialização. Durante a ditadura militar (1964-1985), o capitalismo de estado foi intensificado com investimentos significativos em setores estratégicos, apesar das críticas à eficácia econômica e aos abusos políticos desse período. A transição para o neoliberalismo nas décadas de 1990 e 2000, com as reformas de Collor e FHC, marcou uma redução do papel estatal na economia, favorecendo privatizações e atração de investimentos estrangeiros, mas enfrentando limitações em sustentar um crescimento econômico inclusivo e estável. Os governos Lula e Dilma tentaram reavivar o capitalismo de estado com políticas desenvolvimentistas. Contudo, uma crise econômica durante a administração Rousseff provocou uma reorientação na política estatal e o impeachment da presidente, seguido por um governo liderado por Michel Temer, que adotou uma postura mais progressista. Em contraste, a literatura sugere que a administração de Bolsonaro foi marcada por uma abordagem neoliberal intensificada, um aumento das disparidades sociais e uma diminuição do envolvimento do governo em investimentos e regulação. O retorno de Lula em 2023 levanta questões sobre os futuros caminhos do capitalismo de estado brasileiro, com desafios significativos devido a uma situação política e econômica global desfavorável e um congresso conservador. A análise sugere a persistência de tensões entre intervenções estatais e dinâmicas de mercado, refletindo as complexidades de equilibrar o crescimento econômico com a justiça social em um contexto neoliberal globalizado.

Palavras-chave: Capitalismo de Estado, Neoliberalismo, Política Econômica Brasileira, História Econômica, Intervencionismo Estatal.

ABSTRACT

This article seeks to examine the evolution of state capitalism in Brazil, by highlighting the impact it has on the economic and political dynamics from the period prior to Vargas until recent governments. By making use of a narrative literature review, an analysis is conducted on the role of the Brazilian state as an economic entity and its oscillations between statist and neoliberal practices. Initially, the text examines the academic literature that analyses the roots of the state capitalism in Brazil, giving emphasis to the Vargas era and his successors, who solidified the state’s participation in the economy by establishing important state-owned companies to thus reduce dependency on imported resources and promote industrialisation. During the military dictatorship (1964-1985), state capitalism was intensified through significant investments in strategic economic sectors, despite criticisms regarding economic efficiency and political abuses of that period. The transition to neoliberalism in the 1990s and 2000s, with reforms from Collor and FHC, marked a reduction in the state’s role in the economy, by favouring privatisations to attract foreign investment, yet facing limitations in maintaining inclusive and stable economic growth. Attempts were made by the governments of Lula and Dilma to revitalise state capitalism via developmental policies. Nevertheless, an economic crisis during the Rousseff administration prompted a reorientation in state policy and the impeachment of the president. This was succeeded by a government led by Michel Temer, which adopted a more progressive stance. On the contrary, the literature suggests that Bolsonaro’s administration was marked by an intensified neoliberal approach, a widening of social disparities, and a diminished involvement of the government in investment and regulation. Lula’s return in 2023 raises questions about the future paths of Brazilian state capitalism, with significant challenges due to an unfavourable global political and economic situation and a conservative congress. The analysis suggests the persistence of tensions between state interventions and market dynamics, reflecting the complexities of balancing economic growth with social justice in a globalized neoliberal context.

Keywords: State Capitalism, Neoliberalism, Brazilian Economic Policy, Economic History, State Interventionism.

1 Introdução

Dada a natureza complexa da atual conjuntura econômica, política e geopolítica global, é crucial estudar a interação entre o Estado e as empresas. A noção de capitalismo de Estado recentemente recuperou destaque nos debates acadêmicos e políticos. Essa ressurgência pode ser atribuída aos padrões emergentes de desenvolvimento econômico. O modelo de capitalismo de Estado é distinguido por uma combinação única de atributos estatistas e capitalistas, fatores que contribuíram para sua presença duradoura e crescimento em diversas economias ao redor do mundo. O sistema econômico híbrido em questão deu origem a fenômenos econômicos complexos e interconexões intrincadas entre o governo e a indústria.

“Capitalismo de Estado” denota uma estrutura econômica na qual o governo, ou Estado, exerce uma autoridade substancial sobre o funcionamento e a administração da economia. Em um sistema de capitalismo de Estado, que abrange setores como indústria, recursos naturais e infraestrutura, o Estado frequentemente possui ou exerce controle sobre os meios de produção (The Encyclopaedia Britannica, 1962). Na busca de seus objetivos econômicos, o governo pode assumir o papel de principal investidor em setores críticos, determinando a fabricação e distribuição de mercadorias e serviços. Por meio de subsídios e regulamentações, o Estado também pode exercer controle sobre salários, preços e outros fatores econômicos (International Encyclopedia of the Social Sciences, 1968).

No Brasil, o papel do capitalismo de estado vem sendo um tema bastante significativo. Com isso, é importante frisar a política econômica que segue um caminho de uma constante variação entre intervencionismo e mercado e, portanto, faz com que o Brasil mantenha uma constante luta entre um neoliberalismo, à brasileira, e o capitalismo de estado. O governo do Brasil mantém uma participação ativa na economia, mas ainda assim existe uma crescente tendência de livre comércio e na participação ativa de empresas privadas. No entanto, muitos brasileiros mantêm uma visão estatista, de que o estado deve ter uma participação mais ativa na economia. Esta visão sugere que a ativa participação do governo ajuda a promover um país mais igualitário.

Este artigo examina a forma como o capitalismo de estado se desenvolveu no Brasil, desde suas raízes até o momento atual. Ao fazer uma detalhada análise do processo que o capitalismo de estado seguiu, percebe-se que a compreensão dos processos políticos e econômicos é essencial para decifrar esse caminho e entender como isso interferiu no crescimento econômico e social do Brasil. O intuito deste artigo é, por meio de uma análise narrativa da literatura acadêmica, compreender este processo e, por fim, abrir espaço para novas abordagens de estudo dentro dos ramos de International Business, relações internacionais, ciência política e filosofia.

Este artigo está dividido em seis pontos cruciais e uma conclusão. Começo apresentando uma visão pré-golpe de 1964, percorrendo o caminho anterior a Vargas e enfatizando a importância do governo Vargas e de Juscelino Kubitschek para o capitalismo de Estado no Brasil. Prossigo com a trajetória tomada durante a ditadura militar e a forma que o capitalismo de estado assumiu durante esse período. Apresento, em seguida, os passos tomados após a queda da ditadura militar e a importante passagem de Fernando Henrique Cardoso, bem como as políticas mais voltadas ao mercado implementadas durante seu governo. Continuo com os governos Lula e Dilma, período em que o capitalismo de estado ganhou força novamente. Os dois últimos pontos referem-se ao governo Jair Bolsonaro e suas políticas neoliberais, bem como à questão central que é a escassez de literatura sobre a atuação do governo Bolsonaro na economia, uma vez que grande parte da literatura se concentra na questão do neoliberalismo. E, por último, abordo o retorno de Lula, que deixa uma interrogação sobre os futuros caminhos do capitalismo de estado no Brasil.

2 Histórico do capitalismo de estado até 1964

O Capitalismo de Estado no Brasil deve ser visto sob uma perspectiva histórica. O Brasil de hoje é o resultado de diversos eventos que culminaram na forma de atuação estatal e empresarial vigente. Isso confere ao caso brasileiro uma importância extrema para a compreensão do sistema de Capitalismo de Estado.

Antes do primeiro governo Vargas, de 1930 a 1945, o Estado mantinha um impacto menor na economia, assim como grande parte do mundo na época. Contudo, conforme Topik (2014) assinala, esta ideia de uma abordagem sem intervenção não era precisamente assim. Durante o período entre 1889 e 1930, a economia brasileira foi moldada por uma interação entre o Estado, as elites nacionais (numa forma de compadrio) e o capital internacional. Ademais, o governo mantinha uma forte presença na economia cafeeira, constituindo o pilar da economia brasileira durante esse tempo. Com isso, o governo alimentava um amparo importante e ativo no setor cafeeiro e salvaguardando os interesses da elite cafeeira. É também importante ressaltar que a presença do governo em relação as intervenções não eram claras ou consistentes, sendo constantemente afetada por forças políticas, divergências ideológicas e conflitos sociais (TOPIK, 2014).

De uma forma, durante esse período, o Estado atuava como um garantidor contra o fracasso de certas empresas privadas. Estas seriam as primeiras “campeãs nacionais” do Brasil. O governo brasileiro subsidiava determinadas indústrias e, por vezes, envolvia-se nessas indústrias como investidor ou até mesmo como proprietário. Com isso, algumas dessas empresas acabaram por se tornar estatais após crises financeiras, uma vez que um grande investimento governamental para as salvar resultaria na transformação do governo no acionista controlador da empresa (MUSACCHIO & LAZZARINI, 2015).

Durante o primeiro governo de Vargas, de 1930 a 1945, assim como no segundo, de 1951 até a sua morte em 1954, foi adotada uma postura mais intervencionista como política nacional. Vargas soube aproveitar as oportunidades quando surgiram e foi capaz de vislumbrar objetivos de longo prazo para promover o desenvolvimento econômico do país. De certa forma, os governos Vargas compartilhavam características com o desenvolvimentismo, mas também estavam ligados a ideologias nacionalistas, populistas e intervencionistas (HILTON, 1975). Durante esse período, vários países flertaram com os mesmos ideais, considerando que em outubro de 1929 muitos países acabaram sofrendo com o crash da bolsa de Nova Iorque, e, no caso do Brasil sob Vargas, o intervencionismo marcou sua política econômica, até como forma de proteger a economia nacional.

Foi durante esse período que grandes estatais brasileiras surgiram como uma forma de o Estado investir em setores estratégicos da economia, a fim de promover o desenvolvimento do país. Para diminuir a dependência do Brasil em relação ao ferro importado, foi criada a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A fim de controlar os recursos de minério, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi estabelecida. Além destas, o governo Vargas realizou importantes investimentos no setor elétrico e de transporte. No setor elétrico, o investimento na criação de hidrelétricas foi também significativo como forma de atender à crescente demanda por eletricidade acessível no Brasil e de estimular o setor manufatureiro do país. No segundo governo, em 1953, foi criada a Petrobras, como uma maneira de o Brasil reduzir a dependência de petróleo estrangeiro, encorajando assim a exploração e produção nas reservas de petróleo no Brasil (FONSECA & HAINES, 2012; HILTON, 1975). Outra importante empresa estatal criada durante esse período foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDE, hoje BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que foi instituído para oferecer financiamento de longo prazo para a renovação e implementação de grandes projetos de infraestrutura (SOM, 2022).

Importante ressaltar a importância do governo Vargas para o início do Capitalismo de Estado no Brasil. Mas, segundo MUSACCHIO & LAZZARINI (2015), a solidificação do formato de capitalismo de estado no Brasil aconteceu depois:

“Ao contrário da visão dos historiadores sociólogos, para os quais a consolidação da intervenção do Estado na economia ocorreu no governo de Getúlio Vargas, nas décadas de 1940 e de 1950,12 o verdadeiro auge aconteceu muito depois, durante o regime militar (1964-85) – em especial na administração de Ernesto Geisel, general que fora CEO da Petrobras…”2

Com isso, para compreender o capitalismo de estado no Brasil é importante entender o caminho iniciado por Vargas, mas aonde a consolidação veio após seu governo. Mas foi durante o período de sua administração que podemos dizer que começou o capitalismo de estado no Brasil como política de estado.

Nos anos seguintes ao suicídio de Vargas em 1954, e o curto período governamental que lhe sucedeu, Juscelino Kubitschek (JK) foi eleito presidente em 1955, assumindo em 1956. JK foi eleito com um projeto de transformação econômica para o Brasil. O Plano de Metas, conhecido como “cinquenta anos em cinco”, foi criado para rapidamente modernizar o país e a infraestrutura, com um foco específico em setores como produção de energia, transporte e construção. Com isso, tanto o governo Vargas quanto o de JK foram considerados governos com um viés desenvolvimentista (MARSON, 2018; BOITO Jr., 2007). Este modelo, que priorizou a modernização e o crescimento econômico, baseou-se na intervenção estatal na economia e no apoio a indústrias estratégicas. JK ganhou renome por implementar políticas de industrialização por substituição de importações durante sua presidência, que permaneceram em vigor até o início da década de 1990. O objetivo dessas políticas era aumentar a produção doméstica no Brasil e reduzir sua dependência de importações. Esta estratégia envolveu a implementação de tarifas substanciais sobre produtos importados e o fornecimento de incentivos financeiros aos fabricantes nacionais. Embora tenha criado uma indústria nacional, essa estratégia acabou por gerar uma indústria de exportação pouco competitiva (ADEWALE, 2017; BAER, 2018).

3 A ditadura militar e o capitalismo de estado

O Brasil foi governado por um governo militar durante os anos de 1964 até 1985, e foi nesse governo que o país passou por um processo de larga influência do estado sob a economia e durante esse período, a política industrial foi fortemente influenciada pelas elites burocráticas. Estes funcionários do estado, que ocupavam cargos de chefia, foram reconhecidos pela sua significativa autoridade e independência na execução de programas destinados a promover o crescimento econômico. Muito da motivação destes agentes públicos foram entrelaçados com seus interesses pessoais e seus elos que os conectava com o setor privado. Além disso, esses agentes usavam de suas posições de poder para sustentar os seus interesses dentro de indústrias ou de empresas (COOK & SCHNEIDER, 1993; MUSACCHIO & LAZZARINI, 2015). Durante o regime militar no Brasil, o capital monopolista dominou a paisagem social. Essa era viu uma significativa amplificação do papel do Estado, abrindo caminho para um aumento da intervenção governamental e do planejamento econômico. Esse período testemunhou o surgimento dessas grandes corporações monopolistas, impulsionadas pela expansão do setor produtivo estatal e substanciais investimentos públicos em infraestrutura (MACIEL, 2014).

O governo militar ficou famoso pela forma violenta que tratou seus opositores e a forma fiscalizadora, autoritária e repressiva do regime (INÁCIO & SILVA, 2021; MAGALHÃES, 1997; VERONESE & CAIRE, 2009), mas também durante o governo militar alguns investimentos foram importantes para a indústria nacional. Muitos dos investimentos acabaram por ser ineficientes economicamente, mas acabaram por fomentar uma quase inexistente, indústria de tecnologia. Em 1969, a Embraer foi estabelecida, aproveitando significativamente a expertise de renomados centros de excelência. Notavelmente, esses incluíram o CTA (Centro de Tecnologia Aeronáutica), ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), fundados nas décadas de 1940 e 1950 sendo fundamentais para a criação da Embraer (OLIVEIRA, 2009).

Outra empresa importante criada durante o governo militar foi a Telebras, criada em 1972. Tendo a missão de interligar e conectar os sistemas, que na época eram estaduais, a Telebras serviu como uma forma de unificar o sistema de telecomunicações (GOULART FILHO, 2022). A Telebras acabou por ser um monopólio estatal e era vista, até de certa forma na mídia, como tendo um estilo de uma estatal comunista. Além disso, mantinha o peso de ter sido uma empresa fruto do regime militar. Com isso, a intenção ao juntar as referências de uma estatal comunista e do regime militar é associar o setor de telecomunicações brasileiro a uma percepção negativa e antiquada (HODGE et al., 2021).

Importante enfatizar que, durante a ditadura militar, o país teve o seu “milagre econômico”, com o ministro da Fazenda Delfim Netto. Este caminho, para o ministro, levaria o país à riqueza, ao “fazer o bolo crescer e depois dividi-lo”. É importante ressaltar o caminho adotado pelo governo, no qual as estatais tinham um papel crucial nas áreas de energia, infraestrutura e nas indústrias de bens de capital (FAGUNDES VISENTINI, 2022). Com o tempo, a forma da política monetária expansionista do regime mostrou-se insustentável, pondo um fim no tal “milagre”. Logo, o país caiu em dívidas externas, que saltaram de 1973 a 1978 de US$ 6 bilhões para US$ 32 bilhões, em descontrole da política monetária e, portanto, em uma crise no governo (SPERANCINI & DANTAS, 2023). Com isso, em 1984 chegou ao fim o regime. Os torturadores não foram punidos, e uma anistia salvou a pele de muitos em nome de uma transição sem revanchismo (NAPOLITANO, 2015).

4 Transição para o neoliberalismo e as privatizações

Com um novo governo recebendo o país endividado e com uma inflação descontrolada, além das dificuldades que o mundo passara nos anos 1970 e 1980, e a crise dos anos 1990 na América Latina, o Brasil teria que encontrar formas de se reestabelecer economicamente. Os governos de Sarney e Collor foram marcados pela inflação e decisões com resultados que tiveram curta duração (OECD, 2024). O país teve que lutar contra altas taxas de inflação e uma substancial dívida externa, que só acabou por ser controlada na metade da década de 1990. Durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) como presidente, o Brasil experimentou uma diminuição significativa na inflação, com a taxa caindo de 2947% em 1990 (durante o início do governo Collor) para 15% em 1996 (segundo ano do governo FHC) (OECD, 2024).

De acordo com Vianna et al. (2023), durante os governos de FHC, persistiam as interações entre funcionários do governo e o setor empresarial, conectadas em relações pessoais e clientelismo. Também é importante frisar que empresários, sobretudo do setor industrial, formaram grupos de lobby para promover seus interesses no Congresso Nacional.

O governo FHC tomou medidas diferentes das medidas tomadas por governos anteriores, ao mudar o modelo econômico vigente no Brasil. De uma forma geral, o desenvolvimento do Brasil era visto como papel do estado, e durante o governo FHC isso foi alterado para um crescimento fomentado pelo mercado (GOLDENBERG & PRADO, 2003). Seguindo a visão econômica dos anos 90, voltada a um caminho neoliberal, o Brasil reduziu drasticamente a tarifa de importação e controlou a inflação seguindo uma política monetária contracionista. Além disso, instituições multilaterais, como o FMI, Banco Mundial e OMC, acabam por desempenhar um função de protetores da saúde econômica mundial e assim como dos países signatários, ao mesmo tempo que promovem o crescimento das corporações transnacionais. Durante o governo FHC o Brasil recebeu um alto volume de Investimento Direto Estrangeiro (FDI), que se concentrou principalmente na compra de empresas públicas e privadas no setor de serviços. Essa forma de atuação gerou diversas opiniões negativas de intelectuais da economia no Brasil (GENNARI, 2002), pois de uma forma acaba por “entregar” o Brasil para o capital estrangeiro, e gerava uma balança comercial desfavorável. Por outro lado, o Brasil conseguiu controlar a inflação e por alguns anos ter alguma estabilidade monetária.

Outro ponto importante que levou a essas medidas foi o consenso de Washington. As principais políticas incluem disciplina e reforma fiscal, reajuste de gastos, flexibilização da taxa de juros, câmbio competitivo, liberalização do comércio, privatizações, proteção aos direitos de propriedade e incentivos para investimentos estrangeiros. O Brasil acabou por ser um dos últimos países da América Latina a adotar essas medidas (VAZ & MERLO, 2021), mas o intuito de uma estabilidade monetária, seguida de uma estabilidade econômica era ponto chave no processo seguido pelo governo.

Importante frisar novamente que durante o governo FHC, estatais privatizadas, tiveram um significante aumento de capital estrangeiro. Adicionalmente, estatais deixaram de ter uma posição central na economia do país, pois no final da década de 90, somente três estatais estavam na lista das dez maiores empresas do Brasil (VAZ & MERLO, 2021). Bresser-Pereira & Nakano (2002), trazem um importante ponto de vista ao dizer que a estabilidade monetária obtida no governo FHC estabeleceu as bases para um novo estágio de desenvolvimento no Brasil. Primeiramente, a abertura econômica e a estabilização dos preços foram alcançadas através de uma âncora cambial e taxas de juros elevadas. Isso foi seguido por reformas importantes e, mais tarde, pela implementação de um câmbio flutuante e um ajuste fiscal significativo.

Com isso, o governo FHC teve uma importante missão de estabilizar a economia, mas por outro lado, foi um governo marcado por estagnação econômica e altas taxas de juros. No entanto esse processo de estabilização monetária, abriu caminho para os anos seguintes. Nisso é importante frisar a diminuição da participação do estado na economia no sentido de um capitalismo de estado.

5 A era Lula e Dilma: um retorno ao forte capitalismo de estado?

Com a chegada de Lula em 2003, e uma guinada na orientação ideológica do país, o novo presidente assegurou ao mercado, por meio da famosa ‘Carta ao Povo Brasileiro’, que manteria uma política econômica diferente daquela pregada pelo seu partido (Partido dos Trabalhadores), garantindo a responsabilidade fiscal e a estabilização das contas públicas (SINGER, 2010), mas abrindo caminho para uma política mais intervencionista. Durante o governo Lula, o trabalho em conjunto com empresas privadas e bancos permitiu um rápido crescimento do capital financeiro. Com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a maior concessão de empréstimos pelo BNDES, a inclusão de programas de distribuição de renda e o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, contribuíram para esta expansão econômica. Com isso, a posição do governo na economia brasileira foi fortalecida por essas políticas (NUNES COSTA, 2013). Segundo Morais & Saad-Filho (2011), a ‘guinada’ neoliberal do governo Lula gerou diversas críticas do meio heterodoxo, mas durou o primeiro mandato (2003-2006). No segundo mandato de Lula (2007-2010), houve um processo de ‘inflexão’ na política econômica do governo. Essa ‘inflexão’ aliou algumas políticas econômicas oriundas do governo FHC com políticas desenvolvimentistas e, devido ao alto financiamento por meio do BNDES e outros incentivos públicos, empresas públicas e privadas foram beneficiadas com esta política econômica, assim como a população em geral. Com isso, o país, juntamente com o cenário econômico internacional favorável, conseguiu obter um notável crescimento econômico.

Os governos de Dilma Rousseff seguiram o caminho desenvolvimentista do segundo governo Lula, ampliando o papel do estado na economia. Segundo Filgueiras (2019), durante a administração de Rousseff, o Brasil experimentou uma mudança para um novo modelo desenvolvimentista, enfatizando o crescimento econômico impulsionado pelo mercado nacional e a distribuição de riqueza. Contudo, alguns analistas percebem a política econômica do Brasil como híbrida, integrando elementos tanto neoliberais quanto desenvolvimentistas. Filgueiras (2019) identifica estágios no desenvolvimento capitalista do Brasil: capitalista-exportador, substituição de importações e liberal-periférico. Este último, dominante de 1990 a 2019 e iniciado sob Collor, prioriza o capital financeiro e levou a uma estrutura capitalista que favorece o capital sobre o trabalho, aumentando a dependência financeira enquanto enfraquece o estado através de privatizações e liberalização econômica. Esse período viu ciclos de tumultos, consolidação neoliberal e breves episódios de desenvolvimentismo sob Rousseff, que deram lugar a uma abordagem neoliberal reforçada sob Temer. Essa tendência contínua destaca a crescente dependência do Brasil em tecnologia e capital estrangeiros, levando a instabilidade estrutural e fragilidade, exacerbada pelo desinteresse da burguesia pelas questões sociais mais amplas, especialmente aquelas da classe trabalhadora (FILGUEIRAS, 2019).

Singer (2019) afirma que a natureza rentista do setor industrial e o aumento do conflito de classes tornaram os argumentos neoliberais mais atraentes para os industriais, culminando em uma reação unificada contra o desenvolvimentismo. Mudanças globais no ambiente econômico podem ter reforçado o movimento antidesenvolvimentista. O autor sugere que o temor de enfrentar um programa populista que visava expandir a influência do estado e regular a atividade privada poderia ter sido suficiente para unir a burguesia na oposição ao desenvolvimentismo, levando eventualmente à remoção de Rousseff do cargo.

Ao analisar a presente literatura, é possível notar que ao mesmo tempo que, sim, existe uma questão estrutural da burguesia brasileira em relação ao trabalhador, mas muitos trabalhadores também acabaram elegendo Bolsonaro em 2018. O processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff deve ser analisado de forma ampla, até porque Rousseff terminou seu governo com uma baixa aprovação da população e do Congresso (MUNDIM, 2023), afetada pela Operação Lava Jato e por uma crescente força de um conservadorismo, discursos fascistas e saudosismo da ditadura militar. O aparecer de Jair Bolsonaro também deve ser analisado de uma forma ampla e a participação do governo do PT e do PSDB em sustentar uma polarização política no Brasil (BELLO, 2023). Por exemplo, nas eleições de 2014, após a morte de Eduardo Campos, Marina Silva ganhou um espaço importante que alterava a então polarização entre PT e PSDB. Com isso, Marina Silva acabou sofrendo ataques que a tiraram da segunda posição nas pesquisas, dando a Aécio Neves a posição que ela ocupara (CARNIELETTO MÜLLER, 2020; JOATHAN & JAMIL MARQUES, 2020).

6 O governo Bolsonaro: neoliberalismo e desafios econômicos

A eleição de 2018 culminou com a improvável vitória de Jair Bolsonaro e uma quebra da polarização PT e PSDB. Bolsonaro foi eleito como um outsider, mesmo que estivesse na política a muitos anos, 30 anos como deputado federal (FERREIRA DIAS, 2020). Seu caminho até o poder seguiu um caminho parecido com o caminho de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e sua campanha teve como uso das redes sociais como uma base importante para a sua chegada ao poder, juntamente com as chamadas fake News, além do choque entre mídia tradicional e Bolsonaro (BERNARDI & MORAIS, 2021).

Salama (2022) discute os desafios econômicos que o Brasil enfrentou durante a administração de Jair Bolsonaro, incluindo desigualdades de renda, trabalho informal, pobreza, degradação ambiental e níveis significativos de crime e corrupção. Além disso o autor discute como a pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia contribuíram para um processo de estagnação econômica e diminuição do padrão de vida da população Brasileira. Os esforços de Bolsonaro se mostraram ineficazes para lidar com questões econômicas fundamentais como desmatamento e desindustrialização. As políticas de Bolsonaro reforçaram o comportamento rentista e facilitaram uma “reprivatização” da economia, marcada por um aumento na exportação de commodities primárias. Isso deixou a economia brasileira vulnerável a flutuações imprevisíveis nos preços globais das commodities e ainda mais dependente da demanda de nações como a China.

As políticas econômicas de Bolsonaro, lideradas por Paulo Guedes, seguiram uma orientação fortemente neoliberal. Essas políticas são caracterizadas por privatizações, (contra)reformas e um foco em inflação, câmbio e salário-mínimo. Elas fortaleceram o endosso do governo ao neoliberalismo e levaram a resultados adversos para as populações marginalizadas, como a reforma da previdência que eliminou direitos trabalhistas e sociais. Importante destacar a inadequação das políticas econômicas no tratamento da inflação, que pode ser parcialmente atribuída à ausência de regulamentações do salário-mínimo e ao aumento das taxas de câmbio. A pandemia de COVID-19 exacerbou a precariedade do emprego e a gig economy, com o governo oferecendo alívio imediato, mas ficando aquém em fornecer uma resposta abrangente à situação (MOURA DE OLIVEIRA & VERISSIMO VERONESE, 2023).

De um outro ponto de vista, é necessário ver uma realidade do governo Bolsonaro. Enquanto o discurso levava o governo distante do estatismo, a realidade era diferente. A respeito da Petrobras, o desafio de Bolsonaro em gerenciar a inflação durante um ano eleitoral foi intensificado pelo aumento dos preços dos combustíveis. Consequentemente, isso levou a um conflito crescente entre o presidente brasileiro e a empresa. O aumento dos preços dos combustíveis pela Petrobras resultou em custos de transporte significativos, que contribuíram mais para a taxa de inflação durante um ano politicamente turbulento, marcado por uma margem estreita entre Bolsonaro e o candidato opositor, o Lula (CARVALHO & MILLARD, 2022). Importante trazer que a Petrobras anunciou resultados financeiros favoráveis para o primeiro trimestre, no entanto, Bolsonaro pediu uma interrupção no aumento dos preços da gasolina e do diesel, considerando os lucros da empresa durante a crise como inaceitáveis. Além disso, ele expressou críticas à estratégia de precificação da empresa, que depende de um índice de preços de commodities globais e resultou em conflitos de preços de combustíveis e na substituição de três CEOs. A Petrobras defendeu sua estratégia de precificação e alertou que preços excessivamente baixos poderiam prejudicar as importações de combustíveis e levar a escassez no mercado interno (DURAO, 2022).

Traumann (2021) enfatiza que a associação do Presidente Bolsonaro com várias entidades e indivíduos resultou em benefícios para eles. Nessa categoria destacam-se o empresário Luciano Hang e o conglomerado de saúde Prevent. Hang, que atualmente está sob investigação por possível financiamento ilícito do exército digital de Bolsonaro, utilizou sua riqueza para disseminar informações enganosas sobre a COVID-19, representando uma ameaça à população em geral. Da mesma forma, a rede Prevent empregou estratégias enganosas e perigosas, promovendo tratamentos não comprovados para o vírus e pressionando indivíduos a participarem. O autor argumenta que esses atores representam uma ameaça às atividades econômicas legítimas e colocam em risco a prosperidade do capitalismo brasileiro.

O governo de Jair Bolsonaro foi marcado pelo descaso pela vida, um distanciamento do estado laico, devastação da Amazonia, descaso com os povos indígenas, ênfase no agronegócio e um retorno da direita militarista no Brasil (SAUER et al., 2020; STEWART et al., 2020; BÉLAND et al., 2021; BORGES & RENNÓ, 2021). Seu governo foi o primeiro, desde que FHC implementou dois mandatos, a não se reeleger. Mas a sombra do Bolsonarismo, assim como Trump, deixará marcas na sociedade brasileira por muitos anos, principalmente daqueles que sofreram com as políticas do governo. Mesmo com o distanciamento do tradicional capitalismo de estado à brasileira, o governo Bolsonaro seguiu com uma certa interferência na economia, como vimos no caso da Petrobras. Seguido por uma eleição difícil, sem muitas alternativas e com um resultado muito apertado, Lula voltou a ser presidente em 2024.

7 O retorno de Lula e o futuro do capitalismo de estado no Brasil

Após o retorno de Lula à presidência em 2023, o capitalismo de estado no Brasil pode ver um renascimento, impulsionado por um foco renovado no bem-estar social, desenvolvimento de infraestrutura e investimento em indústrias-chave. Mas por outro lado, uma continuação de um modelo que frisa ganhos pessoais, acordos políticos, compadrio e o fisiologismo. No entanto, o clima político atual apresentará maiores dificuldades em comparação com os primeiros e segundos mandatos do presidente (2003-2010). Isso se deve a um congresso mais conservador (Bragon & Oliveira, 2023), bem como circunstâncias internacionais desfavoráveis e uma economia mais fraca em comparação com 2003.

A interferência de políticos nas empresas estatais brasileiras tem sido uma preocupação persistente. O estado possui vários dos setores e empresas mais cruciais do país, o que indica uma longa tradição de intervenção governamental na economia. No entanto, políticos e funcionários governamentais frequentemente priorizam seus interesses pessoais em detrimento do bem-estar das empresas e da economia, resultando em ineficiência e gestão inadequada.

Dado o problema de longa data de compadrio e corrupção na política brasileira, o conceito de grabbing hand sugerido por Musacchio e Lazzarini (2014) é altamente relevante. O caso Petrobras, que envolveu a corporação estatal de petróleo e altos funcionários do governo, exemplifica como a influência política pode resultar em corrupção generalizada e sérios danos econômicos (Fischer Armani, 2022).

Cabe ao futuro mostrar os caminhos que serão tomados pela administração de Lula. Seria uma volta ao status quo? Um caminho já conhecido pelos brasileiros e que governa o país que acaba por influenciado por grandes corporações e interesses pessoais, dificilmente o país consegue sair de um ciclo do capitalismo de estado a lá Brasil, ao considerar o interesse da burguesia brasileira e dos estadistas.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O capitalismo de Estado brasileiro tem uma longa e complexa história, abrangendo várias eras políticas e econômicas. Uma característica marcante das administrações de Vargas foi uma extensa intervenção estatal na economia, algo pouco visto nos anos anteriores. Nesse período, empresas estatais foram estabelecidas para permitir que o governo aumentasse a industrialização, fizesse investimentos calculados em setores importantes e diminuísse sua dependência de produtos importados. Durante a ditadura militar que durou de 1964 a 1985, as elites burocráticas influenciaram a política industrial para promover seus próprios interesses pessoais e redes profissionais. Esse processo criou, por um lado, uma indústria nacional, mas, por outro, resultou em uma indústria ineficiente e pouco competitiva, algo que ficou evidente na abertura econômica do Brasil nos anos 90. A competição com a indústria internacional escancarou os defeitos da indústria nacional, resultando na perda de relevância da indústria nacional brasileira. É importante destacar algumas indústrias de tecnologia que se desviam dessa tendência, como a Embraer, a WEG e a Marcopolo. No entanto, é difícil imaginar a indústria nacional sem o fomento do Estado brasileiro. Além disso, deve-se considerar as grandes empresas nas quais o governo do Brasil é acionista majoritário, como a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa.

O caminho a ser tomado pelo Brasil nos próximos anos é difícil de analisar. O país, dividido, algo que beneficia as duas vias na binaridade gerada, enfrenta a falta de perspectiva da população, o envelhecimento demográfico, problemas estruturais e corrupção, desafios que tornam complexa a definição de uma direção a seguir. O capitalismo de Estado ganha relevância diante dos cenários geopolíticos mundiais, considerando as atuais disputas territoriais e econômicas, bem como sociedades fragmentadas. O Brasil, que vê os Estados Unidos como um pai distante, adota uma política binária que acaba por corroer a sociedade. O capitalismo de Estado no Brasil pode ser uma oportunidade para ganhar poder econômico, mas também uma ameaça ao meio ambiente, considerando o desejo por lucros e controle de uma forma neocolonial.

É importante olharmos para a chamada economia desenvolvimentista e o intuito final desse processo que, assim como indica o termo, busca o desenvolvimento. Agora, é essencial analisar o custo dessa incessante busca por desenvolvimento econômico, que nos leva ao conceito de ‘Homo consumericus’ (SAAD, 2007)3. Este ser humano fundamenta sua existência na quantidade que consome. Em uma perspectiva de produção e consumo, o progresso deve ser o ápice da sociedade, mesmo que isso resulte na catástrofe ecológica e social que vivenciamos. A título de exemplo, temos a nossa campeã nacional, a estatal Petrobras, que extrai petróleo do fundo dos nossos oceanos, contribuindo para a destruição de nossas florestas. Outro exemplo é a campeã nacional JBS, que recebeu financiamentos astronômicos do BNDES (BNDES, S.D.) para desmatar (HOFMEISTER et al., 2022; VALENTE & MAISONNAVE, 2023; DAMASCENO, 2023), com o objetivo de oferecer uma picanha mais acessível ao consumidor. Podemos citar exemplos de cada uma das principais estatais e empresas privadas fomentadas com capital estatal, como os mencionados acima. Cabe, portanto, à sociedade e aos estados buscarem um caminho econômico sustentável que, ao mesmo tempo em que melhora a vida do cidadão comum, não perpetue a destruição que vivenciamos.

Observar o processo histórico frequentemente suscita questionamentos quanto ao viés do pesquisador. Ao analisar o processo histórico, deve-se considerar a percepção pessoal e cultural desse pesquisador (MCCULLAGH, 2000), bem como o viés de seleção (LUSTICK, 1996). Muitas vezes, esse viés é não intencional, mas pode também ser intencional ou decorrente de conflitos de interesse. O viés ideológico invariavelmente deixa sua marca, independentemente do texto analisado. Ao abordar tal viés, é necessário adotar uma perspectiva analítica do texto lido, o que beneficia todos que examinam qualquer texto acadêmico. Além disso, o leitor deve estar ciente de seus próprios vieses ao interpretar o texto. Retornando ao ponto central deste estudo, o processo de capitalismo de estado no Brasil, quando visto de uma perspectiva cronológica e analisado por meio da literatura acadêmica, oferece uma visão complexa. Frequentemente, essa literatura tende a favorecer um lado da história em detrimento de outro. Meu objetivo não é determinar qual governo agiu corretamente ou qual foi responsável pela situação atual do Brasil, mas sim destacar a importância que o capitalismo de estado desempenha na economia brasileira.

Em relação à literatura sobre a influência do Estado durante o governo Bolsonaro, identifica-se uma lacuna a ser preenchida. Grande parte da literatura se concentra no neoliberalismo e pouco explora as instâncias em que o governo atuou como um capitalista de Estado, como no caso citado da Petrobras. Outro ponto importante para futuras pesquisas é compreender a viabilidade do capitalismo de Estado em um mundo que deve buscar equidade e responsabilidade socioambiental. Comparar o processo de capitalismo de Estado no Brasil com o de outros países membros dos BRICS é também um ponto chave para entender esse fenômeno no Brasil e suas diferenças em relação a outros países em desenvolvimento. Por fim, é crucial destacar o papel do Brasil e a necessidade de reformas estruturais em suas instituições como forma de prevenir casos de corrupção como os observados nos últimos anos.

Os desafios atuais sublinham a urgência de revisar as políticas públicas, visando aumentar a eficácia, a equidade social e a preservação do meio ambiente. No cenário de confronto contínuo entre as ideologias neoliberais e o capitalismo de Estado, torna-se essencial que as futuras investigações se dediquem a aprimorar o papel do Estado na economia, procurando estabelecer um equilíbrio entre o crescimento econômico e a responsabilidade socioambiental. Esta análise crítica do capitalismo estatal no Brasil revela não apenas as dificuldades de sua execução, mas também serve como um apelo para uma reflexão mais aprofundada sobre como o país pode alinhar suas metas de desenvolvimento aos requisitos de um mundo globalizado e interligado.


2 Musacchio, A., & Lazzarini, S. G. (2015). Reinventando o capitalismo de Estado (p. 141). Portfolio-Penguin.

3 Não busco aqui fazer referência ao trabalho de Saad, mas somente ao termo usado.


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1Mestre em International Business pela Universidade de Varsóvia, Polônia.