A TRILOGIA DO CONSERVADORISMO

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11186106


PhD. Abdon de Paula1


Resumo

O conservadorismo aqui debatido apresenta três formas, o conservadorismo social, o econômico e o político. Na realidade os dois primeiros se incluem na conceitualização do terceiro. Entretanto, o vínculo de um conservadorismo político, em diversas partes do mundo, pode ter vínculo com feições bem diferentes. Em algumas partes, ele pode estar vinculado à direita política, em outras partes à esquerda. Esse aparente paradoxo é explicado pelas diferenças na evolução histórica, bem como pelas raízes da evolução em alguns locais estarem baseadas em tradições aristocráticas ou monárquicas, enquanto em outros, estar fundamentada mais na associação a movimentos populistas ou nacionalistas. A trilogia do conservadorismo oferece uma visão abrangente e multifacetada da ideologia conservadora. No aspecto social, o conservadorismo destaca a importância da preservação de valores tradicionais e instituições sociais, como a família e a moralidade religiosa, como fundamentais para a estabilidade da ordem social e cultural. No campo econômico, os conservadores defendem a liberdade econômica, o livre mercado e a responsabilidade fiscal como meios de promover o crescimento econômico e a prosperidade. Por fim, no aspecto político, o conservadorismo valoriza a estabilidade institucional, a ordem social e a soberania nacional, enfatizando a importância da prudência política e da moderação na governança. Enquanto os defensores do conservadorismo argumentam que suas ideias oferecem uma base sólida para abordar os desafios modernos de forma gradual e pragmática, os críticos levantam preocupações sobre restrições à liberdade individual e perpetuação da desigualdade social. No entanto, a influência duradoura do conservadorismo no cenário político e intelectual é inegável, continuando a moldar o discurso público e influenciar políticas governamentais em todo o mundo. 

Palavras Chaves: Conservadorismo Social, Conservadorismo Econômico, Conservadorismo Político. 

Abstract 

The conservatism discussed here presents three forms: social, economic, and political. In reality, the first two are included in conceptualizing the third. However, the link of political conservatism in various parts of the world can be linked to very different features. In some parts, it may be linked to the political right, and in other parts, it may be linked to the left. This apparent paradox is explained by differences in historical evolution and the roots of evolution in some places being based on aristocratic or monarchical traditions, while in others, it is more based on association with populist or nationalist movements. The trilogy of conservatism offers a comprehensive and multifaceted view of conservative ideology. In the social aspect, conservatism emphasizes the importance of preserving traditional values and social institutions, such as family and religious morality, as fundamental to the stability of social and cultural order. In the economic field, conservatives advocate economic freedom, the free market, and fiscal responsibility as ways to promote economic growth and prosperity. Finally, in the political aspect, conservatism values institutional stability, social order, and national sovereignty, emphasizing the importance of political prudence and moderation in governance. While conservatism advocates argue that their ideas provide a solid foundation for addressing modern challenges gradually and pragmatically, critics raise concerns about restrictions on individual freedom and perpetuating social inequality. However, the enduring influence of conservatism on the political and intellectual scene is undeniable, continuing to shape public discourse and influence government policies worldwide. 

Keywords: Social Conservatism, Economic Conservatism, Political Conservatism.

Introdução

O conservadorismo político é uma ideologia complexa e multifacetada que desempenha um papel significativo na política mundial. No entanto, sua associação com a direita ou à esquerda do espectro político é frequentemente debatida e nem sempre é clara. Enquanto em alguns países o conservadorismo é firmemente identificado com partidos de direita e políticas econômicas liberais, em outros, ele se manifesta de maneiras que desafiam essa classificação tradicional. Esta ambiguidade levanta questões fascinantes sobre a natureza fluida dos ideais políticos e a diversidade de interpretações do conservadorismo em diferentes contextos sociais, culturais e históricos.

De acordo com Paré et all. (2014), a revisão integrativa da literatura, que aqui foi aplicada, é um método qualitativo, parte da metodologia aplicada na pesquisa. No presente artigo, ela é empregada sintetizando conceitos e ideias e extraindo pontos convergentes, como também resumindo os aspectos importantes dos conceitos correlatos a conservadorismo social, econômico e político.   

Neste artigo, nosso objetivo é examinar as complexidades do conservadorismo político, explorando as razões por trás de sua associação variada com diferentes partes do espectro político. Isso requer uma análise abrangente que considere não apenas os aspectos econômicos e sociais do conservadorismo, mas também fatores históricos, culturais e políticos que moldam sua expressão em todo o mundo.

O conservadorismo econômico, como uma das principais facetas do conservadorismo político, baseia-se na crença na importância do livre mercado, da responsabilidade fiscal e da minimização da intervenção do governo na economia. Essa abordagem defende políticas que promovem a competição, reduzem a burocracia e mantêm impostos baixos para estimular o crescimento econômico. 

No entanto, a aplicação dessas políticas pode variar amplamente de acordo com o contexto econômico e as preferências políticas de cada país. Enquanto alguns países adotam uma abordagem mais liberal em relação às políticas econômicas conservadoras, outros podem optar por uma intervenção governamental mais ativa para garantir a igualdade de oportunidades e proteger os vulneráveis. 

Portanto, é crucial examinar não apenas os princípios subjacentes do conservadorismo econômico, mas também como esses princípios são traduzidos em políticas específicas em diferentes partes do mundo.

Além disso, o conservadorismo social é outra dimensão fundamental do conservadorismo político, enfatizando a preservação de valores tradicionais e instituições sociais. 

Essa faceta do conservadorismo pode se manifestar de várias maneiras, desde a defesa da família tradicional e da moralidade religiosa até a oposição a mudanças sociais rápidas e à erosão dos valores culturais. 

Entretanto, é importante reconhecer que os valores sociais e culturais considerados “tradicionais” podem variar significativamente de uma sociedade para outra, dependendo de fatores como religião, história e cultura. Portanto, o conservadorismo social pode assumir formas diferentes e abordar diferentes questões em diferentes contextos sociais e culturais.

Além dos aspectos econômicos e sociais, o conservadorismo político também é influenciado por fatores históricos, culturais e políticos específicos de cada país. A história política de um país, suas tradições culturais e sua estrutura institucional podem moldar a forma como o conservadorismo é entendido e praticado. 

Países com tradições democráticas mais antigas podem ter partidos conservadores mais inclinados ao centro, enquanto em países com históricos autoritários, o conservadorismo pode ser mais associado a movimentos nacionalistas e populistas. 

Além disso, questões contemporâneas, como imigração, globalização e mudanças climáticas, também influenciam a expressão do conservadorismo político, à medida que os conservadores buscam adaptar sua doutrina para enfrentar desafios emergentes contemporâneos.

O conservadorismo político é uma filosofia rica e multifacetada que abrange uma variedade de questões econômicas, sociais, culturais e políticas. Ao explorar as complexidades dessa ideologia em todo o mundo, podemos obter insights valiosos sobre as diferentes formas que o conservadorismo pode assumir e como ele continua a moldar a política global. 

Ao examinar as várias facetas do conservadorismo e as influências que moldam sua expressão em diferentes contextos, busca-se contribuir para uma compreensão mais profunda dos ideais políticos e suas implicações para a sociedade contemporânea.

Aspecto social do conservadorismo

O conservadorismo social é uma vertente essencial do conservadorismo político que se concentra na preservação de valores tradicionais e instituições sociais. Esses valores tradicionais geralmente incluem a defesa da família nuclear, a promoção da moralidade religiosa e a resistência a mudanças sociais rápidas. 

A expressão do conservadorismo social pode variar significativamente de acordo com o contexto cultural, religioso e histórico de cada sociedade.

Tal conservadorismo é uma doutrina que enfatiza a preservação de valores e tradições sociais, culturais e morais. Esses valores muitas vezes estão enraizados em instituições tradicionais, como família, religião e comunidade. Algumas características comuns do conservadorismo social incluem (Burke, 1790):

  1. Conservação de valores tradicionais: Um foco na manutenção de valores culturais e morais considerados fundamentais para a coesão social e a estabilidade da sociedade. Isso pode incluir a defesa da instituição do casamento tradicional, papeis de gênero convencionais e a importância da família nuclear.
  2. Resistência à mudança social rápida: Uma crença de que mudanças sociais rápidas podem ser prejudiciais e que a estabilidade social é alcançada através da preservação das tradições e instituições estabelecidas.
  3. Conservação de identidade cultural: Uma preocupação em preservar a identidade cultural e nacional, muitas vezes manifestada na defesa da língua, costumes e tradições de uma determinada sociedade.
  4. Ênfase na moralidade e na ética: Uma valorização de padrões morais e éticos comuns, frequentemente baseados em princípios religiosos ou filosóficos. Isso pode se traduzir em políticas que promovem valores como a vida humana, a família e a dignidade pessoal.

Assim, o conservadorismo social se concentra na manutenção de valores tradicionais, estabilidade social e preservação da identidade cultural, resistindo a mudanças sociais consideradas disruptivas ou prejudiciais.

Nos Estados Unidos, o conservadorismo social está frequentemente ligado ao movimento cristão evangélico e à defesa dos valores conservadores derivados da bíblia cristã. Isso inclui questões como, entre outras, a oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao aborto, e à educação sexual nas escolas. 

Essas preocupações refletem a influência duradoura do cristianismo na cultura e na política americana, com muitos conservadores sociais vendo a religião como uma força unificadora e moral na sociedade. Hartz (2007) fornece insights sobre a tradição do liberalismo clássico na América e sua relação com o desenvolvimento do conservadorismo social.

O conservadorismo social não é exclusivo dos Estados Unidos e pode ser encontrado em todo o mundo, muitas vezes em diferentes formas e manifestações. Por exemplo, em países europeus com tradições culturais e religiosas distintas, o conservadorismo social pode se concentrar mais na preservação da identidade nacional e na proteção da cultura local contra influências externas. 

Deneen, (2018) discute as falhas do liberalismo e como isso pode influenciar a ascensão do conservadorismo social em algumas sociedades.

Da mesma forma, em países de maioria muçulmana, o conservadorismo social pode refletir os valores islâmicos em questões como o papel da mulher na sociedade, a moralidade pública e a aplicação da lei islâmica.

Além disso, é importante reconhecer que o próprio “conservadorismo” social não é estático e pode evoluir ao longo do tempo em função de mudanças sociais, culturais e políticas. 

Por exemplo, enquanto os conservadores sociais no passado podem ter se concentrado principalmente em questões como aborto e casamento homossexual, hoje em dia, há uma crescente preocupação com temas como identidade de gênero, imigração e multiculturalismo. Isso se reflete também na natureza dinâmica do conservadorismo social e sua capacidade de se adaptar às condições em evolução da sociedade, ainda que de forma embrionária.

Scruton (2002) oferece uma análise profunda das origens e princípios do conservadorismo, destacando sua ênfase na preservação de valores tradicionais e instituições sociais.

Em resumo, o conservadorismo social é uma faceta essencial do conservadorismo político que se concentra na preservação de valores tradicionais e instituições sociais. Suas preocupações abrangem uma ampla gama de questões sociais, culturais e religiosas e podem variar significativamente de acordo com o contexto histórico, cultural e político de cada sociedade.

Aspectos econômicos do conservadorismo

O conservadorismo econômico é uma vertente do conservadorismo político que se baseia na crença na importância do livre mercado, da responsabilidade fiscal e da minimização da intervenção do governo na economia. 

Essa abordagem econômica advoga por políticas que promovem a competição, reduzem a burocracia e mantêm impostos baixos para estimular o crescimento econômico.

O conservadorismo econômico é uma abordagem que enfatiza a importância de políticas econômicas tradicionais e prudentes, muitas vezes defendendo a minimização da intervenção do governo na economia. Algumas características comuns do conservadorismo econômico incluem (Smith, 1776):

  1. Liberalismo econômico: Uma crença na importância do livre mercado e na competição como motores do crescimento econômico. Isso muitas vezes se traduz em apoio a políticas que reduzem a regulamentação governamental sobre empresas e mercados.
  2. Foco na responsabilidade fiscal: Uma ênfase na manutenção de orçamentos equilibrados e na redução da dívida pública. Isso geralmente se reflete em políticas que buscam controlar os gastos do governo e evitar déficits orçamentários excessivos.
  3. Baixa intervenção governamental: Uma preferência por um papel limitado do governo na economia, com uma crença de que os mercados são mais eficientes do que o governo na alocação de recursos. Isso pode incluir a oposição a programas de bem-estar social extensivos e uma visão de que os impostos devem ser mantidos baixos.
  4. Conservadorismo monetário: Uma abordagem cautelosa em relação à política monetária, muitas vezes favorecendo a estabilidade de preços e uma moeda forte. Isso pode se manifestar em um apoio à independência dos bancos centrais e em políticas que buscam controlar a inflação.

O conservadorismo econômico se baseia em princípios de mercado livre, responsabilidade fiscal, limitação da intervenção governamental na economia e estabilidade monetária.

No centro do conservadorismo econômico está a convicção de que os mercados livres são mais eficientes do que o governo na alocação de recursos e na geração de riqueza. Isso geralmente se traduz em políticas que visam reduzir a regulamentação governamental sobre as empresas, incentivar o empreendedorismo e promover a livre concorrência. 

Os conservadores econômicos geralmente advogam por políticas fiscais responsáveis, incluindo orçamentos equilibrados e redução da dívida pública. Hayek (1944) oferece uma defesa dos princípios do livre mercado e argumenta contra a intervenção excessiva do governo na economia.

No entanto, a aplicação dessas políticas pode variar dependendo das circunstâncias econômicas e das preferências políticas de cada país. Enquanto alguns países adotam uma abordagem mais liberal em relação às políticas econômicas conservadoras, outros podem optar por uma intervenção governamental mais ativa para garantir a igualdade de oportunidades e proteger os vulneráveis. Friedman (1962) discute a importância da liberdade econômica e da responsabilidade fiscal na promoção do crescimento econômico e da prosperidade.

É importante reconhecer que o conservadorismo econômico não é uma abordagem única e pode se manifestar de maneiras diferentes em diferentes contextos. Por exemplo, alguns conservadores econômicos podem enfatizar a importância do livre mercado e da desregulamentação, outros podem priorizar políticas de proteção social e segurança econômica para os trabalhadores. Mises (1949) apresenta uma análise abrangente da teoria econômica baseada na ação humana e argumenta a favor do laissez-faire e do livre mercado como princípios fundamentais.

Sintetizando, o conservadorismo econômico é uma vertente do conservadorismo político que se baseia na crença na eficácia dos mercados livres e na responsabilidade fiscal. Suas políticas visam promover o crescimento econômico e a prosperidade através da redução da intervenção governamental na economia e da promoção da iniciativa privada.

Aspectos políticos do conservadorismo

O conservadorismo político é uma doutrina política que enfatiza a preservação de valores tradicionais, instituições sociais e ordem social. Essa faceta do conservadorismo abrange não apenas questões sociais e econômicas, mas também preocupações políticas mais amplas, como a governança, a lei e a ordem, e a soberania nacional.

É uma filosofia que incorpora tanto elementos do conservadorismo econômico quanto do conservadorismo social em sua plataforma política. O conservadorismo político enfatiza a importância da manutenção de valores tradicionais e instituições sociais, ao mesmo tempo em que defende políticas que promovem o livre mercado, a responsabilidade fiscal e a limitação da intervenção do governo na economia.

Essa abordagem política combina as preocupações sociais e culturais do conservadorismo social com as políticas econômicas e fiscais do conservadorismo econômico. 

O resultado é uma doutrina que busca conservar tanto os valores sociais quanto os princípios econômicos tradicionais, muitas vezes promovendo uma abordagem de governo limitado e enfatizando a importância da tradição, da estabilidade e da ordem social.

O conservadorismo Político constitui uma doutrina que abrange tanto questões sociais e culturais quanto econômicas, e é caracterizada por uma ênfase na preservação de valores tradicionais e instituições, juntamente com políticas que promovem o livre mercado e a responsabilidade fiscal. Uma característica central do conservadorismo político é a ênfase na estabilidade e na continuidade, em contraste com a mudança rápida e a experimentação social. 

Os conservadores políticos valorizam as instituições estabelecidas e a sabedoria acumulada ao longo do tempo, vendo-as como essenciais para a coesão social e a ordem pública. Isso pode se manifestar em uma defesa da constituição, da separação de poderes e da primazia da lei. Kirk (1953) oferece uma análise abrangente da tradição conservadora, destacando as ideias de pensadores como Burke e Eliot e sua influência no desenvolvimento do conservadorismo político.

O conservadorismo político muitas vezes se alinha com o nacionalismo e o patriotismo, enfatizando a importância da identidade cultural e da soberania nacional. Isso pode levar a políticas que buscam proteger a cultura e os interesses nacionais contra influências externas e promover a coesão social dentro das fronteiras do país. Burke (1790) apresenta reflexões sobre a Revolução Francesa e destacam a importância da prudência política e da preservação das instituições tradicionais como fundamentais para a estabilidade e a ordem social.

Oakeshott (1962) fornece uma análise crítica do racionalismo político e argumenta a favor da moderação e da prudência como virtudes políticas fundamentais na tradição conservadora.

No entanto, é importante reconhecer que o conservadorismo político não é uma filosofia monolítica e pode assumir diferentes formas e expressões em diferentes contextos políticos e culturais. 

Enquanto alguns conservadores políticos podem enfatizar a manutenção das tradições e instituições estabelecidas, outros podem adotar uma abordagem mais progressista e reformista em relação à governança e à política.

O conservadorismo político é uma concepção política que enfatiza a preservação de valores tradicionais, instituições sociais e ordem social. Suas preocupações abrangem uma ampla gama de questões políticas, sociais e culturais e podem variar de acordo com o contexto histórico, cultural e político de cada sociedade.

Embora o termo “conservador” geralmente esteja associado à direita política em muitos países, há variações e nuances regionais. Em algumas partes do mundo, os conservadores podem ser identificados mais à esquerda do espectro político, enquanto em outras regiões, eles podem adotar uma posição mais central. Além disso, as definições de conservadorismo podem variar dependendo do contexto cultural, social e político de cada país ou região.

Um exemplo interessante é o Reino Unido, onde o Partido Conservador é considerado de centro-direita. No entanto, dentro desse partido, há uma gama de opiniões e facções, algumas mais conservadoras em questões sociais e econômicas, enquanto outras são mais moderadas (Bale, 2010). 

Outro exemplo é o Brasil, onde o termo conservador, muitas vezes, está associado a movimentos políticos e sociais que abraçam valores tradicionais e religiosos, como o conservadorismo social. No entanto, também existem setores do espectro político que se identificam como conservadores em termos econômicos, mas adotam uma postura mais progressista em questões sociais (Mercadante, 1980). 

Na Europa, países como a Alemanha têm partidos políticos que se identificam como conservadores, como a União Democrata-Cristã (CDU) liderada por Ângela Merkel. Embora a CDU seja considerada de centro-direita, ela adota políticas que podem ser vistas como mais moderadas em comparação com outros partidos conservadores em outros países (Andersen e Woyke, 2003). 

O termo “conservador” pode ter diferentes interpretações e aplicabilidades dependendo do contexto político, social e cultural de cada país. Assim, o termo “conservador”, aplicado a partidos políticos, pode ser interpretado de maneiras diferentes ao redor do mundo (Kirk, 1953):

  1. O Partido Conservador do Canadá é considerado um partido de centro-direita. No entanto, há também uma variedade de opiniões dentro do partido, com alguns membros sendo mais conservadores socialmente e economicamente, enquanto outros são mais moderados.
  2. O Partido Liberal Democrata do Japão é frequentemente descrito como conservador. Embora o partido tenha uma forte base de apoio e tenha governado o Japão por grande parte de sua história pós-Segunda Guerra Mundial, suas políticas abrangem uma ampla gama de ideologias, desde políticas econômicas liberais até posições conservadoras em questões sociais.
  3. O Partido Liberal da Austrália é considerado de centro-direita e tem sido historicamente associado ao conservadorismo político. No entanto, dentro do partido, há uma variedade de facções e opiniões, desde conservadores sociais e econômicos até moderados e liberais.
  4. O Partido Bharatiya Janata (BJP) é frequentemente descrito como conservador, especialmente em termos de sua ênfase na promoção da identidade cultural hindu e nas políticas nacionalistas. No entanto, o partido também tem uma agenda econômica que inclui elementos de liberalismo econômico.

Esses exemplos ilustram como o conservadorismo pode ser interpretado e aplicado de maneiras diferentes em diferentes contextos políticos e culturais ao redor do mundo.

Como, então, explicar esse aparente paradoxo?

Essa associação variada do conservadorismo com diferentes partes do espectro político pode ser atribuída a uma série de fatores, incluindo diferenças culturais, históricas e regionais. Aqui estão algumas razões que contribuem para essa diversidade (Souza, 2016):

  1. Em alguns países, o conservadorismo tem suas raízes em tradições aristocráticas ou monárquicas, enquanto em outros, está mais associado a movimentos populistas e nacionalistas. Isso pode levar a diferentes interpretações do conservadorismo e sua relação com a direita ou à esquerda.
  2. O conservadorismo pode se manifestar de maneiras diferentes em diferentes culturas e regiões, dependendo das normas sociais, valores tradicionais e identidade cultural de cada sociedade. O que é considerado conservador em uma sociedade pode não ser o mesmo em outra.
  3. Ao longo do tempo, as ideologias políticas evoluem e se adaptam às circunstâncias sociais, econômicas e políticas. O conservadorismo pode mudar e se ajustar para abordar novas questões e desafios, resultando em variações dentro do espectro político.
  4. O conservadorismo pode abranger uma ampla gama de questões, incluindo questões sociais, econômicas, culturais e morais. Dependendo das prioridades políticas de um determinado grupo ou partido, o conservadorismo pode ser mais fortemente associado à direita ou à esquerda com base nas questões que são enfatizadas.

Essa diversidade reflete a complexidade das doutrinas políticas e como elas são moldadas por uma variedade de influências históricas, culturais e políticas.

Conclusão

A análise do conservadorismo revela não apenas uma concepção política, mas um conjunto de princípios e valores interconectados que moldam as visões sociais, econômicas e políticas de uma sociedade. O conservadorismo emerge como uma ideologia política multifacetada que abrange uma ampla gama de questões sociais, econômicas e políticas. 

Ao longo deste texto, os três principais aspectos do conservadorismo: social, econômico e político, foram explorados, destacando suas características distintas e contribuições para o pensamento político contemporâneo.

Ao examinar o aspecto social do conservadorismo, destaca-se a ênfase na preservação de valores tradicionais e instituições sociais como a família e a comunidade. Autores como Deneen, Hartz e Scruton argumentam que esses valores são essenciais para manter a coesão social e a estabilidade cultural. A defesa da moralidade religiosa e da identidade cultural reflete a preocupação dos conservadores com a preservação da ordem social e o papel central das tradições na vida comunitária.

No campo econômico, o conservadorismo se manifesta através da defesa da liberdade econômica e do livre mercado. As ideias de Hayek, Friedman e Mises enfatizam a importância da iniciativa privada, da competição e da mínima intervenção do governo na economia para promover o crescimento econômico e a prosperidade. A crença na eficiência do mercado como mecanismo regulador e na responsabilidade fiscal reflete uma visão otimista do potencial do livre mercado para impulsionar o desenvolvimento econômico.

No aspecto político, o conservadorismo valoriza a estabilidade institucional, a ordem social e a soberania nacional. Autores como Kirk, Burke e Oakeshott argumentam que a prudência política e a moderação são fundamentais para a governança eficaz e a preservação da ordem pública. A defesa das instituições estabelecidas e da autoridade legal reflete a preocupação dos conservadores com a manutenção da estabilidade política e o respeito pela tradição.

Além disso, é importante reconhecer que o conservadorismo não é uma ideologia estática, mas sim uma abordagem dinâmica que evolui em resposta aos desafios e mudanças sociais. Embora os conservadores compartilhem certos princípios fundamentais, suas interpretações e aplicações desses princípios podem variar significativamente. Essa diversidade dentro do conservadorismo é evidência de sua resiliência e adaptabilidade como uma força política.

Em última análise, o conservadorismo oferece uma busca de visão equilibrada do mundo que busca preservar o que é valioso nas tradições e instituições enquanto promove a liberdade individual e o progresso econômico. Ao compreender as diferentes facetas do conservadorismo, podemos apreciar sua riqueza intelectual e sua influência duradoura no pensamento político contemporâneo.

O conservadorismo também desafia o status quo e questiona as mudanças sociais rápidas e radicais, enfatizando a importância da estabilidade e continuidade na sociedade. Essa postura conservadora pode ser vista como uma salvaguarda contra a instabilidade e o caos, oferecendo uma visão cautelosa sobre o progresso social.

Por outro lado, críticos do conservadorismo argumentam que sua ênfase na tradição e na autoridade pode restringir a liberdade individual e perpetuar a desigualdade social. Eles destacam a necessidade de mudança e adaptação para lidar com os desafios do mundo moderno, incluindo questões como a mudança climática, a globalização e a igualdade de gênero.

Já os defensores do conservadorismo argumentam que suas ideias oferecem uma base sólida para abordar esses desafios, promovendo soluções graduais e pragmáticas em vez de mudanças abruptas e radicais. Eles enfatizam a importância de encontrar um equilíbrio entre a tradição e a inovação, reconhecendo a necessidade de progresso sem comprometer os valores fundamentais da sociedade.

À medida que o debate sobre o conservadorismo continua, é importante reconhecer sua influência duradoura no cenário político e intelectual. Suas ideias e princípios continuam a moldar o discurso público e a influenciar as políticas governamentais em todo o mundo. Como tal, o conservadorismo permanece uma força poderosa e relevante na política contemporânea.

Em suma, o conservadorismo se apresenta como uma filosofia política rica e complexa que aborda uma variedade de questões sociais, econômicas e políticas. Seus aspectos sociais, econômicos e políticos se complementam para formar uma visão abrangente do mundo que enfatiza a importância da tradição, da liberdade e da ordem.

 Ao compreender esses três aspectos do conservadorismo, insights valiosos podem ser obtidos sobre suas origens, princípios e implicações para a sociedade contemporânea.

Referências:

Andersen, U.; Woyke, W. (2003). Handbuch des politischen Systems der Bundesrepublik Deutschland. Opladen, Alemanha: Leske + Budrich.

Bale, T. (2010). The Conservative Party: From Thatcher to Cameron. Cambridge, Reino Unido: Polity Press.

Burke, E. (1790). Reflexões sobre a revolução na França. London: J. Dodsley.

Deneen, P. J. (2018). Porque o liberalismo falhou. New Haven: Yale University Press.

Friedman, M. (1962). Capitalismo e liberdade. Chicago: University of Chicago Press.

Hayek, F. A. (1944). O caminho da servidão. London: Routledge.

Hartz, L. (2007). O liberalismo clássico na tradição americana. New York: Anchor Books.

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Mercadante, P. (1980). A consciência conservadora no Brasil. Rio de Janeiro, Brasil: Nova Fronteira.

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Paré, G.; Trudel, M.; Jaana, M.; e Kitsiou, S. (2014). Synthesizing information systems knowledge: A typology of literature reviews. Information & Management, 52(2), 183-199. doi:10.1016/j.im.2014.11.008

Oakeshott, M. (1962). Rationalismo na política. London: Methuen.

Scruton, R. (2002). Conservadorismo. London: Profile Books.

Smith, A. (1776). An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Londres, Reino Unido: W. Strahan and T. Cadell.

Souza, J. (2016). Edmund Burke e a gênese do conservadorismo. Serviço Social & Sociedade, (126), 5-8.


1CEPESE: Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade