DIRETRIZES NA AVALIAÇÃO DO REPERTÓRIO DE CRIANÇAS AUTISTAS PARA PLANEJAMENTO DA INTERVENÇÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11176013


Alice Passos Tufolo


Resumo

O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição neurobiológica que impacta principalmente as áreas sociais e de comunicação. A intervenção das crianças TEA é terapêutica e estruturada a partir de uma avaliação inicial. É a partir dela que são selecionados todos os alvos de desenvolvimento da criança. Esse trabalho apresenta diretrizes visando auxiliar o avaliador a facilitar a compreensão da criança sobre as demandas requeridas e fornecer suporte para suas respostas. Também oferece orientações sobre o contexto apropriado para avaliar o repertório da criança e precauções a serem tomadas na interpretação dos dados, visando aumentar a seleção da probabilidade de alvos adequados para a intervenção da criança.

Palavras- chave: autismo; avaliação; diretrizes de avaliação; alvos de ensino; transtorno do espectro autista (TEA)

Abstract

The Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurobiological condition that primarily impacts social and communication areas. The intervention for children ASD is therapeutic and structured based on an initial assessment. It is from this assessment that all of the child’s developmental targets are selected. This work presents guidelines for assessment, aiming to assist the evaluator in facilitating the child’s understanding of the demands and providing support for their responses. It also offers guidance on the appropriate context for assessing the child’s repertoire and precautions to be taken in interpreting the data, with the goal of increasing the probability of selecting suitable targets for the child´s intervention.

Keywords: autism; assessment; assessment guidelines; teaching targets; autism spectrum disorder (ASD)

O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição neurobiológica caracterizada predominantemente por déficits nas áreas de socialização e comunicação.  O diagnóstico de um indivíduo TEA é clínico, realizado através de observação direta (Wilson et al., 2013; Baiard et al., 2003). A intervenção também é clínica e é traçada a partir de uma avaliação inicial em que é visto: histórico familiar, testes cognitivos e avaliação dos comportamentos adaptativos, sociais e comportamentos atípicos. Os dados deveriam ser coletados ouvindo os pais, cuidadores, professores (Williams et al., 2009; Volker & Lopata, 2008). É a partir desses dados coletados que um profissional responsável traça os alvos de intervenção que ele irá desenvolver no indivíduo, estruturando assim o PEI (Plano de Ensino Individual) (Gould et al., 2011).

O Plano de Ensino Individual contempla: o nível de desenvolvimento do indivíduo, as necessidades particulares dele, o que ele gosta e desgosta, as dificuldades comportamentais específicas, suas motivações, assim como a melhor estratégia de ensino. Todo esse levantamento de dados leva a um melhor prognóstico na intervenção tornando-a mais efetiva (Gould et al., 2011).

Uma boa avaliação traz conhecimento para os pais em relação ao repertório do filho, o que leva naturalmente a uma melhor intervenção e a construção de ambientes mais adequados para a criança (Perry et al., 2002).

 Uma avaliação mal estruturada pode resultar tanto no ensino de habilidades não pertinentes para aquela criança como focar nas habilidades que essa não utilizará no seu dia-a-dia (Matson & Goldin, 2014; Persicke et al., 2014). Além disso, o currículo de ensino da criança pode ficar “desbalanceado” contemplando mais áreas do que outras, assim como trabalhar habilidades nas quais a criança não apresenta pré-requisitos (Gould et al., 2011; Persicke et al., 2014; Matson & Goldin, 2014).

Como a avaliação é realizada a partir do responder da criança, para se ter acesso ao que ela sabe de fato, ela deve entender o que está sendo solicitado. Assim, a avaliação deve levar em conta o déficit de linguagem receptiva – o quanto o indivíduo entende o que está sendo dito para ele. (Plesa et al., 2016; Krempley et al., 2021) A utilização de palavras que sejam familiares para a criança, assim como a repetição da instrução e modelo para ela do que está sendo esperado são estratégias válidas para garantia de um bom entendimento (Paul & Fahim, 2014).

Ainda em relação a compreensão do que está sendo dito, aspectos particulares do TEA precisam ser considerados, como por exemplo, às vezes pode ser necessário mais tempo para a pessoa processar o que foi perguntado. E assim, é importante, ao fazer uma pergunta, dar tempo para a criança responder antes de apresentar outra informação (Paul & Fahim., 2014).

Já em relação ao responder da criança, alguns são os fatores que podem interferir, são eles: grau de engajamento na atividade, organização adequada do ambiente – por exemplo, ambientes com muitos distratores podem atrapalhar a avaliação – frustrações da criança em relação a não conseguir responder algo solicitado, aspectos correlacionados a regulação emocional e sensorial, e a própria ansiedade que o teste pode causar (Plesa  et al., 2016; Krempley et al., 2021). Um dos modos de reduzir a frustração às demandas na avaliação é apresentar para a criança atividades que sejam de maior dificuldade intercaladas com outras que o avaliador sabe que a criança sabe fazer, de modo a garantir que ela passe pela experiência de acerto alternada ao desafio. É preciso também ser flexível quanto a mudança de apresentação da ordem do teste se necessário, tendo como prioridade o interesse da criança (Paul & Fahim, 2014). Para além de tudo isso, o vínculo é algo que pode intervir diretamente no responder do avaliado. Com isso, se faz relevante, antes de iniciar a avaliação em si, o avaliador despender um tempo na criação de vínculo com a criança (Paul & Fahim, 2014).

O ambiente que a criança é avaliada também deve ser cuidadosamente selecionado para tal. É importante que esta ocorra com itens e em lugares familiares para a criança e livres de outras distrações. A avaliação precisa ser realizada em contextos diferentes da vida do indivíduo para que se tenha acesso aos reais déficits presentes na criança. Um indivíduo TEA com alto funcionamento, por exemplo, pode não demonstrar déficits de habilidades sociais quando avaliado em um ambiente estruturado com um adulto, porém apresentar quando avaliado em um ambiente com um grupo da mesma idade (Ozonoff et al., 2005).

Ainda quanto ao ambiente, algumas habilidades só ocorrem em lugares específicos, e assim, ver o repertório onde ele precisa estar ocorrendo trará de fato quais são os déficits e excessos que o indivíduo possui em determinada situação e o que o ambiente em questão exige dessa criança (Hayward et al., 2009).

Por fim, a escolha do tipo de avaliação a ser feita também é relevante. As avaliações podem ser diretas (o avaliador observa e testa diretamente a habilidade) e/ou indiretas (o avaliador coleta o relato de alguém sobre a habilidade). A avaliação direta apresenta a vantagem de trazer informações precisas da habilidade; no entanto, também exige que seja realizada a observação desse repertório por pessoas treinadas, com comportamentos bem delineados, assim como requer uma amostra grande e sistemática de situações para que seja possível afirmar que um comportamento específico está presente ou não de modo consistente no repertório da criança. Com isso, as escalas, assim como checklists, trazem uma boa alternativa complementar às avaliações diretas, pois requerem menos tempo e é possível ter acesso às informações de uma ampla gama de ambientes (Gould et al., 2011). Apesar desse olhar, entrevistas às vezes são criticadas por terem menos precisão e serem um relato verbal (Luyster et al., 2008).

Para além dos cuidados e escolhas quanto ao momento de coletar o dado, a forma como o dado será interpretado também é relevante. Os resultados da avaliação deveriam considerar qual é o impacto gerado por aquele déficit na vida da criança, para além dela ter ou não o repertório (Windholz., 1988).

Diante de todos os aspectos relacionados à avaliação aqui apresentados, fica claro que o modo como será realizada a verificação do repertório de uma criança TEA pode ter influência direta nos resultados que serão obtidos e, assim,  impacto na intervenção traçada. Com isso, é nítida a importância do avaliador considerar e manipular variáveis da avaliação que impactam no: a) entendimento da criança quanto ao que está sendo solicitado; b) resposta da criança ao que foi solicitado; c) interpretação dos dados que foram coletados. 

Referências

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