DIREITO FINANCEIRO EM TEMPOS DE CRISE: O IMPACTO DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS NA APROVAÇÃO DA LEI ORÇAMENTÁRIA  

FINANCIAL LAW IN TIMES OF CRISIS: THE IMPACT OF THE CORONAVIRUS PANDEMIC ON THE APPROVAL OF THE BUDGET LAW 

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11175201


Gutemberg Morais Serrano1 


Resumo 

O Ciclo Orçamentário corresponde ao período em que se planeja e elabora; se discute, vota e aprova; se executa e se controla as leis orçamentárias, que são algumas das materialmente mais importantes do ordenamento jurídico, logo abaixo da constituição, pois as que mais influenciam o destino da coletividade. Nesse contexto, situações de crise podem ocorrer, como a recente pandemia do SARS-CoV-2. Assim, importa verificar os seus impactos no ciclo orçamentário, em especial na etapa da apreciação e aprovação da Lei Orçamentária, bem como responder se as ferramentas oferecidas pelo direito financeiro, que conduzem o ciclo, estão sendo suficiente para enfrentar situações de crise e amenizar suas consequências. Para isso, propõe-se realizar uma pesquisa qualitativa de cunho investigativo e expositivo da legislação, doutrina e jurisprudência, partindo-se da situação geral para a situação específica de crise e de calamidade pública, bem como fazendo um diálogo entre essas fontes. Constatou-se que de fato a etapa da aprovação da Lei Orçamentária foi impactada. Com efeito, algumas adaptações da norma jurídico financeira foram necessárias para enfrentar a crise, como mudanças no processo de votação e discussão do orçamento. 

Palavras-chave: Direito Financeiro. Ciclo Orçamentário. Controle. Calamidade Pública. Pandemia. 

1. INTRODUÇÃO 

O ciclo ou processo orçamentário corresponde ao período em que se processam as atividades típicas do orçamento público, desde sua concepção até sua apreciação final. É um rito legalmente estabelecido, envolvendo as seguintes etapas, que se repetem periodicamente: (a) elaboração da proposta e do projeto de lei orçamentária anual; (b) discussão, votação e aprovação da lei orçamentária; (c) execução orçamentária e financeira; e (d) controle e avaliação da execução orçamentária e financeira. 

Este artigo foca na etapa de discussão, votação e aprovação da lei orçamentária. 

Feito o encaminhamento de qualquer projeto de lei orçamentária (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual ou créditos adicionais) ao Poder Legislativo, este fará sua apreciação, que, no caso da União, ocorre por análise conjunta das duas casas do Congresso Nacional, conforme dispõe o Art. 166 da Constituição Federal: 

Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. 

Na União, os projetos de leis orçamentárias são objeto de discussão, apresentação e aprovação de emendas e votação no âmbito da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), formada por quarenta parlamentares, sendo trinta deputados e dez senadores, com igual número de suplentes, e dirigida por um presidente e três vice-presidentes, escolhidos de acordo com a proporcionalidade partidária2. Sua importância é tamanha que é a única comissão do Congresso Nacional cujas atribuições são extraídas diretamente da Constituição Federal, senão vejamos: 

Art. 166, § 1º Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados:  

I – examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República;  

II – examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58.  

§ 2º As emendas serão apresentadas na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional. 

Nesse contexto, as ferramentas do direito financeiro, no que se refere à etapa de discussão, votação e aprovação da lei orçamentária, devem levar em consideração aspectos extraordinários relacionados às situações de crise e de calamidade pública, como foi o caso da recente pandemia do coronavírus. 

Nessa situação, medidas de prevenção ao coronavírus obrigaram os parlamentares a implantar Sistema de Deliberação Remota. Ademais, impasses políticos e técnicos, num cenário já conturbado de pandemia, fizeram com que não fosse instalada a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, que possui estatura constitucional nessa etapa do ciclo orçamentário. 

Assim, este tema é relevante, na medida em que busca verificar os impactos das situações de crise, tomando como parâmetro a enfrentada atualmente decorrente da pandemia do coronavírus, no processo controla e avalia a Lei Orçamentária, já considerada pelo Supremo Tribunal Federal como a lei materialmente mais importante do ordenamento jurídico logo abaixo da Constituição, porque a que mais influencia o destino da coletividade3. Além disso, busca responder se as ferramentas oferecidas pelo direito financeiro estão sendo suficientes para enfrentar situações como esta e para amenizar suas consequências. 

Dessa forma, o presente trabalho tem o objetivo específico de analisar os impactos das situações de crise na etapa de discussão, votação e aprovação da lei orçamentária, considerando a sua realização em formato remoto pelos parlamentares e a falta de instalação da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, bem como eventuais atrasos provocados por impasses políticos e técnicos, em um cenário conturbado de pandemia 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA 

Feito o encaminhamento de qualquer projeto de lei orçamentária (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual ou créditos adicionais) ao Poder Legislativo, este fará sua apreciação, que, no caso da União, ocorre por análise conjunta das duas casas do Congresso Nacional, conforme dispõe o Art. 166 da Constituição Federal: 

Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. 

A Constituição estabelece que lei complementar (ainda não editada) estabelecerá, para todos os entes da Federação, os prazos para envio e aprovação de cada uma das leis orçamentárias, no âmbito do processo orçamentário. Na esfera federal, os prazos atualmente vigentes estão no Art. 35, §2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e permanecerão em vigor enquanto não for editada a referida lei complementar, in verbis: 

2º Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:  

I – o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa; 

II – o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;   

III – o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa. 

Segundo o STF, no ano em que for editado o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deve ser compatível com o plano então vigente4

Há consequências caso esses prazos sejam descumpridos. De acordo com o art. 32 da Lei 4.320/64, se não receber a proposta orçamentária no prazo fixado acima, o Poder Legislativo considerará como proposta a Lei de Orçamento vigente. Já quando é o poder Legislativo que não cumpre o prazo, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) vem prevendo, todo ano, que se o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) não for sancionado pelo Presidente da República até 31 de dezembro, a programação dele constante poderá ser executada para o atendimento de determinadas despesas, citadas na própria LDO, na proporção de duodécimos a cada mês, até a sua regular aprovação. 

Na União, os projetos de leis orçamentárias são objeto de discussão, apresentação e aprovação de emendas e votação no âmbito da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), formada por quarenta parlamentares, sendo trinta deputados e dez senadores, com igual número de suplentes, e dirigida por um presidente e três vice-presidentes, escolhidos de acordo com a proporcionalidade partidária5. Sua importância é tamanha que é a única comissão do Congresso Nacional cujas atribuições são extraídas diretamente da Constituição Federal, senão vejamos: 

Art. 166, § 1º Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados:  

I – examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República;  

II – examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58.  

§ 2º As emendas serão apresentadas na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional.  

Vale ressaltar que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.468/DF6, o Relatório da CMO não vincula, por si só, a apreciação das Casas Legislativas do parlamento federal. 

Enquanto o PLOA tramita no Legislativo, é possível que ocorram mudanças por duas formas. A primeira delas é através de mensagem enviada pelo Presidente da República, conforme dispõe o §5º ainda do art. 166 da Constituição Federal: 

Art. 166, §5º O Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos a que se refere este artigo enquanto não iniciada a votação, na Comissão mista, da parte cuja alteração é proposta. 

A outra forma estabelecida pela Constituição Federal para tais mudanças são as emendas aos projetos de leis orçamentárias. Aprovar emendas em tais projetos é um tema sensível, uma vez que significa alterar proposição de inciativa reservada ao outro poder. Sob outra perspectiva, não proporcionar essa prerrogativa ao poder legislativo representaria uma anomalia em face da competência dos órgãos de representação no controle das finanças públicas e na legitimação das escolhas do governo. Entretanto, sendo a matéria de iniciativa privativa do Poder Executivo, deve certamente haver limites para as alterações mediante emendas parlamentares. Desde a Constituição Federal de 1946, a qual não tratou do tema de emendas ao orçamento, que a doutrina defende a necessidade de tais limites, tendo sido consagrada pela Lei no 4.320/64, ao determinar7

Art. 33. Não se admitirão emendas ao projeto de Lei de Orçamento que visem a: 

a) alterar a dotação solicitada para despesa de custeio, salvo quando provada,

b) conceder dotação para o início de obra cujo projeto não esteja aprovado pelos órgãos competentes; nesse ponto a inexatidão da proposta; 

c) conceder dotação para instalação ou funcionamento de serviço que não esteja anteriormente criado; 

d) conceder dotação superior aos quantitativos previamente fixados em resolução do Poder Legislativo para concessão de auxílios e subvenções. 

Durante o regime militar, a prerrogativa dos parlamentares de propor emendas praticamente desapareceu8. Apesar da Constituição da ocasião (de 1967 e a Emenda no 1 de 1969) não chegar a vedar formalmente as emendas, o dispositivo correspondente criava restrições de toda a ordem que a propositura ficava impossibilitada na prática9, ficando restrito à correção de erros e a outros aspectos formais. 

A Constituição de 1988 devolveu aos parlamentares o direito de propor emendas nas modalidades de maior interesse, isto é, as que introduzem novas despesas e as que aumentam os valores das despesas constantes no projeto de lei10. Dessa forma, há atualmente uma maior participação democrática nos gastos públicos, conferindo-lhes maior legitimidade11. A regra atualmente em vigor é estabelecida pelos §3º e §4º do Art. 166: 

§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:  

I – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;  

II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:  

a) dotações para pessoal e seus encargos;  

b) serviço da dívida;  

c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou  

III – sejam relacionadas:  

a) com a correção de erros ou omissões; ou  

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.  

§ 4º As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.  

Com efeito, estes parágrafos são exatamente as exceções contidas no Art. 63, I, da CF/88: 

Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista: 

I – nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, §3º e §4º;   

Entretanto, como princípio, a toda despesa deve corresponder uma fonte de recursos que a viabilize. Essa máxima é aplicada no caso das emendas que deverão indicar sempre os recursos compensatórios. O dispositivo em tela estabelece apenas uma modalidade de fonte de recursos para atender as emendas, que é a anulação de outras despesas constantes do projeto de lei. Assim, tal formato produz a seguinte situação: as emendas de despesa não alterarão o resultado fiscal de equilíbrio, déficit ou superávit do orçamento12.  

Nesse sentido, os recursos destinados às emendas não podem ser novos, ou seja, não pode um parlamentar criar um projeto ou um programa indicando novas fontes de recursos, ou informar que os recursos virão de tributos a serem criados ou majorados. Há aqui uma espécie de efeito-substituição, com a troca de despesas propostas pelo Executivo por despesas propostas pelo Legislativo13

Assim, poderá haver aumento de determinada despesa, desde que se reduza outra, obedecendo as exclusões do inciso II, entre outras de execução obrigatória, que não poderão ser reduzidas nem deixar de ser realizadas. De acordo com Leite (2020), essa restrição é salutar, tendo em vista a idealização bastante comum nos legisladores de aventarem soluções sem conhecer as reais possibilidades do erário. Assim, não é possível, por exemplo, aumentar as despesas com o combate à pandemia do coronavírus, sem alguma anulação de despesa. 

Logo, ainda que nos projetos de leis orçamentárias, a única possibilidade de haver aumento total de despesa é quando houver correção de erros ou omissões, possibilitando correção de erros em eventuais subestimativas no cálculo da receita no projeto de lei. Nesse caso corrigir o erro significa reestimar a receita, o que poderá produzir recurso adicionais para o atendimento de emendas. Com efeito, o §4º do art. 12 da Lei de Responsabilidade Fiscal determina que a reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será admitida se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal. 

No âmbito da CMO, a disposição em reestimar a receita orçamentária baseava-se na percepção de que, como regra, o poder executivo prefere realizar estimativas conservadoras sobre o comportamento futuro da arrecadação, uma vez que é melhor contar com excesso de arrecadação do que realizar cortes no decorrer da execução do orçamento. A prática das subestimativas na arrecadação tinha raízes nos períodos de inflação alta, quando era recomendável não indexar as receitas futuras com base na inflação passada. Outra razão muito importante que motivou o mecanismo das reestimativas foi a necessidade de identificar fontes de recursos para a aprovação das emendas parlamentares. A rigidez da programação de despesa decorrente das vinculações de receitas e do grande volume de gastos obrigatórios dificultava identificar na proposta de despesa cortes que funcionassem como compensação às emendas14

Para finalizar o tema das emendas aos projetos de leis orçamentárias, importa destacar a já consolidada e antiga jurisprudência do STF no sentido da constitucionalidade das emendas nos termos acima discutidos: 

O poder de emendar projetos de lei – que se reveste de natureza eminentemente constitucional – qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis, pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa, desde que – respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República – as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, §3º e §4º da Carta Política. 

De acordo com Giacomoni (2019), duas situações dificultavam a execução das emendas parlamentares: em primeiro lugar, ao ficar evidenciada a necessidade de limitar as despesas e em face das poucas opões em razão do grande volume de gastos obrigatórios, entre os créditos contingenciados o governo incluía invariavelmente as emendas; em segundo lugar, a execução ou não das emendas compunha o quadro da barganha política estabelecida entre o governo e os parlamentares. 

Assim, após muitas reclamações quanto ao chamado orçamento autorizativo, especialmente, pelas dificuldades sentidas pelos parlamentares em ver as suas emendas executadas, estas ganharam fundamental importância com a Emenda Constitucional no 86/2015. Conhecida como emenda do orçamento impositivo, ela implementou a obrigatoriedade da execução orçamentária e financeira das programações das emendas individuais dos parlamentares até o limite correspondente a 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, sendo que metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde, ganhando fundamental relevância para o orçamento de 2021 no combate à pandemia do coronavírus. Na mesma esteira, a Emenda Constitucional no 100 de 2019 estabeleceu tal obrigatoriedade para as emendas de bancada no montante de até 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior. Tais emendas não serão de execução obrigatória apenas nos casos de impedimentos de ordem técnica (§9º ao §13 do Art. 166, CF/88). 

Essas emendas constitucionais do orçamento impositivo tentaram afastar interferências políticas no ciclo orçamentário, pelas quais, aprovada a lei orçamentária, durante a fase de execução, os recursos contemplados por essas emendas ficavam sujeitas a contingenciamentos, e a liberação condicionada a contrapartida dos parlamentares em favor do governo, entretanto a prática continuou15

Ou seja, fez-se uma emenda constitucional que não só teve a curiosa finalidade de obrigar a cumprir uma lei — a lei orçamentária —, como se limitou a apenas exigir esse cumprimento para uma mínima parcela dela — os valores inseridos por emendas parlamentares, que correspondem a pouco mais de 1% do orçamento. E o pior, pelo que se vê, é que não surtiu o efeito esperado, uma vez que as notícias recentes dão conta de que a prática continua. 

Espera-se que com a edição da Emenda Constitucional no 100/2019, que previu, no art. 165, §10, que a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade, essa prática seja diminuída. 

Encerradas as análises na CMO, seu parecer final acompanhado de substitutivo do projeto da LOA é encaminhado para votação em sessão do plenário do Congresso Nacional para votação conjunta, embora a contagem seja em separado, ou seja, a maioria simples de cada Casa deve aprovar as leis orçamentárias, em virtude de se tratar de uma lei ordinária, apesar do procedimento especial. 

Aprovada a matéria no Congresso, a CMO prepara sua redação final que será encaminhada ao presidente da República para sanção ou veto, promulgação e publicação, conforme o trâmite normal das demais leis ordinárias, nos termos do art. 66 da Constituição Federal. Neste ponto, cabe lembrar que o §7º do art. 166 informa que, aos projetos das leis orçamentárias, no que não contrariar o procedimento específico, aplicam-se as demais normas relativas ao processo legislativo comum. 

Caso o Presidente da República vete, total ou parcialmente, a proposta orçamentária, o projeto será devolvido ao Congresso, com a comunicação das razões do veto, que poderá ser por interesse público ou por inconstitucionalidade, para ser analisado e votado no Legislativo. Para que o veto seja rejeitado, é necessária a maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio aberto (art. 66, §4º). Se o veto for mantido, o projeto será promulgado pelo Executivo sem a parte que foi vetada. 

O Executivo deve vetar as emendas ilegais, ainda que haja problemas políticos e administrativos daí decorrentes, sobretudo aquelas que indicam fonte de recursos proibidas ou mesmo que nem as indicam16. Nesse caso, os valores das emendas vetadas não retornam às dotações originais, visto que elas não foram aprovadas pelo Congresso. Ficam assim sujeitas ao previsto no art. 166, §8º, e somente poderão ser utilizadas para abertura de crédito adicional. 

Finalizada a parte geral sobre a etapa de estudo e aprovação das leis orçamentárias no âmbito do processo orçamentário, passaremos a tratar agora dos principais impactos da pandemia do coronavírus nesta etapa. 

3 METODOLOGIA  

Este trabalho fará uso de pesquisa bibliográfica qualitativa de cunho investigativo e expositivo, especialmente em meios eletrônicos, tais como livros, artigos, notícias, revistas e livros. Outrossim, será utilizado o suporte legal base do direito financeiro como a Constituição Federal, Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei 4.320/1964, bem como as normas do Regime Extraordinário Fiscal. Também será feito uso das principais jurisprudências sobre o tema, tanto do Poder Judiciário, como dos Tribunais de Contas.  Partiremos da descrição geral da etapa de discussão, votação e aprovação da lei orçamentária, em seguida será verificado as questões específicas em que as situações de crise causam impactos, considerando também um diálogo entre as fontes citadas, assim, serão utilizados os métodos dedutivos e dialéticos. 

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS 

4.1 Apreciação das leis orçamentárias separadamente pelas Casas Legislativas 

A crise sanitária causou impacto nas atividades do Poder Legislativo, mormente no funcionamento dos seus órgãos colegiados em função da inviabilidade da realização de reuniões e sessões presenciais, com o intuito de evitar o contágio do coronavírus. Para sobrepujar tal dificuldade, foi desenvolvido Sistema de Deliberação Remota (SDR)17

No Senado, o SDR foi instituído pelo Ato da Comissão Diretora no 7, de 17 de março de 202018, cuja definição consta no parágrafo único do seu art. 1o

Art. 1o Fica instituído o Sistema de Deliberação Remota do Senado Federal (SDR). 

Parágrafo único. O SDR consiste em solução tecnológica que viabilize a discussão e votação de matérias, a ser usado exclusivamente em situações de guerra, convulsão social, calamidade pública, pandemia, emergência epidemiológica, colapso do sistema de transportes ou situações de força maior que impeçam ou inviabilizem a reunião presencial dos Senadores no edifício do Congresso Nacional ou em outro local físico.  

De forma semelhante, a Câmara dos Deputados instituiu o SDR mediante a Resolução no 14 de 2020, como medida excepcional destinada a viabilizar o funcionamento do Plenário durante a emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus19

A adoção de Sistema de Deliberação Remota, no âmbito do Legislativo, nesses tempos de pandemia, não é exclusividade do Brasil, sendo utilizado também em diversos países, inclusive com ganhos em participação democrática, sobretudo nos países da União Europeia e do Reino Unido20

Para Alves e Pedroso21, a adoção de sistemas remotos de deliberação é medida acertada, pois garante a continuidade das atividades legislativas em meio à pandemia. Por outro lado, o processo legislativo é matéria delicada e demanda parcimônia. Mudanças na forma do rito alteram as regras do jogo e distribuem preferências político-partidárias de forma diferenciada. 

Nesse sentido, a mudança do regime de deliberação e votação de matérias no legislativo tornou-se objeto de preocupação das organizações da sociedade civil que atuam em causas fundamentais da cidadania, direitos humanos e preservação ambiental no país, pedindo atenção e intervenção das autoridades judiciais e legislativas quanto às possibilidades de haver atropelo de direitos e procedimentos democráticos básicos, por conta da restrição no tempo e das condições de debate das proposições colocadas para decisão em plenário22

O cerne das modificações refere-se à compressão radical do tempo de tramitação das proposições, dando máxima discricionariedade à presidência das Mesas para incluí-las na pauta de votações, após proferimento de pareceres de plenário, sendo estes elaborados por relatores designados pelas próprias presidências23

Na Câmara, há preferência, embora não haja exclusividade, às matérias relacionadas à pandemia24. No Senado, por sua vez, não há previsão de matérias preferenciais a serem tratadas durante o regime remoto, embora haja referência ao seu caráter de urgência e ao uso prioritário do SDR em situações de força maior que inviabilizem a reunião presencial, como visto acima. 

Entretanto, quando se trata do Congresso Nacional como um todo, houve um gargalo importante: as diferenças nos sistemas de informação do Senado e da Câmara inviabilizaram a realização de sessões virtuais conjuntas25. Assim, foi solicitado cautelarmente, pelas Casas Legislativas, ao STF na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 661/DF, a substituição da atuação das Comissões Mistas no âmbito da apreciação das medidas provisórias, o que foi concedido pelo Ministro Alexandre de Moraes, in verbis: 

Diante do exposto, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR na presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com base no art. 21, V, do RISTF, para evitar grave lesão a preceitos fundamentais da Constituição Federal, em especial dos artigos 2º e 37, caput, e, AUTORIZO, nos termos pleiteados pelas Mesas da Casas Legislativas, que, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente da COVID-19, as medidas provisórias sejam instruídas perante o Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ficando, excepcionalmente, autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas designado na forma regimental; bem como, que, em deliberação nos Plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, operando por sessão remota, as emendas e requerimentos de destaque possam ser apresentados à Mesa, na forma e prazo definidos para funcionamento do Sistema de Deliberação Remota (SDR) em cada Casa; sem prejuízo da possibilidade das Casas Legislativas regulamentarem a complementação desse procedimento legislativo regimental. 

Dentre outras razões que justificaram sua decisão, merece destaque o seguinte trecho que deu relevo ao princípio da eficiência de estatura constitucional: 

Nosso texto constitucional consagrou, juntamente com a necessidade de atuação harmônica do Legislativo, Executivo e Judiciário, o respeito ao princípio da eficiência, como aquele que impõe à todos os poderes de Estado e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios constitucionais, legais e morais necessários para a maior rentabilidade social de suas atividades. 

Logo depois, com base nessa decisão, foram publicados os Atos Conjuntos das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal n.os 1 e 2 de 2020. O primeiro regulamentou a apreciação das Medidas Provisórias pelo Congresso Nacional, que passaram a ser instruídas perante o Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal separadamente, ficando excepcionalmente autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas designado na forma regimental26. Já o segundo, estende aos projetos de lei de matéria orçamentária a deliberação em sessão remota da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, separadamente, desde que sejam consideradas urgentes ou relacionadas com a pandemia do Covid-19 mediante anuência de 3/5 (três quintos) dos líderes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal27

Isso é algo inédito no regime constitucional atual, uma vez que desde a Constituição de 1988 que historicamente a apreciação das leis de matéria orçamentária ocorre conjuntamente em atenção ao Art. 166 da Constituição Federal transcrito no início deste capítulo, demonstrando efetivamente um dos impactos da pandemia do coronavírus na etapa em epígrafe do processo orçamentário. 

Interessante observar que O Ato Conjunto no 2 também previa que, sempre que possível, deveria funcionar como relator, na sessão remota da Casa a que pertença, o parlamentar que eventualmente tenha sido designado como relator no âmbito da CMO, que nunca foi instalada no ano de 2020, também de forma inédita, como se verá o tópico a seguir. 

4.2 Falta de Instalação da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização 

Desde a promulgação da Constituição de 1988, só se tem notícia, quanto ao projeto de lei orçamentária anual, de não ter tido um relatório geral aprovado pela CMO em 201028. Mas a Comissão fora instalada, os relatórios dos comitês e os relatórios setoriais foram apreciados e aprovados neste colegiado, apenas não houve consenso sobre a aprovação do relatório geral, que acabou indo ao plenário do Congresso Nacional no final do prazo de seu funcionamento.

Quando ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias, o fato semelhante ocorreu em 1992 e 1999, tendo sido a proposta alçada ao plenário do CN com base nos arts. 20 e 100 do regimento comum29

Art. 20. Esgotado o prazo destinado aos trabalhos da Comissão, sem a apresentação do parecer, este deverá ser proferido oralmente, em plenário, por ocasião da discussão da matéria. (…) 

Art. 100. Se a Comissão, no prazo fixado, não apresentar o seu parecer, o Presidente do Senado, feita a publicação das emendas, convocará sessão conjunta para a apreciação da matéria, quando designará Relator que proferirá parecer oral. 

Estes dispositivos tinham especial relevância na vigência Constitucional anterior (CF/1967), que dispunha, em seu art. 68: 

Art 68 – O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados até cinco meses antes do início do exercício financeiro seguinte; se, dentro do prazo de quatro meses, a contar de seu recebimento, o Poder Legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei. 

Assim, se não fosse devolvido até o final de novembro, o PLOA seria promulgado como lei. Dessa forma, a possibilidade de deliberação em plenário não significava desprestígio dos trabalhos da Comissão, mas uma sinalização da necessidade de que ela cumprisse suas atribuições tempestivamente, já que o próprio Legislativo se encontrava submetido ao dever de apreciar a matéria orçamentária nos prazos constitucionais30

Em que pese a mudança na constituição, tais dispositivos permanecem em vigor no regimento comum. Entretanto, é no mínimo questionável31 a validade desses dispositivos regimentais, sobretudo tendo em vista a decisão do STF na ADI 4029/2012, que, na ocasião, proferiu o seguinte entendimento: 

O parecer prévio da comissão assume condição de instrumento indispensável para regularizar o processo legislativo, porque proporciona discussão da matéria, uniformidade de votação e celeridade na apreciação das medidas provisórias. Por essa importância, defende-se que qualquer ato, para afastar ou frustrar os trabalhos da comissão ou mesmo para substituí-los pelo pronunciamento de apenas um parlamentar, padece de inconstitucionalidade. 

Se até mesmo os créditos extraordinários32 necessitam da apreciação da comissão mista, as demais normas do ciclo orçamentário não poderiam ter tratamento diverso, sendo que a participação da comissão mista é um dos pontos essenciais para a validade do processo legislativo orçamentário33. Com efeito, o art. 166 não autoriza que norma regimental venha a afastar a participação da Comissão mista do processo legislativo, tanto que o seu §7º afirma que se aplicam aos projetos mencionados (leis orçamentárias), no que não contrariar o disposto na seção em questão, as demais normas relativas ao processo legislativo. Entendendo-se, portanto, que em situações normais as matérias orçamentárias não devem dispensar a apreciação da CMO. 

Por outro lado, diante da situação de calamidade pública causada pela COVID-19, nos termos do exposto no tópico anterior, a CONOF entendeu ser possível dispensar a instalação da CMO, desde que se atenda a exigência fixada no art. 3o do Ato Conjunto no 2, isto é, a matéria deve ser considerada urgente ou relacionada com a pandemia da Covid-19 por três quintos dos líderes da Câmara e do Senado. Ainda de acordo com aquela Consultoria, o caráter de urgência das leis do ciclo orçamentário pode ser justificado na medida em que orientam a política fiscal e delimitam os recursos públicos da sociedade para as diferentes políticas públicas. Logo, a falta de aprovação desses projetos de lei até o final do exercício pode criar enorme embaraço à condução do país e à continuidade das políticas públicas, sobretudo para a continuidade do combate dos efeitos da pandemia. 

Nesse sentido, em 04 de dezembro de 2020 (relembre-se que a LDO  já devia estar aprovada desde 17 de julho), Ato do Presidente da Mesa do Congresso no 155 de 202034, que dispõe sobre o regime de deliberação sobre o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentarias para 2021 – PLDO 2021 pelo Congresso Nacional durante o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19, dispensou a instalação da CMO e da apreciação conjunta, afirmando que sua apreciação será realizada sucessivamente, primeiro na Câmara dos Deputados e, ato contínuo, no Senado Federal. 

Em sentido contrário, Scaff35 entende que a solução adotada infringe claramente à Constituição, uma vez que todo o debate orçamentário, inclusive acerca de suas emendas, deve ocorrer no âmbito da CMO, conforme determina o art. 166 da CF/88 em seus parágrafos, que rege o processo legislativo orçamentário. O autor acrescenta ainda que: 

Todavia, vejo pouca possibilidade de o STF declarar a inconstitucionalidade dessa medida – a despeito de ser inconstitucional –, pois a tensão entre os poderes será enorme, em face da anomia que se apresentará. É mais provável que a decisão seja pela tangente, ou através do adiamento sem fim da decisão, com consequente perda de objeto processual, ou através do entendimento de que não cabe ao STF intervir em matéria de tramitação legislativa, sob a alegação de que se trate de assunto interna corporis de outro poder. Mais uma aposta a ser conferida, se chegarmos a este ponto. 

O fato é que chegamos a este ponto e, embora improvável, há certo risco jurídico de declaração de inconstitucionalidade das leis orçamentárias que sejam aprovadas dessa forma, sobretudo no âmbito da já consolidada jurisprudência do STF da admissibilidade do controle de constitucionalidade abstrato para leis orçamentárias, qualquer que seja a espécie36. Tal jurisprudência superou a defasada concepção de que haveria uma suposta ausência de normatividade, abstração e generalidade nas leis orçamentárias – ainda que estas sejam casuísticas e dotadas de temporariedade –, tendo o STF deixado para trás a obsoleta influência da teoria do jurista germânico Paul Laband (meados do século XIX), o qual forjou a tese da natureza de lei formal do orçamento público como mero ato administrativo autorizativo, passando a reconhecer a materialidade e substancialidade ao seu conteúdo, florescendo a constitucionalização do Direito Financeiro no âmbito da Suprema Corte37

Mesmo que não se reconheça a inconstitucionalidade das leis orçamentárias aprovadas sem passar por análise conjunta das Casas Legislativa e pela CMO, tudo isso revela o baixo apreço que o sistema político dá à matéria orçamentária, considerando-a muito mais como uma norma formal, de procedimento, do que como algo substancial, por meio do qual se deve cumprir os princípios constitucionais, com especial foco no art. 3o, que, entre outros objetivos, busca a redução das desigualdades sociais e regionais38

 Além disso, o desrespeito a tais normas de estatura constitucional, prejudica em muito as expectativas dos agentes econômicos quanto à capacidade de o governo manter um caminho sustentável para as contas públicas, o que tende a elevar o custo do financiamento do déficit público39

4.3 Atraso na Aprovação das Leis Orçamentárias 

No trâmite dos projetos das leis orçamentárias há três possíveis atrasos40: a) não envio dos projetos das leis orçamentárias pelo Executivo; b) não devolução dos projetos aprovados pelo Legislativo; e c) hipótese de veto ou rejeição de LOA pelo Legislativo. É usual no Brasil a demora na aprovação da Lei Orçamentária, mas a situação que ocorre agora é diversa, pois primeiramente ocorreu também grande atraso na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, situação que se torna ainda mais peculiar pela ausência da CMO, como visto anteriormente41.  Nesse sentido, importa tratar, neste tópico, primeiramente do atraso da aprovação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2021 pelo Legislativo, tendo em vista que o Executivo o encaminhou dentro do prazo (15 de abril)42

Como dito anteriormente, o Legislativo tem até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa (17 de julho) para devolver o PLDO aprovado, isto é, antes do denominado recesso parlamentar. A importância da aprovação do PLDO no prazo estipulado fica bem demonstrado pelo dispositivo constitucional que veda a interrupção da sessão legislativa em julho sem a sua aprovação: 

Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.  

§ 2º A sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias. 

No entanto, como alternativa, considerando que a Constituição não comina sanção para as legislaturas que desobedecerem a essa condição, os parlamentares criaram o chamado “recesso branco”, quando o Congresso Nacional não interrompe formalmente a sessão legislativa, mas cancela as sessões de votação neste período e os deputados e senadores ficam desobrigados de comparecer em Plenário43

Isso reforça o baixo apreço político com o cumprimento dos prazos constitucionais da LDO, que foi introduzida pela CF/88 como ele entre planejamento estratégico (PPA) e o operacional (LOA)44, inspirada em parte nas Constituições da Alemanha e da França45. Ela está consagrada em seu art. 165, § 2º com conteúdo voltado para o seu planejamento operacional, in verbis: 

§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (grifo nosso). 

De acordo com Conti46, a LDO cumpre função relevante no sistema de planejamento da ação governamental, pois obriga os administradores públicos a definir, a cada ano, quais programas previstos no plano plurianual serão contemplados e quanto se pretende realizar, surgindo como uma espécie de “pré-orçamento”, com vistas principalmente a aumentar a participação do Poder Legislativo na elaboração da lei orçamentária, de modo que orientará sua elaboração. Ora, se o um dos principais objetivos da LDO é orientar a elaboração da LOA, seu atraso, sobretudo o que ocorreu esse ano (tendo sido encaminhada para sanção apenas em 21/12/202047), provoca perda substancial de seu objeto. 

Em sentido contrário, embora minoritário, Torres48 afirma que a LDO trouxe mais distorções e desajustes que vantagens, uma vez que fora transplantada de países de sistema parlamentarista, não poderia se adaptar com facilidade ao presidencialismo brasileiro. 

Em que pese tal divergência doutrinária, no ano de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabeleceu normas de finanças públicas voltadas à responsabilidade na gestão fiscal, acrescentou outras funções à LDO, a qual passou a ser importante instrumento de viabilização de normas que pudessem regular e limitar os gastos públicos, o que ampliou de forma significativa seu papel no ordenamento jurídico das finanças públicas49. Isso possibilitou sua contextualização com a política macroeconômica, através da obrigatória interação das metas fiscais com as políticas monetárias e cambial50

Assim, além das funções estabelecidas na Constituição, a LRF acrescentou as seguintes, previstas em seu art. 4o

Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e: 

I – disporá também sobre: 

a) equilíbrio entre receitas e despesas; 

b) critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivada nas hipóteses previstas na alínea b do inciso II deste artigo, no art. 9o e no inciso II do § 1o do art. 31; 

e) normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos; 

f) demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas; 

Outrossim, o art. 4o estabelece também que a LDO será acompanhada por dois anexos: o Anexo de Metas Fiscais e o Anexo de Riscos Fiscais. 

No Anexo de Metas Fiscais serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes. Neste ponto, cabe destacar também algo inédito no Anexo de Metas Fiscais de 2021, o Poder Executivo propôs inicialmente o que ficou denominado como “meta flexível”, justificando em virtude do contexto da pandemia: 

No que tange especificamente à meta de resultado primário definida para o Governo Central, o art. 2º, do PLDO-2021, estabelece que ela deve corresponder à diferença entre a receita primária total e o montante de despesas primárias estabelecido pelo somatório dos limites mencionados nos Incisos I a V do art. 107 do ADCT, acrescido das despesas relacionadas no § 6º do art. 107 do ADCT. Com base nessa metodologia, e tendo em vista o cenário de elevada incerteza, o valor da meta será atualizado a partir de novas estimativas a serem realizadas no momento do encaminhamento do Projeto de Lei Orçamentária de 2021 e também durante a execução orçamentária, no ano de 2021, nos relatórios de avaliação de receitas e despesas primárias previstos no § 4º do art. 63 do PLDO-2021. Dessa maneira, a sistemática permite que a meta seja ajustada em caso de ocorrência de oscilações nas projeções de receitas primárias ao mesmo tempo que garante que as despesas permaneçam restringidas pelo Teto dos Gastos, introduzido pela EC nº 95/2016. Assim, reforça-se o papel do Teto dos Gastos como âncora da política fiscal, no sentido de alinhar as expectativas com respeito à realização da execução da despesa pública no médio prazo. Cabe ressaltar que se trata de metodologia de caráter excepcional a ser adotada especificamente para o exercício financeiro de 2021, tendo em vista o contexto atual de elevada incerteza, decorrente da pandemia do COVID-19 (grifo nosso). 

Nesse diapasão, a PLDO51 previu em seu art. 2o, incisos I e II, que o valor da meta constante no anexo de metas fiscais será ajustado em função da atualização das estimativas das receitas e despesas primárias, por ato do Poder Executivo. Esses dispositivos foram criticados pela Instituição Fiscal Independente (IFI)52, a qual explicou que a ideia de uma meta flexível contraria a LRF e não poderia vingar. Neste mesmo sentido, o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Acórdão 2898/2020 – Plenário53, de relatoria do Ministro Bruno Dantas, emitiu o seguinte alerta ao Poder Executivo: 

9.1.3. a meta de resultado primário apresentada pelo Poder Executivo no art. 2º e incisos I e II, do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício financeiro de 2021 (PLN 9/2020), não atende às disposições insculpidas no art. 165, § 2º, da Constituição Federal, c/c o art. 1º, §1º, art. 4º, §1º, e o art. 9º da Lei Complementar 101/2000 (LRF), e seus termos podem configurar infração aos referidos dispositivos, porque subvertem a regra de resultado fiscal e a tornam ineficaz para os seus propósitos, o que pode fragilizar os esforços para assegurar a consolidação fiscal e a trajetória sustentável do endividamento federal, assim como limitar o controle legislativo concomitante à execução orçamentária e financeira a ser exercido ao longo de 2021, previsto no art. 59, inciso I, da Lei Complementar 101/2000 (LRF) [grifo nosso]. 

Após manifestação técnica dessas entidades, críticas diversas de organizações da sociedade civil, mídias de comunicação e pressão política, o governo recuou e sugeriu ao Congresso a alteração do referido dispositivo para fixar meta fiscal em déficit de 247 bilhões54, no lugar da meta flexível inicialmente pretendida. 

A fixação desta meta é importante na medida em que, como visto, a LRF determina que a LDO disporá sobre critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivada nas hipóteses de que a realização da receita não comporte o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais. Sendo necessário, neste caso, o contingenciamento (limitação de empenho e movimentação financeira), segundo os critérios fixados na LDO. Assim, não serão objeto de limitação as despesas que, entre outras, sejam por ela ressalvadas. Nesse sentido Conti55 leciona que: 

Outro dispositivo ao qual não se tem dado a devida atenção é fundado no art. 9º, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que permite à LDO ressalvar despesas suscetíveis de contingenciamento, o que as privilegia na fase de execução orçamentária. Uma forma de tornar claras as prioridades. importância deste dispositivo é particularmente grande, dadas algumas peculiaridades do orçamento brasileiro, em que as legítimas opções políticas pelas despesas a serem realizadas durante o exercício são feitas não apenas no momento em que a lei orçamentária é elaborada, mas também naquele em que ela é executada. (…) E o mencionado dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal oferece ao legislador a faculdade de incluir determinadas despesas imunes ao contingenciamento, dada a relevância conferida a estes gastos. O anexo da LDO que vier a estabelecer esta proteção permite, portanto, oferecer maior estabilidade a algumas despesas no momento da execução. (grifo nosso). 

Assim, além da remissão ao atendimento de despesas essenciais e inadiáveis, o Poder Executivo incluiu diversas despesas discricionárias, que não poderão ser objeto de limitação de empenho, a maioria delas ligadas à área de defesa (tais como aquisição de aeronaves de caças e afins; programa de desenvolvimento de submarinos; manutenção e ampliação de rede de balizamento; aquisição e desenvolvimento de cargueiro tático militar; sistema de defesa estratégico; blindado Guarani do Exército)56, o que causa uma certa surpresa tendo em vista o momento pandêmico pelo qual estamos passando. O poder Legislativo emendou o referido Projeto de LDO acrescentando outras despesas que não poderão ser objeto de limitação de empenho, dentre outras as despesas relacionadas com o combate à pandemia da COVID-19 e o combate à pobreza57

Entretanto, o Poder Executivo vetou praticamente todas as emendas do legislativo58, inclusive as relacionados com o combate à pandemia, deixando de vetar apenas as destinadas à Segurança Pública e as com Recurso do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico. A justificativa dos vetos foi de que reduziria o espaço fiscal das despesas discricionárias, além de restringir a eficiência alocativa do Poder Executivo na implementação das políticas públicas, o que contribui para a elevação da rigidez do orçamento, dificultando não apenas o cumprimento da meta fiscal como a observância do Novo Regime Fiscal e da Regra de Ouro. Ressaltando ainda que o não cumprimento dessas regras fiscais, ou mesmo a mera existência de risco, pode gerar impactos econômicos adversos para o País, como a elevação de taxas de juros, a inibição de investimentos externos e a elevação do endividamento. Finalizando com o entendimento de que ressalvar as despesas acrescentadas pelo Legislativo, da limitação de empenho, contraria o interesse público. 

Não é objeto deste trabalho a delimitação do que seria interesse público, objeto de ampla discussão doutrinária no campo do direito administrativo, também não se tem a pretensão de invalidar as demais justificativas, que não deixam de ser verdades do ponto de vista econômico e fiscal. Porém, não se pode deixar de notar que as mesmas justificativas não foram usadas para retirar da ressalva de limitação de empenho as despesas relacionadas às áreas de defesa e de segurança pública, mostrando a controversa prioridade do Poder Executivo mesmo neste momento de crise sanitária. Até a finalização deste trabalho os vetos ainda não foram apreciados pelo Poder Legislativo59, mas espera-se que sejam rejeitados pelo menos no que diz respeito as despesas com o combate à pandemia da COVID-19, sob pena de haver contingenciamento das despesas com vacina e com tratamento, em caso de frustração da receita. Com efeito, na avaliação do diretor da IFI, Felipe Salto, o veto presidencial que permite retirar a blindagem contra cortes dos gastos com saúde é uma medida ruim, pois deixa mais vulneráveis despesas necessárias ao combate à COVID60

O Anexo de Riscos Fiscais, por sua vez, avalia os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem61. Como era de se esperar, este importante anexo da LDO levou em consideração os riscos capazes de afetar as contas públicas relacionados à pandemia, mencionando que foram simulados cenários macroeconômicos adversos e seus efeitos sobre as variáveis fiscais, sobretudo porque ainda não seria possível de prever a gravidade dos desdobramentos no cenário econômico. Assim, foi previsto que caso os efeitos adversos na economia se intensifiquem, observa-se principalmente o risco de redução na arrecadação, além de potencial de ampliação de riscos específicos, relacionados a inadimplência de dívidas e honra de garantias, eventos cujos impactos ainda não puderam ser previstos com exatidão62

Todos esses fatores mencionados nos tópicos anteriores (impasse político, deliberação remota, falta de instalação da CMO), juntamente com os mencionados neste tópico (incerteza macroeconômica, impasse na definição de metas, atraso na aprovação da LDO) contribuíram para o atraso da aprovação da Lei Orçamentária Anual, sobretudo porque a LDO orienta a elaboração desta. 

Para o Ministro Carlos Britto63, a lei orçamentária é a lei materialmente mais importante do ordenamento jurídico logo abaixo da Constituição, porque a que mais influencia o destino da coletividade. Ela é lei temporária, que prevê as receitas e fixa as despesas, sendo que no Brasil vigora por um ano, o qual corresponde ao exercício financeiro, que coincide com o ano civil, por força do art. 34 da Lei 4.320/1964. Por ser a lei mais concreta dentre as três leis orçamentárias, a LOA torna-se a peça mais importante do processo orçamentário e para onde se volta a maior parte das atenções, uma vez que é o resultado do desdobramento de uma despesa idealizada no PPA, priorizada na LDO e nela concretizada64

Dessa forma, deve ser renovada tempestivamente, sob pena de gerar graves consequências para o país, para a administração pública e para os gestores públicos, dada a impossibilidade de serem realizados gastos públicos, diante da inexistência de lei que os autorize. Ocorre que nem sempre se consegue aprovar o orçamento até o final do ano (como aconteceu com a LOA 2021), o que gera a situação de “anomia orçamentária”, uma vez que não há qualquer previsão legal ou constitucional expressa para disciplinar a situação, iniciando-se o exercício financeiro seguinte sem orçamento e, consequentemente, sem autorização para efetuar os gastos públicos, paralisando a administração65

Espera-se que a lei complementar que tratará de normas gerais de direito financeiro prevista no §9º, art. 165, da CF/88, regulamentará o tema. Mas enquanto ela não é editada, a doutrina se debruçou sobre ele e várias teorias surgiram para solucionar o impasse66

a) Abertura de créditos extraordinários: descabe a cogitação de sua abertura, uma vez que inexistente lei orçamentária anual, já que tal crédito só justifica na hipótese em que a lei orçamentária deixou de fixar determinada despesa porque não era previsível na época de sua elaboração, conforme já reconhecido pelo próprio STF67

b) Abertura de créditos adicionais suplementar ou especial: da mesma forma que a teoria anterior, a abertura de tais créditos pressupõe a existência de orçamento aprovado, ou sendo aplicável também nos casos recursos que ficaram sem despesas correspondentes em face de veto, emenda ou rejeição da LOA, mediante créditos especiais, por norma expressa do art. 166, §8o, da CF/88, mas não em caso de atraso; 

c) Execução de até dois doze avos de cada dotação: Lei de Responsabilidade fiscal, em seu art. 6o, autorizava a execução de até dois doze avos de cada dotação, mas ele foi vetado68 pelo Executivo na época. 

d) Prorrogação do orçamento anterior (vigente): a Constituição de 1934 (a de 1946 continha texto semelhante) previa em seu art. 50, §5º, que “Será prorrogado o orçamento vigente se, até 3 de novembro, o vindouro não houver sido enviado ao Presidente da República para a sanção”.  Para Leite69, trata-se de uma solução aos moldes de um modelo antigo, em que o orçamento era uma lei de meios, e não fruto de um projeto do Executivo aprimorado pelo Legislativo, que trata de programas e realidades não igualmente executáveis em anos distintos. 

e) Promulgação do projeto de lei enviado pelo Presidente da República: texto existente na Constituição de 1937 e de 1967, transcrito no início do tópico 2.2. Para Harada, a tese da promulgação do projeto de lei orçamentária pelo Executivo na hipótese de omissão do Legislativo é a única sustentável, em virtude do comando previsto no inciso III, §2º do art. 35 do ADCT, que determina que o projeto deve ser devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa. 

f) Regulamentação prévia da situação pela lei: a União vem adotando esta última hipótese, assim, no âmbito federal, a situação vem sendo regulada por dispositivos reiterados nas Leis de Diretrizes orçamentárias, que usualmente contemplam autorizações para a execução provisória de determinadas despesas do PLOA dentro dos limites fixados, em geral até 1/12 (um doze avos) da dotação prevista para cada mês70

Assim, nos últimos anos, o formato do texto da LDO que contém essa previsão se consolidou, sendo que na LDO 2021 ficou assim definido: 

Art. 65. Na hipótese de a Lei Orçamentária de 2021 não ser publicada até 31 de dezembro de 2020, a programação constante do Projeto de Lei Orçamentária de 2021 poderá ser executada para o atendimento de: 

I – despesas relacionadas no Anexo III; 

II – ações de prevenção a desastres classificadas na subfunção “Defesa Civil” ou relativas a operações de garantia da lei e da ordem; 

III – concessão de financiamento ao estudante e integralização de cotas nos fundos garantidores no âmbito do Fundo de Financiamento Estudantil – Fies; 

IV – dotações destinadas à aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde, classificadas com o identificador de uso 6 (IU 6); 

V – outras despesas correntes de caráter inadiável, até o limite de um doze avos do valor previsto para cada órgão no Projeto de Lei Orçamentária de 2021, multiplicado pelo número de meses total ou parcialmente decorridos até a data de publicação da respectiva Lei; 

VI – realização de eleições e continuidade da implementação do sistema de automação de identificação biométrica de eleitores pela Justiça Eleitoral; 

VII – despesas custeadas com receitas próprias, de convênios e de doações; e 

VIII – formação de estoques públicos vinculados ao programa de garantia de preços mínimos. 

Nesse contexto, em recente fiscalização, o Tribunal de Contas da União destacou a importância de aprovação de regras que possibilitem a execução provisória do orçamento em diploma legal permanente. Segundo o Ministro Bruno Dantas, a falta de aprovação da LDO ou da LOA, até o fim do exercício financeiro, pode obstar o pagamento de benefícios previdenciários, custeio de folhas de pagamento e de programas sociais, a realização de transferências constitucionais e legais e o pagamento dos serviços da dívida, entre outras despesas importantes71. Vejamos trecho da decisão: 

Informar à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional, com fundamento no art. 41, inciso I, alínea “a” e § 2º, da Lei 8.443/1992, que a positivação de regras que possibilitem a execução provisória do orçamento em diploma legal permanente, a exemplo da lei complementar prevista no art. 165, § 9º, da Constituição Federal, mitigaria os riscos sociais e econômicos decorrentes de eventual não aprovação tempestiva da Lei de Diretrizes Orçamentárias ou da Lei Orçamentária Anual e da consequente ausência de autorização orçamentária para realizar despesas na esfera federal, uma vez que o permissivo legal para suplantar transitoriamente a não aprovação do Projeto de Lei Orçamentária Anual tem sido renovado anualmente a partir da aprovação de lei temporária, com vigência limitada no tempo – a Lei de Diretrizes Orçamentárias (grifo nosso). 

Interessante registar que isso não ocorre nos Estados Unidos, onde não há nenhuma norma que excepcione a regra de que sem previsão em lei orçamentária seja possível realizar despesas. Naquele país, leva-se a série o princípio da legalidade orçamentária, de forma que não havendo lei orçamentária aprovada até o primeiro dia do exercício fiscal, nem lei específica com caráter provisório liberando gastos, implementa-se imediatamente o denominado shutdown da Administração Pública por falta de recursos financeiros, o que já ocorreu diversas vezes, com durações chegando a mais de 20 dias72

Para Scaff, entretanto, no Brasil, dificilmente se chegaria a tal radicalização, ainda que a LDO não tivesse sido publicada este ano, o que foi feito no apagar das luzes no dia 31/12/2020, em edição extra do Diário Oficial da União., enquanto o PLOA segue sem aprovação pelo Legislativo até o momento em que se escreve este trabalho. Quem sabe, se houvesse um verdadeiro shutdown à americana, os prazos constitucionais de aprovação das leis orçamentárias não seriam respeitados e o uso efetivo e eficiente dos recursos não passasse a serem olhados como prioridade73.  

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Entende-se que os objetivos do trabalho, de analisar os impactos das situações de crise na etapa de discussão, votação e aprovação da lei orçamentária, considerando a sua realização em formato remoto pelos parlamentares e a falta de instalação da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, bem como eventuais atrasos provocados por impasses políticos e técnicos, em um cenário conturbado de pandemia, foram alcançados. De fato, a hipótese inicial de que esta etapa do ciclo orçamentário sofreu efeitos da crise decorrente da pandemia foi verdadeira. Isso porque, para evitar a propagação do SARS-CoV-2, os parlamentares instituíram o Sistema de Deliberação Remota, assim toda discussão, votação, apresentação de emendas e aprovação ocorreu de forma remota. Entretanto, uma incompatibilidade, entre os sistemas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, impossibilitou a realização de sessões conjuntas pelo Congresso Nacional, prevista na Constituição para esta etapa do ciclo orçamentário.  

Ademais, impasses políticos, em um cenário conturbado de pandemia, provocou a não instalação da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, cuja participação nesta etapa do ciclo orçamentária tem estatura constitucional. 

 Esses fatores, além de constituírem risco jurídico de inconstitucionalidade das leis orçamentárias aprovadas dessa forma e de provocarem reações negativas por parte dos agentes econômicos, contribuíram para o atraso na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual. Nesse sentido, verificou-se a necessidade de aprovação de regras que possibilitem a execução provisória do orçamento em diploma legal permanente, para que futuros atrasos não ponham em risco a realização dos serviços públicos.  

Vale destacar também que não é possível, na fase de apresentação de emendas pelos parlamentares (que normalmente seriam apresentadas à CMO), o aumento de despesas, ainda que relacionadas ao combate à pandemia, salvo por anulação de outra despesa, excluídas as exceções constitucionais, ou por erros técnicos na estimativa das receitas. 

Outrossim, a Emenda Constitucional no 86/2015 (Emenda do Orçamento Impositivo), que determina que metade dos valores das emendas individuais dos parlamentares sejam destinados a ações e serviços públicos de saúde, ganhou fundamental relevância para o orçamento de 2021, em especial porque tais valores são destinados diretamente aos estados. 

Além disso, constatou-se que foram realizados vetos na previsão acrescentada pelo Legislativo de blindar algumas despesas, inclusive as relacionadas ao combate à pandemia. 

REFERÊNCIAS 

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AGÊNCIA SENADO. Senado desenvolveu Sistema de Deliberação Remota em tempo recorde. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/07/senado-desenvolveu-o-sistema-de-deliberacao-remota-em-tempo-recorde>, acesso em 11 jan. 2021. 

AGÊNCIA SENADO. Vetos não trancam pauta de sessões remotas do Congresso Nacional. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/13/vetos-nao-trancam-pauta-de-sessoes-remotas-do-congresso-nacional>, acesso em 12 jan. 2021. 

AGFADVICE – Consultoria Legislativa, Tributária e Empresarial. Antes das Eleições, Congresso Nacional Terá Recesso Branco. Disponível em: < http://www.agfadvice.com.br/antes-das-eleicoes-congresso-nacional-tera-recesso-branco/>, acesso em 13. jan. 2021. 

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