TRANSIÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS NAS MACRORREGIÕES BRASILEIRAS E O IMPACTO NA SAÚDE PÚBLICA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11169103


Beatriz Soares Ribeiro Vilaça1; Maria Teresa Borges Araújo1; Fernando Yamamoto Chiba2; Tânia Adas Saliba2; Cléa Adas Saliba Garbin2; Suzely Adas Saliba Moimaz2


RESUMO

Objetivo: Avaliar dados secundários das Doenças de Notificação Compulsória reemergentes no Brasil. Métodos: Trata-se de um estudo transversal, ecológico, quantitativo. Empregou-se os dados das Doenças de Notificação Compulsórias disponíveis na plataforma DATASUS (Tabnet), na aba de Doenças e Agravos de Notificação, entre os anos de 2018 a 2023 para análise estatística. Como critério de inclusão foi utilizado um estado de cada região do Brasil com maior número populacional, sendo: Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo. Resultados: As doenças analisadas foram: Dengue, Hanseníase, Hepatites Virais, Meningite, Sífilis Adquirida; Congênita; em Gestante e Tuberculose. No panorama geral a Dengue apresentou com maior número de casos (73%) seguido da Sífilis Adquirida e Tuberculose (9%). Entre os cinco estados selecionados, São Paulo se destaca como o mais populoso e com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), enquanto o Mato Grosso ocupa uma posição mais baixa, em 16º lugar. Conclusão: Essa disparidade socioeconômica reflete-se nos padrões de incidência das doenças estudadas. Destaca-se a importância da implementação de medidas de prevenção e promoção da saúde, juntamente com uma compreensão precisa do perfil epidemiológico dessas doenças, como uma etapa crucial na diminuição dos casos de reemergência dessas doenças.

Descritores: Doenças Transmissíveis Emergentes; Notificação de Doença; Transição Epidemiológica.

Descriptors: Communicable Diseases Emerging; Disease Notification; Health Transition

Descriptores: Enfermedades Transmisibles Emergentes;  Notificación de Enfermedades; Transición de la Salud

Introdução

Popularmente conhecido o termo doença se enquadra como uma junção de sinais e sintomas que possuem suas especificidades capazes de afetar o ser vivo e alterar o seu estado normal de saúde. De acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS) “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de moléstia ou enfermidade” 1.

Diversos fatores podem impactar a saúde, como agentes patológicos de origem animada ou inanimada, as características inatas ou adquiridas pelo ser humano e também o ambiente em que ele vive 2. Desse modo, é imprescindível que a atenção esteja voltada para duas áreas específicas no controle das doenças, como: (1) a detecção ou descoberta de novos problemas de saúde e novos agentes infecciosos; (2) a alteração no comportamento epidemiológico de doenças existentes 3.

Esses focos podem ser apresentados com caráter emergentes e reemergentes. Sendo a primeira entendida como resultado de novos agentes etiológicos, cepas ou mecanismos de transmissão, capazes de causar alteração no estado de saúde do indivíduo. As doenças emergentes podem apresentar um grande desafio para os sistemas de saúde e para a saúde pública, especialmente em termos de diagnóstico, tratamento e prevenção. Alguns exemplos de doenças emergentes incluem a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), a Gripe Suína (H1N1), a Zika e a COVID-19 3,4.

Doenças reemergentes são aquelas que foram controladas, mas voltaram a aparecer após um período de declínio. Isso pode acontecer devido a diversas causas, como mudanças no ambiente, condições socioeconômicas, resistência aos medicamentos e falta de vacinação, entre outras. Alguns exemplos de doenças reemergentes são a tuberculose, a coqueluche, o sarampo e a malária 3–5.

Ao encontro disso, o termo “transição epidemiológica” permite entender melhor a manifestação desse perfil das doenças reemergentes, já que se define com um processo de mudança nos padrões de saúde e doença de uma população, que ocorre ao longo do tempo e é influenciado por fatores demográficos e comportamentais, mudanças ecológicas, globalização, precariedade do sistema de saúde público e mutações dos agentes infecciosos. Esse processo está ligado às doenças como Esquistossomose, Dengue, HIV, Influenzas, infecções oportunistas, Difteria, mutações de vírus, bactérias entre outros patógenos 3,6.

Os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) são recomendados pelos órgãos internacionais e foram adotados pelo Brasil para produzir, coletar, armazenar, analisar e divulgar dados integrados e articulados sobre saúde, e principalmente, para superar dificuldades na coleta e gerenciamento de dados. Eles ajudam a produzir indicadores, auxiliar em tomadas de decisão, diagnosticar, gerir recursos humanos e financeiros, priorizar ações e produzir pesquisas 7,8.

A geração de informações e sua divulgação para diversas finalidades e áreas, como de vigilância epidemiológica, assistenciais (atenção básica, hospitalares), nascimentos e mortalidades, ambulatoriais também faz parte das atribuições do SIS. E além disso, convertem dados em informações estratégicas para uma intervenção mais precisa às necessidades da população, monitoramento de doenças e agravos, e organização e controle de novas estratégias para as políticas públicas 2,9.

Após o surgimento do DATASUS, através do decreto nº 100, de 16 de abril de 1991, houve investimentos em recursos humanos e tecnológicos, que permitiram a integração dos sistemas de informação em saúde e a criação de novos instrumentos e ferramentas, incluindo o TABNET, um tabulador que facilita a gestão e armazenamento dos dados dos inúmeros sistemas vinculados ao SIS, tais como: Sistema de informações de agravos de notificação (SINAN), Sistema de informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), Sistema de Informações em Saúde para Atenção Básica (SISAB), Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica – Sivep) entre outros 2,10.

A alimentação adequada do sistema de informação em saúde é de extrema importância para minimizar os impactos na saúde pública. Ao garantir a coleta, o armazenamento e a atualização regular dos dados de saúde, o sistema se torna uma ferramenta essencial para o monitoramento, a análise e a tomada de decisões embasadas na área da saúde. Com informações precisas e atualizadas, padrões, tendências e problemas de saúde emergentes podem ser identificados, permitindo uma resposta mais rápida e eficaz garantindo uma melhor qualidade de vida 2.

Desse modo, o objetivo deste estudo foi avaliar os dados secundários das Doenças de Notificação Compulsória (DNC) que estão reemergindo no Brasil e analisar na literatura científica as possíveis justificativas sobre a ascensão dessas doenças, uma vez que durante esse período foi possível analisar a alimentação dos sistemas de saúde no decorrer do período pandêmico e pós-pandêmico.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, ecológico, quantitativo realizado com base nos dados coletados em âmbito nacional, disponíveis na plataforma do Departamento de Informática do Sistema Único do Brasil (DATASUS), entre os anos de 2018 a 2023. Por se tratar de um estudo ecológico, desobriga a apreciação em Comitê de Ética em Pesquisa de acordo com a concessão da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Foi pesquisado nas bases de dados secundários das Doenças e Agravos de Notificação, por meio do Sistema de informações de agravos de notificação (SINAN), os respectivos números de casos de cada doença selecionada para o estudo disponível na plataforma do Departamento de Informática do Sistema Único do Brasil (DATASUS). Através do portal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram consultados o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o número populacional.

Como critério de inclusão, das cinco regiões do Brasil foram incluídos o estado com maior número populacional, segundo dados do IBGE do último censo realizado, sendo eles o estado do Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Foram selecionadas para o presente estudo oito das 42 doenças listadas na plataforma DATASUS (Tabnet), cinco delas na aba Epidemiológicas e Morbidade, na secção “Doenças e Agravos de Notificação – De 2007 em diante, já as doenças Aids, Hanseníase e Tuberculose que se apresentavam em seções isoladas. As doenças eleitas foram incluídas devido sua ascensão e caráter reemergente no país, sendo estas Dengue, Hanseníase, Hepatites Virais, Meningite, Sífilis Adquirida, Sífilis Congênita, Sífilis em Gestante e Tuberculose.

Os filtros utilizados para obtenção dos dados na plataforma citada foram <doença>, <abrangência geográfica>, <sexo>, <faixa etária>, <raça> e <ano da notificação>, e dessa forma obtivemos o número de 1.846,893 casos, durante o período de 2018 a 2023, os quais foram passados para uma planilha constando as informações coletadas.

Os dados foram registrados em planilhas eletrônicas, utilizando o software Microsoft Excel® 2019, e analisados empregando-se técnicas de estatística descritiva. O teste de correlação de Spearman foi realizado utilizando as varáveis taxas de incidência das doenças por número de habitantes e o IDH, através do software BioEstat® versão 5.3.  As análises das variáveis quantitativas tiveram seus resultados apresentados sob a forma de quadros e figura.

Resultados

No presente estudo, houve o registro de 2018 a 2023 de 2.230.508 casos de DNC computados nos cinco estados do Brasil, sendo elas: Sífilis Congênita, Sífilis em Gestante, Sífilis Adquirida, Meningite, Hepatites Virais, Dengue, Tuberculose e Hanseníase.

A figura 1 apresenta o número de casos das doenças selecionadas durante o período de 2018 a 2023, apresentando a evolução temporal dos casos com declínio nos registros durante o período pandêmico, impactando diretamente na tabulação e quantificação dos dados. Além disso, foi possível observar a não alimentação regular de algumas doenças no período do estudo. 

Figura 1. Evolução temporal do número de casos das DNC registrados pelo DATASUS dos estados brasileiros nos últimos cinco anos. Brasil, 2023.

Elaboração própria

Fonte: Departamento de Informática do Sistema Único do Brasil – DATASUS/Tabnet (2023).

Durante os respectivos períodos analisados das doenças selecionadas no estudo, a Dengue registrou o maior número de casos, com 1.623.361 (73%), seguida pela Sífilis Adquirida, com 205.481 (9%), e Tuberculose, com 190.413 (9%). Em seguida, a Sífilis em Gestante, Hepatites Virais, Meningite e Sífilis Congênita, respectivamente, em conformidade com o Quadro 1.

Quadro 1. Distribuição dos registros de DNC, segundo os estados brasileiros, durante o período 2018 a 2023. Brasil, 2023.

DoençasAmazonasBahiaMato GrossoRio Grande do SulSão PauloTotalAno de registros
Dengue2618822273811121085443117778216233612018 a 2022
Hanseníase226511555212966227401431392018 a 2023
Hepatites Virais2597249915221332516871368142018 a 2020
Meningite6581633502391324376310822018 a 2022
Sífilis Adquirida12567221735320484991169222054812018 a 2021
Sífilis Congênita20833628625640212573253112018 a 2021
Sífilis em Gestante59201012928651460241391749072018 a 2021
Tuberculose19823262536780321991053581904132018 a 2023

Elaboração própria

Fonte: Departamento de Informática do Sistema Único do Brasil – DATASUS/Tabnet (2023).

Os dados revelam diferenças marcantes entre os cinco estados brasileiros. O estado de São Paulo se destaca como o mais populoso e com o melhor IDH, enquanto o Mato Grosso ocupa a 16º posição. A Bahia, apesar de ter uma população considerável, apresenta um IDH mais baixo. Mato Grosso e Rio Grande do Sul têm um IDH semelhante, mas o último está melhor classificado nacionalmente. O Amazonas, embora tenha uma população menor, também tem um IDH considerável.  Esses números destacam as disparidades socioeconômicas dentro do Brasil como demonstrado no Quadro 2.

Quadro 2. Número de habitantes dos estados brasileiros e o respectivo IDH, segundo IBGE 2022. Brasil, 2024.

 Número de habitantesIDHRanking Nacional
Amazonas39416130,714º
Bahia141416260,691
Mato Grosso36586490,77116º
Rio Grande do Sul108829650,771
São Paulo444112380,806

Elaboração própria

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022).

Os resultados da análise de correlação entre as doenças e o IDH, conforme demostrado no Quadro 3, revelam correlações moderadas nos casos de Dengue e Meningite, assim como uma correlação negativa moderada nos casos de Hanseníase, entretanto os altos valores de p-valor indicam que não houve significância nos resultados.

Quadro 3. Taxa de incidência das doenças por 1.000 habitantes em cada brasileiro. Brasil, 2024.

 AmazonasBahiaMato GrossoRio Grande do SulSão Paulorp-valor
Dengue6.6415.7530.407.8526.520.46170.4337
Hanseníase0.570.825.820.060.17-0.41040.4925
Hepatites Virais0.660.180.421.220.380.20520.7406
Meningite0.170.120.140.360.550.82080.0885
Sífilis Adquirida3.191.571.454.462.630.10260.8696
Sífilis Congênita0.530.260.170.590.280.10260.8696
Sífilis Em Gestante1.500.720.781.340.930.20520.7406
Tuberculose5.031.861.852.962.37-0.05130.9347

Teste de correlação – Spearman

No panorama geral das doenças analisadas, destaca-se que a população feminina do estudo apresentou o maior número de casos, representando 52% do total. Foi observado também que 47% dos indivíduos afetados pertenciam à categoria de cor branca. Além disso, chama a atenção o fato de que a faixa etária mais prevalente foi de 20 a 39 anos, correspondendo a 39% dos casos registrados.

Ao segmentar as doenças por sexo em todos os estados do estudo, nota-se que o sexo feminino foi mais afetado na Sífilis em Gestante (100%), Sífilis Congênita (47%) e Dengue (55%). Por outro lado, o sexo masculino apresentou maior prevalência nas doenças Hanseníase (54%), Meningite (57%), Hepatites Virais (58%), Sífilis Adquirida (61%) e Tuberculose (70%).

Quando classificadas por raça, verificou-se que na Sífilis em Gestante, a cor da pele parda teve maior prevalência (43%), assim como na Sífilis Congênita (39%). Na Sífilis Adquirida, a maioria dos casos foi registrada em indivíduos com a cor da pele branca (41%), assim como na Meningite (55%), Hepatites Virais (50%) e na Dengue (50%). Já na Tuberculose, a cor da pele parda apresentou maior prevalência (42%), assim como na Hanseníase (54%).

Com relação as faixas etárias, temos que na Sífilis em Gestante, a faixa etária de 20-39 anos apresentou maior prevalência (75%) assim como na Sífilis Adquirida (58%), Tuberculose (46%) e Dengue (36%). Na Sífilis Congênita, a maioria dos casos ocorreu até 6 dias de vida (98%). Na Meningite, a faixa etária de 1-4 anos foi a mais afetada com 19% dos casos. Já na faixa etária de 40-59 anos, as doenças Hepatites Virais e Hanseníase, respectivamente, com 48% e 43% tiveram maior prevalência.

Os registros dos cinco estados presentes no estudo apresentaram em ordem crescente o seguinte número de casos para as oito doenças: São Paulo registrou 1.502.674 casos (67%), Bahia 300.608 casos (13%), Rio Grande do Sul 205.005 casos (9%), Mato Grosso 150.120 casos (7%) e o estado do Amazonas registrou 72.101 casos (3%). Em total, foram registrados 2.230.508 casos.

No presente estudo notou-se uma limitação significativa no qual durante esse período a doença Aids na sua totalidade não possuía seus dados disponíveis e devido a isso não foi computada nos resultados.

No presente estudo, foi observada uma limitação significativa, no qual os dados completos sobre a doença AIDS não estavam disponíveis resultando na sua não computação. Além disso, algumas doenças não estavam completamente registradas até a data do estudo, o que impossibilitou uma compreensão precisa da situação dos estados e das doenças.

Discussão

O presente estudo foi realizado a partir de dados disponíveis na plataforma DATASUS, os quais são tabulados e analisados pela ferramenta TABNET, a qual facilita a gestão e armazenamento dos dados dos inúmeros sistemas vinculados ao SIS. Foram incluídas oito doenças que se enquadram como Doenças Notificações Compulsórias de cunho reemergente no território brasileiro, entre anos de 2018 a 2023.

No panorama geral da pesquisa, foi identificado que o sexo predominante era feminino, representando 52% do total. Além disso, a faixa etária mais acometida foi de 20 a 39 anos, correspondendo a 39% dos casos registrados. Quanto à cor/etnia, os indivíduos brancos representaram 47%. Levorato e colaboradores 11 demonstraram a predisposição do sexo feminino, com a faixa etária 26 a 49, associado a uma maior procura dos serviços de saúde o que favorece a detecção precoce e tratamento das doenças 12,13.

Esses resultados demonstram que o sexo masculino tem uma baixa tendência em buscar por atendimento de saúde, podendo acarretar assim um diagnóstico tardio. Quando diagnosticadas precocemente tais doenças podem ser controladas ou tratadas, o que favorece a redução dos custos ao sistema de saúde pública 11,14.

É importante ressaltar que a saúde é uma preocupação que afeta ambos os sexos, e generalizar o comportamento individual para toda a população pode ser inadequado. Embora existam estudos mostrando que os homens usam menos os serviços de saúde do que as mulheres, essas tendências podem variar dependendo de fatores culturais, sociais e comportamentais 14.

A disparidade regional no Brasil tem contribuído para o aumento dos casos de doenças classificadas como reemergentes. Embora haja uma tendência à diminuição dessas doenças em escala nacional, é importante reconhecer que a vasta extensão territorial do Brasil e as disparidades socioeconômicas exercem uma influência direta no Índice de Desenvolvimento Humano das diversas regiões do país. Esses fatores têm sido apontados como principais causas dessa discrepância, influenciando a capacidade de acesso a serviços de saúde de qualidade e a implementação eficaz de medidas preventivas, resultando em um cenário propício para o ressurgimento de doenças antes controladas4,15.

Atualmente no Brasil, a dengue é reconhecida como uma das principais doenças endêmicas no país. Conforme demonstrado neste estudo, a Dengue destacou-se em primeiro lugar em todos os estados com maior número, e com relação às macrorregiões temos que o Sudeste apresentou o maior número de casos (73%) o que está em consonância com os últimos registros do Ministério da Saúde o qual apresentou um aumento significativo de 30% no número de casos prováveis de dengue no ano 2023 em comparação com o mesmo período de 2022 em todo Brasil, o que demonstra o aumento exponencial do número de casos nas últimas décadas. Invariavelmente, pode-se referir esse grande número à região Sudeste por ser a região mais industrializada e populosa do país 16–18.

Tal como a Dengue, a Tuberculose enquadrou-se como um grave problema de saúde pública nacional, sendo responsável por impactar consideravelmente as taxas de mortalidade por doenças infectoparasitárias 19,20. Esse aumento, hoje, pode ser justificado por inúmeros fatores, tais como fator migratório devido aos conflitos armados entre países como o que ocorre na Ucrânia e Rússia, fazendo com que milhões de refugiados atravessem as fronteiras para os países vizinhos em busca da sobrevivência 21.

Ao contrário dos outros estados, onde a Tuberculose ou a Sífilis Adquirida eram as segundas doenças mais prevalentes, no Mato Grosso, a hanseníase ocupou o segundo lugar, representando 14% dos casos em seu território e registrando o maior número de casos da doença (49%), seguido pela Bahia (27%) em comparação com os demais estados. Mesmo apresentando um decréscimo nos últimos anos, continua sendo um problema de saúde pública, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que torna sua erradicação desafiadora 15,22.

Um ponto crucial a ser apontado são os inúmeros casos em brancos/ignorados registrados durante o período de 2018 a 2023. No total foram 396.737 notificações computadas em branco/ignorados, seguindo as variáveis sexo, raça e faixa etária. Foi possível observar que a variável raça (99%) foi a que mais apresentou registros seguido do sexo. Esse exorbitante número pode estar fortemente relacionado com a questão da falha/dificuldade da autodeclaração, assim como pelo momento pandêmico vivenciado durante os anos 2020 a 2022, gerando assim limitações no sistema para a completude dos dados 23.

Os estados com maior detecção ignorada foram São Paulo (69%), Bahia (17%) e Rio Grande do Sul (10%). Tal fato, também, pode estar diretamente relacionado com as falhas na alimentação dos sistemas de informação, que para o seu perfeito funcionamento torna-se inerente às informações fornecidas pelos municípios para o seu preenchimento, bem como a capacitação dos indivíduos responsáveis pela alimentação do SIS, de modo que a falta de capacitação afeta diretamente o sistema, uma vez que para o seu perfeito desempenho faz necessários profissionais capacitados 15.

O grande número de notificações demonstradas no presente estudo pode estar associado aos inúmeros fatores que certamente estão envolvidos na determinação da emergência e reemergência de doenças infecciosas na sociedade como no processo de urbanização que leva à aglomeração desencadeando outros fatores como sumarizados no Quadro 4. Assim, compreender a transição epidemiológica nesse cenário permite entender os padrões de ocorrência das doenças, a forma como elas se modificam ao longo do tempo e causas da morte 3,4,6,24,25.

Quadro 4: Fatores que interferem na emergência e/ou reemergência das doenças infecciosas

Fatores principaisFatores específicosExemplos
Mudanças ecológicas, desenvolvimento econômico e manipulação da terraAgricultura, represas, desmatamentos, alterações nos ecossistemas hídricos, secas, enchentes e outrosEsquistossomose, leishmaniose e arboviroses
Demografia e comportamento humanoCrescimento populacional e migrações, guerras e conflitos civis, adensamento populacional, comportamento sexual, uso de drogas venosasHIV, dengue e hepatite
Globalização (comércio e viagens internacionais), indústria e tecnologiaMovimento internacional de pessoas e produtos; internacionalização do suprimento de alimentos, mudanças no processamento e empacotamento de alimentos, transplante de órgãos e tecidos, imunossupressores, uso inadequado de antibióticosMalária, disseminação de mosquitos vetores, có1era e dengue, influenza, hepatites, doença de Chagas, infecções oportunistas (em imunossuprimidos)
Adaptação e mudança dos agentes infecciososEvolução dos microrganismos, pressão seletiva e desenvolvimento de resistênciaVariações naturais/mutações em vírus, bactérias, resistência aos antimicrobianos, antivirais, antimaláricos e pesticidas
Saúde públicaSaneamento e controle de vetores inadequados, cortes nos programas de prevençãoCólera, dengue, difteria

Fonte: Dias 3

Assim, devido ao mundo estar cada vez mais globalizado faz necessário reconhecer a sinergia existente entre os ecossistemas sociais, ecológicos e biológicos e a persistência de condições inadequadas de vida, as doenças atuais e a emergência e reemergência de doenças infecciosas. Desse modo, o entendimento das mudanças nos padrões epidemiológicos deve ser abordado pelo SIS, no que tange a alimentação dos dados, e aos profissionais de saúde no parâmetro de diagnóstico, tratamento e perfil da transição epidemiológica no momento atual 3.

Conclusão

A análise abrangente das Doenças de Notificação Compulsória reemergentes no Brasil, evidencia a urgência de ações efetivas para combater esse cenário preocupante de saúde pública. A predominância de doenças como Dengue, Sífilis Adquirida e Tuberculose, aliada à disparidade socioeconômica entre os estados, destaca a necessidade de medidas preventivas e de promoção da saúde. Investir em uma compreensão mais profunda do perfil epidemiológico dessas enfermidades e na implementação de políticas públicas abrangentes é fundamental para conter a reemergência dessas doenças e promover uma saúde mais equitativa em todo o país.

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1https://orcid.org/0000-0003-4218-8796
e-mail: beatriz.sr.vilaca@unesp.br

1https://orcid.org/0000-0002-6866-1345
e-mail: mtb.araujo@unesp.br

2https://orcid.org/0000-0002-5561-9586
email: fernando.chiba@unesp.br

2https://orcid.org/0000-0003-1327-2913
email: tania.saliba@unesp.br

2https://orcid.org/0000-0001-5069-8812
email: clea.saliba-garbin@unesp.br

2https://orcid.org/0000-0002-4949-529X
email: suzely.moimaz@unesp.br

1Discente do Programa de Saúde Coletiva em Odontologia Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva em Odontologia, Araçatuba, SP, Brasil.

2Docente do Programa de Saúde Coletiva em Odontologia, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva em Odontologia, Araçatuba, SP, Brasil.