A URBANIZAÇÃO DE ÁREAS PERIFÉRICAS COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DA CIDADANIA NO CONTEXTO BRASILEIRO

THE URBANIZATION OF PERIPHERAL AREAS AS AN INSTRUMENT FOR PROMOTING CITIZENSHIP IN THE BRAZILIAN CONTEXT

LA URBANIZACIÓN DE ZONAS PERIFÉRICAS COMO INSTRUMENTO DE PROMOCIÓN DE LA CIUDADANÍA EN EL CONTEXTO BRASILEÑO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11131368


Marcus Costa de Santana1, Suzana Amorim do Nascimento2, Frederico Bruno Cavalcanti de Siqueira3, Lucas Paes do Amaral4, Suelma Amorim do Nascimento5, Sueldes Amorim do Nascimento6, Tatiane Ivone da Silva Borges7, Sabrina dos Santos Costa8


RESUMO:

O presente artigo tem como objetivo, analisar as diferentes formas de ação política e de organização da sociedade na cidade, a fim de identificar formas de solucionar as desigualdades urbanas. Além disso, pretende-se fornecer informações e conhecimentos que possam contribuir para a criação de políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento urbano nas periferias, a fim de contribuir para uma melhor qualidade de vida em espaços mais longínquos dos centros urbanos. Serão identificadas formas de enfrentamento à desigualdade e melhoria das condições de vida nos espaços urbanos, com base no Estatuto das Cidades. A pesquisa pretende utilizar uma abordagem bibliográfica para entender os desafios que afetam o desenvolvimento urbano e as relações sociais no contexto das periferias. Será utilizada uma abordagem interdisciplinar para investigar a formação das cidades e os mecanismos de formação da desigualdade no espaço urbano a partir de diferentes perspectivas, como a histórica, geográfica, sociológica e antropológica. Serão consideradas diferentes fontes, como documentos, registros, estudos de caso, entre outros. Os resultados apontados dão uma compreensão mais profunda dos impactos das políticas públicas, do processo de globalização, da urbanização, das novas tecnologias, do aumento da desigualdade social e da crise econômica sobre o desenvolvimento urbano e as relações sociais, bem como a identificação de estratégias de planejamento urbano mais eficazes para reduzir a desigualdade urbana e assegurar o direito à cidade.

Palavras-chave: Direito à cidade; Desenvolvimento social; Urbanização em periferias.

ABSTRACT:

This article aims to analyze the different forms of political action and organization of society in the city, in order to identify ways to solve urban inequalities. In addition, it intends to provide information and knowledge that can contribute to the creation of public policies aimed at urban development in the outskirts, in order to contribute to a better quality of life in spaces farther away from urban centers. Ways of confronting inequality and improving living conditions in urban spaces will be identified, based on the Statute of Cities. The research intends to use a bibliographical approach to understand the challenges that affect urban development and social relations in the context of peripheries. An interdisciplinary approach will be used to investigate the formation of cities and the mechanisms of formation of inequality in urban space from different perspectives, such as historical, geographical, sociological and anthropological. Different sources will be considered, such as documents, records, case studies, among others. The results indicated give a deeper understanding of the impacts of public policies, the process of globalization, urbanization, new technologies, the increase in social inequality and the economic crisis on urban development and social relations, as well as the identification of strategies more effective urban planning tools to reduce urban inequality and ensure the right to the city.

Keywords: Right to the city; Social development; Urbanization in peripheries.

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo analizar las diferentes formas de acción política y organización de la sociedad en la ciudad, con el fin de identificar formas de resolver las desigualdades urbanas. Además, se pretende proporcionar información y conocimientos que puedan contribuir a la creación de políticas públicas orientadas al desarrollo urbano en la periferia, con el fin de contribuir a una mejor calidad de vida en los espacios más alejados de los centros urbanos. Se identificarán formas de combatir la desigualdad y mejorar las condiciones de vida en los espacios urbanos, con base en el Estatuto de las Ciudades. La investigación pretende utilizar un enfoque bibliográfico para comprender los desafíos que afectan el desarrollo urbano y las relaciones sociales en el contexto de las áreas periféricas. Se utilizará un enfoque interdisciplinario para investigar la formación de las ciudades y los mecanismos para la formación de la desigualdad en el espacio urbano desde diferentes perspectivas, como la histórica, geográfica, sociológica y antropológica. Se considerarán diferentes fuentes, como documentos, registros, estudios de casos, entre otros. Los resultados destacados proporcionan una comprensión más profunda de los impactos de las políticas públicas, el proceso de globalización, la urbanización, las nuevas tecnologías, el aumento de la desigualdad social y la crisis económica en el desarrollo urbano y las relaciones sociales, así como la identificación de estrategias de gestión más efectivas. planificación urbana para reducir la desigualdad urbana y garantizar el derecho a la ciudad.

Palabras clave: Derecho a la ciudad; Desarrollo Social; Urbanización en las afueras.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil e em diversos países mundo afora, as cidades passaram por uma série de mudanças ao longo dos últimos anos. As mudanças mais visíveis foram a criação de grandes centros urbanos, cada vez mais populosos e com um número crescente de habitantes. Isso foi acompanhado pelo aumento da infraestrutura, da urbanização e da industrialização, o que contribuiu para o crescimento das cidades brasileiras (SCHWARTZMAN, 2004).

O aumento desenfreado das cidades acarretou o surgimento das periferias, fenômeno que cresce proporcionalmente com a população nas metrópoles brasileiras. Com a chegada de novas famílias às áreas mais distantes do centro, as periferias sofrem um processo de urbanização intenso e acelerado, que acaba gerando problemas sociais, ambientais e econômicos. Uma das principais causas da falta de políticas públicas nas periferias é a desigualdade social. As áreas mais distantes do centro são frequentemente negligenciadas pelo poder público, que acaba por investir mais recursos nas áreas mais ricas. Como resultado, os moradores das periferias sofrem com a falta de infraestrutura básica, como saneamento, saúde, educação e segurança (DENALDI, 2022).

Vale ressaltar que, a desigualdade social se agrava com o crescimento urbano, sendo que grandes desigualdades econômicas e sociais entre as regiões urbanas dificultam o acesso a serviços essenciais como saúde, educação, lazer e emprego. Isso gera um círculo vicioso, pois a falta de oportunidades prejudica ainda mais os habitantes de baixa renda, que vivem em locais degradados.

Por isso, é fundamental que as cidades desenvolvam políticas públicas para a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, o aumento do acesso a serviços de saúde, educação e lazer, e a garantia dos direitos dos moradores. Além disso, é importante que os governos locais promovam a inclusão social e o fortalecimento dos direitos humanos, oferecendo condições para que as pessoas possam viver com dignidade e ter acesso às oportunidades de desenvolvimento de que precisam (VELOSO, 2015).

Nesse sentido, nasce a discussão sobre o direito à cidade, tratado como direito humano universal que reconhece o direito dos cidadãos de ter acesso às condições de vida adequadas e aos serviços básicos, tais como educação, saúde, segurança, recreação, transporte, trabalho, habitação, lazer e outros bens e serviços que permitam o acesso ao bem-estar, à autorrealização e ao desenvolvimento humano, independentemente de sua capacidade financeira ou de qualquer outra limitação. Este direito também inclui o direito de participação na gestão e no planejamento da cidade, garantindo que os interesses e direitos dos seus cidadãos sejam respeitados (GONÇALVES, 2015).

A abordagem crítica abordada por Lefebvre (2008) é importante para a compreensão do direito à cidade, pois ela permite avaliar criticamente os mecanismos que regem a produção e a reprodução dos espaços urbanos. É necessário entender como as relações de poder e as estruturas econômicas e sociais influenciam a forma como os espaços urbanos são criados, reproduzidos e redistribuídos. Ao avaliar criticamente a produção e a reprodução dos espaços urbanos, é possível entender melhor como a desigualdade social e a exclusão são perpetuadas.

A pesquisa pretende analisar de que modo as políticas públicas, o processo de globalização, a urbanização, as novas tecnologias, o aumento da desigualdade social e a crise econômica afetaram o desenvolvimento urbano e as relações sociais. Serão também analisadas as estratégias de planejamento urbano adotadas pelos governos locais e as políticas de desenvolvimento urbano para lidar com esses desafios. Por fim, se busca identificar as principais forças responsáveis pela desigualdade urbana e avaliar o impacto das mudanças no espaço urbano na produção de desigualdade social, avaliando o papel do Estatuto da Cidade.

O trabalho, de caráter bibliográfico, parte de um questionamento levantado através da seguinte questão: como o direito à cidade pode ser garantido para as pessoas que moram em periferias? Assim, buscar-se-á entender o que o direito à cidade significa e como as pessoas moradoras de áreas vulneráveis podem ser incluídas nesse direito. Para isso, se apresentará ao longo deste trabalho os principais conceitos de direito à cidade, a legislação existente sobre a organização do espaço urbano e as contribuições da antropologia para a compreensão do direito à cidade para as pessoas que vivem em condições sociais desfavoráveis.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Panorama global sobre cidade, urbanização e capitalismo

Através do processo de industrialização e urbanização que ocorreu em meados do século XIX, as cidades foram se transformando, passando a adotar novas formas de organização urbana, como a criação de novos bairros residenciais e a instalação de fábricas, comércio e serviços. Além disso, a construção de novas infraestruturas, como vias de trânsito, saneamento básico e até mesmo lazer, tornou-se comum (SANTOS, 2015).

Um dos processos de transformação que ocorreram nas grandes cidades foi a Reforma de Paris (1852-1870), um projeto urbano planejado, que visava modernizar a capital francesa, promover o progresso e aprimorar a qualidade de vida dos habitantes. O projeto incluiu a construção de novas avenidas e estradas, a demolição de partes antigas da cidade, a construção de novos edifícios públicos, a criação de parques e jardins, bem como o reforço de sistemas de abastecimento de água, comunicações e serviços de saúde. De imediato, a Reforma também permitiu a modernização da administração local, com a criação de um sistema de governo municipal, sendo que o projeto foi um grande sucesso e transformou Paris em uma cidade mais moderna, próspera e desenvolvida (SANTOS, 2015).

Esta transformação trouxe também diversos efeitos para a população, como o aumento da densidade demográfica e o aumento dos níveis de desemprego, pois muitos trabalhadores passaram a ser descartados das fábricas devido ao aumento da mecanização. Outros problemas também foram causados, como a má distribuição de renda, a precariedade das moradias e a falta de serviços básicos. Já a falta de habitação acessível resultou na formação de favelas, que se tornaram um símbolo importante da realidade urbana da época (SANTOS, 2015).

Apesar destes problemas, a remodelagem urbana trouxe também alguns benefícios para a população, como a modernização da cidade, a criação de empregos e a valorização imobiliária. Além disso, o novo sistema urbano também permitiu maior mobilidade entre os bairros, melhorando a qualidade de vida da população.

A industrialização no Brasil teve início na segunda metade do século XIX, com a construção de usinas hidrelétricas, ferrovias e a instalação de fábricas. A partir dos anos 30, um novo modelo de desenvolvimento econômico proposto pelo governo de Getúlio Vargas foi baseado no Estado Novo, que visava estimular a produção industrial por meio de incentivos fiscais, financiamentos e outras medidas. O governo também promoveu a construção de infraestrutura para facilitar o transporte de matérias-primas e produtos manufaturados. Essas medidas de estímulo à industrialização foram fundamentais para a modernização da economia brasileira (VELOSO, 2015).

Vale mencionar que grandes mudanças ocorreram na distribuição espacial da população, com a concentração da população em grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, que se transformaram em metrópoles de grande porte. O aumento da urbanização trouxe consigo muitas mudanças, como a movimentação da população de áreas rurais para áreas urbanas, o aumento da população de classe média e a consequente redução da pobreza (VELOSO, 2015).

Ao mesmo tempo, o crescimento das cidades provocou mudanças na infraestrutura urbana, como o aumento do transporte público e a expansão dos serviços de saúde e educação. A nova infraestrutura urbana trouxe também a necessidade de planejamento urbano, o que gerou novas práticas de mobilidade urbana, como a implantação de ciclovias e veículos compartilhados, bem como a adoção de políticas públicas como a lei do uso e ocupação do solo (ALVAREZ, 2015).

Em meio a essas mudanças, o Brasil passou por um processo de democratização, com a abertura política na década de 1980 e a promulgação da Constituição de 1988, que garantiu a ampliação dos direitos sociais. Esses direitos, como o direito à moradia, à saúde, à educação, à cultura e à segurança, foram incorporados à agenda política. Em suma, a industrialização trouxe consigo uma série de transformações para a sociedade brasileira, que mudaram a estrutura social, política e econômica do país, e que ainda hoje refletem a herança gerada por essa transição (ALVAREZ, 2015).

É importante destacar que com o crescimento desordenado das cidades causados pela intensa urbanização, gerou-se diversos problemas que nunca foram resolvidos de maneira eficiente e que se perduram até os dias de hoje, dentre eles: aumento da poluição, dificuldade de acesso a serviços básicos, elevado custo de vida, aumento da criminalidade, redução da qualidade da água e do ar, aumento do trânsito e da congestão, entre outros (VELOSO, 2015A).

Para Pinatudi (2016), a ordenação dos espaços na cidade se relaciona diretamente com a industrialização, pois o crescimento econômico gera a necessidade de maior centralização dos serviços e indústrias. Com isso, o processo de acumulação de capital se torna mais eficiente, pois as áreas já estão prontas para receber novos investimentos, além do fato de que a concentração de atividades econômicas em áreas centrais também contribui para o desenvolvimento de serviços e infraestrutura no entorno, o que torna o ambiente urbano mais atrativo para os moradores e empreendedores.

Como aponta Lefebvre (2008), o núcleo urbano é o local onde os atores presentes em um território se reúnem para consumir os bens, serviços e espaços disponíveis. Esses locais são caracterizados, principalmente, pela concentração de pessoas, moradias, comércio, serviços, equipamentos públicos, transportes e lazer.

É possível afirmar que a formação de núcleos urbanos geralmente está associada às condições econômicas, sociais e culturais existentes na região. Por exemplo, as cidades com maiores níveis de desenvolvimento tendem a apresentar maior concentração de recursos e atividades, o que significa que os núcleos urbanos dessas cidades são muito mais diversificados e complexos (LEFEBVRE, 2008).

Já Braga (2005) ressalta que a segregação espacial é resultante destes fenômenos urbanos, sendo caracterizada pela concentração de população de menor renda nos bairros periféricos, enquanto os bairros centrais são habitados por populações de maior renda. Esta segregação espacial tem consequências diretas para o acesso às oportunidades, serviços e instalações urbanas. Dessa forma, as desigualdades sociais geradas pela segregação espacial acabam por reforçar as desigualdades econômicas existentes na sociedade, já que as pessoas de menor renda são as que mais sentem os efeitos negativos da segregação.

Santos (2015), por sua vez, aponta que o crescimento horizontal e descontrolado das cidades também pode resultar em problemas de gestão da infraestrutura e dos serviços básicos. Com as áreas se expandindo mais do que o planejado, as cidades não conseguem fornecer corretamente os serviços adequados de transporte, saneamento, distribuição de água, entre outros. Isso pode levar a problemas de saúde e qualidade de vida para os cidadãos. Outro problema relacionado ao crescimento horizontal das cidades é a destruição de áreas naturais como áreas verdes, florestas, zonas costeiras e áreas rurais são frequentemente destruídas para abrir caminho para a expansão urbana. Isso pode levar a problemas ambientais sérios, como o aumento dos níveis de poluição, a destruição da fauna e da flora e o aumento da temperatura.

Tal expansão urbana origina dois fenômenos de dispersão urbana: a periurbanização e a urbanização. A periurbanização é um fenômeno que acontece quando populações se deslocam para áreas que se encontram entre o centro urbano e o campo. O objetivo deste deslocamento é aproveitar as vantagens de viver perto da cidade, como melhores instalações, serviços e transporte, enquanto se beneficia das áreas rurais, como acesso a espaços ao ar livre e atividades agrícolas. Já a urbanização ocorre quando as áreas rurais começam a adotar características urbanas. Esta expansão urbana é marcada pela mudança de áreas agrícolas em áreas residenciais e comerciais para acomodar os novos residentes. Esta mudança pode levar a mudanças na economia, na cultura, na infraestrutura local e na qualidade de vida (SANTOS, 2015).

A esse respeito, Harvey (2014) aponta o seguinte:

Estes processos de periurbanização ou ex-urbanização são caracterizados pela falta de dinâmica residencial e econômica em áreas centrais, enquanto as segundas e terceiras coroas da metrópole experimentam formas de urbanização difusa com baixos índices de construção. Esta tendência tem sido impulsionada pelos esforços de reabilitação e requalificação, bem como pela redução da atração das áreas centrais. Estes processos têm sido uma característica histórica do desenvolvimento urbano, e tem sido consistentemente constatada em estudos empíricos (HARVEY, 2014, p. 16).

A expansão destas práticas é acompanhada por um modelo de desenvolvimento econômico que privilegia as grandes empresas, prioriza a produção de bens e serviços com fins lucrativos e concentra o poder na mão dos empresários e investidores. Assim, a cidade é objeto de disputa onde os agentes econômicos e políticos buscam aprimorar seu desempenho econômico (HARVEY, 2014).

Consequentemente, o neoliberalismo contribui para a desigualdade social na cidade, pois aumenta a divisão entre ricos e pobres, além de aumentar a desigualdade espacial e territorial. O resultado é que os setores populares são marginalizados e seus direitos são violados, enquanto a vida dos ricos é privilegiada, com acesso a serviços de qualidade, infraestrutura e serviços públicos (PINATUDI, 2016).

A esse respeito, Carlos (2011) destaca as cidades regidas pelo neoliberalismo estão marcadas por uma cultura do consumo e da produção, que é reforçada e incentivada pelas políticas públicas. Isso significa que os governos atuam como agentes reguladores para direcionar os investimentos privados para setores com maior potencial de lucro, deixando de lado projetos sociais e de desenvolvimento sustentável.

Este caráter de mercado é notório nas modernas cidades, onde é possível perceber a forma como os espaços de luxo, lazer e entretenimento são construídos para privilegiar as classes mais altas. Isso acaba excluindo aqueles que não têm os recursos necessários para aproveitar o que o mercado oferece. O mercado, por sua vez, também pode exercer influência sobre a forma como os serviços públicos são distribuídos, como saúde e educação, onde aqueles que têm maior poder aquisitivo conseguem acessar serviços de qualidade (CARLOS, 2011).

Dessa forma, verifica-se que os processos de segregação socioespacial se constituem nos cotidianos das cidades, onde a condição de classe, raça e gênero são fatores determinantes para o acesso aos direitos básicos, como saúde, educação, moradia e segurança. Com isso, se torna necessário que as políticas públicas sejam pensadas e desenvolvidas para a redução das desigualdades sociais, tendo em vista a garantia de direitos e o acesso a bens essenciais para todos, independente de classe, raça e gênero (ALVAREZ, 2015).

Portanto, é importante destacar que os núcleos são parte essencial dos espaços urbanos, pois representam os pontos de encontro e interação entre os diferentes atores sociais e culturais presentes em um território, sendo que esses locais são fundamentais para a produção e circulação de bens, serviços e informações, e representam um importante mecanismo para a promoção do desenvolvimento social e econômico de uma região.

2.2 A segregação socioespacial oriunda do desordenamento urbano

Para iniciar discussão, a segregação se manifesta, principalmente, pelo acesso desigual a bens e serviços nas cidades, como moradia, educação, saúde, transporte, entre outros, desempenhando um papel influente na forma como os grupos sociais se relacionam entre si. A segregação urbana também contribui para a concentração de desvantagens, como pobreza, criminalidade, violência e desemprego, que são mais intensos nos bairros de menor renda (FRANÇA, 2017).

Os especialistas em Políticas Públicas têm desenvolvido trabalhos que possam reverter esse quadro, com foco na criação de políticas que incentivem a inclusão social e a promoção da igualdade nas cidades. Alguns dos exemplos que vêm sendo adotados incluem a construção de habitações populares, a implantação de programas de educação e saúde, a melhora dos serviços de transporte e o alívio de áreas degradadas (ALVAREZ, 2015).

Existe, assim, a desigualdade de acesso aos bens e serviços que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população. Este fenômeno é conhecido como segregação socioespacial, pois se trata da diferenciação da distribuição espacial dos serviços e acessos aos bens que cada grupo social tem (ALVAREZ, 2015).

Conforme aponta França (2017), a segregação socioespacial é um fenômeno presente em muitas cidades, onde o território é fragmentado em classes sociais distintas. Nestas áreas, a população mais pobre encontra-se em condições precárias, sofrendo a falta de acesso aos serviços públicos e a falta de investimento na região. Estas populações sofrem ainda com problemas como a criminalidade, a violência, as doenças e a desigualdade de direitos.

Castelo Branco (2012), por sua vez, aponta que a segregação socioespacial também pode ser observada na infraestrutura urbana, como por exemplo, em áreas com baixo nível educacional ou empregabilidade. Estas áreas possuem menos serviços e equipamentos públicos, como parques, bibliotecas, escolas, hospitais e outros. Esta desigualdade na distribuição dos serviços e acessos às oportunidades acaba por gerar a segregação socioespacial.

Conforme ressalta Rodrigues (2003), a segregação socioespacial contribui para a desigualdade social, pois impede que pessoas de determinados grupos tenham acesso a iguais direitos e oportunidades. Ela também tem como consequência o aumento da desigualdade de renda, ao limitar o acesso a empregos e às melhores regiões para morar. Além disso, a segregação tem um efeito profundo na mobilidade espacial, pois as pessoas podem ser impedidas de se mudar para determinadas áreas, limitando assim sua capacidade de se desenvolver e prosperar. O mesmo ocorre com a inserção no mercado de trabalho, pois as pessoas podem ser impedidas de ocupar determinadas posições ou empregos, o que limita suas possibilidades de obter renda.

Com isso, Villaça (2014) ressalta o seguinte:

A segregação é um reflexo direto da desigualdade social que existe em nossa sociedade. Ela reúne diversos aspectos da desigualdade, incluindo desigualdades de classe, raça, gênero e etnia. A segregação espacial urbana é um dos mais fortes indicadores da desigualdade que existe em nosso país, pois mostra como as pessoas de diferentes grupos sociais e econômicos estão distribuídas nos espaços urbanos. Esta desigualdade pode ser vista em muitas áreas, como a educação, o emprego, o acesso a serviços, o estilo de vida e o acesso à saúde. A segregação espacial urbana cria barreiras que dificultam ou impossibilitam o acesso a oportunidades e serviços para aqueles que vivem em áreas segregadas, o que contribui para a perpetuação da desigualdade social (VILLAÇA, 2014, p. 25).

Conforme ressalta Villaça (2014), a falta de oportunidades de emprego e de formação profissional adequada para a população desfavorecida contribuiu para o aumento dos níveis de desemprego, o que por sua vez levou à criação de áreas de exclusão social. Estas áreas caracterizam-se por serem áreas deprimidas, onde a população tem dificuldades de acesso ao emprego e aos serviços de saúde, habitação e educação. Já a má qualidade de vida presente nos bairros mais marginalizados contribui para o aumento dos problemas de saúde, da criminalidade e da violência, caracterizando estas áreas como locais de vulnerabilidade social.

O déficit habitacional é um dos principais elementos que propagam a desigualdade urbana. Etimologicamente falando, é a diferença entre a oferta de moradias disponíveis e a demanda por moradias, ou seja, a quantidade de pessoas que não possuem uma moradia adequada. Esta deficiência na oferta de moradias tem gerado a ocupação de áreas irregulares, o aumento da demanda por aluguel e o consequente aumento dos preços dos imóveis. Com isso, aqueles que não possuem os recursos financeiros necessários ficam excluídos do mercado de moradia e, consequentemente, da cidade (PINTAUDI, 2016).

Na visão de Denaldi (2022), essa exclusão cria uma desigualdade entre os cidadãos, pois aqueles que não possuem os recursos para arcar com a moradia adequada são obrigados a se contentar com opções inseguras e precárias, como moradias em áreas não apropriadas, por exemplo. A desigualdade também é perpetuada, pois a falta de moradia adequada impede o acesso à educação, trabalho e saúde, o que significa que aqueles que já estão em situação de vulnerabilidade tendem a se manter nessa condição.

O principal problema decorrente desta ausência de políticas públicas é a formação de áreas desfavorecidas, onde a segregação social e racial é intensa. Estas áreas são frequentemente afetadas por falta de serviços básicos como água potável, saneamento, iluminação e transporte público. Existe também uma falta de investimento em infraestrutura, o que significa que os espaços físicos não são adequados para melhorar a qualidade de vida das pessoas, sendo que essas áreas são normalmente caracterizadas por altos índices de criminalidade, desemprego, falta de educação, saúde e outras questões socioeconômicas (DENALDI, 2022).

A falta de políticas públicas para as áreas urbanas também tem outras consequências. Por exemplo, a desigualdade entre as áreas ricas e pobres aumenta, pois há menos incentivos para as pessoas de baixa renda para se mudarem para áreas mais ricas. Isto pode levar a um aumento da desigualdade na cidade, pois as pessoas mais ricas geralmente têm acesso a serviços melhores e mais diversos. Além disso, a segregação urbana também pode afetar o desenvolvimento econômico de uma cidade, pois as áreas mais desfavorecidas tendem a ter menos investimentos em infraestrutura e serviços (DENALDI, 2022).

A partir deste contexto, Santos (2015) destaca que o Estado brasileiro se tornou, cada vez mais, responsável por garantir programas de habitação que buscam atender a população de baixa renda. Estes programas se desenvolveram em paralelo às políticas econômicas neoliberais, no que se refere à privatização da produção e gestão de moradias, e à promoção de formas de financiamento de longo prazo, como os consórcios habitacionais. O objetivo destes programas foi atender à demanda reprimida por habitação e às políticas estabelecidas pelo Estado brasileiro, que vem buscando garantir o acesso à moradia e às condições de vida dignas para as camadas sociais mais carentes.

É importante ressaltar que ao longo dos últimos anos vários estudos têm sido realizados para mapear a situação habitacional brasileira, como o Estudo Nacional de Déficit Habitacional (ENDH) de 2011, que detectou um déficit de 6,8 milhões de moradias em todo país. O Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído em 2009, veio para reforçar o compromisso do governo federal com a efetivação do direito à moradia digna. No entanto, as políticas de habitação e urbanismo não têm se mostrado suficientes para atender às necessidades da população brasileira, e ainda há demanda reprimida por moradias acessíveis.

É importante destacar que as desigualdades sociais, que estão presentes na sociedade, podem ser vistas através do acesso econômico aos bens materiais, à educação, à saúde, à cultura, à justiça e ao lazer, sendo que, muitas vezes, resultam em conflitos na sociedade, pois os grupos mais desfavorecidos lutam por direitos e oportunidades que são negadas pela sociedade.

A divisão social, na visão de Pintaudi (2016), também se manifesta na forma como as pessoas são tratadas de acordo com as suas condições sociais, o que acaba por limitar a mobilidade social e a igualdade de oportunidades, sendo que esse processo contribui para a marginalização de grupos vulneráveis, pois impede que essas pessoas tenham acesso aos mesmos direitos que a maioria da população. Isso, por sua vez, limita as oportunidades de educação, emprego e saúde, o que afeta diretamente a expectativa de vida desses grupos, gerando estresse, ansiedade e outras doenças mentais, que também influenciam negativamente na expectativa de vida. Por fim, pessoas mais desfavorecidas tendem a ser alvo de violência, criminalidade e outros fatores que contribuem para reduzir a expectativa de vida.

Outro fator levantado por Gonçalves (2015), aponta que violência também tem sido usada como um meio para impor a autoridade de grupos e indivíduos dentro dos bairros, o que contribui para a criminalização de comunidades inteiras e o aumento de desigualdades socioeconômicas, contribuindo assim para a marginalização e a exclusão social.

No contexto brasileiro, os principais casos de segregação socioespacial ocorrem da seguinte forma (GONÇALVES, 2015):

  • Favelas: Geralmente são os bairros mais populares no Brasil, sendo formados por moradores de baixa renda que não possuem acesso a serviços básicos como água, energia elétrica e saneamento básico. Essas áreas são potentes alvos de violência, pois faltam recursos para sua conservação e desenvolvimento;
  • Invasão de áreas privadas: Esse fenômeno ocorre quando famílias de baixa renda invadem terrenos de propriedade particular para se estabelecerem. Estas famílias se aproveitam de áreas não usadas ou não vigiadas para estabelecer suas casas, sem considerar as leis e regulamentos locais;
  • Cortiços: Esse tipo de habitação são grandes edifícios que abrigam grandes famílias e são muitas vezes usados como alojamento temporário para imigrantes. Estas áreas são frequentemente caracterizadas por sua falta de infraestrutura e serviços básicos, assim como de condições de vida inadequadas;
  • Moradias em áreas de risco: É um dos principais casos de segregação no Brasil, sendo comum que famílias de baixa renda busquem abrigo em áreas que possuem riscos de desabamento ou inundação, pois são as únicas áreas acessíveis a eles. Estas áreas são frequentemente alvo de violência e oferecem poucos recursos para seus moradores.

Portanto, a segregação socioespacial é um fenômeno social que se manifesta na forma como os habitantes se distribuem no espaço, geralmente com base em questões de classe, raça, etnia, religião e outras características. O processo pode levar ao isolamento e à exclusão social, já que os grupos mais pobres e marginalizados tendem a ser concentrados em regiões mais distantes ou degradadas. Essas áreas, por sua vez, tendem a ter serviços públicos e privados de qualidade inferior, o que reforça a segregação socioespacial.

Vale ressaltar que, existem alguns autores que não enxergam a segregação como sinônimo de pobreza ou desigualdade. Por exemplo, Mukai (2019) defende que a segregação pode ser uma forma natural de agrupar pessoas com interesses e culturas semelhantes, e que ela pode até ser benéfica para a comunidade. Denaldi (2022), por sua vez, argumenta que a segregação pode permitir que as pessoas se relacionem com quem compartilha de suas experiências e interesses, o que pode ajudar a promover o bem-estar e a saúde da comunidade. Já Braga (2005), argumenta que a segregação não significa necessariamente desigualdade, pois pode haver igualdade de direitos e oportunidades para todos, independentemente de sua raça ou etnia.

2.3 O Direito a cidade sob a legislação brasileira

Ao longo dos últimos anos, o direito à cidade vem ganhando destaque na agenda pública brasileira, pois possibilita o acesso a serviços essenciais, como saúde, educação, cultura, lazer, transporte, saneamento e moradia. O direito à cidade é um dos principais componentes da luta por igualdade social no Brasil, pois leva ao reconhecimento dos direitos de todos os cidadãos, independentemente de sua classe social, raça, gênero ou religião (TAVOLARI, 2016).

Na visão de Denaldi (2022), o direito à cidade é muito mais do que um simples direito de acesso à infraestrutura urbana, pois busca promover a inclusão social, a diversidade cultural e a sustentabilidade ambiental, devendo ser entendido como um conjunto de direitos e responsabilidades, que devem ser garantidos a todos os cidadãos. Estes direitos incluem o acesso à moradia digna, ao transporte público, a serviços públicos de qualidade, à segurança pública, à mobilidade urbana, ao acesso à cultura e ao lazer, à educação e à saúde.

Para Mukai (2015), o direito à cidade engloba a participação efetiva de todos os cidadãos na construção de cidades mais inclusivas, que garantam direitos e responsabilidades iguais a todos os cidadãos. A luta pelo direito à cidade é inseparável da luta pela igualdade social e pelo reconhecimento dos direitos de todos os cidadãos, independentemente da sua classe social, raça, gênero ou religião.

De acordo com França (2017), os privilégios sobre o espaço no contexto brasileiro estão historicamente relacionados às desigualdades sociais. A distribuição desigual dos recursos e o acesso ao espaço urbano refletem a desigualdade social, pois a maioria das pessoas com menos recursos tem menos acesso às áreas mais privilegiadas da cidade. Estes padrões de acesso às áreas urbanas mais ricas, com mais oportunidades, estão intimamente ligados às práticas de segregação, que também contribuem para reforçar a desigualdade social no Brasil.

Carlos (2011), por sua vez, destaca que a cidade é um território que permite o desenvolvimento social e econômico e, portanto, é importante que haja um equilíbrio entre as partes, de modo que todos possam desfrutar das oportunidades que ela oferece. Ela argumenta que o direito de se viver na cidade não deve ser restrito a um grupo específico, mas deve incluir todos os indivíduos, independentemente de sua classe social. O autor ainda defende que a cidade deve ser planejada de maneira a garantir que os direitos de todos sejam respeitados e que todos possam contribuir para o seu desenvolvimento. Assim, ele aponta que o conceito de direito de se viver a cidade é um importante instrumento para promover a igualdade social e a justiça urbana.

A ideia de direito à cidade foi desenvolvida por Jacobi como uma alternativa às formas tradicionais de planejamento urbano. Rodrigues (2003) defende que o direito à cidade deve ser entendido como o direito de todos os cidadãos ao acesso às instalações e serviços urbanos, assim como a participação na tomada de decisões que afetam suas vidas. A esse respeito, Tavolari (2016) argumenta o seguinte:

O direito à cidade deve ser entendido como a responsabilidade dos governos em fornecer aos cidadãos as ferramentas e recursos necessários para aproveitar plenamente as potencialidades da cidade, como acesso ao transporte, habitação acessível, educação e serviços de saúde. Essas ferramentas e recursos devem ser fornecidos de forma equitativa a todas as classes sociais, de modo a promover o bem-estar geral e o desenvolvimento econômico da cidade. O direito à cidade, portanto, representa a ideia de que todos os cidadãos têm o direito à cidade que eles desejam, e que eles têm o direito de participar no processo de desenvolvimento da cidade. É isso que torna a cidade democrática, pois todos os cidadãos têm o direito de participar no processo de tomada de decisões que afetam a cidade (TAVOLARI, 2016, p. 19).

Nesse sentido, a desigualdade social, a discriminação, o preconceito e a concentração de riqueza são fatores que contribuem para a perpetuação dessas assimetrias, onde acesso à educação, à saúde, à cultura, ao lazer e à infraestrutura se tornam direitos inalcançáveis para grande parcela da população (TAVOLARI, 2016).

É importante que a Constituição Federativa 1988 foi a primeira a abordar de forma direta a temática das adversidades urbanas. Ela trata, entre outras coisas, de (BRASIL, 2022):

  • Direitos fundamentais ao meio ambiente e às cidades;
  • Responsabilidade do Estado na promoção do desenvolvimento urbano;
  • Participação da sociedade na gestão urbana;
  • Estabelecimento de princípios que regulam a ocupação e a utilização do solo urbano;
  • Proteção ao patrimônio histórico e paisagístico;
  • Garantias de acesso a serviços de qualidade e à habitação;
  • Promoção da igualdade social e da justiça urbana.

Os movimentos sociais urbanos, que precederam a constituinte de 88, foram grupos de cidadãos que procuram influenciar ou mudar as políticas e leis que regem o setor urbano da sociedade. Esses movimentos visam promover a justiça social, o desenvolvimento sustentável, a luta contra a pobreza e a desigualdade, a promoção da diversidade e a resistência à gentrificação. Os movimentos sociais urbanos têm uma variedade de estratégias para alcançar seus objetivos. Abordavam campanhas de protesto, educação e mobilização, pressão nos meios de comunicação, avaliação de impacto, alianças com outras organizações e ativismo legal. Alguns dos movimentos sociais urbanos mais conhecidos incluíam o Movimento por uma Cidade Justa, o Movimento de Direitos dos Moradores de Rua e o Movimento de Habitação Acessível (VILLAÇA, 2014).

De acordo com Veloso (2015), o processo de aprovação do Estatuto da Cidade foi um longo processo que durou mais de 13 anos. Ao longo desse período, muitas lutas foram travadas para garantir que a lei fosse aprovada. O autor ainda reitera que esse direito surgiu na constituição de 1934, que ganhou força de debate para a aplicação na década de 60, mas que foi duramente reprimida durante o regime militar, tendo uma reorganização a partir da década de 80.

O direito urbanístico é um ramo do direito ambiental que trata dos assuntos relativos ao uso e ocupação do solo urbano, ao planejamento urbano e à proteção do meio ambiente, tendo como objetivo dar aos proprietários de terrenos urbanos a responsabilidade de seguir regras específicas para que o uso e ocupação dos terrenos sejam realizados de forma adequada (BRAGA, 2005).

Nesse sentido, a Constituição tem como propósito estabelecer os princípios que regem a política urbana e estabelecer regras e diretrizes para o uso e ocupação dos terrenos urbanos, em que também prevê a responsabilidade dos proprietários de terrenos urbanos de cumprir a função social de suas propriedades, o que significa que eles devem contribuir para a melhoria da qualidade de vida e para o bem-estar da comunidade. Além disso, a Constituição prevê a possibilidade de usar instrumentos financeiros para promover a equidade urbana, como a criação de fundos para financiar programas de desenvolvimento urbano (SCHWARTZMAN, 2004).

A maior parte dos problemas sociais decorrentes da falta de acesso à terra tem raízes que se estendem desde a colonização. A desigualdade de acesso aos recursos naturais tem contribuído para a criação de grandes desigualdades econômicas, pois os grupos com menor acesso aos recursos tendem a ter menor renda e níveis mais baixos de educação, saúde e outras necessidades básicas (SCHWARTZMAN, 2004).

Na visão de Seixas (2013), esse caminho tomado pelo estado tem consequências diretas na segurança alimentar e nutricional das populações, uma vez que os grupos mais desprivilegiados não possuem condições de produzir e acessar alimentos saudáveis. Além disso, o aumento da desigualdade econômica tem também contribuído para o aumento da violência, pois os grupos mais pobres estão mais propensos a crimes e desordens sociais devido à sua vulnerabilidade econômica.

Outro aspecto importante que deve ser destacado é que a falta de acesso à terra tem contribuído para a destruição ambiental. A desigualdade de acesso aos recursos naturais tem incentivado a exploração inadequada de áreas florestais, a não preservação das águas e o uso excessivo de agrotóxicos, o que tem gerado grandes danos para o meio ambiente (SEIXAS, 2013).

Nesse sentido, torna-se evidente que a desigualdade de acesso à terra tem contribuído para o aumento da desigualdade social, da insegurança alimentar e nutricional e da destruição ambiental. É importante que sejam tomadas medidas para garantir o acesso igualitário à terra, tanto para a promoção dos direitos humanos, como para a proteção da saúde e do meio ambiente (SEIXAS, 2013).

2.3.1 Estatuto das cidades

O Estatuto das Cidades possibilita a promoção do direito à moradia e o bem-estar social por meio de um conjunto de medidas e políticas que visam ao desenvolvimento urbano e à melhoria da qualidade de vida das populações urbanas. Entre elas, estão a garantia de acesso à moradia adequada, a preservação dos bens e serviços ambientais, a participação social nas decisões urbanas, a priorização do uso eficiente do solo urbano, a oferta de equipamentos urbanos e serviços públicos de qualidade e a prevenção e o combate às desigualdades e à exclusão social.

O Estatuto da Cidade está inserido na Lei Federal nº 10.257/2001, que tem como principal objetivo estabelecer diretrizes para o desenvolvimento urbano socioambientalmente equilibrado. A norma estabelece que os municípios devem ter diretrizes para garantir a preservação ambiental e a qualidade de vida das populações urbanas. Além disso, a Lei estabelece diretrizes para a promoção da justiça social, com ênfase na valorização dos serviços públicos de abastecimento de água, esgotamento sanitário, energia elétrica, transporte coletivo, educação, saúde, lazer, entre outros. Outra importante previsão da Lei Federal nº 10.257/2001 é a destinação de recursos para a regularização fundiária e a implementação de programas de moradia (BRASIL, 2001).

O Estatuto das Cidades também está regulamentado pelas Lei n° 11.888/2008, que dispõem sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, sendo orientada pelos princípios de desenvolvimento urbano sustentável, de direito à cidade, de reforma urbana, de gestão democrática do território, de garantia dos serviços públicos essenciais à população, de integração social e de participação popular. Essas leis também estabelecem diretrizes para a gestão dos municípios, como a promoção do desenvolvimento integral, a proteção do meio ambiente, a preservação do patrimônio histórico e cultural, a promoção da igualdade social e o acesso universal à moradia (BRASIL, 2022; TAVOLARI, 2016).

Na visão de Rodrigues (2003), o Estatuto das Cidades foi um importante marco na história do Brasil, pois instituiu princípios fundamentais para o desenvolvimento urbano, como a participação popular, a descentralização dos serviços públicos e a universalização dos direitos à moradia. Porém, a partir dos anos 2000, é possível perceber que o Estatuto não foi capaz de produzir os resultados esperados em termos de equidade e desenvolvimento social e ambiental.

Para alguns autores como Lima (2012), a efetividade do Estatuto das Cidades foi muito limitada. Isso se deve ao fato de que as políticas públicas implementadas não foram capazes de superar os desafios estruturais enfrentados pelas cidades brasileiras, como a falta de investimentos em infraestrutura, a má distribuição de renda e a desigualdade social. Além disso, poucos municípios foram capazes de criar mecanismos de acompanhamento e avaliação de suas políticas de desenvolvimento urbano, o que torna difícil medir a efetividade do Estatuto das Cidades.

Outros autores como Carlos (2011), destacam que o Estatuto das Cidades trouxe resultados positivos para algumas cidades brasileiras, principalmente aquelas que conseguiram implementar políticas de desenvolvimento urbano corretamente. Nestes casos, o Estatuto foi capaz de promover o acesso a serviços básicos, a melhoria na qualidade dos serviços públicos e a redução da desigualdade social. Porém, é importante destacar que estes resultados foram possíveis graças ao comprometimento dos gestores municipais com a implementação das políticas de desenvolvimento urbano previstas no Estatuto das Cidades.

O Estatuto, na visão de Schwartzman (2004), funciona como uma “Caixa de ferramentas” para a construção de políticas urbanas locais, pois possibilita aos municípios a criação de leis e regras para regular a ocupação, uso e desenvolvimento do território urbano. Ele estabelece diretrizes e princípios para a gestão urbana, bem como direitos e deveres para os cidadãos. Também contém disposições sobre a divisão do território municipal, o planejamento urbano, as políticas de habitação, a preservação do meio ambiente, a infraestrutura urbana, a mobilidade, a qualidade de vida e a segurança pública.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o Estatuto das Cidades, que regula a organização territorial e a gestão dos recursos urbanos. O Estatuto das Cidades estabelece as responsabilidades do poder público, destinando competências à União, aos Estados e aos Municípios na gestão dos assuntos urbanos. Dividindo-se da seguinte forma (BRASIL, 2022):

  1. A União tem como competência regulamentar a organização do território brasileiro, estabelecendo diretrizes para as políticas urbanas, sendo responsável pela criação e gerenciamento de alguns serviços públicos, como saneamento básico, transporte público e telecomunicações;
  2. Os Estados têm competência para estabelecer e implementar diretrizes para o ordenamento territorial e para a execução de serviços públicos urbanos, como saúde, educação e segurança, com a responsabilidade de promover a integração entre cidades e regiões metropolitanas;
  3. Os Municípios têm responsabilidade na gestão dos serviços públicos urbanos, incluindo o planejamento urbano, o desenvolvimento econômico, a proteção ambiental, a mobilidade urbana e o uso e ocupação do solo, além de promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Em síntese, o estatuto procura criar um sistema eficiente de gestão urbana que permite o crescimento organizado e controlado da cidade, abordando vários aspectos como o uso do solo, o transporte, o planejamento urbano, a infraestrutura urbana, a educação, a saúde e a segurança. Além disso, visa a melhoria da qualidade de vida na cidade, buscando a preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento econômico e social. Por meio dessa organização espacial e urbana, é possível criar espaços públicos que são acessíveis a todos, incentivando a interação social e a melhoria da qualidade de vida.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao encerrar esse artigo, não resta dúvida quanto a tese de que a urbanização em regiões periféricas é um meio crucial para promover a cidadania e o desenvolvimento social. Vale ressaltar que a urbanização da periferia envolve a melhoria das condições de vida das populações carentes, promovendo o acesso a serviços básicos, como saneamento, infraestrutura, educação, saúde e lazer. Além disso, a urbanização da periferia ajuda a criar empregos, melhorar o acesso ao empréstimo bancário e oportunidades de financiamento, o que ajuda a promover a cidadania e o desenvolvimento econômico.

Analisou-se que, o estudo da segregação socioespacial no Brasil deve considerar os seguintes fatores: a forma como as cidades são construídas e organizadas, a existência de desigualdade entre grupos sociais, a forma como essas desigualdades são reproduzidas e reforçadas, e as consequências disso para a qualidade de vida da população. Em síntese, a segregação socioespacial é um problema complexo que envolve fatores políticos, econômicos e culturais, e que tem um profundo impacto na qualidade de vida da população brasileira.

Também se abordou o papel do Estatuto das cidades e o seu papel de estimular a boa governança nas regiões mais pobres. Para isso, ele exige que os governos municipais elaborem planos de desenvolvimento voltados para a melhoria das condições de vida da população, como a implementação de programas sociais, a promoção de investimentos e a criação de novas oportunidades de emprego. Também foram expostos os principais dilemas e estratégias interventivas para o desenvolvimento de estratégias de boa governança sobre a promoção de uma segurança social e combate à desigualdade.

Portanto, a urbanização da periferia pode ser um meio eficaz para promover a cidadania e o desenvolvimento social, e por consequência, a efetivação dos direitos humanos, pois ela ajuda a melhorar as condições de vida das populações carentes, promovendo o acesso a serviços básicos, criando empregos, melhorando o acesso ao empréstimo bancário e oportunidades de financiamento, melhorando a qualidade de vida e as condições de habitabilidade, aumentando a participação dos cidadãos na vida política e social da comunidade e, ainda, melhorando o acesso a serviços culturais.

REFERÊNCIAS

ALVAREZ, Isabel Pinto. A Produção e Reprodução da Cidade como Negócio e Segregação. In: CARLOS, Ana Fani A.; VOLOCHKO, Danilo; ALVAREZ, Isabel P. (Org.). A cidade como negócio. São Paulo, editora Contexto, 2015.

ANTONELLO, I. T. Potencialidade do planejamento participativo no Brasil. Sociedade & Natureza, 25(2), 2013, 239-254. http://dx.doi.org/10.1590/S1982-45132013000200003

BRAGA, R. Política urbana e gestão ambiental: considerações sobre plano diretor e o zoneamento urbano. In P. F. Carvalho & R. Braga (Org.). Perspectivas de gestão ambiental em cidades médias (pp. 95-109). Rio Claro: LPM-UNESP, 2005.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2001.

CARLOS, Ana Fani A. Urbanização, Crise Urbana e Cidade no Século XXI. In: SILVA, José Borzacchiello da. Panorama da Geografia Brasileira (org.) ANPEGE. Rio de Janeiro, 2011.

CASTELO BRANCO, A. F. V. A ação do Estado e do mercado imobiliário no processo de segregação socioespacial em bairros da Zona Leste de Teresina. 2012. (Tese de doutorado). Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2012.

CUNHA, Ricarlos Almagro Vitoriano. Direitos fundamentais e mundo da vida. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, n. 8, p. 115-134, 28 set. 2010.

DENALDI. Rosana. Urbanização de favelas no Brasil: trajetórias de políticas municipais. 1. ed. – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2022. 398 p.

FRANÇA, Danilo Sales do Nascimento. Segregação racial em São Paulo: residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI. Tese (Doutorado) –Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

GONÇALVES, Luiz Felipe de Oliveira. Reestruturação urbana e segregação socioespacial em cidades médias: o caso de Cabo Frio-RJ. In: XIV Simpósio Nacional de Geografia Urbana: Perspectivas e abordagens da Geografia Urbana no século XXI. Fortaleza, 2015.

HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins. 2014.

HOCHSCHILD J.L. Clarence N. Stone and the Study of Urban Politics. In: Power in the City: Clarence Stone and the Politics of Inequality. edited by Marion Orr and Valerie Johnson. Lawrence, KS: University Press of Kansas; 2008. pp. 317-334.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Tabela 1941 – Domicílios particulares e Valor do rendimento médio mensal domiciliar. Brasília, 2018. Disponível em:< https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1941>. Acesso em: 14 dez. 2022

LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2008.

LIMA, Thiago Almeida. Zonas Especiais de Interesse Social: A institucionalização da segregação sócio-espacial em João Pessoa – PB. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2012.

MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: anotações à Lei nº 10.257/2001. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. E-book.

PINTAUDI, Silvana Maria (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2016.

RIBEIRO, Marcelo Gomes. Território e Desigualdades de Renda em Regiões Metropolitanas do Brasil. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 58, n. 4, 2015, pp. 913 a 949.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas Cidades Brasileiras. São Paulo, editora Contexto, 2003.

SANTOS, César Simoni. Do Lugar do Negócio à Cidade como Negócio. In: CARLOS, Ana Fani A.; VOLOCHKO, Danilo.; ALVAREZ, Isabel P. (Org.). A Cidade como Negócio. São Paulo, editora Contexto, 2015.

SCHWARTZMAN, Simon. Pobreza, exclusão social e modernidade: Uma introdução ao mundo contemporâneo. Revisão traduzida. São Paulo: Augurium Editora, 2004.

SEIXAS, João. A Cidade na Encruzilhada: Repensar a cidade e a sua política. Porto: Ed Afrontamento, 2013.

SOUZA, M. L. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos (11th ed ed.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2016.

TAVOLARI, Bianca. Direito à Cidade: uma trajetória conceitual. Novos estudos CEBRAP [online]. v. 35, n. 1, p. 93-109, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.25091/S0101-3300201600010005>. Acesso em 15 dez. 2022.

VELOSO, F. A. O planejamento urbano enquanto fonte de pesquisa na geografia urbana histórica: análise dos planos diretores urbanos de Teresina-PI. In Anais do XIV Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Fortaleza: SIMPURB, 2015.

VILLAÇA, Flávio. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estudos Avançados, [S. l.], v. 25, n. 71, p. 37-58, 2014. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10597>. Acesso em: 17 dez. 2022.


1Mestrando do Curso de Direitos Humanos, do Programa de Pós-Graduação de Direitos Humanos – PPGDH, pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Jacobina, Bahia, Brasil. E-mail: mcadv.25@gmail.com. Orcid iD:https://orcid.org/0009-0005-8647-5385. Telefone: (074) 98115-8269.

2Mestranda do Curso de Direitos Humanos, do Programa de Pós-Graduação de Direitos Humanos – PPGDH, pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Bolsista da CAPES. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: suzanaadvamorim@gmail.com. Orcid iD:https://orcid.org/0000-0001-6781-3936. Telefone: 81 98168-7118

3Mestrando do Curso de Direitos Humanos, do Programa de Pós-Graduação de Direitos Humanos – PPGDH, pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: frederico.siqueira@ufpe.br. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0001-6295-1106. Telefone: 81 99775-0897.

4Mestrando do Curso de Direitos Humanos, do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos – PPGDH, pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: lucaspaes132@gmail.com. Orcid Id: https://orcid.org/0009-0005-4247-2844. Telefone: 81 98184-954

5Mestra em Educação Matemática e Tecnológica – EDUMATEC, pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: suelmamorim@gmail.com. Orcid iD:https://orcid.org/0000-0001-9809-7899. Telefone: 81 98451-3713.

6Especialista em Treinamento Físico para Grupo Especiais: Do Molecular ao Clínico, do Curso de Educação Física do Centro Acadêmico de Vitória de Santo Antão – CAV, pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: sueldesamorim.86@gmail.com. Orcid iD:https://orcid.org/0009-0009-6577-9020. Telefone: 81 98692-0285.

7Licencianda em Pedagogia pelo Centro Universitário Facol – UNIFACOL. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: tatianeivone1999@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0002-1811-4869. Telefone: 81 99119-9598.

8Graduanda em Bacharelado de Enfermagem pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR, Jacobina, Bahia, Brasil. sabrinacostasa909@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0001-0437-7812. Telefone: (74) 98136-6974